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História Mais que amigos, inimigos - Que. Grande. Merda!


Escrita por: hanabia

Capítulo 4 - Que. Grande. Merda!


Jongin ganhou a briga daquela vez; essa era conclusão óbvia após deixar Kyungsoo todo acuado e sem conseguir revidar suas palavras. Porém, não foi uma sensação de vitória que tomou conta de si enquanto via o menor sumir no corredor, os passos apressados como se fugisse de um animal venenoso.

Apertou a faixa amarela entre os dedos e fechou os olhos com força. Sem a presença do outro ali, e com o nervosismo aos poucos deixando seu ser, não era muito difícil reconhecer que tinha dito algumas bobagens e que talvez tivesse sido um pouco egoísta e arrogante em suas alegações. Afinal, quebrou o violão do Do, cujo valor ia muito além do material, então o que seria mais justo do que ele pegar algo precioso para si?

Jongin tentou responder tal pergunta e falhou. Agora, pensando com mais clareza, seu ex-melhor amigo só tinha feito exatamente o que ele próprio faria caso a situação fosse o contrário. Se estivesse na pele de Kyungsoo, tramaria algo muito parecido ou até pior, sem se importar se derrubar Wall foi algo proposital ou não. Focou nisso durante o caminho de volta para casa, esparramado no banco do carona de um dos seus companheiros de time. Não importava o fato de que, se parasse para encarar a situação de forma racional, ambos estavam igualmente errados e eram imaturos. Também já não importava buscar um culpado — ou o retentor da maior parcela de culpa —, era inútil.

Para o Kim, a briga ofuscou todos os outros acontecimentos daquela noite. Mesmo quando chegou em casa e recebeu um caloroso parabéns de seus pais, junto a um banquete para o jantar, não foi capaz de aproveitar a ocasião como deveria. E olha que aquilo era praticamente a concretização dos seus melhores sonhos: horas de paz com sua família, que só eram possíveis porque ocupava o primeiro lugar do ranking e por ter jogado bem.

Somente pensava que faltava algo, e essa falta revirava seu estômago. Céus, custava ter um pouquinho de paz para poder curtir suas conquistas?

— Talvez seja melhor pegar uma bolsa de esportes, não é, filho? — Seu pai teorizava sobre seu futuro, esse assunto era o que mais entretia-o. Jongin, que mal prestava atenção na discussão, sorriu fraco, quase perdendo o apetite ao pensar em faculdade, bolsa de estudos e afins.

Não queria conversar sobre isso, então deu de ombros e enfiou um pedaço de carne na boca. Não falar de boca cheia era algo que o patriarca levava a sério.

— Ainda é cedo para decidir, querido — disse sua mãe, salvando-o, mas ele logo soube que não deveria comemorar o fim da pauta. Coisa boa não vinha por aí. — Jongin, meu filho, lembra da senhora Choi, aquela que joga golfe comigo?

Viu só?

— Sim, mãe — respondeu desanimado, já prospectando a próxima garfada. — O que tem ela?

— Descobri que ela tem uma filha da sua idade — soltou a informação com uma expressão engenhosa no rosto —, não é maravilhoso? O que acha de vocês saírem? — Jongin murchou ao ouvir a proposta e perdeu o apetite de vez. — Ela é tão bonita e, pelo que eu soube, é inteligente, até pretende cursar Medicina. Quer ver uma foto dela? Eu pedi uma para…

— Mãe — interrompeu-a sem receio —, podemos falar disso depois? Estou um caco, só quero hibernar. — Fugir da conversa era sua melhor alternativa, bem melhor do que explicar que não estava nem um pouco interessado na tal filha da senhora Choi, nem em nenhuma outra garota.

Kim Jongin gostava de garotos, talvez de um garoto em específico. E, a cada dia que passava, ele tinha mais certeza disso.

Deu tapinhas nas próprias bochechas para espantar os pensamentos profundos que tinha quando parava para pensar sobre isso, sobre as verdades a respeito de si que talvez nunca fosse dizer em voz alta. Estava confuso; ao mesmo tempo que sentia um peso no peito, havia um vazio enorme e assustador.

— Está tudo bem, filho? — A mulher perguntou, pondo uma mão sobre a dele.

— Sim — disse em um fio de voz. — É só sono. — Precisava ser sono. Seria mais fácil de lidar se fosse.        

Ela assentiu, fazendo bico quando ele levantou sem terminar de comer. Antes que seu pai protestasse, inclinou-se para dar um beijo na bochecha dele, repetindo o mesmo com sua mãe.

— Boa noite, casal — falou, por fim. Chamava-os de “casal” desde que percebeu que eram uma família de propaganda de manteiga (aos olhos de quem os via de fora, é claro).

— Descanse, campeão — murmurou o senhor Kim.     

Jongin riu soprado. Queria que a melosidade durasse mais que aquele bimestre, que independesse da sua colocação no ranking ou do seu desempenho no time. No entanto, isso era pedir demais.

Tomou um bom banho, um muito mais completo do que os que tomava no vestiário da escola, e pôs um short frouxo. Ainda com os cabelos molhados, a toalha branca sobre os ombros, fez o que estava se coçando para fazer desde que subiu: foi em direção à janela e abriu uma frestinha da cortina. Quase sem querer, por pura coincidência arquitetônica, dali acabava tendo uma visão ampla do quarto de Kyungsoo — que, pelo que pôde bisbilhotar pouquíssimas vezes, continuava do jeito que lembrava, quase nenhum detalhe tendo mudado. Essas oportunidades eram realmente raras; o menor prezava por sua privacidade acima de tudo e a cortina vivia fechada. Todavia, achou que não custava nada tentar.  

Jongin sabia, até no raso do seu coração e da sua mente, que esperava ver o Do, que queria checar como ele estava após… brigarem. Entendia o motivo dessa preocupação? Não. Queria pensar afundo sobre isso? Também não. Mas foi esperando vê-lo que ficou ali em pé por uns bons minutos, até finalmente se dar conta de que era perda de tempo.   

