“Minha mãe sempre dizia: a vida é como uma caixa de chocolate. Você nunca sabe o que vai encontrar.”
— Você tem certeza de que está bem? – Jinyoung me observava com cautela, tentando disfarçar o sorriso no canto dos lábios.
— Tenho, porque não estaria?
— Você ta tremendo mais que vara verde.
— Não to.
— Eu consigo ver daqui... – Silêncio, era a única coisa que aquela provocação dele merecia vindo de mim. – Encontrou com ele, não é?
— Com quem? – Respondi me fazendo de desentendido, mas o olhar implicante de Jinyoung me fez desistir da ideia. – Ele é... diferente.
— Pelo seu estado deve ser uma bela diferença – Jinyoung tentava inutilmente segurar a risada que já estava estampada em seu rosto.
— Olha, não começa Jinyoung.
— O que? Eu não disse nada. – Dessa vez não conteve a gargalhada. – Mas tem que admitir que é engraçado.
— O que é que é engraçado?
— Você passou um mês dando chiliques sobre esse cara e é só ver ele por três minutos que ta aí, se tremendo todo.
— Eu não to tremendo. – Estava sim – Não por causa dele.
— Então por que? Tomou muito café?
— Não.
— Para de me arranjar desculpas. O cara é bonito mesmo, assume.
— Não! – Respirei fundo, sem saber se minha agitação era pela pessoa do assunto em questão ou pela provocação de Jinyoung. – Eu me recuso, algo nele ainda não me cheira bem.
— Olha, eu passei por ele e acima de tudo ele é bem cheiros-
— NÃO É ISSO, JINYOUNG! – Mais uma gargalhada soou muito mais alta vindo do amigo da onça do meu lado.
— Você é tão sensível a provocações, por isso eu nunca paro. – Pausou por alguns segundos pra retomar o fôlego e complementou – Porque tem que ser teimoso com esse tipo de coisa? Ele parece ser bem legal.
— Não tenho certeza, ele me passa uma sensação estranha.
— É... – Esboçou outro sorriso provocativo no canto dos lábios, dando tapinhas em minhas costas – Isso se chama atração.
— Não é isso! Ele é tão sério, e mesmo assim passa essa... Coisa.
— Não vou repetir. – Me virou bruscamente, ajeitando minhas roupas e apoiando ambas as mãos nos meus ombros. – Vai lá, garanhão.
E simplesmente saiu, como se nada estivesse acontecendo e como se não tivesse gritado a última frase para que todos por perto ouvissem. Eu tentei ao máximo me acalmar e não sair em disparada atrás dele para esgana-lo antes que minha bondade me fizesse mudar de ideia, mas estava mais focado em como não passar mais vergonha do que já tinha passado na frente do tal... Jaebum. Eu não concordava com Jinyoung em nada do que ele tinha acabado de me dizer, eu nunca antes tinha me sentido atraído tão rápido por ninguém – e quando eu digo nunca, é nunca mesmo – as poucas vezes que chegou a acontecer foi com o meu primeiro amor; um babaca qualquer que conheci na faculdade e Jinyoung, quando o conheci, há muitos anos atrás. Mas essa é uma conversa pra uma fase bem mais dramática dessa minha história.
Me recusava com todas as forças a entender o que estava acontecendo comigo e mantive a impressão inicial de que algo ali daria muito errado. Eu confiava bastante nos meus sentidos, eles quase nunca falhavam. Eu podia não ter sorte; ou confiança; ou estabilidade emocional. Mas se algo de forte me restava, isso era minha intuição. Eu não sabia exatamente o que me esperava ali, mas aprendi com os longos anos que vivi que o melhor é sempre esperar o pior.
∴*♡*∴
— Ok, por onde quer começar? – Jinyoung me perguntava com o olhar sugestivo ainda nos olhos. Percebendo que eu tentava ao máximo não olhar diretamente para o homem ao meu lado, parado com as mãos nos bolsos.
