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História Meio Amargo - Romeu e Julieta


Escrita por: MxrningStar

Notas do Autor


Olá, minha gente! Como vocês estão?
Felizes com a Samantha aos poucos reagindo e colocando o embuste no lugar dele? Talvez as coisas melhorem a partir daqui rsrs.
Agora bora pra parte boa. Só um aviso: teremos clichezão nesse capítulo porque eu amo um clichê.

PS: algumas perguntas talvez passem a ter respostas a partir daqui.

No mais, boa leitura!

Capítulo 17 - Romeu e Julieta


Samantha tinha que admitir: Lica era sim cuidadosa e sabia pilotar direitinho aquela geringonça. O tempo inteiro enquanto estiveram no perímetro urbano, ela foi cautelosa sempre respeitando a sinalização. O problema veio quando elas deixaram o transido frenético de São Paulo para trás e entraram na estrada. Com o fluxo de veículos menor, Heloísa imprimiu mais velocidade à moto, o que fez Samantha se agarrar mais a ela. O vento cortando com tudo tinha o zumbido abafado pelo capacete e Samantha confessou: em determinado momento, se atreveu a fechar os olhos e sentir a brisa perpassar com tudo pelo seu rosto, fazendo seus cabelos esvoaçarem.

O que ela não quis admitir foi que o vento trazia direto para ela o perfume francês de Lica. Samantha se convenceu de que cerrar as pálpebras e tentar relaxar não era exatamente por causa daquele aroma amadeirado que exalava dela e sim por conta do fresco do ar batendo com tudo em seu rosto.

Só que Heloísa acelerou mais quando chegaram a um trecho de reta. Samantha teve que altear a voz pra se fazer ouvir.

- Diminui isso! – gritou por sobre o ombro dela. Lica riu e ergueu a viseira para virar para ela – Olha pra frente, Heloísa!

- Tudo bem, Sammy. Está tudo bem! – ela respondeu e acelerou mais um pouco. A vibração da moto aumentou sob Samantha.

- Lica!

- Relaxa, Samantha! Eu estou no controle, só aproveita!

Lica teve que diminuir um pouco ao chegar em uma curva. E então a paisagem mudou para uma espécie de desfiladeiro. Samantha, pela primeira vez, se atreveu a olhar para outro ponto que não fosse para frente sobre o ombro dela. Virou o rosto para encontrar uma imensidão verde aos seus pés. Lica desacelerou mais por cuidado e também para permitir que ela apreciasse mais a vista. Era interessante como Samantha conhecia boa parte da Europa, fizera as viagens dos sonhos de muita gente durante boa parte da vida, mas não conhecia muito de sua própria terra. Fora de São Paulo, ela viajara para as praias do Nordeste na lua de mel não tão lua de mel assim que tiveram.

Lica foi desacelerando e encostou no acostamento.

- Que foi? – Samantha estranhou.

- Vem – Lica equilibrou a moto e permitiu a ela descer. Ativou o tripé e desembarcou, levando a chave. Após a proteção de ferro da estrada, o que havia era uma vasta área de mata se estendendo como um manto aos pés delas lá embaixo. Vegetação típica de serra. Heloísa conduziu Samantha até próximo à margem e lhe apresentou o cenário. Conseguiu enxergar o deleite e a paz nos olhos dela – É lindo, né?

- Muito – Samantha respirou fundo e fechou os olhos sentindo cada célula de seu corpo viva e pulsante. Virou-se para olhar diretamente para Lica – Obrigada por isso.

- Estamos sempre às ordens para os melhores rolês de São Paulo – ela fez uma mesura engraçada e sacou o celular do bolso – Vai lá.

Samantha virou-se para a câmera e Lica se afastou para uma foto. Uma imagem dela toda sorridente com os óculos pendurados na cabeça e a imensidão verde ao fundo. Ainda puxou a Gutierrez para uma selfie antes de retornarem para a moto.

- Vai devagar.

Rindo-se, Lica deu a partida sentindo novamente o aperto gostoso das mãos de Samantha em sua cintura. Só que a calmaria não durou muito não. Em um trecho de trânsito mais lento, elas se viram atrás de praticamente uma procissão de caminhões. Heloísa se esticou para verificar as possibilidades de ultrapassagem e mudou de marcha.

- Segura firme, Sammy.

- Hein? – Samantha não ouviu bem com o vento lhe cortando no capacete. Só teve tempo de sentir o solavanco quando Lica deu uma acelerada, e se agarrou a ela com todo. E gritou com tudo também – Lica! Para essa coisa, Heloísa!

E se pôs a estapear a mulher no ombro com uma mão enquanto se segurava com a outra.

Mas Lica limitou-se a rir e acelerou mais, fazendo Samantha se colar mais ainda a ela. Passou um, dois, três... no quarto caminhão, ela deu sinaleira e guinou para a direita duma vez sob os protestos desesperados da garupa. Manteve a velocidade até conseguir impor uma certa distância dos veículos de carga.

- Ai, Samantha!

- Sua maluca, idiota, estúpida! – Samantha seguia socando ela.

- Para com isso, vai causar um acidente!

- Acidente é a minha mão na sua cara, Heloísa! Ficou maluca? Precisava daquilo?

- Precisava ou a gente só ia chegar na praia amanhã! Segura aí!

- LICA! – outra acelerada e Samantha deu nela com o punho fechado.

Mas nem a dor fez a Gutierrez perder a plenitude. Estava amando o descontrole e a proximidade de Samantha sobre si. Simplesmente amando.

Chegaram em Praia Grande por volta das nove e meia e se dirigiram sem se preocuparem exatamente onde ficariam. O objetivo daquele pé na estrada era a praia e só. Escolheram um local um pouco mais afastado do burburinho e Lica, comunicativa como era, tratou logo de fazer amizade com o garçom de um restaurante, que providenciou uma barraca, cadeiras, mesas e uma espreguiçadeira.

