Já era perto do horário do almoço, como declarava o meu estômago, quando uma buzina alta e estridente soou do lado de fora, tirando Clarke de suas divagações em cima de um caderno de desenho muito rabiscado e obrigando minha dona a ir atender quem quer que fosse a criatura impaciente que chamava no portão de casa.
A chance era ótima para que eu me mandasse dali, entretanto o tapete estava tão confortável que não pude me mover. Deitada sobre os pés da minha dona, notei que talvez estivesse perdendo o controle de vez, me comportando como uma submissa animal de estimação, o que eu havia jurado para mim mesma jamais fazer.
Eu culpava completamente a minha transformação pela minha súbita amabilidade e ao cansaço da dor por ficar deitada daquela maneira preguiçosa, sem vontade sequer de fugir.
Não culparia jamais meu coração que estava cada segundo mais rendido aos olhos azuis e intensos, e à adorável sarda no rosto perfeito da minha dona.
— Lexa minha linda, Murphy chegou.
Oh, droga!
Eu havia esquecido completamente das maluquices de Raven que tinha a plena certeza de que eu estava na porcaria de um cio. E havia realmente acreditado que ela esperaria alguns dias antes de me fazer encontrar o tal macho. Mas minha ilusão não durara sequer três horas. A maldita cozinheira havia levado o gato até lá.
O que era aquilo? Cruzada a domicílio? Disk Cruzada? Oh, que situação humilhante.
Como a teimosa que era, continuei deitada chegando ao cúmulo de fingir estar dormindo para que Clarke não me perturbasse, mas logo a sua risada inundou a sala e não fui capaz de continuar de olhos fechados. Havia algo que me levava a observar Clarke rindo, ainda que essa visão fizesse meu coração se apertar com algo desconhecido, porém bom, eu era incapaz de desviar o olhar.
— Você é adorável quando faz pirraça princesa.
Eu só queria não reagir daquela forma. Eu queria ser a boa e velha gata independente, mas a cada sorriso, olhar ou simples elogios, sem qualquer esforço de Clarke, eu me via cativa.
— Bellamy disse que vai deixar o Murphy aqui por hoje e amanhã de manhã vem busca-lo.
Por mim já pode levar de volta. Eu não estou a fim de socializar.
Entretanto, incapaz de me comunicar, apenas resmunguei e tive minha vontade contrariada, já que Clarke tirou o gato de seu colo e o colocou na minha frente.
— Seja boa com ele, Lexa — disse minha dona. Sua mão fez um carinho discreto em minha cabeça, antes de voltar-se para Murphy. — E você seja um bom garoto, Sr. Murphy, faça Lexa gostar de você, cara.
Incapaz de me esconder, uma vez que o já mencionado gato estava na minha frente. Não tive como não encará-lo, notando seus pelos quase escuros, de um cinza verdadeiramente intenso, mesclados com branco, e seus olhos azuis que me encaravam com igual firmeza.
Certo, gato. Eu sou Lexa e você não vai conseguir nenhum tipo de comunicação comigo. Agora fique aí, seja um bom garoto como Clarke lhe instruiu, enquanto eu voltarei à minha caixa para ter uma tarde de sono incrível.
— É um prazer conhecê-la, Lexa. Eu sou Jonh Murphy.
Por todos os deuses felinos. O gato falou!! Que brincadeira de mal gosto era aquela? Péssimo gosto, aliás.
Eu não conseguira me comunicar com outro tipo de animal em mais de quatrocentos anos, e do nada me surgia um gato castanho que conseguia se comunicar comigo de maneira tão compreensível quanto ocorria com um humano. E ainda por cima me entendia, apenas com os meus gestos e expressões faciais? Por quê? Como?
E ainda mais com aquele sotaque que era ao mesmo tempo fascinante e irritante.
— Você não parece ser do tipo comunicativa, não é? —disse o gato enquanto dava uma volta ao meu redor. Eu continuava de queixo caído, encarando Clarke que nos observava discretamente, parada a uma distância segura. Ela observava os avanços de Murphy sem nem ao menos imaginar que aquilo era mais complicado do que poderia jamais supor.
— Não se preocupe, querida, eu serei um cavalheiro e deixarei que recupere sua fala antes de vir até mim. Reconheço que sou bem apessoado o bastante para lhe deixar pasma. Como você já deve saber, nossos donos esperam que nós procriemos. Podemos fazer isso ser bom para nós dois.
Arrogante. Esta fora a segunda palavra que passara pela minha cabeça. Um palavrão digno de estivador foi a primeira.
