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História Martírio. - Ruptura na Cortina de Ferro.


Escrita por: Sevenhj

Capítulo 11 - Ruptura na Cortina de Ferro.


Dentro daquela vasta garagem, as crianças se acumulam ao redor de Veronika, o mais próximo que conseguirão de uma figura materna. Tudo bem que não é o local ideal, mas dentro daquele clima de crise, aquele espaço é o mais aconchegante que conseguirão encontrar - isso se levarmos em conta que o antigo lar está completamente fora de opção.

Lá fora, finalmente a lua dá as caras e ilumina os profundos olhos esverdeados de Maria, que pôde até que enfim abrir as cortinas e olhar diretamente para o lado de fora. A ruiva não se preocupou em dar as costas para Aurélien, que apenas a fitou em tom de dúvida.

Caillat, pelo que se sabe, a traiu. Mesmo sabendo disso, a mais velha não só o ofereceu abrigo como também cuidou de suas feridas, retirando de um a um cada estilhaço de bala que um dia esteve em seu corpo (agora coletados numa vasilha largada em um dos cantos do cômodo). O loiro se vê com imensa curiosidade: por que tanta compaixão? Como ela pôde confiar nele depois de tudo aquilo?

— Por que abriu as portas para mim? — O francês indagou, se aproximando do portão da garagem. Sabia muitíssimo bem que não ia conseguir dormir tranquilamente sem uma resposta.

— Por que você confiou em mim? — A ruiva respondeu com outra pergunta, sem desviar os olhos ou expressar qualquer tipo de emoção. — Você me apunhalou pelas costas, mas salvou minhas crianças. Você se comprometeu com a Ordem do Dragão, mas quando ferido, a primeira pessoa que procurou foi a mim. — Maria continuou com seu timbre suave e entonação calma. Agora um sútil sorriso esbranquiçado se formou em tua face, e os olhos deslizaram até o francês. — Ao contrário de Mihnea, ainda há bondade na sua pessoa. Eu acredito em ti, Aurélien Caillat.

A de cabelos avermelhados completou, trocando olhares com Caillat, um pouco antes de desviar a atenção para escovar o próprio cabelo à luz do luar. Maria Balsa é a charmosidade em pessoa, deixando o tom misterioso e experiente transparecer a cada respiração que dá, mantendo a postura e frieza independente da situação. Intrigante é a palavra certa para descrevê-la.

O francês saiu daquele espaço desnorteado, confuso. Durante seu caminho, deu de cara com Wilhelm, o senhor que exibe a barba grisalha e os olhos escarlate. Caillat fez o que pôde para tentar passar reto por ele sem iniciar uma discussão, mas obviamente foi interrompido no caminho.

— Eu sei o que você fez. Foi cruel. — A voz rouca escapou do mais velho, fazendo Aurélien cessar os seus passos com hesitação. Os olhos avermelhados de Wilhelm acumulam lágrimas, talvez de frustração ou raiva. — Encontrei os corpos antes mesmo dos porcos de farda, cada um deles. Você cometeu um dos atos mais hediondos que eu conheço, você-...

— Era necessário! Eles não eram boas pessoas. Eram assassinos, psicopatas...

O grisalho, sem perder tempo, agarrou Aurélien pelo colarinho e chocou-o contra a parede, longe do alcance de Maria, Veronika ou as crianças. A esclerótica do mais velho foi tomada pela cor preta, e o fraco vermelho que forma sua iris se tornou um rubra fervente nostálgico. 

— E você, o que é? Bebeu do sangue de seus semelhantes! Mesmo sabendo da minha história, pelo que eu passei... — Wilhelm está furioso, mas parece ainda mais decepcionado. — Nós te guiamos, te demos uma família!

O negro também tomou os olhos de Caillat, intensificando o azul das iris e uma versão reduzida do rubra de Wilhelm em cada uma das pupilas. Com uma força anormal, rebateu as palmas do grisalho e voltou os pés ao chão, fitando-o por alguns segundos antes de dar as costas.

— Você me transformou nisso, Wilhelm. Sei da sua história, e também não me orgulho de ter me transformado em um canibal. — Aurélien continuou de costas para Wilhelm, que só pôde observá-lo sem ver as lágrimas que sutilmente escapam dos globos do francês. — Mas eu não tenho outra escolha. Eu preciso de poder, muito poder.

E foi assim, na melancolia, que Aurélien se despediu daqueles que um dia chamou de aliados.

Distante dali, no hospital, Aaron se mantém inerte, sentado enquanto fita a beirada da cama. Já está trocado, exibindo uma blusa social branca que tem um vasto espaço vago na manga direita, justamente pela ausência da prótese metálica, destruída por Morgarath durante o conflito da operação anterior.

Adamik está ali, mas também não está. Se mantém tão distante dentro dos seus próprios pensamentos que até mesmo Alissa Portnova, acamada, percebeu que tinha algo errado, cortando o silêncio constrangedor.

— Você parece disperso. Digo, mais que o normal. — A voz suave de Alissa saiu, fraca e trêmula. Foi o suficiente para acordar Aaron de seu transe.

— Desculpe. — Ele se corrigiu, erguendo-se. De pé, já conseguiu ver grande parte dos curativos entre o ombro e os seios da loira, visíveis pelo fino tecido azulado da roupa hospitalar. Também tem o gesso cobrindo o braço quebrado, já com uma aparência bem melhor. — Você parece bem. Foi inteligente usar a droga.