Estava conversando com o rapaz sobre o que pedirem para o almoço, quando perdeu o fio da meada ao observar Samantha se desfazer da blusa e do short e revelar um biquíni verde que cobria pedaços mínimos de seu corpo. A barriga não era exatamente definida, mas lisinha a ponto de aguçar a curiosidade dela sobre como seria passear com a língua por ali. As pernas grossas.... A imaginação fértil de Lica traiu-a logo e colocou-a envolta por aquelas duas obras de arte majestosas enquanto sentia Samantha sobre si....

- Dona Lica! – o garçom teve que acenar na cara dela para se fazer ser visto – Tudo bem?

- T-tudo ótimo – foi o que ela respondeu, pigarreou, ajeitou a postura e se virou para ele com certa dificuldade. Samantha checava se o laço do sutiã do biquíni estava bem preso. A boca da Gutierrez salivou.

Estava mesmo desejando os peitos de Samantha? Ah, estava sim, foda-se! Não era cega e era humana acima de tudo. Tinha necessidades e seu corpo reagia a certos estímulos, então sem julgá-la. E Samantha.... Bom, era Samantha, certo?

Lica pediu para o garçom trazer uma caipirinha sob o olhar atento da Lambertini.

- Eu não vou exagerar, prometo – afinal, ela estava pilotando. Samantha a acompanhou na bebida e pediu uma também. Sentou-se na espreguiçadeira e levou o celular ao ouvido.

- Oi, vó. Tudo certo por aí?

Arlete estranhou o barulho do vento e quase caiu para trás quando a neta informou que estava na praia com Lica. Celebrou o fato de Samantha ter tirado um dia só para si e comemorou mais ainda quando entendeu que eram só e somente só ela e a empresária. Não julguem: esperança é a última que morre.

- Pode ficar tranquila que eu pego o Arthur na escola e trago ele pra cá. Aproveita, meu amor, e descansa! Você está precisando. Manda um beijo pra Lica. Divirta-se, minha filha.

- Ela está mandando outro, vó. E pode deixar que eu vou aproveitar sim. Beijo, qualquer coisa, me liga. Te amo.

Despediu-se de Arlete e suspirou, encarando a imensidão azul se estendendo a perder de vista diante dos olhos. E pela primeira vez no que pareciam meses, Samantha se sentiu relaxada. Foi tirada de seu torpor quando virou o rosto para o lado e deu de cara com Lica enfiada em um biquíni preto catando alguma coisa na mochila.

Samantha entrou em um acesso de tosse. Porque até engolir e respirar ficou difícil com aquela nariguda exibindo o corpo daquele jeito sem.... Sem.... Lica era linda dos pés à cabeça! Cego era quem não prestava atenção. E aqueles seios envoltos por um pedaço de pano mínimo....

- Meu Deus – Samantha hiperventilou e tossiu com mais gosto. Deu errado, porque Lica correu até ela.

- Ei, Sammy! Que foi?

- N-nada, eu só... só... – só reparei o quanto você é gostosa, o diabinho em sua mente gritou – T-tudo bem.

- Certeza? – Lica quis se certificar e pediu uma água com um erguer de braço ao garçom – Melhor?

- Umhum – Samantha engoliu no seco e conseguiu respirar fundo. Bebeu um gole generoso da água que lhe deram e conseguiu se recompor – Eu... Passa protetor em mim?

Tentando desviar do assunto, ela acabou entrando em outro bem espinhoso. Lica assentiu, pegou o protetor solar na bolsa e distribuiu um tanto nas mãos. Samantha se estirou na espreguiçadeira de costas, o que foi um erro. Heloísa gemeu baixinho de desespero e frustração, mas respirou fundo e tocou a pele dele gentilmente espalhando o produto pelas costas. Acabou iniciando uma massagem bem da gostosa. Samantha suspirou em completo relaxamento.

- Dona Arlete vai pegar o Arthur na escola?

- Umhum – Samantha tinha o rosto enfiado nos braços. As mãos de Lica eram tão macias.... – Ela achou o máximo eu ter feito essa loucura de largar o trabalho no meio da semana e vir pra praia.

- Uma loucura de vez em quando é bom – Lica subiu as mãos pelas escápulas dela até os ombros, onde apertou um pouco.

- Eu acho que estava precisada disso. Movimento. Valeu por ter topado fazer nada comigo – Samantha brincou e ergueu o tronco para se sentar diante de Lica – Vira. Você é branca demais e nesse sol vai virar um camarão.

Heloísa se acomodou na frente dela.

- Camarão de Heloísa deve ser bem gostosinho – suspirou relaxada ao sentir as mãos dela em si – Que outras loucuras você tem vontade de fazer? Além de furar expediente pra vir pra praia?

- Na minha lista tem coisas do tipo escalar uma montanha, saltar de bungee-jump... Mas eu sei que vou morrer de medo e dar pra trás na hora, então elas ficam só no plano da vontade – Samantha riu-se – Ah, e fazer uma tatuagem. Eu acho lindo quem tem.

- Não são coisas impossíveis – Lica comentou – E essa da tatuagem, a gente pode resolver fácil. Se você quiser, eu desenho o molde e a gente faz. Eu tenho um colega que fez curso de desenho comigo na época da escola, o Moqueca. Ele é tatuador profissional. A gente mantém contato pelo Instagram.

Heloísa passou o celular para Samantha na página do tal Moqueca aberta. E de fato os desenhos dele eram lindos. Desde tribais até figuras em um único fio delicadíssimas. Um verdadeiro artista.

- Nossa, essa aqui é linda – mostrou para Lica o desenho de um ramo no pulso – Mas será que não enjoa? Quer dizer, depois de feito, o desenho não sai mais, né?

- Enjoa nada. Quem tem tatuagem nem lembra que tem.