— Você é patético — afirmou para si, as palavras que disse a Kyungsoo voltando à ponta de sua língua e fazendo-o querer voltar para o início da noite, quando tinha a opção de ter encarado tudo de forma diferente. — Mas não foi só culpa sua, ele também… — Pôs-se a discutir consigo mesmo e prolongou o monólogo mental até terminar de secar os cabelos.     

Quando se deitou em sua cama, respirou fundo e soltou o ar devagar. Estava cansado, moído, cada músculo de seu corpo doendo pelo esforço do jogo, mas só tinha prestado atenção em seu estado agora. Ao deixar a exaustão tomar conta, nem o arrependimento latente que sentia foi suficiente para que passasse a noite em claro. Dormiu feito um urso.

 

  

Junho marcou o fim do último bimestre do ano letivo. Além disso, trouxe um novo marco para o corpo estudantil de NewFort: fazia mais de um mês que o assunto dos corredores não era um desentendimento entre Jongin e Kyungsoo. Talvez esse fosse o novo recorde deles, e só talvez, porque as garotas que marcavam a contagem exata de dias perderam-se nas contas; era muita falta do que fazer.  

— Eu falei que você ia se recuperar. — Charlie fez uma dancinha animada em frente ao quadro principal de avisos. Era fim de tarde de uma sexta-feira e o ranking dos alunos atualizado havia acabado de ser divulgado. — Onde vamos comemorar?

— No meu queridíssimo quarto — declarou em tom divertido —, na minha cama, no meio dos meus lençóis e com um estoque de porcaria pra comer enquanto vejo alguma série. Sozinho. Por quê?

— Vou te bater! — E, após o aviso, ela deu um tapa no ombro dele. — Se você pensa que vai passar o verão inteiro enfurnado em casa, pode ir tirando o cavalinho da chuva, beleza? 

— É claro que eu vou sair, tem uns filmes bons que vão estrear — disse. — Só não vou sair hoje, nem amanhã, nem depois de amanhã. Quero colocar o sono e as séries em dias. — Ele tinha um ponto. A semana de provas tinha se encerrado, mas os alunos permaneciam com as sequelas de tantas horas de estudo.

— Nada disso. — Charlie era cabeça-dura, ainda mais quando a programação do primeiro final de semana das férias de verão estava em jogo. — O que você acha disso, Pietro?

— Deixa ele fazer o que quiser, não seja chata — respondeu o italiano, que até antes de ser chamado estava entretido mexendo no celular. Logo, bagunçou os cabelos dela apenas para implicar e recebeu um soquinho no meio das costas por isso. — Parabéns pelo primeiro lugar, Soo!

— Obrigado, Pietro, você é um amigo de verdade — afirmou o Do, somente para atiçar a garota, que semicerrou os olhos de forma ameaçadora. 

— Você e o seu advogado…! — Ela quase gritou, alternando o olhar entre os dois. — Não contem comigo para nada!

— Awn, que fofa. Ela não é fofa com raivinha, Pietro?

Pietro balançou negativamente a cabeça, rindo daquela baboseira, e confirmou:

— Até demais.

— Estou me retirando. — Charlie avisou, virou e saiu com um bico mau-humorado nos lábios. Puro teatro.

— Ela vai pra onde?

— Esvaziar o armário — respondeu Kyungsoo, somente então dando-se conta de que precisava segui-la para pegar uma coisinha. — E eu tenho que ir também — completou, fazendo menção a sair andando.

— Ei, espera aí — pediu Pietro, alcançando a mão do menor e segurando as pontas de seus dedos.

Kyungsoo não estranhou o toque de forma alguma, mas não deixou passar despercebida a forma como o olhar do seu amigo mudou quando encararam-se. O que estava acontecendo?

— O quê? — murmurou, tentando analisar a situação. Pietro abriu a boca para falar, mas logo desistiu. Inquieto, o Do alternou a perna de apoio e chegou um pouco mais perto para dizer: — O que foi?

— É… — crispou os lábios finos —, você não… não vai mesmo sair com a gente hoje?

O menor relaxou os ombros ao ouvir o questionamento, pensou que fosse algo mais sério. Então, falou:

— Hoje não. — Quando negou, olhou para os dedos que se tocavam. — Você quer conversar comigo ou…? Qualquer coisa, pode passar lá em casa amanhã e a gente...

— Não é isso — assegurou, soltando um suspiro audível. — Bem, na verdade, é isso, mas… — Atropelou-se na lógica. Kyungsoo nunca tinha visto Pietro nervoso assim, ele olhava para os lados e parecia ter medo de dizer algo errado. — Enfim, não é nada demais… só não… — Passou a língua nos lábios e não terminou a frase.

— Só não...?

— Não fica enfurnado em casa por muito tempo — completou e desfez o contato que tinham. — Não faz bem.

— Tsc, o clube dos cinco mais um nunca me cobrou tanto presença em reuniões — debochou. — Mas não se preocupe, Pietrinho, eu vou encher o saco de vocês até o final das férias. Se preparem!

— Sim, senhor. — Pietro retomou seu sorriso rotineiro, principalmente por ter ouvido um apelido carinho sair da boca do menor. — Agora vai lá. — Acenou para o corredor, onde já não era mais possível ver Charlie. — Até depois, Soo!

— Até! — exclamou, retribuindo o sorriso.

Ignorando a pulguinha recém-instalada atrás da sua orelha, que dizia respeito à atitude suspeita de Pietro, Kyungsoo se afastou acenando.

Deu uma corridinha para alcançar sua melhor amiga, a mochila quase vazia balançando em suas costas. Quando encontrou Charlie, que estava sentada no chão diante do seu armário e com uma série de livros no colo, tentou chegar perto sem fazer barulho. Sua presença passou despercebida por alguns segundos, tempo suficiente para que ele cutucasse a nuca da garota, que quase saltou pela surpresa.

