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História Meio Amargo - Doce


Escrita por: MxrningStar

Notas do Autor


Olá, minha gente! Como vocês estão?
Bom, resolvi voltar com fic já que estamos começando a ter material de As Five e do nosso elenco de milhões e a janela da fanficagem está se abrindo de novo! Essa em especial eu venho escrevendo tem mais de um ano e é uma espécie de adaptação da novela Chocolate com Pimenta. Por ser adaptação, há pontos de convergência e de divergência com a história e está tudo bem rsrs. Não esperem pelo óbvio rs.

PS: Os nomes dos capítulos sempre serão nomes de pratos ou sensações do paladar mencionados no decorrer da história e de suma importância para que ela ande.

Boa leitura!

Capítulo 1 - Doce


Uma mocinha doce, um mocinho amanteigado e vilões amargos. A maioria, senão todas as grandes histórias de amor, parecem partir sempre deste princípio. Vinganças, amores não realizados, frustrações e remorsos podem vir como o tempero do prato principal. De entrada, o amor à primeira vista. De sobremesa, a coroação do casal para o qual todo mundo torcia.

Só que nem toda história de amor precisa ser clichê. Ela pode ser só uma história. História com gente doce, com gente amarga, com gente melosa... história com vingança, remorso, ódio... histórias como tantas outras já narradas ou histórias ainda não contadas.

Histórias, Samantha não tinhas muitas. Mas conhecia muitas. Menina pobre do interior que foi obrigada a ir viver a vida em outro lugar por causa de uma perda. Arthur e Márcia Lambertini se foram cedo demais. Aliás, toda partida parece ser precoce. E dói. Dói que dilacera.

Samantha viveu essa dor por semanas e semanas a fio, dependendo da boa vontade dos amigos vizinhos para poder passar. Mas há horas em que o luto precisa ser superado ou ao menos espera-se que a gente consiga conviver com ele. A mala se resumia a uma mochila. Na bolsa, o básico: documentos, passagens e o mínimo em dinheiro. Daria para um lanche no meio do caminho. O destino: A casa da avó.

Lá era onde ela pretendia começar a se refazer. Era o único lugar que tinha para onde ir e decidira que se era o que a vida lhe dava, que aproveitaria da melhor maneira possível. Nunca fora de desanimar, não seria agora. Recostada à janela do ônibus, ela via a paisagem campestre aos poucos ir dando lugar a construções mais imponentes em concreto. Aliás, concreto parecia ser a palavra de ordem ali. Para onde olhava, via cinza e gente apressada demais para olhar para seus pares.

Desceu na rodoviária depois de quase oito horas de viagem na mesma posição, só queria um lugar para esticar as pernas e descansar um pouco o corpo. Quase foi ao chão quando pisou fora do ônibus.

- Samantha! Você chegou! – a cabeleira loira não deixou negar que de fato ela estava em São Paulo. Pega pelo susto, Samantha se deixou envolver pelos braços de Clara. Clara era sua prima, morava na capital para estudar. Os pais viviam em no interior de Minas. Quando soube que Samantha estaria ali com data e hora marcadas, correu para recebê-la – Que saudades, prima!

- Sai de cima, clara! Assim vai deixar a menina sem ar – Guto, irmão de Clara, se aproximou para recolher a mala – Pelo amor de Deus, se controla!

- Ei! – Samantha correu a abraça-lo – Guto, você está... enorme!

De fato o rapaz havia ganhado corpo. Da última vez que o vira, Samantha se lembrava de um menino franzino e ligeiramente cabeçudo. Mas ali estava Guto com um porte absurdo, o rosto anguloso e as eternas covinhas reluzindo quando sorria.

- Come que se acaba, nisso que dá – Clara interrompeu o momento de contemplação.

- Cadê a vó Arlete? – Samantha buscou pela senhora.

- Ficou em casa. Tinha umas encomendas para entregar, ficou adiantando tudo – Guto explicou e pegou a mochila dela – Ela está preparando um almoço especial pra você.

- Não falei? Só fala em comida – Clara reclamou e, juntos, seguiram os três em direção ao metrô.

E de fato, Samantha pôde constatar: o concreto que vira na entrada da cidade era só o prenúncio do restante. Prédios enormes, milhares de janelinhas empilhadas, ruas e mais ruas de asfalto sendo palco de um trânsito frenético a ponto de se tornar caótico. E gente apressada. Ela contou quatro esbarrões até conseguir entrar no metrô lotado. Horário de pico, haviam lhe dito, era assim mesmo.

- Como você está, Sam? – Guto quis saber.

- Daquele jeito... – desanimada, ela se pôs a brincar com a costura da barra da camisa – Em um dia estava tudo bem e no outro meu mundo tinha desabado – riu sem humor – Mas consegui deixar tudo em ordem. Devolvi a casa pro dono com tudo que tinha dentro e vou tentar me arranjar por aqui. Hoje mesmo eu já saio para procurar emprego.

- Muito nobre da sua parte, mas... você sabe que a vó Arlete não vai deixar, né?

- Ela vai ter que lidar com isso, Clara – Samantha suspirou – Eu não vim pra cá pra ser sustentada. Lá em casa eu estudava, mas também ajudava a mamãe na costura. Nunca fui de ficar de braços cruzados, ainda mais agora.

- E a faculdade?

- Eu tive que trancar, né? Não tenho dinheiro para bancar meu curso e como me mudei....

Clara trocou um olhar com Guto. Um olhar um tanto curioso e em expectativa. Samantha percebeu e até que quis perguntar o que era aquilo, mas foi empurrada para fora do vagão sem delicadeza nenhuma pelos demais passageiros presos em sua pressa. Saíram na estação, perto de uma praça. Clara apresentando a cidade para a prima ao passo que Guto se preocupava em conter os exageros da irmã. Era engraçado como eles eram dois opostos: o que ele tinha de calmo, ela tinha de espevitada. Clara sempre foi para frente e Guto mais pé no freio. Samantha, particularmente, era mais o jeitinho do rapaz, na sua. Tinha mais a ver com ela. E aquela ousadia de Clara já lhe colocara em cada situação....

Bateram uma casa ao final da rua. Construção simples, muro baixo... vizinhança tranquila. O pedacinho de São Paulo que Samantha mais amava e talvez o único que ela de fato conhecia. E lhe bastava.

- Minha menina! – dona Arlete veio lá de dentro de avental na cintura, enxugando as mãos. O sorriso grande lhe lembrava o de Arthur: aberto, receptivo... embora houvesse uma sombra em seu semblante. Ela também perdera um filho naquele maldito acidente, Samantha a entendia completamente – Que alegria te ver aqui!