— Quer que eu deixe vocês a sós, Lexa? — minha dona perguntou ao perceber que eu ainda não havia feito um movimento sequer desde que Jonh Murphy, o arrogante, começara o seu monólogo.
Não. Claro que eu não queria ficar sozinha com aquele desconhecido cheio de si, mas eu adoraria saber como ele conseguia se comunicar comigo quando ninguém mais havia conseguido.
Em mais de quatrocentos anos.
Miei, esperando que Clarke compreendesse a minha negativa, mas como sempre acontecia, ela entendeu completamente o contrário. Saiu e me deixou a sós com Murphy.
— Você parece nova. Quantos anos tem?
Não é da sua conta saco de pulgas. Pulei para o sofá, deitando-me ali pouco me importando com a minha falta de educação.
— Eu tenho a habilidade de ficar jovem novamente. Por várias e várias vezes. Digamos que eu tirei a sorte grande com Bell. Ele sempre tem comida, água e leite. Além de possuir uma casa incrível. Meus conhecimentos sobre tecnologia e atualidades aumentaram significantemente desde que fui adotado por ele.
Grande conto, cara. Mas eu não me importava.
— E você, Lexa? Qual é a sua história?
A minha história? Era longa, triste e cheia de pedaços ruins. Nada novo. Mas sempre assustador e doloroso. Pronto, quatrocentos anos resumido em trinta segundos.
— Adoraria escutá-la, já que você parece ter muito a dizer — seu sotaque pareceu ainda mais intenso e eu percebi que já estava cansada de tudo aquilo.
Fechei meus olhos e Murphy se colocou no sofá, ao meu lado. Talvez aquele gato não entendesse o conceito de espaço físico necessário, entretanto eu mostraria a ele. Com minha pata traseira, afastei-o de perto de mim. Tentando deixar bem claro que não estava interessada em proximidade, intimidade ou o que quer que fosse com ele e qualquer outro felino.
Talvez com Clarke. E isso já era horrível o bastante para que eu tornasse tudo ainda pior.
— Eu sou como você, Lexa. Somos incompreendidos. Sofremos por não conseguirmos nos comunicar, ser quem realmente somos ou queremos ser. Porém, eu sou mais velho. Posso te ajudar a passar por isso de maneira menos dolorosa.
Como? Eu havia vivido solitária por tanto tempo que nem era capaz de pensar em outro tipo de vida. Sempre pelas minhas próprias leis, acertos e erros que jamais pensara em encontrar alguém que tivesse o mesmo terrível destino que eu para entender o que estava acontecendo.
— Não fique com medo, querida. Talvez você não saiba se comunicar, apenas — Murphy pulou de volta para o chão, andando calmamente na direção da cozinha. — Venha.
E por mais que todos os meus sentidos pedissem para que eu continuasse no mesmo lugar, deixei o receio de lado e saí do meu conforto, acompanhando o seu longo rabo até o lado de fora, onde havia uma varanda com diversos móveis feitos de bambu, inclusive cadeiras com estofado de um azul bem claro, quase branco, que pareciam ser macias além da conta.
Ainda assim fiquei no mesmo lugar, enquanto meu companheiro felino pulou para uma das poltronas, deixando que a luz do sol aquecesse seu rosto, fechando os olhos por alguns momentos e demonstrando o prazer que aquilo lhe trazia.
Eu nunca fora uma criatura muito diurna. Conhecendo a violência da cidade, deixava para dormir durante o dia, estando alerta quando o sol se punha, evitando qualquer surpresa. Arkadia era perigosa demais e eu havia aprendido essa lição a duras penas.
— Não sei quanto a você, mas eu sou gato mais por opção própria do que por maldição. Tive oportunidades mais do que o suficiente para reverter minha situação, entretanto, prefiro a vida assim. Ando há quase mil anos sobre quatro patas e adoro a minha vida felina. Não preciso me preocupar com coisa alguma. — Murphy fez um movimento que se fosse humano, seria interpretado com um dar de ombros, e sua pequena boca se esgarçando num quase sorriso despreocupado. — Horários, alimentação, cuidados, carinhos. Nada. Não preciso me preocupar com nada. As transformações nunca deixam de ser estranhas, na verdade, dolorosas até. Mas eu não trocaria minha vida de gato por nada.
E eu? Eu trocaria?
O som de papéis sendo amassados veio da pequena construção no quintal e isso me levou a notar que desde que eu conhecera Clarke, essa pergunta ficava cada dia mais difícil de ser respondida.
