História Mais do que eu deveria - Uma nova etapa.

Casar na praia sempre foi um desejo de Hadassa, ela nunca nem chegou a cogitar um outro lugar, não se imaginava realizando essa etapa da sua vida em qualquer outro ambiente, tinha que ser de frente para o mar, em algum lugar calmo onde as ondas tocassem de leve seus pés enquanto ela dizia sim. Poderia ser ao pôr do sol ou durante a noite, com o céu estrelado como testemunha. Queria todas pessoas que amava presentes, aqueles que de alguma forma fizeram parte de sua história com Renata, que ajudaram e torceram a favor do relacionamento. Contava os segundos para chegar ao altar e encarar os olhos da mulher que ela amou desde a primeira vez que a viu.

O lugar escolhido foi uma praia paradisíaca em Paraty, nessas últimas 3 semanas, depois que toda aquela confusão se acalmou, Hadassa viveu somente para planejar esse casamento, pois ambas queriam se casar logo para poder dar continuidade aos planos de viagem. Renata participava das escolhas, mas queria que a noiva fizesse tudo que tinha vontade, pois era o primeiro casamento e único, segundo Hadassa. Vê-la empolgada deixava Renata feliz, pois só assim ela conseguiu esquecer de tentar alguma vingança ou algo do tipo contra Eleonor. Isso lhe preocupava, não queria ver esse tipo de rancor tomar conta do coração da noiva, Renata sabia que essa descoberta só serviu para deixar mais uma marca dolorosa em Hadassa. Encontrou Isabel há poucos dias atrás, quando ela foi até a redação para escrever uma matéria para o G1 e aproveitou para dizer que ela não tinha esse direito de chegar do nada e jogar uma 'bomba', guardou essa conversa em segredo e não pretendia contar a Hadassa, fez isso como uma forma de encerrar o assunto.

— Meu amor, você já escolheu os padrinhos do seu lado? -Hadassa perguntava enquanto olhava algumas fotos de decoração no celular.

Renata não respondeu, parecia muito distraída olhando para a tela de seu notebook.

— Meu amor? -Hadassa tirou os olhos do celular e encarou a noiva, que estava sentada na poltrona em sua frente na sala de estar.

— Me perdoa, pequena, eu estava concentrada aqui não ouvi. O que você disse?

— Eu perguntei se você já escolheu os padrinhos do seu lado.

— Eu tenho alguns nomes em mente...

— Renata Fernandes, por Deus, o casamento é daqui a uma semana, eu preciso dos nomes. -Hadassa disse de forma impaciente.

Renata andava ocupada, estava escolhendo a sua substituta, analisava cada jornalista de forma criteriosa.

— Você disse que quer poucos padrinhos, então eu pensei em William, Maju, Lanza e André...

— Lanza é madrinha do meu lado. -Disse Hadassa no mesmo instante.

Renata tirou os óculos do rosto e pousou delicadamente no braço da poltrona, piscou lentamente tentando descansar um pouco as vistas.

— Então terei que arrumar outra... Quem você escolheu?

— Lanza, Ali, Rebeca e Bianca, são amigas minhas da época da faculdade.

— Eu as conheço?

— Não, elas moram em Buenos Aires, devem chegar daqui uns quatro dias.

Hadassa havia descoberto que os padrinhos não precisavam ser um homem e uma mulher, ela poderia optar por duas pessoas do mesmo sexo.

Renata assentiu, ainda estava um pouco pensativa, não estava sendo fácil escolher alguém para ocupar seu lugar, não por falta de competência e sim por estar encerrando um ciclo tão amado de sua vida.

— O Ali vai te levar ao altar, meu bem?

— Não mais. -Sorriu.

Renata ficou surpresa, afinal Hadassa já tinha convidado Ali há muito tempo atrás, quando elas noivaram.

— Eu decidi que quero que minha mãe me leve.

— Achei uma ótima escolha —Sorriu — E ela? Te deu uma última lição de moral por estar se casando comigo? -Brincou.

— Ela disse que dessa vez sentiu que perdeu a batalha. -Segurou a risada.

— Não acredito. -Renata falou de forma totalmente indignada.

Hadassa gargalhou.

— É brincadeira, meu amor. Ela ficou toda dengosa e disse que iria chorar, pois as vezes ainda não me vê como mulher...

— "Garota, você deixa de ser petulante" -Renata fez uma imitação horrível da sogra, mas que arrancou risadas de Hadassa.

As duas ficaram trocando olhares por um tempo, era impressionante como o tempo passava e as duas cada vez se amavam mais.

— Você tem certeza que quer isso? -Renata perguntou.

— Com toda e absoluta certeza.