A menina se deixou envolver pelo afago da senhora, teceu mil agradecimentos e seguiu em direção ao interior da casa. As paredes eram revestidas em tons pastel e uma delas decorada com quadros de fotos de plantas. A mobília era simples, mas tinha seu conforto. Na sala de jantar, separada da sala de visitas por um arco, Samantha encontrou uma mesa posta para o almoço. Mesa cheia, mesa farta. Se perguntou quantos mais fariam refeição ali.

- Eu fiz aquele ensopado de carne que você adora! E aquela mousse de maracujá que você ama também.

Samantha sentiu a boca salivar e só aí se deu conta de que o lanche do caminho não lhe sustentaria.

- Vem, Sam. Eu vou te mostrar seu quarto. Na verdade é o meu... você vai ter que dividir comigo.

- Relaxa, Clara... e eu não quero atrapalhar.

- Que atrapalhar, menina! Essa casa agora é sua! – Arlete arrulhou – Anda, passa pra dentro. Tira essa roupa, toma um banho e vem pra gente comer.

E assim Samantha o fez. Desfez a mala e pendurou as roupas no espaço do armário que Clara lhe tinha reservado, tomou uma boa ducha e saiu usando uma roupa mais fresca. O cheiro da comida fazendo seu estômago roncar.

Mas nem bem se sentou à mesa, ouviu passos vindos do lado de fora e o barulho da grade do portão se abrindo.

- Eu senti o cheiro e vim direto pra cá – Roney anunciou. A cabeleira preta caindo pelo rosto – Capaz da Keyla pintar aqui, mãe.

Certo. A árvore genealógica dos Lambertini era grande. Além de Malu, mãe de Guto e Clara; e de Arthur, o falecido pai de Samantha, dona Arlete também era mãe de Roney. Roney não só: Roney Romano, astro da MPB nos Anos 80. E astro de um sucesso só, mas ainda assim... um sucesso. Roney era viúvo e tivera que criar sozinho sua filha, Keyla Maria. Filha essa que fizera o favor de lhe premiar com o título de avô antes do tempo.

- Você enlouqueceu! – foi o que ele gritou desesperado quando soube que a menina estava grávida de um rapaz que ela sequer sabia quem era. Mas tudo bem. Keyla devolveu o gracejo depois quando Gabriel deu o ar da graça. Filho sumido de Roney, o menino tinha a idade dela e fora concebido fora do casamento fruto da relação de uma noite do cantor com uma fã.

Parecia uma confusão generalizada, mas ainda assim um lugar de entendimento.

- Samantha! – o tio foi cumprimentá-la – Como foi de viagem?

- Tudo bem, tio. Meio cansativo, mas cheguei inteira.

- Olha, desculpa não ter ido te pegar, viu? É que eu estava resolvendo sua vida!

- Minha vida? – Samantha franziu o cenho e viu de novo Guto e Clara trocarem aquele olhar cúmplice e em expectativa.

- Deu certo? – Arlete veio da cozinha apressada, enxugando as mãos em um pano

- Deu certíssimo, senhora minha mãe! – Roney estendeu um papel para Samantha – Sua neta está devidamente matriculada na faculdade, com bolsa integral! Eu consegui a transferência do seu curso, Samantha

- Oi? – a menina correu para checar o documento. Era um contrato de concessão de uma bolsa no valor de cem por cento dado por uma instituição de ensino superior no nome dela, Samantha. Tinha como testemunha, Roney e estava assinado por uma mulher que ela entendeu se chamar Dóris Bonfim. Parecia ser reitora – C-como que você fez isso? Eu... eu nem sabia.

- Ah, eu tenho meus contatos – Roney se empertigou todo – O marido da Dóris é um grande amigo, vive lá na loja afanando barrinha de chocolate fiado. Sabe como é... aí eu deixei escapar que você estava vindo pra cá, que precisava terminar os estudos e ele se prontificou a conversar com a esposa. Eu estava lá na faculdade fazendo propaganda sua. Olha, não fica com raiva, tá... mas eu pedi pra Clara e o Guto vasculharem suas notas no sistema da sua outra universidade. A Dóris se derreteu toda.

Samantha analisava o documento e ouvia a história completamente embasbacada.

- Você vai poder terminar seu curso de Gastronomia, Sam – Clara bateu palminhas animada – Pode me usar de cobaia, se quiser.

- A gente também estuda lá – Guto informou.  Eu, a Clara a Keyla e o Gabriel. Eu faço música.

- Eu faço moda – Clara ergueu a mão.

- Eu faço teatro. Quero ser atriz de musical – Keyla anunciou, passando pela porta ao lado de um rapaz loirinho de cabelo cortado baixinho.

- E eu faço Direito, porque quero ser juiz que nem minha mãe – o menino sorriu grande para Samantha – Oi, meu nome é Gabriel. Você deve ser a Samantha, né? Nós somos primos também.

Sabe amor à primeira vista? Foi bem isso. Encontro de almas. E pela primeira vez depois de semanas encarcerada nas próprias emoções por conta da perda dos pais, Samantha se sentiu querida e acolhida de verdade.

- Mas gente, eu...

- Um-hum! – Arlete interrompeu – Nem pense em falar nada para negar. É o que nós podemos fazer por você e é o que faremos. Somos sua família e estamos aqui pra isso. Você só me prometa que vai estudar pra ter um futuro lindo e...

- E sustentar todos nós – Clara, óbvio.

- Clara... menos – Guto mandou.

E ela respondeu. O vozerio que tomou conta da casa no minuto seguinte foi natural. E bom, Samantha tinha que admitir: era maravilhoso.

(...)

- Me vê um Meio-amargo e um... amanteigado – Lica pediu para o vendedor. Recebeu as barrinhas de chocolate e entregou o dinheiro. Mas óbvio que o homem ia recusar – Qual é, eu sou cliente também.

Recebeu uma risadinha em resposta. Revirou os olhos, deixou o dinheiro sobre o balcão e se retirou comendo o chocolate.

Cacau era sua vida. Sua fonte de energia e sua existência, praticamente. Desde que se entendia por gente, Lica vivia no meio dos doces, das guloseimas, das sobremesas... glicose pura. Nascida Heloísa Gutierrez, era filha dos donos de uma das maiores fábricas de chocolate do país. Atuava no ramo da fabricação, da distribuição e das vendas: as choclatarias Melken estavam espalhadas pelo Brasil a fora e constituíam uma boa monta em dinheiro e poderio econômico.

