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História Mais do que eu deveria - Suiça.


Escrita por: romana_66

Capítulo 51 - Suiça.


Fanfic / Fanfiction Mais do que eu deveria - Suiça.

Shivá é o nome dado dentro do judaísmo para se referir ao período de sete dias de luto mantidos pela morte de uma pessoa próxima. Hadassa se recolheu junto a mãe em seu apartamento em Copacabana, nos três primeiros dias Ester permaneceu na cama, não queria falar e nem ver ninguém, saia do quarto apenas para recitar o Kadish (prece em memória aos entes falecidos).

Hadassa implorava para a mãe se alimentar, mas raramente obtinha sucesso. Todos os dias olhava o mar pela vidraça e sentia uma imensa vontade de ir nadar na praia, como se algo na água lhe chamasse, mas em respeito à religião da família e seu pai, ela não colocou o pé para fora do apartamento. Hadassa decidiu não cumprir todas as etapas do luto no judaísmo, que consistia em várias etapas num período de 12 meses. Não tinha dúvidas que a mãe cumpria à risca tudo que estava escrito nos mandamentos, mas ela tinha escolhido outras maneiras para superar a dor.

Durante esses dias que ficou trancada em casa, conversava com Renata apenas por celular, estava com tantas saudades, esse distanciamento fazia as coisas piorarem mais ainda, porém tinha conhecimento de que sua mãe precisava dela mais do que nunca, não poderia abandona-la, Hadassa sabia que as coisas não seriam fáceis por enquanto.

Depois do 7° dia Ester saiu do quarto, estava pálida, com olheiras roxas, Hadassa sentiu vontade de chorar quando viu a mãe naquele estado, porém resolveu adotar uma postura mais firme.

— Os sete dias acabaram ontem, você já pode começar a voltar à rotina aos poucos a partir de hoje. -Encarou a mãe.

Ester caminhou lentamente até a mesa da cozinha onde Hadassa estava, se sentou, ficou em silêncio encarando o nada.

— Mãe?

— O que foi, Hadassa? -Perguntou baixinho.

— Eu disse que os sete dias de resguardo acabaram ontem, está na hora de, aos poucos, começar a retomar a vida.

— Eu estou de luto pelo resto da minha vida.

— Eu também estou, mas o pai não ia querer te ver assim, se deteriorando a cada dia que passa.

— Hadassa, me deixa, eu quero ficar quieta.

— Mãe, por favor, eu estou te implorando, você não pode se entregar assim. -Hadassa parou de comer e encarou a mãe.

Ester nada respondeu, apenas serviu um copo de água e bebeu, Hadassa terminou de tomar seu café da manhã e se levantou da mesa.

— Onde você vai? -Perguntou ainda com os olhos fixos para o nada.

— Vou até o escritório do pai, preciso fazer um levantamento de tudo, saber quais negócios ele tem na cidade, essas coisas.

Ester assentiu com a cabeça.

Quando Hadassa já estava na entrada da cozinha, parou de súbito ao ouvir a voz da mãe, agora em tom mais alto e firme.

— Hadassa, eu quero ir para Israel.

Sentiu seu coração afundar no peito, ela sabia que a mãe não ficaria no Brasil por muito tempo, mas também não esperava que fosse tão depressa.

— Mãe, eu não sei se os aeroportos de Israel já estão recebendo brasileiros. -Hadassa se virou com cuidado para encarar a mãe, como se tivesse medo das próximas palavras.

— Não somos brasileiros, apenas temos nacionalidade desse país, somos israelense, podemos entrar a qualquer hora, falei com seu tio Benjamim, irmão de seu pai.

Ao ouvir a palavra "nós" uma angústia tomava conta de seu peito.

— Eu sei que somos israelense, mas não há voos do Brasil para Jerusalém.

— Não precisamos pegar um voo direto para Jerusalém.

— Vou ver o que eu posso fazer, mãe, enquanto isso, coma. -Hadassa deu as costas e saiu do lugar.

Hadassa não pôde evitar ficar irritada com a situação e ao mesmo tempo se sentia culpada, sabia que sua mãe estava fazendo o correto, pois ali no Brasil não havia nenhuma família agora, eram só as duas, ela tinha Renata, mas sua mãe estava destinada a solidão.

Naquela manhã teve uma reunião com os advogados de seu pai, fez um levantamento de todos os bens que ele possuía no Brasil e fora do país. Mesmo que evitasse pensar nisso, já tinha conhecimento que por enquanto não conseguiria conciliar o trabalho na redação com os negócios.

