UMA BREVE OBSERVAÇÃO SOBRE INFLEXÃO
Uma coisa complicada sobre pontos de inflexão, é que só pode defini-los em retrospectiva.
Quem pode dizer que uma escolha ocasionou em um acidente de carro, ou... Qual cigarro começou o câncer?
E então nós cegamente tropeçamos para frente, nunca tendo a certeza de quão perto estamos da beirada do penhasco.
Tudo que sei é que se coisas ruins se juntarem-se para acabar com nossas vidas, eles emitiram uma escuridão como nunca vimos antes, provavelmente nos muda de dentro pra fora
E isso assusta, amedronta e nos faz pensar...
Tantos possíveis pontos de inflexão, mas sem o beneficio da retrospectiva.
Como saberemos se estamos no fim do começo?...
Ou no começo do fim?
(Eu tô muito Dark, porque é sim a serie do milênio )
Jon
— Sua irmã? — Perguntei, repetindo as palavras de Dany. Encarei, inexpressivo, minha esposa, que se mantinha calada. — Desde quando você tem uma irmã?
— E desde quando você é casada e está esperando um filho? — Indagou Dany.
— É uma longa história — Respondeu ela baixinho, colocando a mão na barriga e se retraindo um pouco. — Jon, está na hora de irmos. Meus tornozelos estão inchados, e estou exausta.
Rose — Ygritte — Dirigiu um olhar para Dany, que ainda parecia confusa. As duas tinham olhos da mesma cor, mas essa era a única semelhança entre elas. Em uma, o tom era frio como o gelo, como sempre; na outra, era suave e cheio de ternura. Eu não conseguia desviar os olhos de Dany enquanto minha cabeça trabalhava, tentando entender como alguém como ela podia ser parente de alguém como a minha esposa. Se Rose tinha um oposto, esse alguém era Dany.
— Jon — Vociferou Rose, finalmente desviando minha atenção da mulher de olhos ternos. Eu me virei para ela e arqueei a sobrancelha. Ela cruzou os braços acima da barriga e bufou. — Foi um dia longo, está na hora de irmos embora.
Rose se virou, e já começava a se afastar quando Dany falou, olhando fixamente para a irmã:
— Você escondeu da gente, da sua família, grande parte da sua vida. Você nos odeia tanto assim?
Rose parou por um momento e empertigou o corpo, mas permaneceu de costas.
— Vocês não são a minha família.
E, com isso, foi embora.
Fiquei ali parado por alguns segundos, sem saber ao certo se conseguiria mover os pés. Vi o coração de Dany se despedaçar diante de mim. Ela desmoronou completamente, sem qualquer constrangimento. Uma onda de emoção tomou conta daqueles olhos gentis, e ela nem mesmo tentou impedir que as lágrimas escorressem pelo rosto. Ela permitiu que seus sentimentos a dominassem; não demonstrou qualquer resistência ao choro e aos tremores de seu corpo. Vi também como o mundo inteiro desabou sobre seus ombros e como o peso dele começou a se tornar insuportável. Dany se curvou, parecendo muito menor do que realmente era. Eu nunca tinha visto alguém sentir todas aquelas emoções tão livremente, não desde...
Pare.
Minha mente viajou ao passado, até lembranças que eu tinha enterrado bem lá no fundo. Desviei meu olhar, desdobrei as mangas da camisa e tentei bloquear o som da dor que ela estava sentindo. Quando me movi em direção à porta, que o segurança ainda mantinha aberta olhei de relance para a mulher que desmoronava na minha frente e pigarreei.
— Daenerys — Chamei, ajeitando a gravata. — Um pequeno conselho.
— Sim? — Ela se abraçou. Seu sorriso havia desaparecido, sendo substituído por uma expressão desoladora.
— Sinta menos — Falei. — Não permita que os outros mexam com as suas emoções desse jeito.
— Desligar os sentimentos?
Assenti.
— Não posso — Justificou ela, levando as mãos ao coração e balançando a cabeça. — Eu sou assim. Sou a garota que sente tudo.
Eu jurava que era verdade.
Ela era a garota que sentia tudo, e eu era o homem que não sentia absolutamente nada.
— Então o mundo fará de tudo para torná-la um nada. Quanto mais sentimentos você oferecer a ele, mais ele tirará de você. Acredite em mim. Junte os cacos e siga em frente.
— Mas... Ela é minha irmã, e...