— Que susto… — Ela levou a mão ao coração. — Quer me matar, seu bestão?

— Blá-blá-blá — balbuciou ao abaixar-se para ficar da altura dela. — Vim pegar aquela coisinha. — Quando disse isso, olhou ao redor para confirmar que nenhum outro aluno passava por perto.

— Finalmente — comemorou. Há dias implorava a ele para que fizesse isso. — Toma, leva essa coisa podre daqui. — Inclinou-se e tirou os tênis de Jongin lá do fundo do armário, segurando-os com a pontinha dos dedos. Sua expressão de nojo fez Kyungsoo rir. — Meu nariz agradece a cooperação.

— Vou lembrar de pedir pro Kai trocar de talco, não se preocupe — ironizou, pegando a basqueteira e colocando dentro de um saco plástico que trouxe na mochila (ele era preparado, ou não?). Sem demora, deu um nó bem apertado, para garantir que seus pertences não ficariam com o odor do chulé do Kim, e enfiou o saco na mochila.

— O que vai fazer com isso? — Charlie perguntou, seus olhos azuis o estudando por cima dos óculos. — Vai jogar fora?

— Não te interessa — declarou, mas só disse isso porque não tinha pensado muito bem nisso.

Ela não gostou da resposta que recebeu, contudo, já acostumada em como lidar com o Do quando ele era evasivo, ignorou-o e voltou sua atenção ao que fazia.

— Ei… — Após um pouquinho de silêncio, Kyungsoo murmurou. — Se quiser passar em casa amanhã...

— Mudou de ideia sobre comemorar o primeiro lugar? — Charlie mal deixou ele terminar de falar.

— Eu topo qualquer coisa que não envolva levantar da minha cama — explicou. — Pelo menos nesses primeiros dias de paz e sossego. Então, se quiser pedir uma pizza, ver um filme…

— Tudo bem — falou, entendendo completamente o melhor amigo. Por mais que parecesse sempre cobrá-lo por atenção, para que saísse com seus demais amigos e afins, Charlie era capaz de compreender o cansaço alheio (até porque ele, potencialmente, era o adolescente mais multitarefa daquela escola). Nada mais justo que passar o início das férias de molho no quarto, não é? — Eu te ligo quando for.

— Ok — murmurou, pondo-se em pé novamente —, agora vou pegar minhas coisas. Até depois, chata.

— Até depois, insuportável.

Já era noite quando Kyungsoo terminou a última tarefa do seu dia, ainda sem saber como tinha feito tanta bagunça naquele espaço minúsculo. Ao finalizar, sua mochila ficou estufada e seus braços ocupados com uns livros pesados — os que tinha escolhido para antecipar as matérias do próximo período letivo. Logo, deixou cuidadosamente o que carregava no chão para poder trancar o armário. Foi quando uma lembrança inoportuna perturbou-lhe.

Observou todas as coisas coladas na porta do seu armário, dos post-its coloridos repletos de anotações importantes para as provas, datas e rabiscos, às fotos de seus amigos, do seu cachorro e até a foto sua com seus pais que gelava seu estômago sempre que se dispunha a admirá-la. E, em meio a cada detalhe que fazia daquele seu próprio espaço em NewFort, recordou-se da polaroid que viu no armário de Jongin.

A leveza que sentia foi estragada, como acontecia em todas as vezes em que isso surgia em sua mente. Pensava nisso com uma frequência vergonhosa, gastava minutos se perguntando o que levou o pivô a pendurar aquela foto, refletindo no que ele sentia quando olhava para ela todo santo dia antes de treinar. Porém, Kyungsoo nunca achava uma resposta boa o suficiente, ou pelo menos uma que não desse a entender que… havia algo mal resolvido entre eles.

Suspeitava, pouquíssimo, que era a prova de que existia uma chance de voltarem a ser como eram. Amigos. Melhores amigos. Qual outra justificativa seria plausível para o Kim ter guardado aquela foto? Qual outro motivo explicaria isso tão bem se não o fato de Jongin ainda nutrir algum sentimento por si?

Se isso era bom, ruim, ou se era melhor permanecer indiferente, Kyungsoo não sabia dizer. Porém, naquele exato momento, criou em seu cérebro uma teoria intitulada Teoria do Possível Para Sempre — era péssimo com nomes. Afinal, seria possível a amizade deles ressurgir das cinzas?

Esse era o início de uma hipótese rasa, coisinha boba. Era só algo para queimar seus neurônios caso ficasse enjoado com matemática ou muito desocupado. Seria puro entretenimento: foi do que se convenceu ao passar pelo quadro principal de avisos ao sair da escola, observando seu nome e o de Jongin colados no topo.

Fazia mais de um mês que mal olhavam na cara um do outro. Não trocaram uma palavra sequer depois do jogo contra Synville High. Restaurar a amizade após anos e anos nutrindo a rivalidade, após todas as coisas que disseram um ao outro (das que saíram sem pensar às que exigiram pensamentos demais), era ilógico. Talvez tão ilógico que sua teoria recém-nascida já parecia uma piada.      

Bem, riria dela sozinho.

 

 

Era uma manhã de domingo ensolarada, não passava das dez horas. O Kim trajava um curto short de banho vermelho e seu corpo todo brilhava por conta da generosa camada de protetor solar que passou. Ali por perto, estava Brian, muito bem deitado em uma espreguiçadeira, conversando com outros dois membros do time de basquete. 

Jongin gostava do verão mais do que qualquer outra estação, e talvez o maior motivo para isso fosse o fato dos seus pais não se incomodarem com suas festinhas na piscina. Havia algumas regras, é claro. Não podia convidar mais de dez amigos, nem colocar a música em um volume muito alto, e todas as comidas e bebidas deveriam passar pela supervisão de sua mãe. Mesmo assim, conseguia fazer uma boa e divertida bagunça.

— Cadê? — O Kim gritou mais uma vez e Catherine deu de ombros, esquivando-se quando ele fez menção a fazer cócegas em si. O dono da casa andava de um lado para o outro há minutos buscando seu celular, que ela tinha escondido por vingança. — Eu preciso responder uma mensagem — alegou.