- Mas você não tem nenhuma que eu sei.

E Lica se pegou pensando como era interessante o fato de Samantha conhecer tão bem seu corpo a ponto de saber que não, ela não tinha nenhum rabisco na pele. Ainda.

- Não tenho, mas morro de vontade de fazer também. A gente pode marcar e ir fazer juntas, o que ‘cê acha? Você escolhe um desenho bacana e eu escolho um pra mim. Uma dá força pra outra.

- Topo – Samantha riu relaxada e fechou o frasco de protetor – Mas e aí? Veio pra praia pra ficar fritando no sol? Bora cair na água?

- Partiu – Lica devolveu a provocação e correu em direção ao mar, sendo seguida por Samantha. Na beira, iniciaram uma guerrinha de chutes na água até que a Gutierrez mergulhou de cabeça em uma onda sendo observada pela Lambertini. Era impossível não rir dos trejeitos dela parecendo uma criança em um parque de diversões. Heloísa emergiu mais na frente, a água salgada escorrendo no rosto – Bora, Sammy! Se joga!

Era o incentivo que ela precisava. Samantha repetiu o gesto dela e mergulhou em uma onda, emergindo ao lado de Lica que, no automático, a segurou perto. E, Deus.... O calor que emanava entre elas simplesmente não era condizente com a temperatura da água. Entre risos e brincadeiras, as duas ficaram por ali um bom tempo curtindo a companhia uma da outra. Em determinado momento, Samantha tentou boiar, mas levou um caldo. Lica foi lá apoiá-la com as mãos e quase saiu de órbita contemplando o corpo dela em seus braços em completo relaxamento. Samantha tinha os olhos fechados inspirando tranquilamente.

Heloísa ainda deu uma boas braçadas se distanciando um tanto da beira, o que fez Samantha ralhar um tantinho sobre os riscos de desafiar o mar daquele jeito.

- Eu sei que você é uma excelente nadadora, mas fica por aqui, hum? Mais seguro – e Lica não pode deixar de sentir tocada pela preocupação dela.

Mas enquanto uns relaxavam como os justos, havia gente enfrentando... dilemas.

Dona Arlete nunca conhecera o tal Gustavo pessoalmente e, sendo sincera, não fazia nenhuma questão. Bastava saber que ele havia feito tanto mal à sua neta para ela querer mata-lo. Um homem que fizera um que ele havia feito não devia nem ter o status de “gente”. Só que é aquela coisa: o mundo não nos dá somente o que queremos e quando dona Arlete cruzou com aquela criatura alta, barba bem feita e cabelo cortado em um topete alinhado, só conseguiu sentiu náusea. Ainda mais quando Arthur correu para ele exclamando um “oi, pai!”. O estômago da senhora embrulhou.

- E aí, meu garoto. Como vai?

- Tudo bem. A vovó meio me pegar.

- Avó?

- Arlete Lambertini, avó da Samantha e bisavó do Arthur – a mulher se apresentou imperiosa. Ou era isso ou atacar aquele homem a tapas. Mas não externou qualquer prazer com o contato. Pelo contrário. Mediu Gustavo de cima a baixo.

- Muito prazer, dona... Arlete. Gustavo – ele estendeu a mão para ela, o que foi um erro.

- Não da minha parte, acredite – e dali o homem entendeu que não adiantaria mesuras. Trincou o maxilar com uma espécie de nuvem cinzenta lhe colorindo as íris – Arthur, vamos?

- Onde está a Samantha?

- Por que o interesse?

- Cadê a mamãe, vó? Ela não veio me pegar?

Gustavo olhou do filho para a senhora. Arlete respirou fundo e virou-se para o neto.

- Sua mãe tirou o dia de folga hoje e me pediu pra vir te pegar. Você vai comigo pra casa.

- Eu posso ir com o meu pai?

Até Gustavo foi pego de surpresa, mas claro que não se faria de rogado. Arlete respirou fundo.

- Não, você vai comigo. Sua mãe deu ordens claras pra eu vir te pegar e te levar lá para casa. Eu fiz aquela lasanha de frango que você adora.

- Eu não vejo probl....

- Mas eu vejo! – Arlete cortou Gustavo. Arthur observava os dois com olhos atentos – O Arthur vai comigo como a mãe dele instruiu – e ela destacou a palavra “mãe” propositalmente – E não adianta vir com isso de “eu sou o pai”. Pai qualquer um pode ser, mãe só é uma e quando ela fala, está dito. Dá tchau pra ele, Arthur.

O menino estava completamente atônito ao passo que Gustavo não sabia sequer onde pôr as mãos.

- Tchau, pai – ele deixou um aceno no ar para o homem e marchou junto da avó para o táxi aguardando ali perto.

Gustavo, por outro lado, pareceu odiado com aquela.... Presença inesperada. Bufando, ele se retirou, sacando o celular do bolso e acessou a rede social de Samantha, mas ela era privada e ele não seria nem maluco de solicitar a amizade. Contrariado, discou um número e levou o aparelho ao ouvido.

- A gente precisa conversar.  A Samantha parece que tirou um dia de folga e eu não sei nem onde ela está nem com quem.

- A Heloísa também tirou o dia de folga. É só somar dois mais dois, não é tão difícil.

Gustavo respirou fundo, apertando o celular.

- A avó do menino me odiou.

- Estranho seria se ela não odiasse – ele ouviu uma risadinha do outro lado da linha – Cuida da criança e foca na Samantha, deixa que com a Lica, eu me resolvo.

Gustavo desligou e soltou um impropério baixinho. Rumou para o próprio carro, mandando uma mensagem de áudio.

“Estou livre agora de tarde e queria te ver. Podemos almoçar juntos?” – enviou e saiu cantando pneu no asfalto.

(...)