Filha única, Lica era a herdeira solo de tudo que sua mãe construíra e seu pai administrava (privilégios de um bom casamento), mas pelo menos por enquanto, sua única preocupação era aproveitar o que de doce a vida tinha a lhe oferecer. E eles eram meio-amargos, amanteigados, setenta por cento cacau... as opções eram muitas.

- Pensei que não vinha mais. Eu ia embora sem você.

- Consola? – Lica estendeu a mão com quatro barras para a amiga. Tina sequer pestanejou. Pegou logo duas e esqueceu a cara emburrada. Era sempre assim. Tina se armava e Lica ia lá e oferecia chocolate. Em geral, funcionava.

Cristina era filha de um grande amigo de sua mãe. Seu Noboru Yamada era dono de uma franquia de restaurantes da culinária japonesa. Então em todo encontro era sempre assim: Tina vinha com as entradas e os pratos principais e Lica chegava com as sobremesas.

Por conta da proximidade entre as duas famílias no âmbito profissional e pessoal, Tina e Lica acabaram se tornando amigas de infância. Estudaram juntas na escola, e agora faziam faculdade juntas: Heloísa cursava Administração, embora nas horas vagas amasse sair por aí grafitando muros e fazendo arte. Já Tina cursava Música, a muito contragosto da mãe. E nas horas vagas, aproveitava para infernizar a médica e mãos de ferro, dona Mitsuko.

Agora, falando em sobremesas, ninguém, simplesmente ninguém batia as de Das Dores e Josefina. As duas trabalhavam juntas na fábrica de chocolates e eram as mais antigas confeiteiras que a empresa tinha. Juntava a experiência com a mão boa para a cozinha... as delícias que as duas faziam eram de se comer rezando. Lica amava visitar Ellen, neta de Das Dores, e Benê, filha de Josefina, e afanar um pedaço ou outro de bolo. Dizia sempre que era controle de qualidade.

- Você não engorda de ruim – Ellen vivia dizendo.

- Eu faço muay-thai, beleza? – e Lica sempre se defendia – Não sou sedentária como uns e outros.

- Eu estudo, Lica – Ellen alfinetava sempre – Não é sedentarismo, é aprendizado.

- Você já passou no vestibular pro curso que queria.

- Mas ainda não me formei. Vai continuar me julgando? Ao contrário de você, filha do patrão, eu não tenho a vida feita, não.

E aí a discussão começava. Benê e Tina tratavam logo de sair de perto.

Naquela manhã na faculdade, não foi tão diferente. Ellen e Lica botaram o pé lá dentro discutindo, mas se calaram quando perceberam uma movimentação atípica do outro lado do campus. Na verdade, a movimentação eram Keyla, filha do vendedor de uma das choclatarias, e seu irmão, Gabriel, tentando se achar. Estavam acompanhados de uma moça.

- Tudo certo aqui? – Lica já chegou perguntando.

- Alguém sabe onde fica o prédio da Gastronomia? – Keyla se dirigiu a ela – Bom dia, meninas.

- O que ‘cê quer na gastronomia, Key? Vai fazer algum personagem cozinheiro ou a versão brasileira de Ratatouille?

- Ha-ha-ha – Keyla devolveu um sorriso amarelo – Não sou eu, é a Samantha. Samantha, minha prima... prima, essas são Tina, Benê, Ellen e Lica. Mas a Lica não vale a pena, é caso perdido.

- Vai se fo... – quase saiu. Quase. Mas ao menos na frente de estranhos, sua mãe havia lhe ensinado a manter a pose – ... lascar, Key. Muito prazer, Heloísa Gutierrez, ao seu dispor.

Em um floreio engraçado, Lica fez uma breve reverência e deixou um beijinho na mão de Samantha.

- Que diabo é isso, Lica? Mal a mina chegou, já quer ganhar ela? – tinha que ser Tina. Heloísa corou, mas não tanto quanto Samantha. Essa, coitada, quase virou um pimentão de tão vermelha. Riu de nervosa.

- Você deixou a moça sem jeito, Tina – e Benê tinha que externar o constrangimento. Lica na mesma hora recolheu a mão e ajeitou a postura – Muito prazer, Samantha. Eu sou Benedita, mas pode me chamar de Benê. Você vai estudar conosco?

- Oi, Benê... meninas... é um prazer conhecer vocês – remexeu nos papéis – Na verdade meu curso é Gastronomia, mas não sei pra que lado fica.

- Samantha? – a voz firme, um tanto doce, porém potente, veio lá de trás. Uma mulher negra, cabelos blackpower, a expressão de quem manda porque sabe que pode mandar e tem autoridade para isso. No rosto, carregava um sorriso que era o total contraponto: exalava simpatia e receptividade. Aquela só podia ser Dóris, a reitora da faculdade. Parecia ser mais jovem do que ela calculara. E mais bonita também.

- Oi – Samantha se ajeitou como pôde, passou a mão pela roupa e aprumou a postura. Não queria passar pose de desleixada em seu primeiro dia – Muito prazer.

- Você veio! – a mulher comemorou – E pelo visto anda bem acompanhada... mas vocês podem deixar, meninas, que daqui é comigo. Eu faço questão de apresentar as instalações para a Samantha e situá-la de tudo. Vocês podem ir para as suas aulas.

- Aqui está mais animado, sabe? – Lica soltou. E Samantha se pegou pensando o que aquela menina tinha na cabeça para se dirigir à reitora de sua faculdade naquele tom.

- Eu imagino, Heloísa, mas animação não vai te garantir um diploma. Não nesse sentido – a mulher arrulhou, embora sorrisse – Pra sala todas vocês, inclusive a senhorita, dona Gutierrez.

Uma a uma, foram se despedindo, Lica deixou mais um floreio e beijinho na mão de Samantha e se retirou. Acabou arrancando um sorrisinho da menina.

- Ela é sempre assim?

- A Heloísa? – Dóris riu na direção em que a aluna havia sumido – O tempo inteiro. Mas estou para ver alguém mais humano e justo que ela – juntou as mãos espalmadas – Vamos começar, Samantha?

Em meia hora de voltinhas pelo campus, Samantha conseguiu entender a magnitude do que estava acontecendo ali. Aquela faculdade era absurda de grande, ampla, bem estruturada e equipada. E o vai e vem de gente pelos corredores denunciara que era bem povoada também. A Lambertini se pegou analisando o perfil dos estudantes: com certeza filhos de gente poderosa que investia mundos e fundos na formação de seus herdeiros. E aqueles que não eram herdeiros com certeza estavam ali no intuito de terem alguma herança para deixar um dia. Fosse ela em poderio econômico ou intelectual.