— Quem mandou me jogar na piscina? — argumentou.

— Cath… — Apertou os olhos, tentando parecer ameaçador. — Cathezinha...

— Não briguem, crianças — pediu Joshua, que apareceu de repente ao lado deles. Desde que eram crianças de verdade, ele era quem dava fim aos desentendimentos entre aqueles dois. Isso nunca mudou. — Aqui está. — E jogou o celular para o dono. — Tava na bolsa dela, Kai. Essa sua inteligência é muito seletiva, viu? Serve pra umas coisas e pra outras não.

— Não enche. — Jongin murmurou, segurando firme o aparelho e mostrando a língua para a garota como sinal da sua vitória.

— Chatos, vocês são dois chatos — murmurou Catherine, fazendo careta e cruzando os braços.

— Ei, cara, tão tocando a campainha. — Foi Nathan, também parte do time de basquete, quem avisou ao passar pelas portas francesas, que davam acesso à piscina, com uma bandeja enorme nas mãos, sua voz alta soando por todo o espaço. — A tia tá ocupada na cozinha, vai lá atender a porta.

Jongin riu soprado, porque nunca se acostumava com seus amigos chamando seus pais de tios, e também porque os considerava uns folgados, no bom sentido.

— Vocês chamaram mais alguém? — O Kim virou-se para os dois mais próximos de si e questionou.

— Eu não. — Catherine respondeu e logo afastou-se para curiar o que Nathan havia trazido para comerem.

— Acho que é o Pietro, ele veio pegar um negócio comigo — explicou Joshua —, vou abrir pra ele.

O pivô mudou de figura ao ouvir esse nome.

— Deixa que eu vou — concluiu, saindo com passos rápidos em direção à entrada principal.

Através da pequena tela que mostrava a imagem da câmera de segurança da porta, observou Pietro esperar ser atendido, as mãos dentro dos bolsos da jaqueta e o corpo balançando de um lado para o outro impacientemente. Pelo o que Jongin lembrava, ele nunca tinha ido até sua casa. Eles costumavam se encontrar por terem muitos amigos em comum e frequentarem os mesmos lugares, mas nunca trocaram muitas palavras, nunca ficaram a sós.

Esse pouco contato, porém, era o suficiente para fazer o Kim acreditar que Pietro não simpatizava consigo. Acreditava veementemente que isso se devia ao fato dele viver grudado com Kyungsoo, afinal era a sombra do menor nos limites NewFort e até fora deles. Mas o pivô não se importava muito, porque, veja bem, ele também não ia muito com a cara do italiano; algo no topete lambido e em seus sorrisos fáceis irritava-o.      

— Oi. — Pietro murmurou meio sem graça quando viu Jongin. — É… hm… o Joshua está aqui?

— Sim, lá atrás. — Tentou manter uma expressão neutra. Para além das dúvidas que tinha sobre o italiano gostar ou não de si, uma cena específica, que teve o azar de presenciar dias atrás, assolava sua paz. Se fechasse os olhos, podia ver nitidamente Kyungsoo e Pietro em frente ao quadro de avisos, de mãos dadas e corpos próximos, cochichando algo que a distância não lhe permitiu ouvir. — Entra. — Dito isso, gesticulou e abriu passagem.

— Bela casa. — Pietro rolou os olhos pelo lugar enquanto passava pelos cômodos e comentou.

— Obrigado — Agradeceu Jongin, sem prestar muita atenção no elogio e desviando o olhar das costas de Pietro.

Assim que chegaram na área da piscina, Joshua se aproximou e falou:

— Esse rolê surgiu do nada?

— Coisa do Soo — respondeu Pietro. — A gente tava jogando videogame, mas agora ele quer porque quer ir numa loja do outro lado da cidade comprar num sei o quê.

— E você tá ganhando quanto pra ser chofer dele? — Joshua perguntou com um sorriso zombeteiro no rosto.

— Haha, engraçadinho…

— Tô falando sério, oué. Tá na hora dele aprender a dirigir e do papai Do colocar a mão no bolso pra comprar ao menos uma caminhonete pro filho. — Deu de ombros enquanto falava.

Jongin ouvia a conversa calado e uma com cara de poucos amigos.

— Joshua… — disse, impaciente —, vai emprestar o carro ou não?

— Claro que vou — afirmou, tirando a chave do veículo do bolso de trás da bermuda que usava. — Cuidem bem do meu bebê. — E entregou a chave na mão de Pietro. — Mais tarde passo lá pra pegar, me avisem quando tiverem perto de chegar. 

— Beleza, valeu. — O italiano falou e sorriu mínimo. — Bem, vou indo.

— Eu te levo até a porta. — Joshua, como de costume, passou um braço por cima dos ombros do amigo.

— Tchau. — Pietro despediu-se de Jongin e acenou para Catherine ao longe.

 

 

Mesmo quando Pietro sumiu de seu campo de visão, Jongin não recuperou seu bom humor. E ficou frustrado por isso. Não se achava no direito de sentir uma gotinha do que quer que fosse a respeito da proximidade do italiano com seu ex-melhor amigo. Entretanto, estava sendo impossível de evitar. Era como se houvesse um diabinho em seu ombro imitando a forma como Pietro dizia “Soo” só para irritá-lo.        

— O que você tem? — Catherine perguntou ao sentar ao lado do Kim, que estava há minutos sozinho, quieto e com uma expressão azeda na face.

— Por que essa cara de...? — Joshua, que se juntou a eles em seguida, sentando-se na espreguiçadeira ao lado, ia dizendo quando foi interrompido.

— Não é nada — murmurou antes que qualquer xingamento saísse da boca de Joshua.

Os outros dois fingiram que acreditaram, a garota focada em terminar seu suco de laranja e o garoto brincando de girar o celular na mão. Até que Jongin, ainda receoso, soltou:

— Posso perguntar uma coisa?

