Já passa das nove horas da noite quando Nelson volta pro seu apartamento, exausto depois de um primeiro dia no Ministério da Saúde agitado e de correria. Teve pouco tempo pra se apresentar e conhecer a equipe que permaneceu no ministério, pois logo já tinha que fazer telefonemas com fornecedores de respiradores, EPIs, com diplomatas da China, da índia, da União Europeia, entre outros. E ainda tinha o fato de não conhecer como as coisas funcionam na esfera pública. "Eu realmente tenho que conversar com o Henrique uma hora dessas", pensou consigo, durante o dia.
Se atira sobre sua cama, sentindo o peso do mundo sobre suas costas. Mas antes de cair em sono profundo, resolve verificar se recebeu alguma mensagem no WhatsApp, e vê que Mandetta lhe mandou algo.
Mandetta: e aí, ministro? Como foi seu primeiro dia?
Por algum motivo, Teich fica feliz ao ler essa mensagem.
Teich: foi bom. Meio bagunçado, com muita coisa a se fazer. Mas eu já sabia que ia ser assim.
Não demora muito para Mandetta ficar online e começar a conversar.
Mandetta: você se acostuma. Tá conseguindo se achar, no geral?
Teich: mais ou menos...
Mandetta: no que você tem dúvidas?
Teich: eu acho melhor a gente conversar pessoalmente, pois são muitas.
Mandetta: ok! Onde a gente pode se encontrar?
Teich: você pode ir no ministério. Tipo, umas 8 ou 9 horas da noite, não vai ter mais ninguém ali no prédio. Aí não corremos o risco de alguém contar pro presidente.
Mandetta: ok, estarei lá!
Teich: obrigado. Se você não se importa, eu vou dormir agora. Estou exausto.
Mandetta: claro, eu imagino! Vai lá. Boa noite, Nelson. :)
Teich: boa noite, Henrique. :)
Nelson arruma o despertador pro dia seguinte e deixa o celular ao seu lado. E, mesmo de roupa, estando cansado demais pra por um pijama, se ajeita para dormir.
No dia seguinte, a correria no ministério recomeça, e num raro momento de descanso, Teich pára para ler as notícias. Seu chefe, o presidente, volta a arrumar encrenca com o STF e com governadores e prefeitos sobre a política de isolamento social. "Mais essa..." pensa consigo, suspirando. Seu celular toca.
Teich: alô? ... Quem? ... Ah, olá ministro Onyx, tudo bem? ... Reunião ministerial dia 22? Hum... Claro, claro, eu estarei lá... Está certo. Obrigado, ministro.
Enfim, sua primeira reunião com todo o pessoal do governo. Teria que planejar bem o que iria dizer, e ter muito cuidado ao tratar da questão do isolamento social com o presidente. Mandetta acabou batendo de frente com ele sobre essa questão e foi demitido. Não podia cometer o mesmo erro.
O dia passou rápido e Nelson nem se deu conta que não parou para almoçar, somente quando sua barriga começa a fazer barulho.
Pazzuello: chefe, o senhor não vai pra casa?
Teich: vou mais tarde, Eduardo. Vou ficar aqui e estudar todos os trabalhos em andamento. Tenha uma boa noite.
Pazzuello: o senhor também.
Pazzuello é o último a deixar o ministério, bem como Teich havia dito a Mandetta, que o prédio estaria vazio. Meia hora depois, alguém bate na porta do gabinete.
Mandetta: Nelson, sou eu!
O ministro se levanta para abrir a porta.
Teich: alguém te viu?
Mandetta: não, fica tranquilo. Ei, o que houve? Você não parece muito bem.
Teich: desculpe, só estou um pouco cansado... E com fome. Eu acabei pulando o almoço.
Mandetta: êêê ministro, não faz assim, hein! Não adianta cuidar da saúde dos outros se não cuidar da sua própria! Que bom que eu pensei em trazer uns hambúrguer, né. (Risos)
Mais tarde, depois de lancharem os hambúrgueres e tomarem refrigerante, os dois ministros ficam a conversar, primeiro sobre as questões do ministério, e depois assuntos mais pessoais, só para se conhecerem mais. Qual tipo de música gostam mais, que tipo de livro gostam, a comida preferida, experiências passadas na faculdade de medicina e nos hospitais onde trabalharam. Nelson percebe como Mandetta é gentil e engraçado, adora contar piadas e é muito sedutor. Henrique nota que por baixo da expressão séria de Teich existe um homem tímido, de bom coração, além de muito bonito.
Mandetta: então... Já conheceu o resto do pessoal? Os outros ministros?
Teich: na verdade, ainda não. Mas dia 22, agora, vai ter uma reunião ministerial. Aí sim, vou conhecer todos.
Mandetta: ok, então eu acho que é meu dever te avisar que você pode acabar se impressionando um pouco... Negativamente.
Teich: ... Como assim?