Samantha se encaixava nesse segundo grupo. Desde pequena, fora criada na cozinha com a mãe. Márcia era uma mulher ativa, que tomava as rédeas de tudo antes mesmo que lhe mandassem fazê-lo. E conseguia ser, além da melhor mãe do mundo, a melhor cozinheira que aquela região já vira. Do salgado ao doce, das entradas às sobremesas, das saladas às massas, Márcia fazia de tudo com afinco, carinho e muito amor. Dizia e repetia sempre que o ingrediente principal de um prato, fosse ele qual fosse, era a dedicação a quem iria comer aquilo. Porque, afirmava ela, se você servisse algo a alguém, estaria automaticamente, reverenciando aquela pessoa e lhe demonstrando respeito. Respeito ao matar a fome não só com comida, mas com arte também.

Cozinhar, para Samantha, sempre fora arte. Dizia que a mãe era uma artista, não só uma cozinheira. E decidiu ainda pequena que, quando crescesse, seguiria os passos de Márcia. Mas teria a formação naquilo que a mãe não tivera a chance de ter. Era para isso que estudava. Fazia um curso técnico em culinária em um instituto na sua terra natal antes de tudo acontecer. Teve que abandonar os estudos, embora no fundo mantivesse aquele sonho bem vivo dentro de si.

Mas dizem que Deus escreve certo por linhas tortas. No meio da intempérie, no meio do caos, um facho de luz: conseguira uma vaga em uma instituição de ensino superior renomada e reconhecida. Seria uma chance de realizar aquilo que ela sonhara e ela a agarraria com unhas e dentes. Para honrar sua mãe, a confiança que sua avó e seu tio depositavam e, claro, por si mesma. Merecia um futuro melhor e se daria isso. Se permitiria.

Samantha saiu da ala gastronômica completamente maravilhada por tudo que vira. Equipamentos que só conhecera nos programas de televisão, instalações de dar inveja a qualquer cenário de reality show, professores altamente qualificados e um deles inclusive jurado de um dos programas de culinária que ela costumava assistir quando mais nova. Diante dele, teve que se controlar para não dar uma de tiete e sair pulando em êxtase no meio do corredor.

Retornou para a sala de Dóris, onde terminou de checar toda a documentação e de lá já saiu para sua primeira aula acompanhada da reitora para ser apresentada aos novos colegas de turma. Foi bem recebida, graças aos anjos. De cara, foi puxada para se sentar ao lado de Tato, que mais tarde ela descobriu na verdade que se chamava Teobaldo.

O rapaz tinha o porte de um galã de novela teen: lábios fartos, cabelos de anjinho, olhos claros e expressivos em uma pele bronzeada e corpo aparentemente musculoso. Faria qualquer uma suspirar e havia quem o fizesse, em verdade. Keyla era a primeira da fila. Mais tarde, Samantha descobriu que Tato era namoradinho de sua prima. E que era o nome dele que constava na certidão de nascimento de Tonico. O que foi estranho, porque como Keyla mesma dissera, não foi com ele que ela andou tendo intimidades. Não quando gerou seu filho.

E como boa faculdade, parece que todo mundo se dividia em tribos. A tribo dos nerds, que aparentemente era liderada por Ellen e um rapaz que tinha por nome uma letra do alfabeto, um tal de Jota. A turma dos artistas, da qual deveriam fazer parte Tina, Lica, Keyla, Guto e Benê; a turma dos populares... onde reinavam Clara, Gabriel e....

- Opa, cuidado aí!

Samantha sentiu só a colisão contra um corpo maciço e largo que de alguma forma se meteu em seu caminho. Ou foi ela que se meteu no dele? A verdade é que perdeu totalmente o prumo quando se viu sendo segurada por aquelas mãos firmes e braços fortes em sua cintura. O corpo esquentou, as bochechas pareceram corar e por uma fração de segundo só havia ele e aqueles olhos claros feito a luz do sol, aqueles lábios fartos e convidativos... Samantha teve certeza que perdeu o ar e a fala. E nem tinha como recuperá-los assim tão facilmente com aquele homem a envolvendo tão perto.

- D-desculpa, eu não te vi.

- Tudo bem, sem problema – o rapaz sorriu grande e se afastou dela, mas manteve as mãos em seus braços – Você é nova por aqui, não é? Não lembro de ter te visto antes.

- Sou, eu... – por que era tão difícil respirar? – Eu cheguei hoje, é meu... primeiro dia – para de olhar para a boca dele, Samantha!

- Olha só... então seja muito bem-vinda. Meu nome é Gustavo. Gustavo Medeiros – e sem aviso, inclinou-se e deixou um beijinho na bochecha de Samantha. Deixou também um rastro de perfume masculino no ar. Ela particularmente se inebriou com o aroma.

- Samantha. É... Samantha Lambertini – se viu um tanto sem jeito – É um prazer, Gustavo.

- O prazer é todo meu – o rapaz gracejou – Já tem o mapa da faculdade? Se quiser, eu posso te acompanhar.

- Ora, ora, ora... se não é o gato garoto do campus se oferecendo para guia turístico de novatos – uma voz enjoada soou atrás deles. Samantha olhou por cima do ombro de Gustavo a tempo de ver uma cabeleira ruiva se aproximar. A menina parecia ter saído diretamente da capa de uma revista de modas. O rosto bem feito, harmônico, de expressões retas e firmes. O sorriso pareceu ser um tanto debochado, mas não danificava nada naquela carinha perfeita. Pelo contrário, fazia era acentuar o que ela tinha de melhor – Dani Junqueira, Publicidade – a menina se apresentou e deixou dois beijinhos em Samantha. Uma Samantha ligeiramente atônita.

- Samantha Lambertini – disse um tanto sem jeito. A menina lhe intimidava.

- Oi, tudo certo aqui? – Lica brotou ao lado dela, o rosto com um sorriso cínico e a pose imponente como quem tentava meter medo. Infelizmente, ou felizmente, ela não conseguia. Parecia ser simpática demais para colocar alguém para correr. E Samantha mesma não entendia nada.

- Lica... – a tal Dani riu maior ainda e toda faceira para o rumo de... Samantha pigarreou e olhou para o chão. Ela estava dando em cima de Lica na cara dura? Decididamente a moça se afetava com a presença dela e nem se preocupava em esconder. Já Lica parecia estar diante de uma porta, porque manteve-se impassível – Milagre você estar desacompanhada. Todo mundo só te vê com sua tropa. Como é mesmo o nome? The Cinco?