— Até duas. — O amigo garantiu, inclinando o corpo para frente, já curioso.

— O Kyungsoo… — Começou a dizer, mas pausou para buscar uma maneira menos constrangedora de tirar sua dúvida. — Hum… ele e o Pietro… eles...?

— Eles…? — A garota repetiu, querendo que ele falasse de uma vez.

— Eles namoram?

Catherine abriu um sorriso envergonhado ao ouvir. Convivia com Kyungsoo e com Jongin há tempo o suficiente para saber muito bem o que isso significava. Então, sequer tentou zuar o pivô, sabia que deveria ter sido difícil ele criar coragem para perguntar, não queria estragar tal confiança.

— Que eu sabia, não. — Ela respondeu.      

— Eu acho que não. — Incrivelmente, Joshua respondeu sério. — Mas tenho minhas dúvidas.

— É, eu também. — Jongin pensou alto, olhando para os próprios pés.

— Por que está pensando nisso? — Joshua tacou sal na ferida sem perceber.

O Kim sabia que não tinha cabimento ficar repassando aquela cena em sua mente, muito menos buscar entender o que se passava ali. Não lhe dizia respeito.

— Não sei. — Jongin foi sincero.

— Eu também fico me perguntando isso às vezes — declarou Cath, para aliviar o peso das palavras do Kim. — Eles são muito grudados.

— Mas… — Joshua ia dizendo, no entanto recebeu um olhar da garota advertindo-o.

Jongin respirou fundo. Já estava se arrependendo de tudo que disse, então resolveu desconversar mudando um pouco o assunto.  

— É só que… é estranho — disse, a voz baixa fazendo a frase soar dramática.

— O quê? — Catherine indagou.

— Vocês serem amigos dele e meus também, porque eu e ele… não somos mais… amigos… — Seu plano de apenas levar a conversa para outro rumo falhou. Foi uma tentativa nada sutil, na verdade. E, ao dar-se conta que seus amigos perceberam isso, sentiu-se mais ridículo ainda.

— Me poupe, Kai. — Joshua cuspiu as palavras e cruzou os braços, a gentileza ficando de lado por uns segundos.

— É mais estranho ainda pra gente, acredite. Desde que vocês dois pararam de se falar, nós ficamos no meio dessa bagunça — lamentou Catherine. — Mas, me desculpa por dizer isso, cara, não temos nada a ver com sei lá o quê que houve entre vocês.

— E não precisamos escolher um lado. — Joshua achou necessário adicionar. — Somos amigos dos dois e pronto.

— Eu sei disso — falou Jongin. Esticou as pernas na espreguiçadeira e colocou as duas mãos atrás da cabeça, mantendo os olhos fechados por causa do Sol. — Mas é estranho do mesmo jeito... parece que vocês são mais próximos dele do que de mim.

Joshua riu alto, certa ironia escondida na forma com que tapeava a própria coxa de tanto que achou a afirmação do Kim engraçada. Não acreditava no que tinha acabado de ouvir. Fazia de tudo para permanecer neutro às confusões de Kyungsoo e Kai, para apaziguá-los, e era isso que ganhava em troca? 

— Qual é a piada? — gritou Nathan, saindo de perto da churrasqueira para se aproximar dos demais.

— Lá vou eu — anunciou Brian, segundos antes de se jogar na piscina, fazendo com que respingos d’água atingissem-nos.

— Ah, seu merdinha…! — Joshua levantou rápido e mergulhou para se vingar do capitão.

— Venham pra cá também, a água tá uma delicinha. — Um dos membros do time de basquete chamou Cath e Jongin.

— Bora, garotão. — Ela estendeu uma mão para Jongin, que levantou-se preguiçosamente. Não pretendia deixá-lo ali imerso em pensamentos, faria-o desopilar. — A gente fala disso depois, ok? Sem falta.

— Ok. — O Kim assentiu, soltando um sorriso meio murcho. — Obrigado, Cathezinha.

— Qual é?! — Catherine achou o agradecimento fofo, mesmo que não considerasse necessário; estava somente sendo uma boa amiga. Logo, segurou o rosto do pivô com as duas mãos e disse: — Tô aqui sempre que você precisar, bebezão. 

— Se beijem! — exclamou Brian, que estava encostado na beira da piscina e observava a cena.

— Talarico morre cedo, Kai! — Foi Joshua quem exclamou aos gritos.

Em resposta, Catherine o mostrou seu dedo do meio a todos os garotos, tentando disfarçar as bochechas coradas. 

— Não se preocupa, cara. — Jongin entrou na brincadeira. — Ela tá tão na sua!

Daí, mais um domingo ensolarado de férias se seguiu. Enquanto teve seus amigos ao redor, o Kim se permitiu esquecer da maioria das coisas que o perturbavam. Em meio às brincadeiras bobas e risadas, sentiu-se menos confuso. Deixou, então, que aquela barulheira se sobressaísse à vozinha que sussurrava em seu ouvido algo como “Por que você está pensando tanto em Kyungsoo?”.

 

 

Charlie levantou os óculos de sol e os repousou no topo da cabeça, precisava pegar seus óculos de grau na bolsa o mais rápido possível. Mesmo com os olhos quase fechados por conta da luminosidade do ambiente, viu Kyungsoo se aproximar e acenou animada.

— Olha só, alguém comprou uma calça nova! — Betty, que sempre reparava nas roupas dos amigos, comentou assim que o Do sentou-se à mesa. Seus cabelos agora estavam na altura dos ombros e tingidos de ruivo. 

O Clube dos 5+1 tinha combinado de almoçar em uma das mesas de cimento espalhadas pelo jardim da escola, coisa que o clima ameno do outono permitia. Era setembro, e o tão sonhado quarto e último ano do ensino médio havia iniciado há alguns dias. Era o começo do fim dos seus momentos juntos dentro dos limites de NewFort. E, como o melodrama de ir um para cada lado ainda não havia se instalado neles, não podiam estar mais felizes.   

