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História Mariana - João


Escrita por: Jorogumo

Notas do Autor


Que mistério tem Clarice?

Capítulo 3 - João


 

O DIA

 

Fotografar é uma arte. Nem todos conseguem entender isso, mas há uma grande diferença entre registrar um momento com uma câmera e registrar a luz, a essência daquilo. Talvez seja um pouco pretensioso pensar dessa forma, talvez não. Para ser honesto, há vários registros através dos tempos que confirmam esse pensamento. Famílias tiravam fotos com os mortos para que aquela pessoa fosse imortalizada pela lente da câmera. Chega a ser estranho como a morte orna tão bem com as fotos. É claro que, quando comecei a tentar me aventurar com uma câmera, não tinha objetivo de tratar isso como uma arte, mas ela me inspirou de tantas maneiras diferentes. Foi exclusivamente por ela que agora tenho um sonho e, por isso, eu agradeço. Infelizmente, não se pode viver apenas de sonhos. Aceitei tirar fotos nesse evento para unir o útil e agradável. Dinheiro e amigos. Não sou tão insensível quanto posso parecer, sei que não estamos unidos como era antes. É por isso que preciso desse encontro. Nós precisamos.  

Estou tão ansioso que quase não consigo estabilizar a câmera. Podia ser pior. Igor já estava comigo desde ontem. Sei que a maior parte do nosso grupo de amigos não gosta dele por certos motivos. Nem sempre tem como defender as brincadeiras que ele faz com assuntos delicados, mas ele é como um irmão pra mim. Além disso, sei que rola certa tensão sexual entre ele e certa pessoinha. Provavelmente é um dos motivos dele ter aceitado meu convite em primeiro lugar.

– Eles já não deviam estar aqui? Qual parte de “chegar mais cedo” esses merdas não entendem? – é disso que estava falando. Igor tem um jeito estranho de demonstrar seus sentimentos. Não vou mentir, algumas pessoas acham esse jeito charmoso, não tenho tanta certeza se a segurança do evento vai achar o mesmo. Melhor eles chegarem logo, ou esse vulcão vai acabar entrando em erupção. – E você tá rindo?! Ah, não.

– Desculpa. – não é como se eu pudesse me controlar. Sou conhecido por rir de qualquer coisa, alguns chamam de bem-humorado, outros de retardado. Acredito que é como aquela antiga cantora. O melhor dos dois mundos. – Pode tentar ligar, se quiser. É claro, usando seu próprio celular. – me acostumei a viver sem celular. Preferi comprar uma câmera e não um aparelho desses quando era mais novo e agora não sinto mais falta. Também não sou tão isolado tecnologicamente. Sempre levo meu computador para qualquer lugar. Existem segredos nele que nunca poderão ser vistos.

Hoje finalmente vai ser o dia em que vamos descobrir a veracidade de certo rumor que sempre esteve em nossas conversas. Alguns acreditam que uma pessoa do grupo pode não ser quem diz. Em outras palavras, que essa pessoa é fake. Não temos tantas provas para afirmar isso com certeza e também não temos provas para discordar disso. Um dos principais fatores é que sua vida pessoal parece ser tão distante, quase inexistente. Mesmo quando falava algo sobre isso, parecia ensaiado, com falas prontas para responder qualquer tipo de pergunta. Mas acredito que todos mentem um pouco quando o assunto é esse. Não me orgulho e talvez até me arrependa um pouco das mentiras que contava quando era mais novo. Todos querem se sentir no mesmo status social que os outros. Ainda mais quando se tem alguém como Artur no grupo. A ascensão dele foi tão rápida que ninguém conseguiu acompanhar sem precisar mentir. Em um dia ele era o garoto amava Ametista e no outro o garoto que pegou toda escola técnica.

– João! Não pode ser. É ela? – me aproximo de Igor, que está debruçado o suficiente para quase cair no primeiro andar. Ele está tentando me mostrar uma pessoa, mas demoro um pouco para conseguir distinguir onde seu dedo está apontando.  Puta que pariu. – É ela? Só pode ser ela.