— Bom, do início seria o melhor. As cenas mais claras, com o fundo das cortinas brancas. Faça com que pareça tipo um café pela manhã.
— Você que manda... – Observou Jaebum com atenção por breves segundos. – Tem certeza que não prefere trocar de cargo com um dos modelos? Daria super certo! – Ouvi uma leve risada rouca ser timidamente liberada no ar.
Acho que Jinyoung flertaria até com uma pedra se achasse ela bonita o suficiente, mas Jaebum parecia confortável com as gracinhas.
— Opinião interessante, mas prefiro deixar que os profissionais façam o trabalho. Não sou tão bom nisso quanto você pensa.
— Essa é uma grande perda para minha câmera – Afagou o equipamento nas mãos, olhando para mim novamente com o olhar cada vez mais descarado – Que pena, Youngjae, não consegui convencê-lo...
— E o que eu tenho a ver com isso?
— Não finge que não sabe, hm? – Apontou seu dedo pro meu rosto, quase encostando no meu nariz. – Poucos minutos é o suficiente para te expor. – E, mais uma vez, simplesmente saiu.
E eu obviamente fiquei ali, congelado como uma estátua, sentindo o olhar de Jaebum sobre mim.
— Do que ele ta falando?
— Nada, ele só vê prazer em me provocar. – Virei rapidamente de costas, continuando a missão de não encará-lo – Vamos até o monitor, vai melhor se adiantarmos o máximo possível.
Andei na sua frente em passos rápidos e grudei meu olhos na tela o mais próximo que conseguia. Permaneci concentrado no trabalho de Jinyoung com uma força assustadora, mas não parava um segundo de pensar no homem atrás de mim e de ouvir com atenção cada um de seus movimentos. Eu estava em estado de alerta. Por mais que eu tentasse me prender às imagens que surgiam e desapareciam no televisor, não tinha muito o que observar, Jinyoung era assustadoramente bom no que fazia, raramente alguma de suas fotos tinha de ser refeita ou ajustada. E, se fosse preciso, a culpa normalmente era da iluminação e do vento. Nenhuma falha poderia ser encontrada em seus talentos. Em sua personalidade, por outro lado... encontrava várias.
— Sabe... – A voz grave soou atrás de mim de repente, me assustando – Eu estou realmente incomodado com este roteiro. – O olhei de canto de olho, reparando na expressão séria com que encarava as folhas em suas mãos.
Ótimo, finalmente tinha chegado a primeira sessão de ofensas e críticas estúpidas ao meu trabalho de um mês inteiro, sem pausas? Eu estava preparado, esperava seu pior caráter, tinha certeza absoluta de que ele ia tentar me diminuir de alguma forma. Mesmo que não fizesse na frente dos outros, poderia facilmente fazer agora que estávamos sozinhos, escondidos por telas enormes.
— Incomodado com o que, senhor Im? – pela primeira vez o encarei, esperando ansioso pela resposta seca. Finalmente ia provar que estava certo e que minha intuição nunca falha. Nunca.
— Isso aqui... – Balançou as folhas e as jogou na mesa ao seu lado – Ficourealmente muito bom. Cada mínimo detalhe, expressão e iluminação. As descrições dos sentimentos que cada imagem tem que passar na intenção de contar uma história sem palavras e movimentos... Você é excelente! – Me olhou, ainda sério, mas com um brilho diferenciado nos olhos – E pode me chamar de Jaebum, apenas Jaebum.
“Droga, droga, droga, mas o que?” Eu gritava repetidamente dentro da minha cabeça, procurando uma resposta no meio de um misto de surpresa e confusão que se embolava dentro de mim. Desviei o olhar rapidamente após aquilo, voltando a encarar as telas, fingindo estar cem por cento concentrado como antes.
— E por que isso te incomoda? – Respondi baixo, voltando a ficar nervoso como antes.