— Ela não é sua irmã.
— O quê?
Esfreguei a nuca antes de colocar as mãos nos bolsos.
— Ela acabou de dizer que não te considera como família, o que significa que ela não está nem aí para você.
— Não. — Ela balançou a cabeça, segurando um pingente em formato de coração. — Você não entende. Minha relação com minha irmã é...
— Inexistente. Se você amasse alguém, não falaria sobre essa pessoa? Nunca ouvi falar de você.
Ela permaneceu em silêncio e começou a secar as lágrimas. Em seguida, fechou os olhos, respirou fundo e disse suavemente para si mesma:
— Ar acima de mim, terra abaixo de mim, fogo dentro de mim, água ao meu redor, eu me torno espírito.
Ela continuou repetindo as palavras, e eu semicerrei os olhos, confuso com a personalidade de Dany. Ela era uma completa desordem: Inconstante, impetuosa, apaixonada, repleta de emoções. Parecia completamente consciente de suas falhas e ainda assim permitia a existência delas. De alguma forma, essas falhas a tornavam inteira.
— Você não se cansa? — Perguntei. — De sentir tudo tão intensamente?
— Você não se cansa de não sentir nada?
Naquele momento, percebi que estava cara a cara com o meu completo oposto e não tinha ideia do que dizer a uma estranha tão estranha quanto ela.
— Adeus, Daenerys — Eu disse.
— Adeus, Jon — Respondeu.
* * *
— Eu não menti — Jurou Rose quando voltávamos de carro para casa. Eu não havia dito que ela era mentirosa nem tinha feito qualquer pergunta sobre Dany ou sobre o fato de eu desconhecer a existência dela até aquela noite. Eu sequer havia tido qualquer demonstração de raiva, mas ainda assim ela continuava dizendo que não havia mentido.
Rose.
Ygritte?
Eu não fazia ideia de quem era à mulher sentada ao meu lado, mas será que eu sabia quem ela era antes da revelação sobre a irmã naquela noite?
— Seu nome é Rose — Falei, segurando o volante com força. Ela assentiu. — E Ygritte?
— Sim... Não, bem, era, mas eu o mudei há alguns anos, antes mesmo de te conhecer. Quando comecei a me candidatar às vagas nas universidades, sabia que nenhum lugar me levaria a sério com um nome como Ygritte. Que tipo de escritório de advocacia contrataria uma pessoa chamada Ygritte Visenya Targaryan?
— Visenya. Você nunca havia me dito o seu nome do meio antes.
— Você nunca perguntou.
— Ah.
— Você não está zangado?
— Não.
— Uau. — Ela respirou fundo. — Está bem então. Se fosse o contrário, eu estaria tão...
— Não é o contrário — Eu a interrompi, sem vontade de conversar depois do dia mais longo da minha vida. Ela se remexeu no banco, mas permaneceu quieta.
Ficamos em silêncio pelo restante do caminho, as perguntas rodopiando em minha cabeça, mas uma grande parte de mim não queria saber as respostas. Rose não falava sobre seu passado, assim como eu. Todos têm algo na vida que preferem deixar nas sombras, e percebi que a família de Rose era uma delas. Não havia razão para conhecer os detalhes. Ontem ela não tinha uma irmã e hoje, tinha. Embora eu duvidasse de que Dany aparecesse para o jantar do Dia de Ação de Graças.
Fui direto para o nosso quarto e comecei a desabotoar a camisa. Demorou apenas alguns segundos para que ela, com os nervos à flor da pele, me seguisse, mas não pronunciasse uma palavra sequer. Começamos a nos despir, e ela se aproximou de mim, quieta, e se virou de costas, me pedindo silenciosamente para que abrisse o zíper do vestido.
Fiz o que Rose me pediu, e ela tirou o vestido antes de colocar uma das minhas camisetas, que sempre usava como se fossem camisolas. A barriga alargava a malha, mas eu não me importava. Minutos depois, estávamos no banheiro escovando os dentes, e não havíamos trocado nenhuma palavra. Cuspimos e enxaguamos. Nossa rotina normal; o silêncio sempre foi nosso amigo e, naquela noite, nada havia mudado.