— Esse casamento é vitalício, vou colocar mais de um bilhão de reais de rescisão desse contrato. -Sorriu.

— Cuidado, se você colocar esse valor e depois quiser se separar eu vou chorar muito, porém em um travesseiro de dinheiro. -Riu.

— Danadinha. -Retribuiu o riso.

— Não vou me divorciar de você por nada nesse mundo, e nem adianta você querer, vai ter que me aguentar até os últimos dias de nossas vidas.

Renata fechou o notebook e colocou na mesa de centro, se levantou e sentou ao lado de Hadassa no outro sofá, acariciou carinhosamente os cabelos dela e depois lhe deu um beijo demorado.

— Meu coração é mais seu do que meu. -Renata falou num sussurro.

Hadassa olhava de perto o sorriso dela, a forma como sua boca era perfeitamente desenhada lhe deixava encantada, começou a contornar seus lábios com a ponta dos dedos, fez isso várias vezes até Renata lhe dar uma mordida carinhosa, porém forte.

— Ai, amor! -Hadassa puxou os dedos imediatamente.

— Desculpa, eu não resisti. -Riu.

— Eu sei que já te disse isso um milhão de vezes, mas vou falar de novo, eu sou completamente apaixonada pela maneira como seus lábios são desenhados.

— Pode dizer o quanto quiser, eu não me canso de ouvir.

Hadassa lhe deu vários selinhos em seguida, amava a maneira como Renata era carinhosa.

— Já escolheu para qual país vamos viajar primeiro?

— Pensei na Escócia...

Hadassa esboçou um semblante de desânimo, queria visitar outros países.

— A Lanza também detestou, vocês duas parece que combinam as coisas. -Revirou os olhos.

— Que tal Noruega? -Sugeriu com animação.

— Muito frio, vamos deixar para o final da viagem.

— Ah não, amor, na Escócia também é frio. -Hadassa protestou.

— Vamos para a Grécia para acabar de vez com a briga, e isso não é uma votação, neném.

Hadassa tinha um largo sorriso no rosto, amou a sugestão da noiva.

— Meu amor, eu estava pensando, como vamos levar os nossos animais? -Hadassa parecia preocupada.

— Eu pedi para o meu assessor fazer os documentos necessários, minha vontade é de não levar essa cabra depois do que ela aprontou com as minhas plantas. — A voz de Renata era puro rancor, Hadassa teve que segurar o riso — Aliás, vamos ter que alugar uma casa, porque tem hotéis que não vão aceitar animais. -Suspirou fundo.

— Para mim parece ótimo.

— Lanza vai levar a gata dela? Porque se for não dá mais tempo, esses documentos demoram para ficar prontos.

— Não, amor, a Andréia levou a gata com ela. -Suspirou fundo.

Renata ficou em silêncio apenas encarando Hadassa, esfregou a mão no rosto lentamente, parecia estar procurando as palavras certas para opinar sobre esse assunto delicado.

— E para onde a Andréia foi?

— Ninguém sabe, ela só deixou o novo número do celular com a Lanza e sumiu, Re.

— A Andréia gosta de um mistério, né? Coisa chata isso, deveria ter feito curso para ser detetive então.

— Pelo que eu conheço ela, ela deve ter ido para aquelas praias das Filipinas ou Dubai. -Hadassa tentava se lembrar de mais algum país que combinava com a personalidade dela.

— "Pelo que eu conheço ela". -Renata brincou e em seguida revirou os olhos.

— Não começa, Renata, você... ai que raiva. -Apertou os punhos, fazendo a noiva gargalhar.

— Amanhã a gente tem um jantar para ir na casa do William, nós vamos dizer à equipe quem escolhemos para ficar no meu lugar. -Renata mudou o assunto.

— Quem foi escolhido?

— Surpresa, neném!

— Me conta, amor, por favor, eu não vou dizer a ninguém. -Suplicou.

— Só vai dizer para a Lanza, que vai contar para mais dez pessoas. -Riu.

****

No outro dia de manhã quando Hadassa descia as escadas para tomar seu café, pensou ter ouvido a voz da mãe, porém ignorou, Ester disse que só iria vir de São Paulo nas vésperas do casamento. Após descer mais alguns degraus constatou que realmente sua mãe estava ali. Ao se aproximar da cozinha reparou que ela estava tendo uma conversa com Renata.

— Hadassa é a única pessoa que eu tenho no mundo, além de meus pais que estão lá em Israel, do outro lado do mundo. -Disse com seu sotaque meio arrastado.

Ester havia passado algumas semanas em Israel, e sempre quando voltava parecia ter desaprendido o português.

— Você também tem a mim, Ester. -Respondeu Renata de forma paciente.