O cabelo loiro balança em cada passo que ela dá, brilhando como se cada fio fosse de ouro. Sua pele parece tão perfeita. Ela não é bronzeada, mas não é pálida. Parece estar em perfeito equilíbrio e quase posso sentir quão macia é mesmo sem poder tocar. O corpo parece ter sido feito artesanalmente, como se pequenas mãos esculpissem cada detalhe com todo o cuidado do mundo. Ela nunca gostou dos seios, entretanto, parecem ser gotas de orvalho que acompanham o balanço do cabelo nos passos que dá. O vestido que está usando é de um branco quase transparente, com uma semelhança muito forte de uma lingerie. Se meu queixo já não estivesse caído, ficaria com seu rosto. Sempre é difícil conseguir enquadrar perfeitamente um rosto, já que nenhum rosto é exatamente simétrico, mas o dela é. Não é preciso uma régua para medir. É como um deslumbre para os olhos. Em outras palavras, ela é linda. Desesperadamente linda.

– Entendo uma pessoa ser melhor pessoalmente, mas ela... – só conseguimos parar de olhar quando ela sai do nosso campo de visão. Igor imediatamente senta com uma almofada no colo. Preciso concordar como que ele diz. As fotos eram bonitas, mas um tanto comum demais. Não era uma beleza de parar o trânsito. Pessoalmente, ela pode parar a rotação da Terra. – Então ela é real. Real pra caralho.

– É melhor irmos logo. – marcamos de todos se encontrarem no stand da empresa que escrevo roteiros para vídeos. Não é muito longe de onde estou, mas ainda não consigo pensar direito. É realmente ela. Uma parte de mim queria acreditar nisso desde o começo e nunca consegui. O outro lado sempre falou mais alto. – Não vai levantar?

– Espera um pouco... Sabe? – Igor não precisa falar mais, a almofada já fala por si mesma. Ouço o telefone tocar e já tenho ideia de quem provavelmente é. Tento procurá-los no primeiro andar e, para minha infelicidade, consigo encontrá-los. Bruno não mudou tanto, na verdade, parece até um pouco melhor. Melhor e um pouco sujo. Por um momento penso que ele trouxe algum desconhecido, mas é Artur. Ou pelo menos o que sobrou dele. Não consigo arranjar palavras para descrever sua aparência. O tempo o castigou sem dó. – Estamos no segundo andar, tenta olhar pra cima ou vai precisar de um binóculo?

Consigo ver o rosto de Artur desabar, mesmo de longe. Ele nunca se importou com a grosseria de qualquer um, mas está tão diferente. Pensei que talvez fosse apenas a aparência. Parece que nesse caso julgar o livro pela capa estava certo. Se não fosse pelo Bruno estar o acompanhando, ele já teria ido embora. Talvez não tivesse nem aparecido no evento. Os dois caminham lentamente para nos encontrar, como estivessem participando de uma marcha fúnebre. Nunca servi para ver os sinais que uma pessoa dá quando está triste ou coisa do tipo. Fica mais difícil ainda quando só posso ler o que escrevem e não ouvir suas vozes, suas expressões. Talvez, apenas talvez, Artur tenha dado alguns sinais antes de se tornar essa depressão ambulante. Normalmente perguntaria para Mariana se ela notou algo estranho, mas ela não está por perto e parece ser tarde demais.

Quando eles finalmente chegam, não posso mentir. Ainda há algo naquele rosto que me faz relembrar de como ele era antes. Ele continua sendo bonito, qualquer um pode ver isso, mas é diferente pra quem o conhecia antes. Um clima estranho está no ar. Todos se olham e acenam com a cabeça, como se fosse assim que se cumprimenta uma pessoa que conhece há anos e nunca viu pessoalmente. Bruno continua sendo como um animal exótico. É bom ficar observando de longe, mas provavelmente não é bom quando se aproxima demais. Ele é o tipo de pessoa que na teoria é melhor que na prática.

– Gente, vamos lá! Ninguém está animado? – por dentro, sinto que todos nós queríamos que alguém quebrasse o gelo e talvez Bruno tenha exagerado um pouco, já que está puxando todo mundo para um abraço coletivo. Não consigo segurar e sorrio ao ver que até Igor está abraçando, mesmo estando visivelmente desconfortável. – Agora sim.