Quando nos deitamos, desligamos os abajures das cabeceiras sem dizer nada, nem mesmo um boa-noite. De olhos fechados, tentei desligar os pensamentos, mas alguma coisa naquele dia tinha despertado minhas lembranças. Então, em vez de perguntar a Rose sobre o passado dela, saí de fininho da cama e fui para o escritório me perder em meu romance. Eu ainda precisava escrever as noventa e cinco mil palavras, então decidi mergulhar na ficção para tentar esquecer a realidade por um tempo. Quando meus dedos trabalhavam, meu cérebro não focava em mais nada além das palavras.
Elas me libertavam da confusão em que minha esposa havia me jogado. Elas me libertavam das lembranças de meu pai. Elas me impediam de mergulhar nas profundezas da minha mente, onde eu guardava toda a dor do passado. Sem a escrita, meu mundo estaria perdido. Sem as palavras, eu estaria destruído.
— Venha para a cama, Jon — Disse Rose, parada na soleira da porta. Era a segunda vez, no mesmo dia, que ela interrompia meu trabalho. Esperava que isso não se tornasse um hábito.
— Tenho que terminar o capítulo.
— Você vai ficar acordado por horas, como nos últimos dias.
— Não tem importância.
— Tenho duas — Disse ela, cruzando os braços. — Duas irmãs.
Dei um sorriso torto e voltei a digitar.
— Não vamos fazer isso, Rose.
— Você a beijou?
Meus dedos imediatamente ficaram paralisados, e arqueei as sobrancelhas ao me virar para encará-la.
— O quê?
Ela passou a mão pelo cabelo, e lágrimas brotaram em seus olhos. Rose estava chorando — de novo. Muitas lágrimas em apenas um dia.
— Perguntei se você a beijou.
— Do que você está falando?
— Foi uma pergunta simples. Só me responda.
— Não vamos fazer isso.
— Você a beijou, não foi? — Ela agora chorava copiosamente, e qualquer tipo de pensamento racional havia desaparecido. Em algum momento entre apagarmos as luzes e minha ida ao escritório, Rose tinha se transformado em um caos emocional. E agora a cabeça dela estava inventando histórias. — Você a beijou. Beijou a minha irmã!
Semicerrei os olhos.
— Agora não, Rose.
— O quê?
— Por favor, não tenha um colapso hormonal logo agora. Foi um dia longo.
— Só me diga se beijou a minha irmã — Repetiu Rose, parecendo um disco arranhado. — Vamos, me diga.
— Eu nem sabia que você tinha uma irmã.
— Isso não muda o fato de você tê-la beijado.
— Vá se deitar, Rose. Sua pressão vai acabar subindo.
— Você me traiu. Eu sempre soube que isso ia acontecer. Sabia que você ia me trair.
— Você está paranoica.
— Só me diga, Jon.
Eu não sabia o que fazer além de dizer a verdade.
— Meu Deus! Eu não a beijei!
— Beijou — Gritou Rose, secando as lágrimas. — Sei que sim, porque eu a conheço. Sei como ela é. Provavelmente ela sabia que você era meu marido e fez isso para me atingir. Ela destrói tudo o que toca.
— Eu não a beijei.
— Ela é essa... Essa praga, essa doença que ninguém vê. Mas eu vejo. Ela se parece tanto com a minha mãe... Ela arruína tudo. Por que ninguém consegue ver o que ela faz? Não acredito que você tenha feito isso comigo, com a gente. Estou grávida, Jon!
— Eu não a beijei! — Berrei, minha garganta queimando quando as palavras irromperam da minha boca. Eu não queria saber mais nada sobre o passado de Rose. Não pedi a ela que me contasse sobre as irmãs, não tinha investigado nada nem a importunado com isso, mas, ainda assim, de alguma maneira estávamos discutindo por causa de uma mulher que eu mal conhecia. — Não tenho ideia de quem seja a sua irmã e não tenho qualquer interesse em saber mais sobre ela. Não sei o que está se passando na sua cabeça, mas pare de descontar em mim. Eu não menti para você. Não traí você. Não fiz nada de errado essa noite, então pare de me atacar, principalmente hoje.
— Pare de agir como se você se importasse com o dia de hoje — Sussurrou ela, de costas para mim. — Você nem gostava do seu pai.
Minha mente viajou.
Ainda assim, quando ele se foi, tudo ao meu redor, de alguma forma, desacelerou, e sinto falta das recordações que nunca existiram.
— Agora é um bom momento para parar de falar — Alertei.
Ela não parou.
— Mas é a verdade. Ele não significava nada para você. Ele era um bom homem e não significava nada para você.
Permaneci em silêncio.