A mulher demorou um pouco para responder, deveria estar surpresa com a declaração da nora. Hadassa se aproximou um pouco mais da entrada da cozinha, em silêncio.

— Quero que cuide bem dela...

— E eu não cuidei durante esses anos? Porquê agora seria diferente?

— O que eu quero dizer é que você vai se casar pela terceira vez, e a Hadassa pela primeira vez, é diferente para ela. Eu só quero isso dure, porque não quero vê-la magoada.

Hadassa levou a mão ao rosto e se questionou sobre o porquê Ester ser tão briguenta.

— Pois é, minha sogra, se tem uma coisa que eu agradeço muito por ter todos os dias é o dom da paciência. — Soltou uma risada leve e descontraída — Você sabe que vai dar certo, Ester, já deu até agora. Nós somos muito felizes, e ainda bem que me casei duas vezes, já sei os erros dos anteriores que eu não devo fazer nesse. — Suspirou fundo — Mais alguma queixa?

— Não gostei dessa ideia de vocês irem viajar, eu não posso ficar sem ver minhas netas. -Protestou.

— Sabe, Ester, eu acho engraçado... você me odeia, porém ama as suas netas que são a minha imagem e semelhança. -Riu.

— Eu não te odeio, de onde você tirou isso? -Gaguejou.

— Minha intuição...

Renata falava de forma leve, não estava brava ou irritada, talvez estivesse gostando da conversa.

— Eu só acho que... -Ficou tentando achar as palavras certas.

— Você é ciumenta... Tudo bem, eu também tenho filhos crescidos, partilho desse sentimento as vezes.

Hadassa achou melhor entrar na cozinha antes que a mãe respondesse.

— Bom dia. -Disse e logo após foi abraçar a mãe.

Ester estava bonita como sempre, usava um vestido preto elegante, uma maquiagem leve que deixava em evidência sua beleza natural, o sorriso largo era o mesmo que Hadassa tinha visto em seu sonho dias atrás.

— Estava tendo uma conversa amigável com a Renata.

— Eu ouvi, você é muito encrenqueira, mãe. -Disse em hebraico.

— O que tem de mal em querer proteger a minha filha? -Respondeu na mesma linguem, deu um gole em seu café e logo após piscou para Hadassa.

Hadassa revirou os olhos, porém sorria, estava com tantas saudades da mãe que não conseguiu ficar brava. Renata observava sem entender nada do que elas diziam e também não quis perguntar, apenas fingiu que não se importou, mais tarde disse a Hadassa que iria aprender a falar alemão para se vingar.

Ao anoitecer Hadassa começou a se arrumar para o jantar na casa de William, optou por um vestido azul claro de corte elegante, já Renata por um preto. Hadassa pediu para pintar os lábios dela de vermelho vivo e depois não parava de olha-la querendo tirar o batom no beijo. Ester também iria, pois só assim conseguiriam levar as gêmeas, que passaram a tarde toda coladas na vó.

O clima na casa de William era alegre e descontraído, Hadassa aproveitou para rever alguns colegas da redação. Passou boa parte do jantar ao lado de Ali conversando sobre muitas coisas, observou que a mãe conversava com um William, o assunto parecia estar bastante interessante, não demorou muito e eles se aproximaram.

— Estava aqui fazendo um convite para sua mãe, Hadassa. -Disse William.

— Ah, é mesmo? -Hadassa sorriu.

Mas antes que William continuasse falando, a conversa foi interrompida por Iara, que estava nitidamente entediada no sofá, ao lado de Hadassa.

— Acho que a vovó tem um namorado novo. -Olhou de William para Ester.

— Iara, minha filha... -Hadassa tentou frear a menina de maneira discreta.

— Mamãe Re vai ficar feliz, ela disse que a vovó estava precisando. -Suspirou fundo e cruzou os bracinhos.

Hadassa tentou se controlar, mas quando percebeu seu rosto estava pegando fogo de vergonha. Ester deu um pequeno sorriso, cerrou os dentes e olhou em direção a Renata, que conversava com Maju e outros colegas. William não se importou e deu muita risada junto com Ali, que pegou a afilhada nos braços e saiu andando pela casa para que ela não soltasse mais nenhuma pérola.

Antes do jantar ser servido, William bateu com a ponta do garfo na taça para chamar atenção de todos, Renata estava ao seu lado.

— Bom... — Começou — Todos já sabem qual o motivo desse jantar, a Renata está nos deixando. Ela pediu para eu não fazer nenhum discurso porque ela é chorona, mas vou ter que passar por cima de sua ordem.

Renata sorriu de maneira tímida.