– Onde está a última cabeça de Hidra? – tinha me esquecido disso, mas parece que Artur não. Éramos tão unidos que dizíamos dividir o mesmo corpo, como uma Hidra. É bom lembrar essa época. O ruim é saber que tudo isso passou e talvez nunca seja da mesma forma novamente. – Ela estava em um táxi quando a vi. Foi um pouco antes de me encontrar com o Bruno.

– Na verdade, nós a vimos chegar. – olho para Igor antes de completar a frase, que está sussurrando com Bruno e, pelo o que posso ouvir, parece estar falando de Mariana de um jeito bem... Viril. – Ela deve estar no stand, esperando por nós. Vamos andando.

Sempre imaginei esse momento, em que todos, ou quase, estivéssemos andando juntos. Imaginei com tanta força que para mim era algo certo de acontecer. E realmente aconteceu, mas não do jeito que sempre esperei. Movemos-nos silenciosamente, Bruno aponta algumas coisas ou tenta fazer alguma piada e, em pouco tempo, estamos separados em dois grupos. Enquanto converso com Igor, Artur fala com Bruno. Não parece nem que nos conhecemos. Estamos mais distantes agora do que quando quilômetros nos separavam. Tento não pensar muito nisso, afinal, é um dia para se alegrar. Talvez essa distância passe. Não contei para ninguém ainda, mas vou me mudar para São Paulo.

Bitch, what the fuck? Onde ela se meteu? – é a primeira vez que vejo Artur falando realmente como era. Mariana não está onde combinamos. – Não vou ficar andando que nem um maluco. – o novo Artur não demora muito para aparecer novamente. Não lembro exatamente a idade que ele tem, mas tenho certeza que não é um comportamento normal para sua idade.

– Ela deve ter ido visitar os outros stands. Preciso ir ao banheiro, posso tentar ligar pra ela. – é meio que uma indireta para Igor. Estendo minha mão na sua direção e não demora muito tempo para ele se tocar, na verdade. Uso tanto seu celular que não preciso nem perguntar sua senha. Conheço bem meu amigo para saber que há algumas áreas proibidas em que posso encontrar coisas estranhas. – Tentem guardar um pouco dessa animação para mim. – Enquanto caminho na direção do banheiro, posso ver o rosto de Artur nem um pouco feliz com um último comentário. Melhor resolver isso mais tarde, não pretendo voltar agora. O banheiro parece ser mais limpo que vários hotéis que fiquei até chegar aqui. Provavelmente alguma tecnologia contra o odor. Digito algumas coisas no celular, tentando achar onde Mariana estava.

A ficha cai quando estou me olhando no espelho. Estou realizando meus sonhos de uma vez só. Consegui unir meus amigos novamente. Consegui me mudar e arranjar empregos em áreas que são minha paixão. Mas ainda sinto que algo está faltando. A última vez que me senti tão completo foi por causa dela. Preciso fazer aquilo novamente. Preciso tanto quanto respirar. Não posso viver sem minha arte. A essência de algo é encontrada em sua ausência. Nesse momento, lembro minha razão de viver. Pensando bem, o palco já está montado. Não terei muitas chances e, infelizmente, apenas a perfeição é aceitável para mim. Não posso pensar demais se quero realizar o que devo. A arte requer certa crueldade e meu público aguarda. Eles podem me chamar de louco. Todos os artistas são loucos. Eventualmente, minha arte será compreendida.

Quando o celular toca, vejo a mensagem que espero. Estou suando tanto que quase não consigo desbloquear o celular. Algumas palavras e pronto. Tudo está se encaixando para realizar meu trabalho. O mundo precisa da minha arte. Cada foto é uma obra de minha alma. Cada flash é um pedaço meu. Sempre digo que é a última vez, mas sempre minto. Sou escravo dessa paixão. Dessa obsessão. Quando olho para o telefone novamente, a última mensagem diz “já estou na porta do banheiro”. Todos são como fantoches. Puxo uma corda e eles obedecem. Abro a porta lentamente, sentindo o cheiro que acompanha seu corpo perfeito.

– O que você pensa que está fazendo? – percebo agora que nunca tinha ouvido sua voz antes. Quase não percebo isso, para falar a verdade. Sempre fico tão impressionado com essa expressão de surpresa e medo. Quando tranco a porta, o som parece ecoar mil vezes em minha cabeça. Vamos começar o espetáculo.

 


Notas Finais


Ametista é uma personagem da DC Comics.


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