- É As Five – Lica corrigiu – Nós somos um grupo, mas ainda mantemos nossa individualidade. Está tudo bem, Samantha? – ela emendou uma coisa com a outra. Não era de hoje que não ia com a cara de Gustavo e, sendo sincera, algo lá no fundo incomodou ao vê-lo claramente cercando a prima de sua amiga. Óbvio que não se furtou de ir lá saber do que se tratava e evitar possíveis... imprevistos.

- Tudo sim, o Gustavo só estava sendo gentil. A gente se esbarrou – o rapaz riu maior ainda. Lica revirou os olhos.

- Relaxa, Heloísa. Sua colega está sã e salva. Bom, eu vou indo... qualquer coisa que precisar, Samantha, me procura. Eu fico pelo prédio da Administração – ah, então ele era colega de turma de Lica.... Bom, talvez aquela pose defensiva dela se justificasse por problemas acadêmicos.

- Certo, hã... obrigado, Gustavo, você é... é muito gentil – quase se perdeu nos olhos dele de novo.

O rapaz deixou outro beijinho na bochecha dela e se afastou carregando consigo a tal Dani. Dani essa que fez questão de deixar um beijinho, assim como fizera o rapaz, mas dessa vez no rosto de Lica.

- Dica de sobrevivência nesse zoológico – a Gutierrez começou – Cuidado com as plantas. Elas podem esconder algumas cobras.

- Planta? Cobra? – Samantha realmente não entendeu. Lica resolveu ser mais literal.

- Não confie em todo mundo. Nem sempre sorrir é de verdade – Lica alertou, despediu-se com um beijinho na bochecha dela e rumou na direção oposta.

Será que todo mundo ali se cumprimentava com beijinhos? Eu hein!

(...)

Os dias foram se passando sem eventos que pudessem ser chamados de atípicos. A rotina era basicamente acordar cedo, disputar lugar no metrô, assistir aula a manhã inteira, aproveitar o intervalo do almoço para pôr o papo (ou a fofoca em dia) e pela tarde, alguns participavam de atividades extracurriculares e outros tentavam se fazer como podiam.

Samantha precisava de um emprego. Não podia viver às custas da avó, por mais que tudo que Arlete fizesse fosse de coração. Enquanto os primos se envolviam cada um em seus afazeres pela tarde, ela tratava de dividir seu tempo entre ajudar Arlete na cozinha e procurar algum serviço. Nem que fosse de faxineira, ela precisava ter seu dinheirinho para não depender da boa vontade alheia para tudo.

Deixou currículo em clínicas, padarias, supermercados... mas as semanas iam se passando sem que ninguém lhe ligasse. A saída que encontrou foi ajudar no aumento da produção de quentinhas da sua avó. Ao menos vender mais, ela poderia.

Naquela manhã, Samantha pesquisava umas dicas de culinária italiana na biblioteca da faculdade para incrementar o cardápio de sua avó. Tentava unir o útil ao mais útil ainda: teria que montar um prato para uma aula mesmo... ao menos adiantava trabalho. Estava tão absorta com a cara no livro que nem percebeu a aproximação por trás.

- É incrível e lindo como você perde a noção de tudo quando lê sobre culinária.

Samantha abaixou o livro em um susto. Deu de cara com Gustavo sorrindo todo faceiro diante dela. O rapaz nem esperou um convite formal, puxou a cadeira e se sentou. Pôs alguns livros pesados sobre a mesa.

- Você não se importa se eu ficar por aqui também, né? O pessoal da minha turma anda bem barulhento e eu preciso não levar bomba nessa prova.

- C-claro – ah, gaguejar justamente agora, Samantha.... – Sem problemas, pode ficar.

Ela não sabia nem onde colocar as mãos. Os intervalos entre uma aula e outra já foram suficientes para ela perceber quem era exatamente Gustavo Medeiros no jogo do bicho: o cara era popularíssimo na faculdade. Estudante de Administração, respeitado por ser o capitão do time de futebol, dono de uma beleza que chamava a atenção e, claro, tinha lá sua fama no quesito relacionamentos.

- Dizem que quem fica com ele, termina marcada. Eu queria saber como é isso – Clara suspirou. Jogavam conversa fora durante o almoço em um dia qualquer – O Gustavo é um deus grego e só um cego não vê. E é educadíssimo também.

- Se ele me quisesse, eu queria também, mas infelizmente é hétero... e sabe o que eu percebi? – Gabriel sorriu sugestivo para uma Samantha concentrada demais em seu prato para notar – Que ele anda bem interessado em um certo alguém aqui.

O rapaz deu um empurrão ombro a ombro com ela.

- O quê? – Samantha riu sem jeito – O Gustavo? O cara que arrasa corações, aquele pedaço de mal caminho... interessado em mim? Não brisa, Gabe. Ele só tem sido gentil comigo.

- Gentil? Ele larga o que estiver fazendo pra ficar perto de você, Samantha... acorda! Falta de comer com os olhos.

- Um-hum – Samantha respondeu de boca cheia. E aquelas batatas podiam estar em um ponto melhor – Não tem nada disso. Ele só é legal e atencioso. Só isso.

Mas até ela, no auge de sua inocência e inexperiência, tinha que admitir: de fato Gustavo vivia por perto fosse fazendo tudo ou fosse fazendo nada. Ficava esperando por ela na porta da faculdade na chegada, a acompanhava até a sala, sempre se despedia com um beijinho no rosto.... E no intervalo do almoço, geralmente ocupava a mesma mesa que ela ou quando não, fazia questão de ir lhe falar antes de seguirem cada um seu rumo.

Um dia, lhe ofereceu carona. Saída das aulas, Samantha apressada para chegar em casa, porque perdeu a hora terminando um trabalho com Tato, e lá estava o rapaz a postos para lhe deixar onde quisesse.

- Não é muito contramão? Quer dizer, você mora pra lá, pelo visto – aponto para o Norte – E eu vou pzra outro rumo.

- Relaxa, Samantha... estou com tempo. E você vai chegar mais rápido em casa se aceitar minha carona... de metrô, vai levar uma cara.

Samantha ponderou, cogitou mil e uma hipóteses, pesou... catou Keyla e Clara pelo pátio do campus com o olhar, mas nada delas. Provavelmente já estivessem em casa, já que foi ela que se demorou na biblioteca.

- Ok, eu aceito – Gustavo fez festinha – Fico te devendo essa.