— Porque eu mesmo queria ter escrito. – Ouvi seus passos se iniciarem, vindo em minha direção. Instantaneamente minhas mãos voltaram a tremer. – Tudo bem?
— Hm? Sim? Por que?
— Você está tremendo. – Apontou para minhas mãos.
“Droga!”
— Eu sou um tanto ansioso. – Soltei uma risada nervosa pra tentar reforçar a desculpa esfarrapada. – Por isso começo a fazer isso involuntariamente quando quero que algo termine logo.
— Não se preocupe... – Pousou uma mão no meu ombro esquerdo, fazendo com que sentisse o calor que emanava. Por algum motivo esperava que fosse frio. – Seu trabalho é ótimo, seu amigo também. Nada aqui vai dar errado.
Me permiti olhá-lo rapidamente, apenas como confirmação de que não estava sendo cínico ou irônico, ou fingindo ser gentil. Me deparei apenas com um leve e suave sorriso, emoldurado em seu rosto irritantemente maravilhoso.
“Droga! Droga! Droga! Droga! Droga!”
— Obrigado... – Dei mais um leve sorriso de canto, completamente oposto ao que estava acontecendo dentro da minha cabeça e encarei os monitores uma terceira vez, agora muito mais preocupado em tentar parar de tremer antes que o homem – agora sentado ao meu lado – notasse algo mais.
Ficamos mais algumas horas lado a lado, em silêncio, observando as fotos que se seguiram rapidamente e o hábil trabalho de Jinyoung. Não senti fome ou sede. Não me preocupei com nada a minha volta. Sinceramente, mal continuei a realmente enxergar as fotos enormes piscando na tela. Estava ocupado demais brigando comigo mesmo, tentando entender onde meus cálculos estavam errados ou que mentira não percebi no tom que Jaebum tinha usado. Não fazia sentido. Nada fazia sentido. Sentia que estava começando a exagerar e que, talvez, realmente não era nada do que eu esperava. Respirei profundamente por longos minutos, fechando os olhos, até que comecei a me acostumar com a situação em que estava. Talvez tudo estivesse sobre controle. Talvez nada desse mesmo errado.
Isso até Jinyoung aparecer.
— Eai, deu tudo certo? - Ainda tinha o sorrisinho presunçoso nos lábios quando se aproximou.
— Suas fotos foram muito boas, nem tinha como dar errado. – Jaebum comentou, amigável. – Eu sinceramente achei que alguns ângulos não foram muito bem programados, mas nada que as outras fotos não resolvam.
— Sim, eu sei, tive pouco espaço pra andar ali... – Suspirou – Mas obrigado.
— Ficaram mesmo muito boas – Comentei enquanto juntava minhas coisas pra sair dali o mais rápido possível. – Fazia tempo que não via suas fotos. Não perdeu o jeito.
— Eu tento. – Levou a mão até a parte de trás do pescoço, apertando o músculo tenso pelo trabalho. – Mas me esgotou, to cansado. E já passou das cinco.
— Já podemos ir embora, se quiser... – Ajudei a tirar a câmera de seu pescoço, pegando o estojo estofado em cima da mesa. – Veio com o carro?
— Não... De metrô.
— Então vamos ter que sofrer mais um pouco. Pode ir lá pra casa se quiser.
— Seria ótimo...
— Bom... – Jaebum, que apenas nos escutava em silêncio, interrompeu – Eu posso levar vocês se quiserem.
— Não queremos te dar trabalho... – Jinyoung disse, apoiando uma mão em seu ombro.
— Não vão. – Curvou os lábios num sorriso simpático – Eu moro exatamente no centro da cidade, qualquer lado para que queiram ir acaba sendo próximo para mim.
— Então nós aceitamos – Jinyoung sorriu, dando um leve pulo de alegria.
— Eu... – Tentei me opor, mas ele logo passou correndo por mim.
— Vamos Youngjae, rápido.