Defina felicidade e alívio: Samantha comendo rezando a peixada que haviam pedido na praia. Lica tinha que confessar: ficou receosa do paladar apuradíssimo de chefe de cozinha dela não gostar muito da comida. Mas o que via ali.... A Lambertini simplesmente tecera elogios e mais elogios a quem tinha preparado o prato e ainda perguntou se podia conhecer o responsável por ele.

Acabaram recebendo uma visitinha do cozinheiro do restaurante na barraca. O homem veio todo encabulado, mas recebeu de bom grado as palavras dela. E foi até engraçado vê-lo um tanto sem reação quando entendeu que estava diante de uma chefe internacionalmente conhecida. Em seu meio, Samantha tinha nome.

- Fica por conta da casa – o homem ficou sem jeito.

- De jeito nenhum – Samantha bebeu um gole da água – Comida boa tem que ser recompensada e essa aqui está divina!

Lica era só sorrisos e ainda gracejou com a porção extra que recebera em agradecimento.

- Sammy, me dá um autógrafo? – ela ainda tirou sarro depois, quando estavam as duas esparramadas e empanturradas nas cadeiras da praia. E mesmo com Samantha de óculos escuros, ela pôde ver o olhar que ela lhe lançou.

- Vai se catar, Heloísa.

Ficaram em silêncio confortável até certo ponto. Era sempre assim quando estavam juntas, não tinham tanta necessidade de encontrar algo para falar e fugir da monotonia. Só que depois de certa altura, Lica percebeu que Samantha parecia estar buscando palavras pra dizer algo.

- Tudo bem?

- Eu que pergunto se está tudo bem. Não dá pra ignorar o fato de que você dormiu na sua mãe essa noite e nem esquecer o que aconteceu ontem – Lica suspirou, voltou a encarar o mar, recolhendo as pernas e abraçando-as – Conversa comigo, vai. Eu sei que você ficou péssima com aquela presepada do Gustavo.

- Não é presepada. Ele é pai, tem o direito de registrar o filho.

- E de tirar seu nome do Arthur – Samantha proferiu visivelmente desgostosa – Se eu pudesse impedir, eu impediria, acredite.

- Eu sei. Gutierrez soa muito melhor com Lambertini do que Medeiros – Lica brincou e se atreveu a rir, mas o gesto não alcançou os olhos – Eu acho que só tenho que trabalhar melhor a ideia do lugar que ocupo nisso tudo.

- Que lugar? O de segunda mãe do Arthur? O de quem que criou ele junto comigo e que ensinou tudo que ele sabe? O lugar de quem sempre esteve ali quando ele precisou?

- Eu só fiz isso tudo porque o pai dele não sabia que tinha um filho – Lica soltou, o que fez Samantha pôr uma careta na cara – Desculpa.

- Se o pai dele soubesse que tinha um filho, esse filho nem teria nascido, pode apostar – ela devolveu um tanto ácida – E agora que sabe vem querendo assumir tudo e ser presente.... Eu não consigo entender qual é a do Gustavo.

Lica riu e se pôs a riscar a areia.

- Não entende, Samantha? – negou com a cabeça e encarou o mar – Está meio na cara o que ele quer.

- A mim?

- E você ainda tem alguma dúvida? Você não é mais aquela menina boba e inocente que o Gustavo sapateou não. É uma mulher feita, que manda, que pode mandar e que tem poder pra isso. Bem o tipo daquele cara. Deixou de ser alguém pra ele enganar e se tornou alguém pra ele ter, Samantha. Como uma figurinha premiada, um troféu. E ainda com o bônus de ser mãe do filho dele. A mulher perfeita pra ele.

Samantha permaneceu calada por alguns segundos processando a informação e, sendo sincera, não sabia muito o que dizer. Se aquilo era para ser uma massagem no ego, não funcionou muito não. Lica seguiu em seu monólogo.

- Esse cara não consegue entender que você é muito mais do que o dinheiro e poder que tem. Você é uma mãezona da porra, uma mulher e tanto, esforçada, inteligente, determinada.... Que se preocupa com as pessoas, vive por quem ama e se entrega de verdade em tudo que faz. Eu digo com toda a certeza do mundo que você é uma das mulheres mais incríveis que eu já conheci. E esse cara não enxerga isso. Nem nunca vai enxergar. Não fez isso quando teve a chance e agora fica dando uma de pai do ano arrependido.

Samantha estava atordoada com o tanto de informação. E não mentiria: abriu um sorrisinho ao ouvir Lica dizer tudo aquilo a seu respeito.

- Você acha tudo isso de mim?

De tão absorta que estava nos próprios pensamentos, Lica sequer se tocou.

- Não é o que eu acho, é o que você é. Idiota e burro é quem não vê.

Samantha riu e arqueou uma sobrancelha, virando-se para o mar.

- Eu sei que você me ama – ela brincou, mas a Lica aquilo não era bem brincadeira não.

- E tem como não amar? – deixou sair mais para si do que para ser ouvida. Samantha virou-se para ela em um átimo para encontrá-la distraída brincando com um graveto fazendo desenhos na areia. Não soube bem o que pensar a respeito – Eu vou dar um mergulho. Quer vir?

- Daqui a pouco – ela assistiu Lica se levantar e ir caminhando para o mar. O “E tem como não amar?” que ela dissera martelando na cabeça. Deus do céu, tinha ido até ali para relaxar e não para ficar ainda mais confusa com o que tinha dentro.

Samantha ajeitou o chapéu e os óculos e verificou a marca do biquíni. Se pôs ali tomando seu sol e vez ou outra capturava Lica com o olhar só para não perde-la de vista. Sabe como é, mar é imprevisível e perigoso quando quer. Era só preocupação. Ela dava braçadas desafiando as ondas, mergulhava, até plantar bananeira plantou. Parecia uma criança em um parque de diversões.