- Relaxa – o rapaz deu passagem.

- Eu te guio, vambora.

Até abrir a porta para ela, o rapaz abriu. Atencioso, gentil, educado, simpático e pelo visto tinha uma boa vida. Podia ser o par perfeito. Talvez o fosse. E Samantha não era nenhuma natureza morta. Era mulher e, embora suas experiências no assunto fossem um tanto escassas e fracassadas, não podia negar que no fundo havia algo em Gustavo que a atraía. Talvez fosse aquele sorriso fácil e lindo que faziam geleiras derreterem. Ou talvez fosse aquele perfume gostoso que a inebriava inteira. Quem sabe aquele porte atlético, aquele gingado no andar, aquela conversa boa e amena que ele sabia manter, a atenção que lhe dispensava.... Chegou a um ponto em que Gustavo passou a fazer parte de sua rotina.

Chegou a um ponto em que um não era visto sem o outro pelo campus. Ele lhe apresentou seus amigos: Felipe, estudante de Direito, mas que cursava disciplinas afins com ele na Administração, era o rapaz da barbicha e das piadas péssimas. Michel, que Samantha entendeu ser o cabeça-feita da turma: rapaz de muito boa família (leia-se, com dinheiro), relações problemáticas em casa, mas de uma solicitude absurda. O santo dela bateu de cara com o dele; a tal Dani Junqueira, que Samantha descobriu depois ser a blogueirinha da faculdade, dona de uma grife de roupas... e com cara de enjoada também. Com a cara dela, ela não ia muito. E um rapaz de nome Ariel, que pelo visto era o fiel escudeiro de Dani. Os dois, parece, tinham uma parceria com algo relacionado a posts e seguidores. Samantha mesma não entendeu nada daquilo.

Na verdade, parece que naquele meio, só Gustavo lhe fazia sentido.

E pelo visto, não só para ela. Keyla e Clara faltavam se jogar aos pés do rapaz quando ele aparecia, para desespero sobretudo de Tato, que dizia nem ter como competir com o filho do dono de metade de São Paulo. Gabriel, se deixasse, dava em cima do rapaz sem dó nem piedade. Não escondia o interesse que tinha nele. Guto era mais retraído e mais de uma vez já dissera que não ia muito com a cara de Gustavo. Os motivos, ninguém sabia.

Para Ellen e Benê, o rapaz era indiferente. O famoso “nem fede, nem cheira”. Tina cumprimentava por educação e Heloísa, nem isso. De todos, ela era a que justamente saía de perto quando Gustavo chegava. O que era péssimo, porque Samantha gostava de estar na companhia dela e na dele também. Não queria ter que escolher.

- Vocês estão juntos? – Lica perguntou um belo dia na fila do refeitório. Ombro a ombro com Samantha, ela pegava tudo que a estudante de gastronomia pegava. Dizia que ela tinha crivo para combinar melhor os alimentos, então a seguia. Era engraçado, na verdade.

- Quem, eu e o Guga? – “Guga”. Lica quis fazer piada e perguntar dos apelidinhos, mas preferiu o silêncio. Assentiu – Não... quer dizer... ele é maravilhoso comigo, mas... ai, Lica, não sei. Parece que a gente tem alguma coisa?

- Se você não quer, ele quer. Está na cara que ele é a fim de você, Samantha. Só um cego não vê.

- Será? Quer dizer, o Gabriel me disse isso outro dia, mas pensei que era blefe.

- Não é, acredite – Lica suspirou parecendo exausta e pulou a sobremesa. E olha que para ela recusar doce é porque realmente havia algo de errado – Ele quer ficar com você e... eu acho que você quer também. Só... – engoliu em seco – Se permite. Pode ser que dê certo.

Lhe doeu um tantinho dizer aquilo e ela nem sabia porquê. Talvez estivesse confundindo as coisas, talvez fosse ciúme porque sua amiga estivesse descobrindo outros horizontes.... Uma coisa era fato: Heloísa tinha Samantha em alta conta, não queria que ela sofresse nem desse com os burros n’água. Talvez fosse isso: zelo. Foi ao que se apegou para justificar aquele incômodo chatinho em seu estômago.

De repente a comida que ela escolhera com tanto afinco seguindo Samantha já não lhe parecia mais tão apetitosa. Inventou uma desculpa qualquer, mal tocou na refeição e se retirou. Disse que precisavam dela na fábrica, mas passou aquela tarde inteira com a cara enfiada em seus desenhos. E todos eles eram exatamente iguais uns aos outros.

Ok, talvez ela tivesse um probleminha com que lidar.

E Samantha, ela realmente lhe ouviu. Porque dois dias depois chegou à faculdade acompanhada de Gustavo com mãos entrelaçadas, trocando sorrisos cúmplices e com certa intimidade. Até beijinho de despedida e um “boa aula” ela ganhou. Tudo à audiência dos demais. Tudo às caras embasbacadas de alguns e com chateação por parte de outros.

Lica deu os parabéns pelo relacionamento assim como todo mundo. Mas evitou fazer festa. Ficou na sua, quietinha... mas não por muito tempo. Samantha foi lhe procurar no almoço quando estranhou ela não ter ido segui-la na hora de se servir. Sempre faziam isso juntas.

- Ei – encontrou a Gutierrez já comendo lá na ponta da mesa – Você sumiu. Te procurei hoje e nada.

- Foi mal, eu estava com um pouco de pressa – inventou qualquer desculpa – Já se serviu? Esse assado está uma delícia.

- Se temperassem com um pouquinho de mel, ficaria melhor ainda – Samantha gracejou e se acomodou ali do lado. Ia abrir a boca para falar, quando foi surpreendida por um beijinho na bochecha. Riu involuntariamente.

- Até que enfim te achei – Gustavo cumprimentou Lica rapidamente e se sentou ali do lado – Topa dar uma volta depois daqui? – Samantha ia abrir a boca – E antes que a senhorita recuse, eu tomei a liberdade de falar com suas primas e ela autorizaram. Disseram que não tem problema você chegar um pouquinho mais tarde em casa hoje.

Lica quis vomitar. Inventou uma desculpa esfarrapada, recolheu a bandeja e se levantou. Samantha mesma nem lhe olhava mais. Parece que quando Gustavo estava por perto, só havia ele.

E só havia mesmo. Naquela tarde, ela conheceu a casa do rapaz. Uma construção imponente em um bairro nobre de São Paulo. No começo, se sentiu um tanto intimidada de pisar ali dentro. Pensou que conheceria os pais do garoto, afinal, se estavam juntos, nada mais oficial que isso. Mas se enganou.