Sentei-me no chão, da maneira mais confortável que pude, observando Murphy continuar sua narração.
— Há cerca de mil anos, eu mexi com as pessoas erradas. Eu era o tipo de jovem tolo e mimado, que achava que podia fazer o que quisesse e sairia ileso. Bem, eu não sabia no que estava me metendo e fui transformado, como punição por meus atos. As palavras que me trazem de volta à forma humana são simples demais para serem ditas em vão, e quando aconteceu da primeira vez, não me contive. Eu realmente acreditei que estava finalmente livre e que era para sempre. — Seu rabo se abanou suavemente e Murphy lambeu sua pata antes de prosseguir. — Uma hora. Foi o tempo de correr até meu antigo lar e ser chutado quando encontraram um gato sujo em seu hall de entrada. O tempo passou, vim para Arkadia, aprendi a depender apenas de mim mesmo e aproveitar cada vã oportunidade que me aparecia. Aprendi a me acostumar com meu modo felino de ser. Acredito que você fez o mesmo, não é? — seu olhar era intenso, porém doce, como se quisesse realmente me compreender. — Se habituou às suas limitações. Aprendeu novamente como viver, se alimentar e se esconder. Nós realmente nos habituamos a tudo nessa vida. Até mesmo a isso.
Assenti, sabendo o quanto Murphy estava certo. Eu havia me acostumado realmente a ser uma gata. De tal forma que às vezes nem conseguia me visualizar completamente como uma humana. E quando me via como uma mulher, não conseguia controlar meus membros, como acontecia quando era uma gata. A noite anterior com Clarke fora uma excelente prova disso.
— E o que houve com você? Mexeu com as pessoas erradas, Lexa?
Talvez. Quem sabe eu fora inocente demais, crédula demais.
Sem que eu permitisse, as imagens passaram pela minha mente, apressadas, como se todos aqueles anos passassem em um segundo apenas, me levando a ter certeza de que certas coisas eram realmente melhores quando ficavam no passado.
Abaixei a cabeça, soltando um som parecido com um murmurar, mas levantando-a assim que pensei que aquilo poderia parecer um gesto de fraqueza. Eu não era fraca. Ninguém que passava por tudo o que eu já havia enfrentado e continuava de pé, como eu, poderia se considerar fraca ou algo do gênero.
Murphy, ao contrário de mim, era uma pessoa realmente comunicativa e passou o que pareceu ser uma grande parte da tarde contando pedaços da sua vida. Alguns relatos eram realmente tediosos e outros completamente engraçados, como a sua viagem de navio para Arkadia, pouco depois da primeira colonização de Polis.
— Você gostaria de falar, não é? — disse Murphy quando notou que minha boca estava aberta, mas não saia um som sequer de dentro dela. — Eu irei te ajudar querida.
Estava pronta a dizer que não precisava de ajuda, mas ainda que não fosse capaz de proferir qualquer palavra, fui interrompida por Clarke que parou à porta da varanda.
— E como estão indo as coisas por aqui?
O seu tom lembrava uma mãe zelosa questionando as intenções do pretendente de sua filha.
Murphy começou a miar, realmente entrando em seu personagem felino e depois de encará-lo, avaliando-o, Clarke me encarou e isso foi o bastante para deixar que meu coração batesse forte, contra a minha vontade, obrigando-me a abaixar a cabeça para não revelar em meus olhos o quanto aquilo mexia comigo.
Além de morrer de medo de que ao olhar em meus olhos e notar o quão parecido eles eram com os da mulher que conhecera na noite anterior, Clarke finalmente se desse conta de quem eu realmente era.
— Fiz um jantar para vocês. Para ficarem mais íntimos e tudo o mais.
O quê? Clarke estava levando aquela palhaçada de cruzamento realmente à sério? E além de tudo estava nos propondo um encontro? Aquilo não era a porcaria de um encontro. Longe daquilo.
Muito longe. Eu até achara Murphy interessante, apreciara saber que haviam mais transformados na cidade, mas parava ali. Nada de cruzamento para esta gata.
— As damas na frente, querida.
Querida, o escambal!
Ainda assim, sob o olhar atento de Clarke, caminhei acompanhando Murphy para a cozinha, onde encontrei a cena mais adorável que eu já havia visto.
Clarke tinha preparado todo um aparato para jantarmos, com tigelinhas de água e ração azuladas e um pequeno pote com uma flor artificial, dando um ar romântico a tudo aquilo.
Encarei minha dona soltando um miado que poderia certamente ser considerado um riso e ela pareceu tão envergonhada pela minha reação, bem como a expressão atônita de Murphy, que foi até adorável.