— E esse problema com a polícia federal?

— Agora as investigações vão esfriar, o foco deles era prender seu pai. -Respondeu Dr. Rafael.

— Quantos por cento do patrimônio do meu pai é ilícito?

Os dois advogados se entreolharam, surpresos com a pergunta.

— Zero por cento.

— Eu não sou idiota, antes vocês trabalhavam para o meu pai, agora trabalham para mim, se começarem a esconder os fatos vamos ter grandes problemas. -Sorriu com impaciência.

— Jamais vamos te esconder nada, assim como tínhamos imenso respeito pelo seu pai, vamos ter com você. -Respondeu Dra. Mariana.

— Então já pode começar a falar. -Hadassa cruzou os braços, se arrumou na cadeira e encarou ambos.

— Esse patrimônio que fizemos o levantamento é todo lícito e declarado, seu pai tem uma conta na Suíça onde ele guardava o dinheiro ilícito. -Dr. Rafael parecia ter medo da reação da menina.

— Estamos falando de quantos milhões?

— Muito mais de 30 milhões eu acho.

Dra. Mariana encarava o teto.

Hadassa não se surpreendeu nenhum pouco com o que acabara de escutar, sabia que seu pai não era nenhum santo.

— Isso é porque ele ficou nesse governo menos de dois anos, imagina se ficasse quatro anos. - Hadassa resmungou.

— O que você pretende fazer? -Dr. Rafael tinha um olhar atento sobre ela.

— Eu não sei, quais são as chances de a polícia chegar a esse dinheiro?

— Difícil, pois a conta não está em nome do seu pai, e sim de um amigo do irmão dele.

— Por acaso esse amigo é do Tio Caleb? -Arqueou as sobrancelhas.

— Esse mesmo. -Disse Dra Mariana.

Abraham tinha dois irmãos, Benjamin, o mais velho, era um judeu extremamente ortodoxo e seguia os mandamentos à risca, Caleb era o mais novo e mais problemático, sempre se metia em confusões.

— Só podia ser ele mesmo, essa perseguição toda da polícia foi em vão?

— O objetivo era assustar seu pai, o que ficou feio mesmo foi ele ter escondido o Queiroz, isso ia dar muito problema.

— Tudo bem, por hoje chega, vou ligar para o tio Caleb e amanhã continuamos. — Hadassa suspirou fundo — Por acaso meu pai me tirou do testamento dele? Porque ele ameaçou uma vez.

— Não, acho que ele só queria te assustar. -Riu Dr. Rafael

— Onde quer que ele esteja, falhou miseravelmente. 

Depois que saiu do escritório de seu pai, Hadassa seguiu para o Leblon, estava com muita saudade de Renata. Assim que a mulher abriu a porta do apartamento, ela apertou seus braços ao redor de seu pescoço o mais forte que pôde.

— Senti tanto a sua falta. -Murmurou.

Renata roçou seu rosto no pescoço de Hadassa, sorriu ao sentir o cheiro do perfume.

— Eu também, meu amor.

— Vem. -Renata pegou a mão da menina e a puxou até o sofá da sala.

Hadassa não parava de olhar os detalhes do seu rosto, era tão bom admira-los de perto outra vez.

— Como está... -Antes que Renata pudesse terminar a frase, Hadassa lhe beijou.

— Estava com saudades disso também. -Renata sorriu.

— Queria que você tivesse ido me ver ao menos um pouquinho à noite.

— Jamais, meu amor, seria um desrespeito com a dor da sua mãe.

Hadassa fez bico e suspirou triste.

— E como ela está?

— Mal, não se alimenta direito, só dorme a base de calmantes. - Hadassa esfregou as mãos no rosto — E agora quer ir embora para Israel o mais rápido possível.

Hadassa demorou alguns segundos para encarar Renata novamente, mas quando fez, viu uma tristeza profunda em seus olhos pretos.

— E me deixa adivinhar, ela quer que você vá também?

— Sim, mas minha vida é um assunto bem diferente que eu vou discutir com ela outra hora.

— Você quer ir morar em Israel também? -Renata tinha um certo temor na voz ao perguntar.

— Claro que não, meu amor, eu só quero que ela se recupere aqui e depois se mude para Jerusalém, assim ela não vai precisar que eu vá junto.