Eram eles e só eles. Assistiram filme, Samantha inventou algo para comerem na cozinha, jogaram conversa fora, e claro... os benefícios de tecnicamente serem um casal. Trocaram beijos e carícias no sofá da sala até que a coisa começou a ficar séria.

Gustavo perguntou se tudo bem continuarem no quarto. Samantha no começo quis hesitar. Não era nenhuma garotinha inexperiente, já tivera um namoradinho em sua terra e claro que já haviam tido suas intimidades. Orientação ela tinha: sua mãe sempre fora muito clara nesse quesito. Sabia se proteger, sabia o que fazer, o que queria e o que não também. E se estava com Gustavo e ele lhe queria como mulher em sua cama, qual o problema? Quando ela também o desejava?

Respondeu com um beijo lânguido. Deixou-se guiar para o quarto do rapaz, onde não teve muito tempo de reparar na decoração. Só que haviam pôsteres de bandas espalhados pela parede oposta. Ele a envolveu por trás, beijou-lhe a nuca e aquela região ali era seu ponto fraco. Samantha amoleceu toda nos braços do rapaz e se permitiu. Se permitiu e o permitiu também.

Entregou-se a ele sem restrições. Gustavo abriu o vestido que ela usava deixando um caminho de fogo por onde suas mãos e seus lábios tocavam. E sem se desgrudar dela, se desfez da própria camisa. Samantha se virou de frente para encontra-lo despido da cintura para cima revelando o torso bem definido e inteiro para seu deleite. Em um gesto ousado, ela se pôs a beijar os ombros e o peito dele, arrastou a língua por ali ouvindo em deleite o gemido rouco que escapou da garganta do rapaz. Ele a apertou mais forte contra si mostrando que a queria e como queria. O volume entre suas pernas delatava e Samantha por pouco não fraquejou quando o sentiu.

Em questão de minutos lá estavam ela e Gustavo envoltos em uma névoa de sedução e desejo. Carne com carne, corpo com corpo em uma coreografia que de ensaiada não tinha nada, mas na qual eles se entendiam muito bem. Um no tempo do outro. Ele saía e entrava dela com maestria, com perícia e sofreguidão. E o que começou lento e prazeroso, terminou desesperado e faminto. Samantha gemia, quase gritava, se contorcia e retorcia inteira de prazer sentindo Gustavo dentro dela. Apertou-o mais como se assim pudesse se fundir a ele completamente. E talvez o pudesse. Uma onda de calor e desejo tomava conta de seu corpo e subindo... subindo... quase a ponto de lhe fazer perder o juízo. Externou o prazer que sentia com um gemido longo e arrastado seguido de um gritinho ao sentir o rapaz ir ainda mais fundo dentro dela e tocar algum ponto que a fez ver estrelas. Revirou os olhos, apertou os lábios, franziu o cenho e soltou a interjeição que denunciava seu ápice. Estremeceu nos braços de Gustavo para em seguida atingir um nível de relaxamento absurdo.

Respirando acelerado e tentando se recompor, ela recebeu os lábios dele nos seus em um beijo lento e profundo.

- Você me enlouquece – ele disse no meio do gesto voltando a explorar com a língua a boca dela.

- Você... também... huumm... – ainda estava sensível. Mas seu corpo não se refreou quando sentiu Gustavo buscando por mais. Ela também queria. E se podia ter, teria.

Terminaram depois do que pareceram horas naquilo. Samantha teve e se deu como quis e bem entendeu. Com a cabeça jogada sobre o ombro de Gustavo, ouvindo as batidas aceleradas do coração do rapaz, ela traçava desenhos aleatórios sobre o peito dele. Recebeia em troca um carinho gostoso nas costas que fazia sua pele arrepiar.

- Está me olhando com essa cara por quê? – ele quis saber percebendo o olhar dela sobre ele– Não... não foi ruim, né?

Samantha riu, negou com a cabeça e se apertou mais a ele.

- ‘Cê está brincando comigo – deixou um beijinho no peito dele – Foi incrível, Guga. Eu adorei cada segundo, cada gesto... você me fez... me faz a mulher mais feliz desse mundo.

- Responsabilidade grande, hein? – o rapaz brincou e buscou a boca dela – Eu estou muito a fim de você, Samantha e gostaria muito que desse certo. Se você topar, é claro.

Era um pedido de namoro? Samantha já vira vários em novelas e filmes, o seu próprio na primeira vez servia de exemplo. E aquele lhe pareceu fugir um pouco do padrão. Sem saber muito do que se tratava, foi pelo caminho mais óbvio.

- É claro que eu topo. Com você, eu pego até ônibus lotado. Onde ‘cê mandar, eu vou – e beijou-o ternamente. Mas o carinho virou necessidade e em alguns poucos minutos lá estavam os dois embolados um no outro de novo.

E assim foi sendo nos dias e semanas que se seguiram. Quando Samantha não estava com Gustavo, Gustavo estava com Samantha. Cinema, jantares, noites acordados no quarto do rapaz... o casal perfeito com o relacionamento perfeito. Ao menos aos olhos de Keyla e Clara que custaram a acreditar que a prima recém-chegada do interior já tinha de cara conseguido conquistar o que elas chamavam de melhor partido da faculdade.

Mas enquanto para uns havia bonança, para outros as coisas pareciam degringolar.

Lica revirou os olhos pelo que pareceu ser a milésima vez, enquanto seu pai falava, falava e parecia nem um pouco a fim de se calar.

- Quantas vezes eu já disse que não te quero confraternizando com os empregados? A herdeira da fábrica passa mais tempo na cozinha que na sala da diretoria!

- Edgar, menos – Marta tentava apaziguar, mas era sempre em vão. Edgar e Lica eram mais parecidos do que pensavam: e quanto dois iguais se encontram, se repelem. Os dois tinham essa característica em comum: serem implacáveis e bem insistentes quando queriam.

- Eu vou herdar uma fábrica de chocolate, pai. Como vou administrar o negócio sem saber como ele é feito? É elementar.

- Elementar é... – o homem mordeu a mão para não soltar um impropério – Eu não te quero naquela cozinha, Heloísa! Ponto final!

Era sempre assim. Brigas, discussões infindáveis... era por essas e outras que Heloísa costumava passar mais tempo justamente na cozinha da fábrica. A companhia dos confeiteiros e doceiros era muito mais aprazível que a do próprio pai. Ao menos Das Dores e Josefina lhe presenteavam com provas, sobras e vez ou outra um bombonzinho sortido. De Edgar, Lica só ganhava chega para lá. Cansava.