— Eu gostei, você tá um gatinho. — O elogio de Charlie fez Kyungsoo descer o olhar para si mesmo, não enxergando o que ela viu de tão diferente.

— Gostei do vestido — rebateu ele. Ela tinha virado praticamente uma modelo desde o primeiro dia de aula, sabe-se lá o porquê. — Amarelo fica bem em você.

— Assim eu fico com ciúmes. — Pietro brincou. Estando ao lado do menor, levou uma mão até o meio das costas alheias e ficou fazendo carinho ali. — Comprou o quê? — baixou a voz e perguntou ao menor, que mostrou-lhe o pacote de salgadinhos e uma garrafa de suco.

— Eca, um casal — murmurou Joshua, enquanto mastigava metade de uma maçã.

— Deixa eles — pediu Catherine. A líder de torcida retocava o gloss labial recém borrado pelo molho do um sanduíche natural que comia. — Vocês formam um casal bonitinho.

— Casal?! — Kyungsoo indagou e riu alto, sem entender sobre o que aqueles dois estavam falando. Ele e Pietro eram amigos, apenas amigos. A ideia de serem algo a mais parecia um pouco… inusitada.   

Dada a reação alheia — que não foi muito contrária ao que esperava, mas que, mesmo assim, foi negativa em relação ao que queria ouvir —, o italiano encerrou o contato físico e focou em engolir seu almoço.

— Brincadeirinha. — Joshua ergueu as mãos em rendição.

— Tsc. — O Do revirou os olhos e, então, passou apenas a ouvir a conversa dos outros.

— Ei, vocês vão se inscrever pra quê? — Charlie perguntou. Logo, tirou um folheto da bolsa e mostrou aos demais. Era a lista das atividades extracurriculares que seriam ofertadas naquele ano, que continha todos os clubes, aulas-extras, times, equipes esportivas e organizações de eventos da escola. — Alguém quer fazer carpintaria comigo?

— Não. — Pietro e Joshua negaram em uníssono.

— Natação? — Ela insistiu.

— Pode ser uma boa. — Foi Catherine quem afirmou. — Mas duvido que a gente passe na seleção, são pouquíssimas vagas.

— Charlie, sabe que o time de futebol vai implorar por você, não é? Por que não vai logo de uma vez? — Betty pontuou.

— Hmmm… — ela fingiu ponderar —, não quero.

— Que seja… — Betty murmurou. — Bem, eu vou continuar no Clube de Teatro e pegando aulas-extras de Literatura. Ah, e tem o Comitê do Baile de Inverno. — Kyungsoo levantou a cabeça, encarando Elizabeth, de repente super interessado no que ela tinha a dizer. — Inclusive, tá pertinho da organização pro baile começar.

— Nossa, mas já? — Catherine desesperou-se.

— Sim, acho que a primeira reunião vai ser na quinta — comentou.

— Pode me avisar quando tiver certeza, Betty? — Kyungsoo pediu, surpreendendo todos à mesa.

— Vai querer fazer parte do comitê, Dan?

— Sim. — Ele confirmou. — Preciso de alguma atividade relacionada aos eventos da escola para colocar no currículo e, por mais incrível que pareça, o Comitê do Baile de Inverno é a melhor delas. E acho que vai ser legal fazer algo mais… diferente.

Joshua ficou boquiaberto e disse:

— Não esperava isso do senhor membro do Clube de Matemática, adepto às aulas-extras de Redação e monitor do Laboratório de Química.

— Faltou o Clube de Música — lembrou Charlie.

— Nossa, Soo — falou Pietro. — Vai deixar de fazer quais dessas coisas pra entrar no comitê?

— Nenhuma.

— Credo, você definitivamente me assusta. — Catherine concluiu.

Kyungsoo riu fraco. O fato de Catherine conseguir passar horas e horas dando saltos e dançando, levando o corpo ao extremo em todos os treinos, ter um bom desempenho na maioria das matérias e estar sempre sorridente lhe assustava. Então, achou engraçado como, não importando o quão difícil era a rotina de seus amigos, eles ainda achavam a sua a mais surreal.

Pensou se todos os seres humanos, até ele mesmo, eram assim, cegos aos próprios esforços.    

— Eu aviso sim, Dan. Pode deixar! — Elizabeth ficou animada com a ideia de trabalhar com o amigo. — E você, Joshua, vai tentar alguma coisa? 

— Sinto vibes de atletismo ou natação, mas não sei se tenho coragem. — Ele respondeu, com feições pensativas no rosto. — Meu corpinho sarado talvez precise só descansar. — E, por cima da blusa, passou as mãos pelo peitoral definido.

Ao ver isso, Catherine revirou os olhos e declarou:

— É melhor descansar mesmo, ninguém quer ver você de sunguinha.

— Aí você errou feio — rebateu Joshua. — Aposto que tem um monte de gente que quer ver, viu? Só quem não quer é você. — A afirmação fez a garota fazer uma cara de desdém, certa vergonha escondida por trás do blush que já trazia cor às suas bochechas. — E os caras não usam sunga, é um shortinho! — Quando ele completou, todos riram. 

Logo, os amigos seguiram o restante do intervalo comentando sobre seus planos para o último ano, aproveitando que estavam juntos para dar pitacos nas vidas uns dos outros.

 

 

“Os alunos interessados em participar do Comitê do Baile de Inverno devem comparecer à reunião que acontecerá hoje, no horário do almoço, na sala reservada para o Clube de Teatro.” 

Dois dias depois, no comecinho da manhã de quinta-feira, Betty encaminhou o comunicado no Clube dos 5+1 e marcou Kyungsoo para que ele — como quase nunca fazia — visualizasse as mensagens do grupo.

O Do marcou o compromisso em seu planner e foi pontual. 