Só que a diversão foi embora quando Samantha detectou mais uma cabecinha perto dela. Uma... moça? Ela se sentou e tirou os óculos escuros para apurar a vista. Definitivamente era uma moça. E ela se aproximou, virou-se de costas como se mostrasse algo e Lica gentilmente tocou o ombro dela como se verificasse alguma coisa ali. Samantha estreitou os olhos quando a Gutierrez passou a mão pela nuca e ombros dela. Largou os óculos e o chapéu e saiu a passos firmes para a praia. Caminhou decidida até onde Lica estava com a tal moça e quase levou um caldo de uma onda mais forte. Mas também não se abalou. Conseguiu alcança-las e já chegou....

- Tudo bem aqui?

- Oi, Sammy – Lica ria. A filha duma mãe.... Ria? – Decidiu entrar?

- Pois é, cansei de tomar sol. Tudo bom? – já foi logo ficando entre Lica e a mulher.

- Sammy, essa é a....

- Débora – a moça pareceu ligeiramente decepcionada.

- Débora. Ela pediu pra ver se estava machucado, sentiu arder quando a água bateu.

- Não tem nada aí – Samantha apurou a vista – Tudo certo, Débora.

- Ai que bom! Pensei que fosse alguma queimadura de água viva.

Oi? Ela sabia que queimadura de água viva não dá ardor, mas que... queima? E arrasa a pele? Ou ela só pensou que todo mundo ali tinha nascido ontem?

- A Lica uma vez se queimou com água viva. Foi na mão, não foi? – Lica olhou para ela assustada. Que diabo era aquilo?

- Eu nunc.... – mas Samantha foi mais rápida.

- Foi um horror, mas graças a Deus ela ficou bem – Samantha pegou a mão esquerda dela com a sua esquerda, os anéis finíssimos em ouro e idênticos reluzindo – Coitada, passou um tempo sem poder nossa aliança.

O sorriso da tal Débora, se ainda existia, se desfez inteiro. Lica entendeu na hora. Espera, Samantha estava... Com ciúmes? Sem conseguir se refrear, ela deu um sorrisinho que acabou virando uma gargalhada. E a moça, entendendo que aquela dupla ali era casada e doida, se retirou agradecendo pela ajuda desnecessária que recebera.

- Virou uma hiena agora? – Samantha desferiu um tapa bem dado no braço dela – Água viva... água viva é a minha cara! Para de rir, Lica!

Lica ainda se sacudia. Estava no céu com aquilo. Era a primeira vez que Samantha demonstrava ciúmes espontaneamente e sem necessidade.

- Não dá, desculpa – mais gargalhada – Meu Deus, Samantha!

- Pois fica aí com as águ... Ai! – Samantha foi pega de surpresa com um puxão pela cintura que a colou inteira a Lica. Uma Lica que mergulhou e a levou junto – Vai me matar, sua maluca! Eu tenho filho pra terminar de criar.

- Para com isso, vai.

- Então deixa de ser bocó. A moça estava dando em cima de você.

- O Gustavo dá o tempo todo em cima de você, você dá corda pra ele e eu não digo nada.

Foi-se o clima ameno. Samantha se desvencilhou dela visivelmente chateada.

- Vai se foder, Lica – e saiu decidida do mar odiada da vida. Não adiantou nada ser chamada duas vezes por Heloísa, ela sequer olhou para trás.

É... quem sabe aquela folga ali tivesse sido um erro.

(...)

- Cansou do Joãozinho Mijão?

- Cala a boca – Gustavo teve que ser grosseiro – É do meu filho que você está falando.

- Se apegou ao menino agora? Nós dois sabemos que você tem tanta vocação para ser pai quanto eu tenho pra ser mãe, meu amor – Dani sorveu o líquido da taça e pegou o garfo, balançando-o no ar. Travou o celular e já ia abocanhar a salada quando Gustavo relanceou o aparelho.

- Você segue a Samantha, não segue?

- Vai pro inferno, Gustavo Máximo! Eu não acredito que você veio aqui pra ficar falando da Maria Mijona.

- Eu tentei chegar perto do Arthur hoje e a avó dele faltou dar em mim.

- Te receber com flores é que ela não iria, né? Aliás, me explica: você vai ficar mesmo nessa de ser o pai do ano ou isso tudo é só parte de um plano sordidamente maquinado como eu acho que é?

Gustavo riu-se e encarou Dani por cima da borda da taça.

- Qual seria o plano sordidamente maquinado?

- Reconquistar a Maria Mijona e casar com ela com comunhão de bens? Ser o responsável pelo menino e responder legalmente por tudo que é dele também? – Gustavo nada respondeu, apenas deu de ombros, o que deu certeza a Dani de que sim, ele tinha um plano – É sério que você quer casar com aquelazinha? E eu fiquei com Deus, pelo visto.

Havia descontentamento em cada sílaba dela, mas Gustavo não estava para isso. Estava mais para coisas práticas e recompensadoras. Buscou a mão de Dani sobre a mesa e fez um carinho.

- Meu amor, há males que vêm para o bem. Você mesma disse que eu não tenho a menor vocação pra ser pai, muito menos marido.

- Você é impossível, Gustavo Medeiros – Dani riu-se e abocanhou a salada.

Mas é como ela mesma afirmara. Ele não tinha a menor vocação para pai de família e não poderia ir contra sua natureza, embora às vezes precisasse. E a necessidade, ela meio que bateu na porta no dia da inauguração do restaurante de Samantha. Gustavo chegara à festa completamente às cegas sem saber exatamente o que esperar de um evento conduzido por alguém que ele sequer conhecia. Mas tudo bem, oportunidades de investimentos sempre são bem vindas.