— Quando o Ali me disse que a Patrícia estava saindo do JN e precisaríamos escolher outra jornalista para o cargo, imediatamente seu nome veio em minha mente. A fama da sua competência já corria pelos corredores da emissora, não tive dúvidas de que você iria deixar seu nome marcado na história do nosso jornalismo e iria influenciar uma geração inteira à almejar essa profissão... E me desculpe todos vocês que são amigos da Renata, mas a pessoa que foi mais privilegiada em trabalhar com ela foi eu, porque eu ganhei uma amiga, uma conselheira que me confiou a apadrinhar uma das filhas, que sempre me ouviu e se esforça o máximo para me entender. Atravessamos tantos momento críticos, notícias ruins, catástrofes, já fomos até  ameaçados, e o que mais me deixava surpreso é que em todas essas situações a Renata levantava a cabeça e seguia em frente com o sorriso no rosto, isso muitas vezes me encorajou a não deixar tudo e dizer 'Olha para mim já deu'.— Entrelaçou seu braço nos ombros de Renata — Tudo que eu falar de bom aqui hoje não vai chegar nem aos pés do que você merece, admiro o seu caráter, sua paciência, que já pode virar assunto de TCC para alguns psicólogos. — Todos riram, Renata mordia os lábios, tentava prender o choro, mas seus olhos brilhavam — Eu fico muito contente com o nome que você escolheu para te substituir, mas eu vou ser sincero, vou sentir muito sua falta, aliás todos nós. Vamos demorar um pouquinho para nos acostumarmos com a ideia... Ela disse que iria chorar se alguém fizesse discurso, mas quem acabou chorando fui eu. -William sorria ao limpar algumas lágrimas discretas do canto dos olhos, abraçou Renata com força, todos aplaudiram, eles ficam um tempo assim.

André do G1 trouxe um buquê de rosas vermelhas para Renata, ela tentava se segurar, mas grossas lágrimas escorriam de seus olhos.

— Eu não sei nem por onde começar — Encarava as flores — É como diz minha mãe "Tudo tem um final", não é um adeus, eu vou continuar escrevendo um artigo ou outro para o G1 quando eu tiver tempo. Agora por enquanto pretendo aproveitar muito a infância das minhas duas filhas — Olhou para lara, que ainda estava nos abraços de Ali — Iarinha terrível, mamãe vai estar em casa agora para cuida você e aquela sua cabra terrível.  — A menina cobriu o rosto com as mãozinhas. — Escolhi o jornalismo porque eu sempre quis fazer a diferença na vida das pessoas, e eu acredito que consegui fazer isso levando informação e iluminando as pessoas de alguma forma no meio dessas trevas que passamos nos últimos anos. Eu sempre me destaquei nesse meio porque eu amo o que eu faço e isso é a fórmula para o sucesso. Eu tinha prazer em acordar cedo ou passar madrugadas em claro escrevendo, pesquisando, correndo atrás dos fatos... Eu saio hoje com a sensação de dever cumprido, muito satisfeita com tudo que conquistei, e grata por trabalhar com cada um de vocês. — Olhou para William — Você é o amigo e companheiro de trabalho mais incrível que alguém pode ter. Espero que vocês não se esqueçam de mim, porque eu nunca vou me esquecer de vocês. Meu muito obrigado! -Renata não conseguia mais falar, já estava com a voz embargada, as pessoas lhe aplaudiram por vários minutos, Aurora correu ao encontro da mãe e pulou em seu colo.

— Quem sabe essa daqui não vira uma jornalista? -William acariciou os cabelos dela.

— Quer ser jornalista que nem a mamãe? -Renata perguntou para ela.

Aurora assentiu com a cabeça e beijou o rosto de Renata.

— Eu quero que vocês recebam com muito carinho essa pessoa que eu escolhi, porque assim como eu ela ama o que faz, é dedicada, esforçada, uma mulher que eu admiro e amo muito. — Renata estendeu a mão para Maju, que estava ao seu lado esquerdo.

Maria Julia Coutinho foi escolhida por Renata para substitui-la.

— Te desejo todo sucesso do mundo. -Renata a abraçou.

A noite foi muito agradável, Renata se emocionou muitas vezes, Hadassa riu muito com algumas histórias engraçadas que ela não sabia ao respeito da noiva.

— Quero café na cama todas as manhãs. -Renata cochichou em seu ouvido.

— Só o café, meu amor? -Sorriu.

— Eu tenho uma listinha para te passar mais tarde.

Hadassa lhe deu um selinho e logo depois uma mordida carinhosa em sua orelha. Uma nova etapa começava na vida das duas, já que Hadassa também havia encontrado um substituto para ela na empresa. Agora elas poderiam fazer tudo o que quisessem, sem se preocupar com horários ou com o trabalho.