Muitos usam o fluido para tentar rebater diretamente os vampiros, mas essa é uma decisão tola. Aaron e Alissa são inteligentes o suficiente para saber que tentar aquilo seria burrice, e por isso o usaram não para bater de frente, mas para resistir. Se não tivesse utilizado a droga, Aaron provavelmente não teria alcançado Morgarath há tempo e sequer estaria de pé; já Alissa provavelmente teria desmaiado pela facada e morrido pela hemorragia. Nos dois casos o fator de cura e a resistência amplificada salvaram vidas e evitaram que um cenário de terror fosse plantado.

Há muitos riscos ao utilizar a droga, por isso o uso inteligente é um grande requisito para os soldados. Por sorte, Alissa e Aaron não tiveram que lidar com consequências muito graves do uso do farmacêutico.

— Não, eu fracassei. Dmitri está morto porque não pude parar Morgarath. Se eu tivesse usado o meu outro braço, eu-... — Alissa, como líder na ausência do capitão, ainda se culpa pelos erros e mortes que a operação gerou.

— Eu li todo o relatório que escreveu, só faltam os dados dos legistas. Você salvou vidas, Alissa. Lutou com Morgarath mesmo com ferimentos dessa escala, salvou vidas como uma verdadeira Portnova. — Aaron sentiu necessidade de mostrar o quão grandiosos foram os feitos de Alissa, que faz questão de se subestimar. — Seu pai acreditava que você seria a maior de todos nós. Agora acho que ele está certo.

Mais um silêncio se fez presente, dessa vez, com recordações de Ruslan Portnova, não só pai de Alissa como também o mentor de Aaron Adamik durante boa parte de sua vida. É um pouco engraçado e triste se recordar daquele passado, especialmente quando falamos dos integrantes da equipe: o capitão Ruslan, o vice-capitão Oleg Glushkov e o até então novato, Aaron Adamik. Olhando para o passado, percebe-se que o futuro foi cruel. Ruslan por todo esse tempo era um traidor, delatado pela própria filha; Oleg se tornou ambicioso até demais, e seus feitos o tornaram um dos homens mais importantes da APS, como o irritante chefe da Unidade de Extermínio, a qual Aaron trabalha; Já o próprio Adamik? Bem... ele se tornou capitão do próprio esquadrão, mas nunca esteve tão infeliz em sua vida. O resto da antiga formação da equipe obviamente está morta.

— Eu acho que vou indo. — Afirmou Aaron, levemente desnorteado com tantas recordações incômodas.

— Capitão, um momento! — Alissa chamou a atenção dele. A loira, grunhindo de dor pelos ferimentos, se sentou na cama e voltou sua atenção à ele. — Como estão os outros?

O capitão do décimo quinto esquadrão ficou inerte, deixando o silêncio constrangedor tomar conta da ocasião. Sua hesitação tem um motivo óbvio: Alissa se culpa por cada dano imposto às equipes. Ele não quer piorar a situação, mas ela tem o direito de saber.

— Eu soube que o novato, Nail, está bem. Deve receber alta depois de alguns experimentos quanto ao fator de cura dos vampiros. Seu relatório foi muito útil nesse quesito. — Aaron afirmou, hesitante em prosseguir as notícias. Ele respirou fundo e continuou — Bernhart Vlushken não quis acrescentar nada ao relatório, ele parece muito emburrado por ter sido deformado na batalha. Por incrível que pareça, graças aos médicos, a boca dele não está tão ruim. Bom, pelo menos não tanto quanto poderia estar. — O homem empurrou a porta, de costas para a Alissa. Sabia que a notícia seguinte seria a mais intragável para ela. — Ulrich... bem, eu ainda não sei. Tá tendo uma comoção muito grande no quarto dele, mas não me dão respostas e nem me deixam vê-lo. Assim que eu obtiver alguma notícia, você será a primeira a saber.

A Portnova engoliu seco, franzindo a testa e desviando os olhos para baixo. Aaron conseguiu ouvir, de longe, a respiração da garota, visivelmente se culpando. Ela não quer desabar, não ali, na frente de seu capitão. Antes que ele pudesse sair, ela ergueu o braço direito e colocou a palma aberta lateralmente na própria testa, numa típica reverência militar.

— Obrigada, capitão.

Enquanto isso, em plena noite, nos limites da Tchecoslováquia, na borda da Cortina de Ferro, um grande caminhão de carga traz o que supõe-se ser mantimentos simples, como frutos importados dos países vizinhos. Mas não é.

A Tchecoslováquia é um país razoavelmente pequeno, cujos conflitos éticos e sociais aos poucos passam a se diferir dos pensamentos ditatoriais que a União Soviética prega, mesmo que a "bomba" ainda esteja distante de ser lançada. Mesmo com as dificuldades, é a brecha perfeita, a abertura necessária para penetrar os muros socialistas erguidos durante a Guerra Fria.

Um bom dinheiro no bolso de um cidadão médio comprometido com a causa e pronto. Aquela carga duvidosa é escondida numa garagem abandonada nos campos rurais, mais uma de centenas, o que torna quase impossível de encontrá-la - ao menos que partam do suposto de revirar cada uma das garagens, o que ainda é inviável ao menos que haja um bom motivo.

A seguir, o motorista se despede e parte dali a pé. O maltrapilho pega sutilmente um comunicador por baixo de suas vestes, alertando alguma coisa em uma língua estrangeira:

“The bomb has been planted.”



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