Ficou extasiado, não mentiria, quando entendeu que a dona daquilo tudo era a mulher que um dia ele fizera questão de espezinhar da pior forma possível. Mas, entendam: tudo na vida tem suas relações, mesmo que elas não pareçam tão óbvias. Durante a festa, ouvira Felipe dizer que o pai de Heloísa, Edgar Gutierrez, antigo mandachuva das Indústrias Melken, estava falido e mal pago depois do divórcio. Foi só puxar mais um pouco de conversa com o amigo – com a ajuda de algumas boas taças de champanhe, claro – e Gustavo ficou sabendo que a razão da falência de Edgar era simplesmente o casamento de Lica com Samantha.

Pelo que ele havia entendido, o Gutierrez Pai agrediu a filha quando soube que ela e a Lambertini se casariam com comunhão total de bens. Se sentiu pessoalmente atacado e descontou em Lica, o que causou uma reação à altura de sua mulher, que entrou na justiça contra ele e com o pedido de divórcio. E como as Indústrias Melken eram da família de Marta.... Não era preciso ser nenhum gênio para entender que dois mais dois são quatro.

- Edgar Gutierrez, é um prazer conhece-lo finalmente.

- Eu diria o mesmo se soubesse exatamente que proposta você tem a me fazer – o homem se sentou diante de Gustavo, os cabelos com entradas e o brilho dos olhos azuis ligeiramente apagados. O tempo pelo visto não tinha sido tão justo com Edgar.

- Eu não falei por telefone, porque queria tratar disso pessoalmente – Gustavo pôs a pasta sobre a mesa e tirou de lá alguns documentos – Consegui seu contato com o meu advogado, soube que você buscou o escritório dele para tratar a respeito do seu divórc....

- Atalha, rapaz. Qual o seu interesse em mim?

Gustavo riu e suspirou em tranquilidade. Não tinha muita pressa, mas tudo bem. Se a outra parte lhe demandava isso....

- Eu posso te ajudar a conseguir tudo que sua mulher se negou a te dar no divórcio e até mais. Mas pra isso, eu preciso que você me ajude a expandir meus negócios. Como? Eu tenho uma incorporadora e quero investir em gastronomia, mas tenho um interesse em particular: a esposa da sua filha.

Edgar foi para trás parecendo ter levado um soco.

- Como?

Gustavo riu e umedeceu os lábios.

- Eu fiz faculdade com a sua filha, a Heloísa, e sei que ela é a razão do seu divórcio. Sei que foi por causa do casamento dela que a sua mulher te colocou pra fora de casa com uma mão na frente e outra atrás. Bom, sua ilustríssima filha está de volta ao Brasil e muito bem acompanhada – e estendeu algumas revistas e jornais com matérias sobre o lançamento do restaurante de Samantha – Só que eu acho que quem devia estar do lado da dona da festa é eu e não ela, então....

- Você se interessou pela esposa da minha filha e quer minha ajuda, é isso? – Edgar realmente não entendeu.

- Um-hum – Gustavo riu e negou com a cabeça – Eu quero, assim como você reaver algo que perdi.

Chamem de plano sordidamente maquinado ou só de um acordo entre cavalheiros. Já dizem que uma mão lava a outra e, neste caso, uma mão não lavaria apenas, mas ajudaria a outra a pegar de volta algo que lhe escapuliu.

- E como você pretende fazer isso? – Edgar largou as revistas e olhou diretamente para Gustavo – Porque eu tenho uma certa urgência.

- É você quem vai me dizer. A Heloísa é sua filha e você a conhece melhor do que eu. O que eu tenho que fazer pra conseguir tirar ela do meu caminho, Edgar?

Se tinha uma coisa que Gustavo sabia, isso era seguir orientações e ser paciente. A analogia simples de um jogo de xadrez, em que você não se preocupa apenas com os próprios movimentos, mas também com os movimentos do adversário. E cria situações: encurrala, faz com que ele mexa as peças conforme as suas necessidades e deixa sem saída a não ser ele ceder a você.

Gustavo era bom nisso: fazer as pessoas cederem. E era isso que faria: fazer Samantha ceder, armar o jogo, fazer o meio de campo, colocar as peças no tabuleiro e posicioná-las de tal forma que fosse completamente impossível para ela não chegar até ele. Quanto a Lica, bom.... Ela teria outras preocupações. Com certeza teria.

E era interessante como quando você se mexe, o universo parece conspirar a seu favor. Não é que o filho de Samantha era também filho de Gustavo?

- Como é que é? – Edgar tomou um susto.

- A sua filha se casou com a Samantha pra assumir meu filho – e o que era raiva virou quase que um ódio homicida.

- Usa o moleque – Edgar foi certeiro – Você tem a faca e o queijo na mão, rapaz. Pega a goiabada e faz logo um Romeu e Julieta.

- Suas frases são horríveis.

- Mas eficientes. Bem eficientes – Edgar riu-se e bebericou o vinho – E você vai me agradecer depois.

Então sim, Gustavo Medeiros tinha um plano. Se era sórdido ou não, não vem ao caso. Isso nunca vem ao caso.

(...)

Samantha estava evitando Lica. Mas Lica mesma não estava nem aí. Já passara da fase de se irritar por pouco e ela não falara nenhuma mentira afinal. Gustavo sim ficava cercando-a e ela dando corda. Depois que não reclamasse se acabasse se enforcando.

- Bora? – Lica se aproximou tendo terminado de recolher a mochila e acertado sua parte na conta do restaurante. A tarde já começava a ir embora e quanto antes elas pegassem a estrada, melhor. Mais tarde o fluxo de veículos aumentaria, o que tornaria tudo um pouco mais arriscado – Vai ficar muda mesmo? Me deixar falando sozinha? Se irritou porque eu falei a verdade?

- Cara, você é impossível – Samantha riu-se em desgosto – Bora logo, vai. Pegou tudo?

- Peguei sim – Lica checou mais uma vez a mochila e relanceou uma das cadeiras que ocupavam. Os óculos de Samantha iam ficando – É seu, ó.