— Por que você não me pergunta sobre minhas irmãs? — Insistiu Rose. — Por que não se importa?
— Todos nós temos um passado do qual não gostamos de falar.
— Eu não menti — Disse ela mais uma vez, embora eu nunca a tenha chamado de mentirosa. Era como se ela estivesse tentando se convencer de que não havia mentido, quando, na verdade, tinha feito exatamente isso. O fato era que eu não me importava; se eu tinha aprendido uma coisa na vida era que todos mentiam. Eu não confiava em ninguém. Quando alguém quebrava sua confiança, quando uma mentira vinha à tona, tudo o que essa pessoa dizia, verdade ou mentira, ficava marcado pela sombra da traição. — Ótimo. Tudo bem. Vamos colocar todas as cartas na mesa. Todas. Tenho duas irmãs, Mar e Dany.
Estremeci.
— Pare, por favor.
— Não nos falamos. Sou a mais velha, e Dany é a mais nova. Ela é uma bomba-relógio. — Era uma declaração, no mínimo, irônica, já que Rose estava no meio de um colapso. — E ela é igualzinha a minha mãe, que morreu há alguns anos. Meu pai nos abandonou quando eu tinha 9 anos, e eu não podia culpá-lo, porque minha mãe não batia bem da cabeça.
Bati com as mãos na mesa e me virei para encará-la.
— O que você quer de mim, Rose? Quer que eu te diga que estou furioso por não ter me contado? Tudo bem, estou furioso. Você quer que eu seja compreensivo? Tudo bem, eu entendo. Quer que eu concorde com você, que eu diga que está certa em se afastar dessas pessoas? Ótimo, você tem razão em se manter longe delas. Agora, por favor, você pode me deixar voltar a trabalhar?
— Fale sobre você, Jon. Conte seu passado, sobre o qual você nunca quer conversar.
— Deixa isso pra lá, Rose.
Eu era muito bom em manter meus sentimentos à distância e não me deixar envolver emocionalmente, mas ela estava me pressionando, me testando. Eu queria que ela parasse, porque, quando os sentimentos se libertassem da escuridão da minha alma, não seria tristeza ou angústia que viria à tona.
Seria raiva.
A raiva estava ali, à espreita, e Rose parecia martelar minha mente. Ela me forçava a me transformar em um monstro, o monstro que se deitava ao seu lado todas as noites sem que ela desconfiasse disso.
— Vamos lá, Jon. Fale sobre a sua infância. E a sua mãe? Você teve uma... O que aconteceu com ela?
— Pare com isso — Pedi, fechando os olhos bem apertados e cerrando os punhos, mas Rose se recusava a parar.
— Ela não te amava? Ela traiu o seu pai? Ela morreu?
Saí da sala porque eu sentia a raiva aumentando, tornando-se incontrolável. Tentei fugir de Rose, mas ela passou a me seguir pela casa.
— Está bem, você não quer falar sobre sua mãe. Que tal falarmos sobre o seu pai? Diga por que você o despreza tanto. O que ele fez? Você não gostava que ele estivesse sempre ocupado trabalhando?
— Você não quer fazer isso — Alertei-a mais uma vez, mas ela estava fora de controle. Ela queria jogar sujo, mas estava jogando com a pessoa errada. — Ele pegou o seu brinquedo favorito? Não deixou que você tivesse um animalzinho de estimação quando era criança? Esqueceu o seu aniversário?
Meu semblante se fechou, e ela percebeu isso quando nossos olhares se encontraram.
— Ah — Sussurrou ela. — Ele esqueceu vários aniversários.
— Eu a beijei! — Finalmente explodi, encarando minha esposa, boquiaberta. — É isso que você quer? É essa a mentira que você quer que eu conte? Você está agindo como uma idiota.
Ela me deu um tapa.
Com força.
Cada vez que ela me batia, outro sentimento começava a aflorar. Cada vez que ela me estapeava, uma nova sensação atingia as minhas entranhas. Dessa vez, foi remorso.
— Desculpe — Eu disse, num suspiro. — Desculpe.
— Você não a beijou? — Perguntou ela com a voz trêmula.
— É claro que não.
— Foi um dia longo e... Ai! — Ela se curvou para a frente, contorcendo-se de dor. — Ai!
— O que foi isso? — Senti um aperto no peito. As mãos dela seguravam a barriga, e as pernas estavam encharcadas. — Rose? — Sussurrei nervoso e confuso. — O que aconteceu?