— Acho que vai ser meio difícil de você convencer ela.

— Eu sei, mas eu vou tentar muito, hoje mesmo irei falar com o rabino, talvez ele me ajude, quero que ela fique aqui pelo menos até o final do sheloshim que são 30 dias.

— O que é isso?

— É como se o luto tivesse alguns estágios, esse que passou de 3 há 7 dias é o mais intenso, segundo as tradições, é um momento só de sentir a dor, a várias restrições também, sheloshim é os 30 dias que se segue ao enterro é quando começamos a voltar a vida normal aos poucos, explicou.

— É sempre tão cheio de regras, eu fico confusa. -Renata franziu a testa.

— São 12 meses de luto, inclusive festividades para parentes próximos são proibidas, é visto como falta de respeito, minha mãe e provavelmente meus avós vão seguir à risca.

— E você?

— Vou encontrar outra maneira de expressar meu luto.

— Eu perguntei sobre sua mãe, mas e você, meu amor, como você está? -Renata acariciava os cabelos de Hadassa.

— Estou melhor, esses 7 dias se passaram tão rápido, as vezes eu ainda consigo sentir a sensação de quando você me contou. -Hadassa fechou os olhos por alguns segundos, sentindo o toque de Renata.

— Tudo vai melhorar. -Sussurrou.

— Vai sim, meu amor. — Deu um beijo na mão dela — Vai demorar um pouco até eu voltar para a redação, tem tanta coisa para resolver, aliás, tem um problema que eu nem sei como resolver.

— Acho que eu já até imagino o que é.

— Eu só sei que preciso falar com o meu tio Caleb o mais rápido possível. -Hadassa tinha um semblante desanimado.

— Meu amor, tenha cuidado, por favor não se meta em confusão.

— Eu juro que não procuro confusão, Renata, mas parece que eu tenho um imã para esse tipo de coisa, não consigo entender, paz não é uma opção. -Riu pela primeira vez em dias.

— A Lanza me disse que o dia que você souber o que é paz, vai estranhar. -Riu.

— Amo as reflexões de vida da Lanza, aliás, queria vê-la, estou precisando rir um pouco.

— Acho que eu estou perdendo para a Lanza. -Renata encarou a menina fingindo estar brava.

— Deixa de ser ciumenta, Renata Fernandes. - Deu vários selinhos na mulher — Aliás, você estava perfeita naquele programa de sábado.

— Você assistiu e nem me contou?

— Eu esqueci, meu amor. -Hadassa lhe lançou um olhar apaixonado.

Depois que saiu do apartamento de Renata, ela foi na sinagoga procurar o rabino, pediu para que o homem lhe ajudasse, mas ele também parecia não saber como convencer Ester, mas prometeu tentar. Hadassa sabia que não seria uma tarefa fácil, no fundo achava um pouco desleal também, pois estava colocando uma vontade sua à frente das necessidades de sua mãe.

No final da tarde ligou para seu tio Caleb, Hadassa percebeu que seu hebraico era mais fluente quando estava irritada, a ligação foi via Whatsapp pois era mais seguro, não tinha como ser rastreado.

— Oi, minha querida. -Disse seu tio ao atender.

— Você é um filho da puta. -Cerrou os dentes.

— O que é isso, minha sobrinha? -Disse o homem espantado.

— Você vai me ajudar a limpar essa bagunça a respeito daquele dinheiro na Suíça.

Houve um silêncio.

— O cartão estava com seu pai, não comigo.

— Não me interessa, eu quero todos os extratos bancários, eu quero saber de onde veio cada cédula.

— Hadassa, seu pai está morto, isso não importa mais.

— Se a polícia rastrear, eu não vou ficar com essa bomba nas mãos, e você vai ir preso.

— Não tem como ela rastrear. -Disse triunfante.

— Tem sim, tio Caleb, deixa se ser folgado.

— Sabemos que polícia do Brasil não dá conta nem de prender os bandidos daí, quanto mais aqui de Israel.

Caleb era mau caráter, porém de perigoso não tinha nada, era atrapalhado, piadista e sempre debochado.

— Gente como você é mal caráter.

— Assim você me magoa.

— Você precisa vir ao Brasil. -Hadassa estava praticamente mandando.

— Jesus Cristo! -Disse o homem na pura ironia, invocando o salvador da outra religião.

— Meu Deus, me dê paciência. -Suspirou fundo.