As duas estenderam as mãos ao mesmo tempo, o que resultou em um contato não planejado e.... A mão de Samantha devia formigar daquele jeito onde Lica tocou? Que saco! E que falta de controle sobre o próprio corpo era aquela? Falta de controle sobre a mão e sobre a língua, porque aquilo ali foi o estopim. A Lambertini veio com tudo para cima de Lica, dando-lhe alguns tapas bem dados.

- Por que você tem que ficar me lembrado da merda que está minha vida com aquele filho da mãe me cercando o tempo todo?

- Ai, Samantha! Para! – Lica tentou desviar, mas em vão.

- Eu só queria ficar de boa e curtir em paz e você tem que estragar tudo, Heloísa!

- Samantha, chega! – Lica a segurou pelos pulsos, já atraíam alguns olhares – Caralho, parou! E foi mal ter falado o óbvio – mas não perdeu a oportunidade de alfinetar – Poxa, acorda! Aquele cara não vale nada e você fica aí dando brecha! Que merda! Não me faz acreditar que eu perdi sete anos da minha vida com você pra porra nenhuma!

Samantha estacou no movimento de dar mais outro tapa.

- O que foi que você disse?

- Que eu me sinto uma idiota de ter me metido nessa história pra te ajudar sendo que você pelo visto não estava nem um pouco a fim de ser ajudada. É horrível ser só o plano B de alguém e fingir que está tudo de boa quando o plano A aparece querendo espaço como se ele não tivesse melado tudo!

Era um desabafo e Samantha percebeu pelo tom e pela escolha de palavras. Nunca tinha visto Lica falar daquele jeito. Nunca tinha sequer parado para.... Deus do céu, Heloísa parecia.... Acabada. Derrotada e mais uma porção de coisas que a Samantha pareceram desagradabilíssimas.

- Eu não vou mandar na sua vida, até porque ninguém pode fazer isso, mas poxa, acorda! Aquele cara não vale nada e já provou isso. Está se fazendo de sonso arrependido querendo registrar o filho pra poder se reaproximar de você – Lica respirou fundo e pareceu se acalmar mais – E ok que é um direito, mas presta atenção, Samantha. Esse cara vai se valer disso o quanto puder só pra conseguir o que quer. Porque é direito dele e blá blá blá.... Não é direito dele querer fazer parte de novo da vida da pessoa que ele machucou tanto. Eu estava lá e eu vi. Ninguém me contou, não. Eu vi e vivi.

“Vi e vivi”. O final da sentença de Lica pegou Samantha de calças curtas. Sim, ela tinha visto e vivido tudo mesmo, o que era uma tremenda merda diante da situação toda. Samantha não queria o nome de Gustavo em Arthur, mas sim o da pessoa que sempre esteve ali com ela e para ela ajudando-o a criar o menino como se ele fosse filho dela também. E por mais que se sentisse balançada e atraída por tudo que Gustavo era, ela tinha que reconhecer que os melhores sorrisos ela só dava quando estava na companhia de Heloísa, se senti mais leve com ela e não exatamente na presença do pai de seu filho.

E sim, Lica tinha visto e vivido muito com ela e por ela. Atrelado a vida à de Samantha sem ser requisitada, só por livre e espontânea vontade, porque era justa e humana acima de tudo. Mas era só isso?

“E tem como não amar?”

Samantha se pegou lembrando da frase que ouvira Lica proferir na praia horas antes. Franziu o cenho e não se furtou.

- Por que você quis casar comigo?

Lica respirou fundo já cansada daquilo.

- Porque eu queria te ajudar e a forma que tinha era te dando meu nome. Era tudo que eu tinha pra oferecer.

- Fora isso – ai, não, Samantha.... – Tem sete anos desse casamento, em tese, tudo que você tinha pra fazer por mim já fez.

Lica foi pega de calças curtas. E aí? O que responder quando não se sabe o que responder?

- Você nunca demonstrou interesse em desfazer nosso acordo – e o medo bateu. O medo de que Samantha resolvesse acabar com aquilo ali e naquele instante. Lica desviou o olhar e se pôs a checar novamente a mochila. Qualquer coisa para não encarar Samantha diretamente.

- Só por isso?

Mas Lica não teve tempo de responder. Um trovão soou alto após um relâmpago cortar o céu em um claro sinal de que com o final do dia viria a chuva. E elas precisavam ir embora o quanto antes, ainda iriam enfrentar a estrada.

- É melhor a gente ir – Lica desviou, mas Samantha estava irredutível.

- Me responde, Lica.

- Vai cair uma tempestade, Sammy.

- Chuva é água, não cuspe. Me responde. É só por isso que você ainda está nessa comigo? Porque eu não quis desfazer nada? Significa que você quer e não tem coragem ou que não quer e tem medo de que eu queira.

Bingo! Lica engoliu no seco e Samantha percebeu o retorcer de dedos dela. Ela só fazia aquilo quando estava nervosa. Heloísa jogou a mochila nas costas e seguiu para o estacionamento onde deixara a moto. Ótimo! Ela lhe deixaria falando sozinha.

- Melhor a gente correr!

- Lica, volta aqui!

Mas o assunto teve que ficar para depois. Ao alcançarem o estacionamento, as primeiras gotas de chuva começavam a cair. Para fugir delas, Samantha sequer deu outro ataque para subir em Celeste, o que foi um ganho e tanto, pensou Heloísa. O problema é que a chuva foi engrossando a ponto de antes mesmo delas deixarem a cidade, ficar difícil para a Gutierrez continuar pilotando com o mínimo de visibilidade. O capacete estava todo embaçado. Achou por bem encostar em um posto de gasolina. As roupas já encharcadas.

- Merda! – Lica sacou o celular do bolso e abriu a previsão do tempo. Os oitenta por cento de chance de chuva já estavam desabando sobre suas cabeças e sem sinal de que parariam tão cedo. E o pior: parece que chovia em todo o litoral. Deixar a cidade no meio daquela tempestade e de moto não era realmente uma opção.