— Acho que a bolsa estourou.
* * *
— É muito cedo, é muito cedo, é muito cedo — Sussurrava Rose consigo mesma a caminho do hospital. Suas mãos repousavam sobre a barriga, e as contrações continuavam.
— Você está bem, tudo vai ficar bem — Eu disse novamente em voz alta, mas, na minha cabeça, eu estava apavorado. É muito cedo, é muito cedo, é muito cedo...
Assim que chegamos ao hospital, fomos levados a uma sala. Logo nos vimos cercados por enfermeiros e médicos, que faziam perguntas tentando entender o que tinha acontecido. Toda vez que eu fazia uma pergunta, eles sorriam e me diziam que eu teria que esperar para falar com o neonatologista de plantão. O tempo passava devagar, cada minuto parecia horas. Eu sabia que era muito cedo para a criança nascer — trinta e uma semanas apenas. Quando a neonatologista finalmente chegou, ele tinha em mãos o prontuário de Rose e deu um breve sorriso ao puxar uma cadeira para ficar ao lado dela na cama.
— Olá, sou o Dra. Melissandre, e vocês vão enjoar de me ver muito em breve. — Ela começou a mexer na pasta e passou uma das mãos pelo
Cabelo vermelho igual sangue. — Parece que o seu bebê está te dando bastante trabalho agora, Rose. Como ainda está muito cedo, estamos preocupados em realizar o parto com segurança faltando ainda doze semanas de gestação.
— Nove — Corrigi. — Faltam nove semanas.
O Dra. Melissandre franziu as sobrancelhas espessas ao analisar o prontuário.
— Não, definitivamente são doze semanas, o que pode trazer algumas complicações. Sei que, provavelmente, vocês já responderam as mesmas perguntas para as enfermeiras, mas é importante saber o que está acontecendo com você e o bebê. Então, em primeiro lugar, você passou por algum tipo de estresse recentemente?
— Sou advogada, então isso faz parte da minha vida — Respondeu ela.
— Álcool ou drogas?
— Não e não.
— Cigarro?
Ela hesitou.
Ergui a sobrancelha.
— Sério, Rose?
— Só algumas vezes por semana — Respondeu, deixando-me espantado. Ela se virou para a médica e tentou se explicar. — Estou passando por muito estresse no trabalho. Quando descobri que estava grávida, tentei parar, mas não consegui. Era melhor fumar uns poucos cigarros por dia do que meio maço.
—Você falou que tinha parado — Eu disse entre os dentes.
— Eu tentei.
— Não é a mesma coisa que parar!
— Não grite comigo! — Berrou ela, tremendo. — Cometi um erro. Estou com muita dor, e seus gritos não estão ajudando em nada. Céus, Jon, às vezes eu queria que você fosse um pouco mais gentil, como o seu pai.
As palavras dela me atingiram no fundo da alma, mas me esforcei para não demonstrar nenhuma reação. Dra. Melissandre fez uma careta antes de dar aquele mesmo sorriso breve.
— O cigarro pode causar muitas complicações quando se trata de um parto e, embora seja impossível saber exatamente a causa, é bom que tenhamos essa informação. Como ainda está muito cedo, e você está tendo contrações, vamos administrar medicamentos para tentar impedir o parto prematuro. O bebê ainda precisa crescer bastante, então faremos o possível para manter a gestação por um pouco mais de tempo. Vamos interná-la e monitorá-la pelas próximas quarenta e oito horas.
— Quarenta e oito horas? Mas... E o meu trabalho?
— Escreverei um bom atestado médico. — Dra. Melissandre deu uma piscadela e se levantou para sair. — As enfermeiras virão em alguns instantes para começar a administrar a medicação.
Quando ele saiu, eu me levantei rapidamente e o segui.
— Dr. Melissandre
Ela se virou e veio na minha direção.
— Pois não?
Cruzei os braços.
— Nós tivemos uma briga um pouco antes de a bolsa estourar. Eu gritei e... — Fiz uma pausa e passei a mão pelo cabelo antes de cruzar os braços mais uma vez. — Eu só queria saber se essa foi à causa... A culpa é minha?
A doutora sorriu com o canto da boca e fez que não com a cabeça.
— Essas coisas acontecem. Não temos como saber a causa, e se torturar não vai te fazer bem. Tudo o que podemos fazer agora é aguardar e nos certificar de que será feito o que for melhor para sua esposa e sua filha.