— Boa tarde! Primeiramente, agradeço a presença de vocês. É bom saber que tantas pessoas têm interesse em participar da organização do baile. — Betty iniciou assim que se levantou e todos prestaram atenção. — Sou Elizabeth, aluna do último ano e estilista do Clube de Teatro. Ano passado, também fiz parte do Comitê do Baile de Inverno, por isso estou aqui para dar seguimento às atividades.

Ela usou o pequeno controle em sua mão para passar os slides apresentados e prosseguiu:

— Como vocês podem ver, a divisão das atividades do comitê é feita de forma bem simples. Temos quatro setores internos, o Marketing, o Financeiro, a Diretoria e de Suporte. Mas, nessa reunião inicial, ainda não vamos falar especificamente de cada setor. Antes precisamos que todos vocês preencham a ficha de inscrição.

Betty acenou para que Yumi, que também fazia parte do antigo comitê, começasse a distribuir as folhas.

— Acredito que alguns já saibam, mas apenas vinte pessoas serão escolhidas para fazer parte do Comitê. E nós daremos prioridade para os alunos dos últimos anos — completou. — Depois que preencherem as fichas, coloquem aqui — deu um tapinha no birô — e esperem lá fora. O resultado será divulgado rapidinho.

— Quem não for selecionado, por favor, não fique triste. Haverá chances de contribuir com os eventos pré-baile. Tudo bem? — Yumi, como contou pouco mais de trinta alunos na pequena sala, tentou confortar previamente aqueles que não fossem escolhidos.

O processo foi rápido. A ficha só pedia informações básicas dos candidatos, junto a uma justificativa de poucas linhas sobre o que os levaram a querer participar. Kyungsoo a preencheu em um piscar de olhos e logo saiu da sala. Ficou do lado de fora aguardando, mexendo no celular. Aproveitou para atualizar seu planner e curtir, com os fones de ouvido num volume razoável, a playlist com as suas músicas preferidas do Cage The Elephant que tinha feito nas férias.

Dedilhava as notas de Social Cues na própria coxa quando viu Jongin sair da mesma sala que si. Ficou imediatamente nervoso. Não sabia como podia não ter notado a presença alheia. Também não sabia se seria uma boa ideia eles participarem da mesma atividade extracurricular; durante os últimos anos, graças aos seres superiores, precisou trabalhar com o pivô pouquíssimas vezes. Se ambos passassem e precisassem olhar para a cara um do outro mais ainda — agora até com horários marcados —, seria uma extrema novidade. Se aturar o maior nos períodos de aula já era um fardo para o Do, ser do comitê do baile junto a ele seria uma afronta à sua serenidade.

O Kim lhe lançou um olhar simples, quase inexpressivo. Estava dentro de uma calça preta rasgada nos joelhos e de um blusão cinza. Seus cabelos haviam sido recém-aparados, isso era fácil de notar. Os fios castanhos iam até acima do ombro e, ainda que bem lisos, tinham certo volume.

Apesar de indiscutivelmente bonito, Kyungsoo só notou que ele parecia entediado, os ombros caídos e uma feição vazia, que podiam ser de sono ou de tédio absoluto. O descontentamento era recíproco? Bem, Kyungsoo achava que sim. Por raiva ou o que quer que fosse, portavam-se de forma desconfortável na presença um do outro há muito tempo para, do nada, começarem a conviver pacificamente.     

— Com certeza você entra. — A garota ao lado de Kyungsoo soltou, após cutucar o ombro dele. — Estou nervosa...

Um pouco feliz por ela ter interrompido seus pensamentos, sorriu fraco, tirando um dos fones para dizer:

— Tomara que dê certo… para nós dois. — Na verdade, queria ter respondido que “sim, eu sei”, mas ser gratuitamente rude não fazia seu estilo. A não ser que estivesse falando com… — Qual seu nome? — Lembrava do rosto dela de algum lugar.

Antes que a garota respondesse, Yumi surgiu com um papel em mãos, não fazendo cena para colá-lo com fita porta da sala.

— Se o seu nome constar nessa lista, por favor, entre — disse e voltou de onde saiu.

Kyungsoo deixou que a pequena multidão fosse se diluindo aos poucos para então verificar se tinha sido selecionado — mais precisamente, fez isso após assistir Jongin voltar para a sala, agora com um sorriso mínimo nos lábios.  

Deu uns passos à frente enquanto guardava o celular e os fones no bolso traseiro da calça e, com um sorriso idêntico ao do seu ex-melhor amigo, comemorou silenciosamente ao ver “Daniel Do” entre os vinte nomes. Contudo, rapidamente ficou apreensivo outra vez. Iria, de fato, ser coleguinha de trabalho do pivô. Aquilo não podia piorar.

Podia sim. E piorou.

— Parabéns por serem selecionados! — exclamou Betty quando todos já estavam acomodados nas carteiras. — Esperamos que o grupo que formamos possa trabalhar da melhor maneira possível. Temos muita coisa para organizar.

— Então, gente, como a Elizabeth disse antes, hoje nós não vamos dividir vocês em setores. Não ainda. — Yumi tomou a fala enquanto colocava o cabelo longo atrás das orelhas. As duas dividiam a frente da sala, os corpos refletindo a luz forte do projetor. — E tem um bom motivo para isso: não somos nós, membros do comitê do ano passado, que escolheremos o setor de cada um de vocês. — Alguns murmúrios puderam ser ouvidos quando ela iniciou a explicação. — Serão os membros da Diretoria do comitê deste ano. 

— Que são…? — Um garoto do terceiro ano não aguentou esperar o final da fala alheia.

— É isso que vamos decidir agora — declarou Yumi, unindo as mãos na altura do peito. — Precisamos escolher duas pessoas para compor a Diretoria do Comitê do Baile de Inverno. Lembrando que esse é o setor responsável por coordenar os demais, por conduzir nossas reuniões, pelos orçamentos...

— E por muitas outras coisas que explicaremos para aqueles que forem votados — completou Betty.

— Pode ser qualquer um de nós? — perguntou o mesmo garoto de antes.