— Desculpa, gente. Mas achei que um clima mais romântico ajudaria Lexa a fazer isso.
Sem dizer mais nada, ainda um tanto rosada de vergonha, a loira saiu da cozinha, deixando eu e meu companheiro felino supostamente à vontade, sem me dar qualquer chance de dizer o que eu realmente achava de toda aquela situação.
Eu apenas queria deixar claro que jamais cruzaria com Jonh Murphy, nem que ele fosse o último humano/felino da face da Terra. Com ou sem clima romântico.
Murphy devorava a sua comida com voracidade, como se na casa dele não tivesse aquela maravilhosa ração, e eu apenas o observava incomodada com toda a situação.
— Coma, querida. Gosto de minhas mulheres bem alimentadas. E você precisará de muita energia porque a minha força humana se reflete em minha forma felina quando estou cruzando.
Eca, Murphy. Que informação desnecessária, aliás você é totalmente desnecessário!
Tentei sair dali, mas a sua pata ficou em cima da minha enquanto seu rabo se enrolava no meu. Eu não queria cruzar, não queria me socializar. Será que estava tão difícil assim de me fazer entender?
O corpo felino de Murphy se prensou ao meu e tentei me afastar ou recuar, mas não consegui.
Um miado bem parecido com um rosnado escapou de minha garganta e Murphy roçou sua cabeça em minha garganta.
— Nós somos oque somos Lexa. Você é uma gata, nós gatos fazemos isso — disse ele. Mas eu fiz questão de arranhá-lo com minhas compridas unhas e Murphy se afastou apenas o suficiente para poder olhar em meus olhos com suas orbitas azuis e sinceras. — Não somos humanos mais, Lexa. Ainda que desejemos isso ardentemente, não somos mais do que isso: gatos. Devemos agir como tal.
Minhas orelhas caíram e quando estava pronta para me render, para ao menos tentar, algo dentro de mim lembrou-me da noite passada, quando eu estivera nos braços de minha dona, como uma humana. Aqueles sentimentos que deixavam minhas emoções mais profundas tomassem conta de minha mente.
— Eu quero te ajudar, Lexa. Deixe-me te mostrar como.
Gatos se deixavam levar pelos seus instintos. Sexo era um deles.
Ainda assim, não fui capaz de deixar Murphy prosseguir com o que quer que fosse. E antes que eu pudesse dar qualquer desculpa silenciosa, fui subitamente erguida por duas mãos fortes, que me trouxeram diante dos olhos azuis mais doces, e que estavam trazendo toda a confusão possível para a minha vida desde que eu os encarara pela primeira vez.
— Desculpe Murphy, mas acho que minha gata não está no clima hoje. Vamos deixar para outro dia, está bem garotão?
Murphy tinha os pelos eriçados, demonstrando que não estava nada feliz com a interrupção de Clarke, mas era inteligente o bastante para perceber que Clarke tinha ao menos o quádruplo do seu tamanho e investir contra ela numa briga seria em vão.
Aceitando sua derrota, voltou à ração comendo-a com gosto. Apesar do sabor do salmão ser realmente tentador, eu não sentia fome. A confusão dentro de mim era tamanha que tudo o que eu queria era fechar os olhos e rezar para que tudo acabasse.
— Você poderá ficar na caixa de Lexa, no meu quarto por essa noite — disse minha dona ao gato castanho, mas não recebeu sequer um olhar como resposta. Assim comigo firmemente segura em seus braços, subimos para seu quarto e ao estarmos longe o bastante de Murphy, minha dona sussurrou entre minhas orelhas: — Acho que ele não gostou muito da minha interrupção não é?
Não. Ele não havia gostado. Quanto a mim, eu ainda não sabia. Talvez tivesse realmente gostado de ser interrompida. Ou talvez não. E era essa confusão tão enorme que me deixava tão mal.
Eu achava que era realmente uma gata formada, até esperta para os padrões felinos. Achava que estava devidamente habituada ao meu estilo de vida felina. Mas o que eu realmente sabia da vida como uma gata? Eu estava há quatrocentos anos apenas sobrevivendo, utilizando-me de algumas características felinas para continuar viva, mas nada além disso. Eu nunca nem sequer passara pelo cio.
Eu estava num estado onde não era nem uma mulher, nem uma gata. Mas uma aberração entre as duas formas. Então, com a presença de Murphy e Clarke, algo dentro de mim se dividia, as duas formas indecisas, me deixando sem saber qual das duas eu deveria ser. Sem saber como qual delas deveria me portar.