Assenti e agradeci.
Fiz o que pude para acreditar nas palavras dela, mas, no fundo, eu tinha a sensação de que tudo aquilo era culpa minha.
* * *
Depois de quarenta e oito horas, e com a pressão arterial do bebê caindo, os médicos nos informaram que não tinham opção a não ser realizar uma cesárea. Tudo ficou confuso a partir daí, e meu coração ficou bem apertado durante todo o tempo. Permaneci na sala de cirurgia, sem saber o que sentir quando a bebê nasceu.
Assim que os médicos terminaram os primeiros procedimentos e o cordão umbilical foi cortado, todos começaram a andar para cima e para baixo, agitados, gritando uns com os outros.
Ela não estava chorando.
Por que não estava chorando?
— Novecentas e noventa e duas gramas — Anunciou uma enfermeira.
— Vamos precisar do aparelho de CPAP — Disse outra.
— CPAP? — Perguntei, quando elas passaram apressadas por mim.
— Pressão positiva contínua nas vias aéreas, para ajudá-la a respirar.
— Ela não está respirando? — Perguntei para outra enfermeira.
— Está, mas a respiração está muito fraca. Vamos transferi-la para a UTI neonatal e alguém entrará em contato com o senhor assim que ela estiver estável.
Antes que eu pudesse perguntar mais alguma coisa, eles saíram apressados, levando a bebê. Algumas pessoas ficaram para cuidar de Rose e, assim que ela foi transferida para o quarto, passou algumas horas descansando. Quando finalmente acordou, o médico nos informou sobre o estado de saúde de nossa filha. Eles nos relataram sua luta pela vida e nos garantiram que estavam fazendo todo o possível para que ela tivesse o melhor tratamento na UTI neonatal. Ela ainda corria risco de morrer.
— Se alguma coisa acontecer a ela saiba que a culpa é sua. — Disse Rose assim que a médica deixou o quarto. Ela virou a cabeça em direção à janela para não olhar para mim. — Se ela morrer, não será culpa minha. Será sua.
* * *
— Entendo o que está dizendo, Sr. Tully, mas... — Rose estava na UTI neonatal, de costas para mim, falando ao celular. — Eu sei, senhor, entendo completamente. Mas minha filha está na UTI e... — Ela fez uma pausa, trocou de posição e assentiu. —Tudo bem, eu entendo. Obrigada, Sr. Tully.
Ela desligou o telefone e passou a mão pelos olhos antes de se virar na minha direção.
— Está tudo bem? — Perguntei.
— Coisas do trabalho.
Assenti.
Ficamos parados, olhando para nossa filha, que lutava para respirar.
— Não posso continuar com isso — Sussurrou Rose, nervosa. — Não posso simplesmente ficar aqui e não fazer nada. Eu me sinto tão inútil...
Na noite anterior, achamos que íamos perder nossa garotinha, e senti tudo dentro de mim começar a desmoronar. Rose não estava lidando nada bem com a situação e não tinha dormido um minuto sequer.
— Vai ficar tudo bem — Falei, mas eu não acreditava naquilo.
Ela balançou a cabeça.
— Eu não quis isso. Não procurei por nada disso. Eu nunca quis ter filhos. Só queria ser advogada. Eu tinha tudo o que queria, e agora... — Rose andava de um lado para o outro, impaciente. — Ela vai morrer Jon. O coração dela não é forte o bastante. Os pulmões não estão desenvolvidos. Ela mal está viva. Só continua existindo por causa dessas... — Ela fez um gesto para as máquinas ligadas ao corpinho da nossa filha —... Dessas porcarias, e nós temos que ficar aqui e vê-la morrer? É cruel.
Não respondi.
— Não posso continuar com isso. Já são quase dois meses nesse lugar, Jon. Não era para ela estar melhorando?
As palavras de Rose me irritavam, e a crença de que nossa filha já não tinha mais chances deixava meu estômago embrulhado.
— Talvez você deva ir para casa e tomar um banho — Sugeri. — Descanse um pouco. Vá para o trabalho, talvez isso ajude a relaxar.
— É, você está certo. Tenho muitas coisas para fazer no trabalho. Volto em algumas horas, está bem? Então revezamos, e você poderá ir para casa tomar um banho.
Concordei. Rose caminhou até onde estava nossa filha e olhou para ela.