Mandetta: nada, não. Na hora, você vai entender.
Teich: ... Ok, então.
Ficam ali por mais uma hora, mais ou menos, antes de perceberem que estava bem tarde. Teich faz menção de chamar um Uber, mas Mandetta oferece uma carona, ao que o ministro aceita.
Depois de ser deixado em casa, Nelson fica sorrindo por um bom tempo. Mesmo diante de uma pandemia tão terrível, e ter que lidar com ela, foi bom ter passado esse tempinho com Henrique. Somente o conhecia de vê-lo na TV, ao dar entrevistas coletivas todos os dias, e já gostava muito da sua postura profissional e técnica. Mas conhecer seu lado humano foi ainda melhor. E não consegue disfarçar nem pra si próprio que acha seu antecessor um bonitão, parecendo um amante italiano. Nelson ri de nervoso consigo mesmo ao pensar isso. Não seria uma boa ideia acabar se envolvendo com o ex-ministro expulso do governo, poderia dar ruim pra ele.
Os dias vão passando. Mandetta e Teich se aproximam cada vez mais, seja se falando por WhatsApp ou se encontrando às escondidas, vez ou outra, pra conversar. Os dois estavam gostando cada vez mais da companhia um do outro.
Dia 22 de abril de 2020, dia da reunião ministerial. Teich sente um friozinho na barriga ao entrar no Palácio do Planalto, se dirigindo à sala onde ocorreria a reunião. Sabe que tem que abordar a questão do isolamento social, de um jeito que não aborreça o presidente. Uma tarefa nada fácil, mas necessária.
Se senta entre Abraham Weintraub, ministro da Educação, e Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente. A reunião durou poucas horas, mas foi o bastante para traumatizar o ministro pelo resto da vida. Palavrões, xingamentos, ameaças... Aquilo era mesmo uma reunião de trabalho? Não era como Teich se lembra de ter feito nas reuniões das suas empresas. Isso era alguma peculiaridade do poder público? Fica embasbacado ao ver o presidente da república dizer tanta barbaridade, bem como ministros de estado, entre eles os dois que estavam ao seu lado. As câmeras chegam a capturar sua expressão assustada ao se virar pro colega Salles quando este falava em "passar a boiada".
Teich sai dali com dor de cabeça e meio tonto. Aquilo definitivamente não era o que ele esperava. E ficou tão desconcertado que, na sua vez de falar, acabou falando muito pouco e sem passar de fato a mensagem que queria. Já estava se dirigindo à saída, quando ouve o presidente lhe chamar.
Bolsonaro: ô Rubens! Vem aqui um instantinho!
Já é a segunda vez que Bolsonaro o chama de "Rubens", mas Nelson não se incomoda em ficar corrigindo isso.
Bolsonaro: quero falar contigo, sentaí.
Nelson faz conforme o ordenado e se senta em frente ao chefe.
Bolsonaro: como é que tá a situação toda desse troço de covid, aí?
Teich: bom, presidente, eu falei agora há pouco. A situação é grave, e precisamos agir rápido.
Bolsonaro: não estaria tão grave se a gente simplesmente distribuísse a cloroquina, Rubens!
O ministro respira fundo.
Teich: presidente, ainda vão sair estudos dizendo se a cloroquina é eficaz ou não nos casos leves e moderados. Por enquanto, permitir o uso "off-label" para casos graves, quando não há mais o que fazer, parece o mais prudente.
Bolsonaro: oporra... Tá, mas a gente vai liberar o comércio, né? Não podemos foder com a economia do país! Vão querer usar isso contra mim na eleição de 22, porra!
Teich: ... Presidente, eu... E-eu ainda estou discutindo isso com a equipe do ministério. Eu concordo plenamente com o senhor, a economia não pode parar por um ano inteiro! Mas... A doença ainda está em franca ascenção e...
Bolsonaro: não me vem com esse mesmo papinho do Mandetta não, hein! ... Aliás, Rubens... Por onde você tem andado?
Teich: ... Perdão, presidente?
Bolsonaro: o Pazzuello me disse que você tem dado "escapadas" durante o horário de trabalho. Onde você tá indo? Tá se encontrando com alguém?
Teich: n-não, claro que não. Eu não faço a menor ideia por que o Eduardo acha que eu estou dando "escapadas", porque não é isso que acontece.
Bolsonaro: uhum... Olha aqui, Rubens: eu não vou aceitar comunista infiltrado no meu governo, hein. Tu tá comigo ou não?
Teich: s-sempre, presidente. Eu... Eu estou com o senhor, sim.
Bolsonaro: então tá. Agora vaza!
""Agora vaza". Que grosseria." Teich pensa. Mas claro que nunca teria coragem de dizer isso em voz alta. Suspira aliviado, essa foi por pouco. Ao menos sabe que Pazzuello está desconfiando dele, então terá que ser mais cuidadoso ao se encontrar com Henrique.
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