Clarke sentou-se ao meu lado na cama, retirando o caderno e uma caneta colorida do portalápis começando a rabiscar qualquer coisa ali, levantando o olhar do desenho de tempos em tempos, como se quisesse se certificar de que eu estava ali e bem.
Isso era o que donos faziam. Preocupavam-se com seus animais, certo? Entretanto, a preocupação de Clarke fazia outra coisa comigo. Ela deixava meu lado humano, geralmente já bem frágil, ainda mais derretido. Eu deveria pensar em Clarke apenas como uma dona, não como uma humana pelo qual a parte mulher dentro de mim se sentia terrivelmente atraída.
Murphy não subira para o quarto ainda e eu observei a porta, perguntando-me se ele estava bem. Porque a minha parte felina desejava ser maior, desejava realmente aprender o que era ser uma gata, e Murphy é alguém que entendia verdadeiramente o que era ser quem eu era, e parecia ser o professor perfeito.
— Lexa, há algo que temos que conversar.
Bem, Clarke, você fala e eu escuto. É o máximo que podemos fazer em termos de conversação, já que eu não era capaz de responder mesmo.
— Eu... bem... — Clarke ajeitou o travesseiro, sentando-se eretamente na cama, deixando o seu bloco de lado para que pudesse me encarar e ter a conversa que parecia ser bem séria. — Eu achei que só teria essa conversa com uma filha, um dia... — minha dona coçou a cabeça, confusa, espalhando seus cabelos loiros e eu questionei seriamente a sanidade dela. — Às vezes, Lexa, os homens, ou machos no seu caso, têm... Necessidades. Eles precisam de algo que só você pode dar a eles. E só poderá dar esse algo se estiver realmente preparada.
Sério? Sério mesmo?
Minha dona estava realmente tendo "A conversa" comigo? Uma gata? Realmente deveria questionar a sanidade da minha dona? O nível de álcool que ela ingeria poderia estar fazendo pastel dos neurônios dela.
— Hoje você não estava preparada para Murphy, mas um dia você vai encontrar alguém para quem você estará e vocês terão vários filhotinhos juntos.
Quem mais era a favor de colocar Clarke num centro de reabilitação para alcoólatras?
Griffin puxou-me para ainda mais perto de si e mantive minha cabeça baixa, para que meus olhos não me denunciassem. Porém, seus dedos se moveram delicados pelo meu pescoço, obrigando-me a encará-la.
— Eu estou me apegando a você, Alexandria — disse brincando, inventando um nome para mim, que ao contrário do que deveria me vi apreciando. — Estou me apegando mais do que deveria. Eu só espero que esteja gostando de mim também.
Era este justamente o problema.
Eu gostava. Gostava de mais maneiras do que eu era capacitada a gostar.
Meu rabo se enrolou em sua mão, uma vez que era impossível explicar com palavras o meu afeto, e assisti um sorriso lindo e radiante se abrir em seus lábios. Clarke era linda demais. De uma maneira diferente e apaixonante. Como se toda a beleza que havia dentro dela se externasse e a tornasse ainda mais bela. Era impossível de resistir.
Niylah devia ser muito estúpida para deixá-la. Se fosse eu...
— Eu também te amo minha gatinha — sua risada adorável ecoou pelo quarto quando minha loira finalmente compreendeu o que o meu rabo enrolado em sua mão queria dizer. — É cedo para fazer declarações de amor assim, mas eu gosto mesmo de você. E aposto que você só gosta de mim porque é uma gata. Se fosse humana, certamente estaria longe.
Talvez. Quem poderia saber? Talvez fosse Clarke quem estivesse longe quando descobrisse quem eu realmente era. E quem poderia culpá-la?
— E se você fosse humana, Lexa? Você me deixaria?
Opa. Aquela foi por pouco. Era só uma suposição. Acalmem-se seus emocionados. Não foi dessa vez.
Clarke deixou o seu corpo deitar-se languidamente pelo colchão e me puxou contra si, deixando meu tronco por cima do seu, enquanto acariciava os pelos da minha cabeça, com os olhos fechados, deixando que o sono que a inundava me abatesse também. Assim como o calor do seu corpo tão humano que transmitia para o meu, tão felino.
Já estava certa de que ela havia dormido quando sua voz sonolenta soou novamente.
— Eu queria que você fosse humana, minha linda. Apenas para saber se me abandonaria.
Meu corpo enrijeceu ao ouvir as palavras.
De novo, não.
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