— Ainda não disse o nome dela a ninguém. Parece uma bobagem, não é? Dizer o nome dela sabendo que vai morrer.
— Não diga isso — Eu a repreendi. — Ainda há esperança.
— Esperança? — Rose me encarou, confusa. — Desde quando você é um homem que tem esperanças?
Eu não tinha resposta, porque ela estava certa. Eu não acreditava em sinais, em esperança ou qualquer coisa assim. Não conhecia Deus até o dia em que minha filha nasceu, e me senti um idiota até mesmo por rezar por ela. Eu era realista. Eu acreditava no que eu podia ver, não no que podia existir, mas, ainda assim, uma parte de mim olhava para aquela criaturinha e desejava saber rezar.
Era uma necessidade egoísta, mas eu precisava que minha filha ficasse bem. Precisava que ela sobrevivesse, porque eu não sabia se aguentaria perdê-la. No momento em que ela nasceu, meu peito doeu. Meu coração, de alguma forma, despertou depois de tantos anos adormecido e, quando isso aconteceu, não senti nada além de dor. Dor por saber que ela poderia morrer. Dor por não saber quantos dias, horas ou minutos ainda me restavam com a minha filha. Por isso, eu precisava que ela sobrevivesse, pois assim a dor em minha alma desapareceria. Era muito mais fácil existir quando minha alma estava fechada para o mundo.
Como ela tinha feito aquilo? Como tinha aberto meu coração simplesmente por ter nascido?
Eu nem mesmo havia falado o nome dela...
Que tipo de monstros nós éramos?
— Vai, Rose — Eu disse, com frieza na voz. — Vou ficar aqui.
Ela foi embora sem dizer mais nada, e me sentei na cadeira ao lado da nossa filha, cujo nome eu também tinha muito medo de falar em voz alta. Esperei por horas antes de tentar ligar para Rose. Sabia que, às vezes, ela ficava tão envolvida com o trabalho que se esquecia de sair do escritório, do mesmo jeito que eu me desligava do mundo quando estava escrevendo.
Ela não atendia ao telefone. Liguei várias vezes ao longo das cinco horas seguintes, mas não consegui falar com Jane, então decidi ligar para a recepção do escritório de advocacia. Quando falei com Arianne, a recepcionista, fiquei devastado.
— Oi, Sr. Stark. Sinto muito, mas, hã... Na verdade, ela foi mandada embora hoje de manhã. Ela já não estava acompanhando muitos processos, e o Sr. Tully a dispensou... Pensei que soubesse. — Arianne abaixou o tom de voz. — Como estão as coisas? Com o bebê?
Desliguei.
Confuso.
Irritado.
Cansado.
Tentei o celular de Rose outra vez, mas caiu direto na caixa postal.
— Precisa de um tempo? — Perguntou uma das enfermeiras, verificando o tubo de alimentação da minha filha. — O senhor parece exausto. Se quiser, pode ir para casa e descansar um pouco. Nós ligaremos se...
— Estou bem — Eu a interrompi.
A enfermeira começou a falar de novo, mas meu olhar severo fez com que ela se calasse. A mulher terminou de verificar os sinais vitais e me deu um sorriso antes de ir embora. Fiquei com minha filha, escutando o bipe das máquinas e esperando que minha esposa voltasse para nós. As horas passaram, e me permiti ir para casa tomar um banho e pegar o computador para escrever no hospital.
Meu banho foi rápido. Entrei debaixo da água quente e deixei que ela caísse em mim, queimando minha pele. Em seguida, me vesti e corri até o escritório para pegar o computador e alguns documentos. Foi quando notei o pedaço de papel dobrado em cima do teclado.
"Jon,
Deveria ter parado de ler ali. Sabia que não poderia haver nada de bom nas próximas palavras. Sabia que não poderia haver nada de bom em um bilhete inesperado escrita com tinta preta. Nunca.
Não consigo fazer isso. Não consigo ficar e vê-la morrer. Perdi o emprego hoje, algo que batalhei muito para conseguir, e sinto como se tivesse perdido uma parte do meu coração. Não posso ficar aqui e assistir à outra parte desmoronar também. É demais. Sinto muito.
Rose".
Olhei fixamente para o papel, relendo o bilhete várias vezes antes de dobrá-lo e guardá-lo no bolso. As palavras dela me atingiram no fundo da alma, mas me esforcei para não demonstrar nenhuma reação.
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