— Eu vou, fica calma. Agora me diz, o que você pretende fazer com esse dinheiro?

— Ainda não sei, mas usar é que eu não vou! -Quase gritou.

— Hadassa, por Israel, não me diz que você está pensando em devolver. Chega, estou suando frio ao pensar nessa possibilidade.

— Criatura, presta atenção, esse dinheiro é mais sujo que seu passado, se a polícia rastrear eu que não quero estar com ele em mãos.

— Não vai ser... 

— Tio, cala a boca, você não tem noção de nada, me sinto lidando com uma criança de 12 anos.

— Garota, deixa de bancar o paladino da moralidade.

Hadassa desligou a chamada.

Seu tio Caleb não se importava com nada, passou boa parte da vida viajando o mundo, sempre foi festeiro e mulherengo, seu avô dizia que ele era o desgosto da família.

Depois que terminou de apresentar o jornal, Renata ligou e avisou que estava esperando Hadassa no carro, em frente ao condomínio.

— A Renata mora aqui nesse prédio? -Perguntou Ester sentada no sofá da sala, ao ver que a filha estava saindo.

— Que susto mãe — Levou a mão ao peito— Não, ela mora no Leblon.

— Eu a vi hoje, aqui no estacionando do condomínio.

—Não era ela, é a Lanza, irmã gêmea dela, você saiu de casa hoje?

— Sim, fui até a nossa casa matar a saudade um pouco. -A voz da mulher estava embargada.

— Mãe, por favor, não fique indo lá, não gosto de te ver assim.

Ester não respondeu, se deitou no sofá e abraçou o travesseiro.

— Mãe?

— Hadassa, vai lá encontrar essa mulher e me deixa quieta.

— Eu só estou indo ver meu carro lá no estacionamento. -Gaguejou.

— Seu carro nem aqui está, aliás, ele é meu agora, já que Renata o devolveu.

Hadassa ficou em silêncio, achou melhor não responder a mãe, devagar foi fechando a porta, mas Ester lhe deu outro susto ao falar de súbito mais uma vez.

— Hadassa, não esquece que seu pai faleceu fazem 7 dias apenas, vê se não fica de safadeza com essa mulher, tenha mais respeito pelo nosso luto por favor.

Hadassa congelou, não sabia se saia dali o mais rápido possível ou se respondia a mãe, optou pela primeira opção. A cena teria sido muito engraçada se não fossem as circunstâncias no momento.

Foi o mais rápido que pode até o carro de Renata, seu coração já pesava no peito ao saber que hoje não iria dormir com ela outra vez.

— Demorou, meu amor.

— Estava conversando com a minha mãe. -Deu um selinho em Renata.

— Senti tanto sua falta hoje na redação, estava lembrando da primeira vez que a gente ficou no meu escritório.

— Às vezes eu acho aquele dia não existiu e foi um surto meu. -Riu.

— Por que, meu bem?

— Foi tão aleatório.

— Aleatório para você, eu já tinha planejado tudo. -Riu.

— Olha só que manipuladora. -Hadassa Sorriu.

— Para, você queria. -Sussurrou.

— Com certeza, já tinha imaginado aquilo mil vezes. -Mordeu os lábios, Hadassa não resistiu e a beijou intensamente.

Aos poucos a menina foi se entregando, quando deu conta já estava dando alguns gemidos, estava com tanta saudade de sentir a língua de Renata invadindo sua boca, o beijo dela era lento e safado. Levou suas mãos até a camisa dela e começou abrir os botões, sentia seu corpo estremecer, queria tanto subir em cima dela ali mesmo com o carro parado no meio da rua. Seus pensamentos foram ficando cada vez mais quentes e pervertidos, mas seu inconsciente resolveu lhe sabotar e a fala da sua mãe veio à mente, fazendo ela parar de súbito.

— O que foi? -Sussurrou Renata.

— Acho melhor eu subir, amor.

Renata encarou a menina um pouco curiosa, afinal, era a primeira vez que ela recusava.

— Está tudo bem?

— Sim, eu preciso ir.

Hadassa se despediu de Renata brevemente e saiu logo daquele carro, antes que mudasse de ideia. Uma parte dela lhe acusou de ser  hipócrita e a outra achou que sua mãe tinha razão, a confusão a fez ficar irritada, quando chegou em casa Ester ainda estava deitada no sofá.

— Que bom que já voltou.

Hadassa ignorou as palavras da mãe e foi para o quarto.



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