— Bem, na verdade, não. — Os alunos presentes se entreolharam com a fala de Yumi. — É preciso que sejam duas pessoas do último ano, essa é uma espécie de tradição.

Kyungsoo automaticamente contou quantos alunos do quarto ano estavam ali. Fora ele e Jongin, havia Betty, um menino e outras cinco meninas. Matematicamente, ainda tinha boas chances de conseguir a vaga; como ocupava o primeiro lugar no ranking, os outros com certeza confiariam em si para assumir tal responsabilidade.

Por isso, o Do levantou a mão direita, pedindo licença para falar e, quando Betty acenou para que ele prosseguisse, anunciou:

— Quero me candidatar à Diretoria. — Todos o encararam, um pouco surpresos com sua atitude. 

Yumi estalou a língua e respondeu:

— Tudo bem. Quem mais quer se candidatar? — perguntou e rolou os olhos pela sala. Silêncio absoluto foi o que teve em troca. — Vamos lá, o tempo está passando. Precisamos encerrar daqui a pouco. — Com o dedo indicador, deu tapinhas no relógio em seu pulso esquerdo.

— Eu quero. — Uma das meninas, a que Kyungsoo conhecia das aulas laboratoriais de Química, foi a próxima.

— Eu. — Foi a vez da que trajava o uniforme das líderes de torcida. Já tinha a visto andando pelos corredores com Catherine.

— Dou-lhe uma, dou-lhe duas… — Betty fez uma contagem regressiva para encerrar as inscrições.

— Eu também. — Kyungsoo tremeu. Era a voz de Jongin. Não precisou nem virar a cabeça para ter certeza.

“Que. Grande. Merda!”, praguejou para si mesmo, sem acreditar nesse desastre.

 — Ok. Encerradas as candidaturas. Temos quatro concorrentes — anunciou Yumi, retomando a explicação. — Agora vamos passar os papéis onde vocês devem escrever os nomes das duas pessoas que gostariam que fossem da Diretoria. Então, as duas pessoas mais escolhidas por vocês ganham. Bem simples.

— Ah, os concorrentes não votam — lembrou Betty. — Venham para a frente, por favor. — Ela pediu e afastou-se do centro do ambiente para poder ligar todas as luzes e desligar o projetor.

Depois que os quatros alinharam-se lado a lado próximo ao quadro branco, Yumi declarou:

— Cada um de vocês pode explicar, durante trinta segundos, porque merecem ser escolhidos para fazer parte da Diretoria. Quem quer começar?

Em ordem, Kyungsoo, as duas meninas e, por fim, Jongin, falaram brevemente suas razões. Por mais que o Do quisesse se convencer de que o Kim estava apenas testando sua paciência, achou o discurso alheio bastante convincente.  

Logo depois, Betty começou a recolher os papéis e a contar os votos junto a Yumi. Os quatro nomes estavam escritos no quadro e, pouco a pouco, elas foram riscando tracinhos abaixo deles.

Ambos os garotos ficaram apreensivos; estavam ganhando de lavada. Fazendo as contas na cabeça, Kyungsoo soube que os últimos votos sequer precisavam ser contados para que a sua vitória e a do pivô fossem declaradas. Era evidente que a lógica que o fez levantar a mão também fez Jongin ser escolhido. Da mesma forma que os alunos confiaram no primeiro lugar, confiaram no segundo. Ao se dar conta disso, o Do se perguntou mentalmente se seria assim pelo resto do ensino médio, se o Kim sempre estaria na sua cola.

Yumi, preocupada que só ela após quase gritar o resultado, passou os braços pelos ombros dos dois garotos, trazendo-os para bem perto de si, e perguntou baixinho:

— Assim tá tudo bem? — O restante dos presentes não ouvia o que eles cochichavam. — Essa rixa de vocês não pode atrapalhar no comitê, viu? Pensem bem antes de topar — avisou porque achou extremamente necessário.

Kyungsoo interpretou isso como um insulto, mas ficou quieto. Achava-se responsável o suficiente para não misturar as coisas. Seria desafiador? Muito. Talvez mais difícil que a prova mais difícil que já fizera na vida? Sim. Talvez esgotasse todas as suas energias, que já não eram muitas, tentando lidar com o Kim? Também. Mas duvidava que fosse impossível. Jamais deixaria que ele atrapalhasse seus planos pessoais. 

— Eu não vou desistir por causa dele. — Jongin só murmurou isso porque achou que algo muito parecido fosse sair da boca do menor a qualquer momento.

— Muito menos eu. — O Do declarou, cruzando os braços.

— Pois bem, pessoal. — Yumi, então, voltou-se para os demais, que não entenderam tamanho suspense. O resultado era óbvio. — Está decidido. Kai e Daniel serão os dois membros da Diretoria do Comitê do Baile de Inverno deste ano. 

“Que. Grande. Merda!”, Kyungsoo repetiu para si mesmo ao ouvir a curta salva de palmas e se forçar a sorrir feito um político para agradecer pelos votos. Ousou olhar para Jongin e quis espernear. Ele tinha mudado completamente de figura e agora sustentava uma postura relaxada e amigável.

Por sua vez, internamente, o pivô estava confuso. Não tinha se candidatado à vaga por birra, realmente queria ser da Diretoria, era por isso que estava ali. Gostava de planejar coisas do tipo e pegaria bem para o seu currículo. E, sobre trabalhar diretamente com o Do, bem… considerava isso um mero fardo, uma pegadinha do destino.

A verdade era que, naquele momento, se parasse para pensar estritamente em como seu contato com o menor aumentaria de forma drástica, teria se desesperado mais. Porém, como bom em bloquear paranoias que era, focou toda sua atenção em uma coisa: o bico de indignação que Kyungsoo sustentava nos lábios, que era bem perceptível mesmo que ele tentasse disfarçar, era o mesmo bico que ele fazia quando perdia para si no videogame.

Anos e anos se passaram, mas Kim Jongin, seu ser inteirinho, continuava achando aquele bico a coisa mais fofa do mundo.



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