Fui obrigado a seguí-los e, como se não estivesse frustrado o suficiente, tive que gastar minha energia restante numa discussão com Jinyoung que insistia que eu fosse no banco da frente. Consegui vencer, não sei como. Provavelmente estava com uma cara tão horrível que meu amigo finalmente sentiu pena de mim e da minha infeliz existência e resolveu me dar algum tempo de descanso. Me atirei no banco traseiro, atrás de Jinyoung, apoiando a cabeça na janela e escondendo ao máximo meu rosto do campo de visão do motorista que estava me deixando inquieto demais. Passei os 40 minutos do trajeto observando a paisagem, esvaziando a mente. Consegui meu objetivo apenas após 20 minutos de estrada, quando a chuva começou e as gotas cristalinas começaram a escorrer pelo vidro, criando um contraste interessante com os prédios no horizonte.
Um longo tempo depois, após dez músicas de uma rádio de qualidade suspeita e muito sono acumulado, chegamos ao destino. E eu ao menos reparei que naquele exato momento Jaebum descobria onde eu morava. Saí do veículo a passos lentos, tentando manter meu corpo de pé e meu cérebro ativo. Andei até a porta, procurando pela chave eletrônica do prédio, observando Jinyoung me dar espaço e indo até Jaebum que esperava um pouco atrás de nós.
— Muito obrigado pela carona, mesmo! Odiaria ter que pegar essa chuva.
— Não foi nada.
— Vamos logo, Jinyoung! – Gritei impaciente, abrindo a porta. Ouvi quando se despediu de Jaebum e correu para dentro. Quando ia me virar para fazer o mesmo, mas à distância, percebi que ele já tinha vindo até mim.
— Espero que tenha achado esse um bom começo, Youngjae. Realmente gostei do seu trabalho.
— E eu, infelizmente, não pude ver o seu... - Falei mais da boca pra fora, querendo que o assunto se encerrasse pra poder explodir de inquietação no meu canto, isolado e sem passar vergonha, de preferência.
— Ainda... – Colocou as mãos nos bolsos do casaco preto que vestia, retirando o celular de um deles. – Temos a próxima sessão daqui uma semana e, se não for um problema... – Pausou por um tempo na frase, concentrado nos comandos na tela do aparelho. – Adoraria se me desse seu número para que eu possa te mostrar um pouco do que tenho a oferecer para a próxima parte.
— Quer me mostrar seu trabalho?
— Sim, seria bom uma nova opinião. – Pensei um pouco no caso, ainda relutante, observando-o bater os pés contra o chão ansiosamente antes de começar a ditar meu número para que anotasse. Ele pediu que fizesse o mesmo e logo tinha seu número salvo entre meus contatos. Porque diabos estava fazendo aquilo?
— Acho que é isso. – Eu disse, olhando para os lados da rua, encontrando-a deserta.
— Sim... – Estendeu sua mão até mim – Boa noite, Youngjae. Foi um prazer.
— Meu também... – Fui respondido com mais um dos seus leves e misteriosos sorrisos. – Boa noite... – Sussurrei após Jaebum já ter se afastado e entrado no carro, observando-o ir embora.
Fui até o elevador completamente avoado, apertando o botão inúmeras vezes sem me lembrar se já o tinha feito ou não. Entrei, subi, andei até a porta do apartamento e demorei longos minutos procurando pelos bolsos até me dar conta de que a chave já estava em minhas mãos. Encaixei ela na fechadura, só então me dando conta que Jinyoung tinha sua própria cópia e provavelmente já estava aberta, entrei e a fechei novamente. Levei minhas costas de encontro à madeira e permaneci, parado, absorto nos meus próprios pensamentos, ignorando completamente o Jinyoung sentado em meu sofá. Quando voltei à mim percebi que meu rosto estava quente e Jinyoung me encarava novamente, com o mesmo sorriso irritante de horas atrás.
Eu estava vermelho, confuso, avoado e meu coração não parava de bater forte.
“DROGA!”
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