- Que foi? Não dá pra continuar? – Samantha se esticou para olhar para o celular dela lá do banco da garupa.

- É meio perigoso. A pista molhada fica escorregadia e a água pode cobrir uns buracos bem tensos. Sem contar que a visibilidade é quase zero – Lica apontou para o capacete encharcado.

- A gente fica aqui até a chuva diminuir então – Samantha deu uma olhadinha para cima, o céu tomado de nuvens carregadas e relampejando para todo canto. Um trovão estrondoso a sobressaltou – Melhor a gente sair debaixo desse troço – ela apontou para a cobertura de metal do posto. O barulho da chuva no teto era ensurdecedor.

Lica assentiu e encostou a moto próximo da loja de conveniência. As duas se acomodaram a uma mesa, pediram uma água mas quase vinte minutos depois e o céu não deu sinal de que pararia de desabar. A essa altura, o dia já era noite. A saída era uma só e ela rezou aos céus que funcionasse. Ou do contrário, teriam que passar a noite ali.

- Oi, amigo – Lica chamou o atendente da loja. Samantha tentava ligar para a avó, mas o sinal ali estava péssimo, sem contar que seu celular já estava plugado no carregador portátil que, dali a pouco, pediria carga também – Você sabe me dizer se por aqui por perto tem alguma hospedaria? Serve hotel, pousada, o que for. Essa chuva lascou com a nossa volta pra casa.

O homem foi até educado em passar um folheto com alguns hotéis na região. E havia um relativamente próximo dali, o que era uma mão na roda. A chuva não dava trégua e percorrer longas distâncias não era bem uma opção. Lica chamou Samantha informando o óbvio: teriam que passar a noite em Praia Grande. Seguiram para a tal acomodação que o atendente informara.

O lugar ficava à beira da estrada na saída da cidade e aparentava ser decente. A estrutura de madeira dava um ar rústico ao ambiente e havia luminárias se estendendo por todo o caminho até a pequena recepção. Lica estacionou a moto na cobertura e correu com Samantha em seu encalço, embora estivessem mais que molhadas.

- Boa noite – a Gutierrez já foi logo cumprimentando a senhora que as recebeu com um sorriso.

- Água muita, hum?

- Nem fala – Lica riu e Samantha vibrou ao finalmente conseguir área para fazer a ligação – A senhora tem dois quartos disponíveis pra um pernoite?

A mulher checou algo no computador e já veio se lamentando. Oh, merda....

- Tem um quarto de casal, minha querida. Serve?

- A gente fica com ele – Samantha foi quem respondeu. Estava com o celular ao ouvido – Oi, vó. Tudo bem sim, só a chuva que pegou a gente na volta.... – e se afastou falando com dona Arlete.

- Posso reservar? – a mulher inquiriu Lica. E se vendo sem opções, ela deu seu sim. Foram guiadas escada acima pela senhora, que lhes apresentou o cômodo.

Era uma espécie de chalé com decoração que lembrava bastante um luau na praia. As luminárias que pendiam do teto lançavam uma claridade amarelada no ambiente, o chão de madeira era forrado com um carpete felpudo marrom e havia duas cadeiras de apoio com uma mesinha de centro. As cortinas dançavam com o vento que soprava lá de fora e a cama de casal se estendia imperiosa do outro lado.

- As chaves – a senhora estendeu para Lica a chave com um cartão. Samantha ainda conversava em vídeo com a avó ao celular aguardando Arthur sair do banho – O banheiro é ali. Fiquem à vontade. Se quiserem comer alguma coisa, tem o cardápio do nosso café ali em cima. Qualquer coisa, é só chamar.

Lica agradeceu, Samantha sorriu para a mulher e ela se retirou deixando-as a sós.

- Olá, dona Arlete – ela cumprimentou a avó de Samantha quando ela virou o celular – A estripulia de hoje deu ruim.

- Para com isso – Samantha ralhou – Vó, olha o tamanho dessa cama.

- Vocês vão dormir juntas? – Arlete sequer disfarçou e Lica corou. Sabia que a senhora conhecia os termos daquela relação, então ficou sem jeito. Mas Samantha, por outro lado....

- Umhum – respondeu com toda a naturalidade do mundo – Ih, vó. A Lica adora dormir agarrada comigo quando a gente perde a hora vendo série.

- Ah, é? – Arlete parecia estar no céu. E Lica teve certeza que entraria no inferno, porque Samantha fez o favor de se livrar da camisa molhada e do short, desfilando só de biquíni pelo quarto. A pele bronzeada, huuummm....

Era isso. Heloísa estava na porta do inferno e provavelmente dormiria abraçada com o capeta.


Notas Finais


Desse demônio aí eu não tenho medo. Mas que vai dar pena da Lica, vai kkkkkkk.
Eu falei que teria clichê: partiu dormir juntas porque só tem uma cama rsrsrs.
Mas e aí? Feliz que a Lica abriu a boca e começou a falar umas verdades pra bonita? E a Samantha? Vai conseguir as explicações que quer da Lica ou nem?
PS: Alerta de ciúmes no ar e a ciumenta em questão é uma leoa que mata na presa. Inventar queimadura de água viva na mão da Lica pra mostrar aliança foi o fim kkkkkkkkkkkk. É isto, meu amores, a Samantha de besta não tem nada. Ela só se faz, mas se ameaçarem a majestade dela com a Lica, ela vai pra cima é com gosto. Sentiu medo, Sam? Por que eu acho que sim kkkkkkkkkk.
E a conversa do embuste com o papai Gutierrez? Deu pra esclarecer alguma coisa ou só confundiu mais? Se confundiu, eu acho ótimo, porque gosto é assim kkkk.
No mais, dona Arlete, eu lhe amo enfrentando o embuste.

Eu agradeço pela leitura e nos vemos no próximo capítulo!


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