Aliás tudo em sua vida vinha sendo cansativo. Ia para a faculdade para fugir das implicâncias do pai. Lá, era obrigada a conviver com casais indesejáveis. Voltava para casa para fugir de Samantha e Gustavo em lua de mel e era obrigada a conviver com os desmandos de Edgar. Um inferno, isso sim!

Encontrava seu refúgio no galpão. A área externa da casa de Keyla que um dia funcionara de depósito de quinquilharia e elas transformaram em um espaço de convivência. Lá ao menos podia ficar em meio à sua arte sem ninguém lhe perturbar. Ou quase ninguém.

- Fala aí, Liquinha – MB se aproximou por trás dando um peteleco na cabeça da amiga. A despeito das resistências que tinha com quem se pavoneava pela faculdade com Gustavo, nutria um apreço enorme pelo loiro ali. MB e ela se conheciam desde criança, faziam o mesmo curso e o pai dele, JM, era um dos investidores da fábrica. Talvez o fato de Edgar tê-lo em alta conta justificasse o fato de nem o rapaz nem Lica irem muito com a cara dele.

- Perdido por aqui? – a Gutierrez brincou em meio a umas pinceladas.

- Nada. Vim ver se encontro minha ilustríssima dupla do trabalho. Marquei aqui com o Gustavo pra terminar aquele relatório que pediram. Ele vai encontrar com a Samantha depois.

Lica parou de pincelar por dois segundos, engoliu em seco e voltou a cuidar em sua tela.

- Os dois estão mesmo firmes, né?

- Até demais – MB deixou sair pensativo e Lica se virou para ele com uma interrogação enorme pairando sobre a cabeça – Ah, qual é, Lica... todo mundo sabe que o Guga não é do tipo amante à moda antiga. O cara pega uma mina por mês e é de conhecimento geral que a única que conseguiu de fato prender ele foi a Dani. Aliás, eu queria entender que diabos de relacionamento é o deles. O cara pega todo mundo e ela também!

- O Gustavo não seria nem louco de aprontar pra Samantha. Eu parto ele em dois – Lica se viu externando o que vinha permeando sua mente há tempos.

- Ih... Liquinha toda defensora da coleguinha do interior... – e então o rapaz esquadrinhou a expressão dela, e o que viu ali.... – Ah... saquei... a Liquinha está apaixonaaada, a Liquinha está, está apaixonaaaada – ele fez uma dancinha ridícula com os ombros.

- Qual é, MB!  A menina deixou um tapa na cabeça dele – Nada a ver, ow! Eu só fico preocupada com a Samantha. Ela chegou agora aqui, caiu de paraquedas... não merece sofrer na mão de ninguém.

- É o Gustavo, Lica – MB falou parecendo preocupado – Todo mundo aqui sabe que ele não é muito... de confiança.

Nem tiveram tempo de falar nada. O dito cujo apareceu lá na entrada junto com Samantha. Na verdade, abraçado a ela. Heloísa engoliu no seco e se agachou novamente para sua tela.

- Fala aí, MB! – os amigos se cumprimentaram com um toque de mãos – Se perdeu por aqui?

- Eu vim te catar pra terminar nosso trabalho – o loiro parecia cansado – A gente pode tentar não levar bomba na faculdade?

Samantha deixou os dois discutindo algo sobre gestão de alguma coisa ao notebook e foi se empoleirar próximo a Lica, que fazia um biquinho e franzia o cenho parecendo concentrada demais em não pintar fora do lugar no que quer que estivesse desenhando.

- Está ficando bonito seu quadro – a Lambertini comentou por alto.

- Valeu – Lica retribuiu com um sorriso e se virou para ela – É um painel que estou fazendo pro aniversário do Tonico. Presente pra Key.

- Sério? Mas é surpresa? Porque, assim... a Keyla mora aqui.

- É surpresa sim, mas eu disse pra ela que é um trabalho pro meu curso de artes e que a tinta tem um tempo certo para secar. Então ela está proibida de tocar nisso aqui.

- Pensei que você fazia Administração.

- É um curso extra – Lica explicou – Não é superior, tem só três meses de duração. Se eu me sair bem nele, posso ganhar uma bolsa pra estudar arte fora do país.

- Nossa – Samantha riu mas o sorriso meio que não alcançou os olhos – Então você vai embora?

- Não sei... eu tenho que me formar e passar pelo intensivão do seu Edgar pra poder assumir a fábrica, mas não seria mal poder estudar na Academie Le Grand Chaumière – Samantha tinha que admitir: Lica fazendo biquinho para falar francês era uma coisa fofa de se ver.

- Você é filha única? Não tem outra pessoa pra ficar no seu lugar? Ao menos até você voltar. Você volta, né?

Lica riu e negou com a cabeça.

- Volto e não, não tem ninguém pra assumir tudo além de mim. Que dizer, tem minha mãe, ela é capacitada, mas não sei se ela ainda teria disposição pra tocar a empresa, mesmo ela sendo dela. É muita coisa.

- Eu imagino – Samantha externou pensativa – Bom, pro meu futuro eu só espero poder me formar e quem sabe conseguir montar meu próprio restaurante. Com sorte, um buffet.

- Ah, mas você vai, Sammy – o apelido saiu tão natural que Lica sequer sentiu – Você é a melhor daquele curso de Gastronomia. Não deixa o Tato ouvir isso.

Samantha gargalhou que se sacudiu.

- Qualquer dia desses eu te preparo um prato. O que ‘cê mais gosta de comer? Doce ou salgado?

- Ah, eu gosto de....

Lica nunca terminou a frase. Gustavo apareceu tendo terminado a breve discussão sobre o trabalho com MB e se enfiou no meio delas, roubando um beijinho de Samantha. E ela esqueceu completamente que estava no meio de outro assunto. Heloísa se calou e voltou para sua tela. Na verdade deu sua última pincelada e se levantou para ir embora. Não era obrigada. Tem coisas que o ser humano não precisa ver.


Notas Finais


Pois bem... Quem não acompanhou Chocolate com Pimenta não precisa realmente se preocupar em ver pra entender a fic. A história não depende da novela. Mas se quiserem procurar, vale à pena rsrs. Foi uma obra que marcou a televisão brasileira e merece ser vista.

Mas eu queria saber de teorias. Bora lá, quem dá mais? Liquinha, Samantha, Gustavo... o que esperar deles daqui pra frente.

No mais, eu agradeço pela leitura e nos vemos no próximo capítulo com fé no Pai!


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