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História Meraki - Sun and Moon


Escrita por: Rhay-forward5h

Capítulo 3 - Sun and Moon


Fanfic / Fanfiction Meraki - Sun and Moon

Lauren

Os dias que se seguiram foram complicados, devido ao fracasso de Ally em relação ao trabalho no Liberty House. Como esperado, o senhor Roberts escutou a mim, a garota e até o Steve que se dispôs a ajudar, - pediu que a jovem o substituísse naquela sexta-feira, proposta feita por mim também - mas nada fez o homem mudar de ideia, nem mesmo as lágrimas da loira baixinha quando se deu por vencida.

Sua frustação fazia o humor do nosso grupo ficar cinzento, até Keana resolveu ser mais gentil diante do sofrimento da amiga. Normani e eu tentamos animá-la, sem sucesso. Senti-me impotente, e a conversa sobre minha sexualidade continuava a ser adiada.

- Hoje ela está ainda mais triste. Nunca pensei que veria a baixinha tão desolada. – Observou Mani, enquanto nos dirigíamos ao Student Union Café, localizado no segundo andar do edifício Gilligan bem à frente ao Karnoutsos Hall, o local de alimentação no campus com o público mais variado. 

Havia chegado o grande dia da exposição.

- Mais uma prova de como Allyson Brooke desperta sentimentos esquisitos em mim. Eu estou sendo complacente com sua dor, se fosse qualquer outra eu diria para deixar de ser tão dramática. – Constatei em voz alta.

- Será que você está apaixonada pela baixinha? – Diante da pergunta mais descabida que eu já ouvi Normani Kordei proferir, minha reação foi gargalhar até sentir dor no estômago e bochechas, algumas pessoas me observavam, o que não me importava.

- Por que isso é tão engraçado?

- Normani, é sério mesmo? Não. A resposta é absolutamente um NÃO. O que sinto em relação a ela é algo que faz lembrar minha irmã, e conheço bem esse sentimento já que Taylor desperta isso em mim desde que nasceu.

- Tudo bem! Esquece o que falei. Essa lógica se encaixa melhor do que interesse romântico. – Mani reavaliou o comentário e fez uma careta engraçada.

- Gostosas da minha vida. – Keana se aproximava despreocupadamente. – O que tanto fofocam? Posso saber?

- Normani está divagando e eu me divertindo com isso. – Respondi à menina de cabelos castanho claro que jogou seu braço em volta do meu pescoço ao aproximar-se. – Ela acha que eu possa ter interesses românticos pela Ally.

- Argh! – A expressão de nojo que Keana fez era algo cômico. – Está se drogando, Kordei? É obvio que não. Sinto que é até pecado pensar nessa possibilidade.

- Estava viajando, esquece. E desde quando você é especialista se tratando de amor? – Revidou a garota negra.

- Sei mais do que imagina. Tenho olhos e uma ótima percepção do que se desenlaça diante de mim. Quem quiser me enganar, terá que ser um jogador mais sagaz do que eu.

- UI! - Normani e eu falamos em coral.

- Aquela baixinha quase me estapeia. – Keana mudou de assunto bruscamente. – Tentei convencê-la a sair daquele estúdio e vir almoçar, mas sem sucesso.

- Também tentamos, mas a Ally ficou muito decepcionada por não conseguir ir à exposição, e ainda saber que a amiga desenhista vai ter essa chance e não está nem se importando.

- Eu acho que você está passando muito tempo com essa desalmada da Issartel, Mani. Eu não tenho culpa de nada. – Defendi-me.

- Eu sei disso, mas a vida é bem maluca, já que você tem em mãos algo que nunca quis, então é compreensível Ally se exasperar. Mas quem somos nós para confrontar o destino e o que ela nos reserva.

 

 

Não teria como eu assistir todas as aulas do dia, então corri para o dormitório, deixei os materiais e peguei a bolsa que eu uso quando vou trabalhar. Além de trocar o moletom por um sobretudo preto e calçar um par de botas com saltos baixos.

Olhei para o relógio mais uma vez, 04:45pm. Eu preciso estar no Liberty no máximo até às 05:30pm, sendo que o trajeto até lá durava em média 45 minutos. Preciso correr!

No momento em que abri a porta do dormitório, Ally estava parada com a mão erguida como se estivesse prestes a segurar a maçaneta. Sua expressão passou de espanto para acusação.

- Ainda está aqui?

- Estou saindo agora, precisei passar aqui primeiro. – Não sei o motivo que me levou a parar para explicações já que estava atrasada. – Então... até mais!

- Lauren?

-Sim? - Parei mais uma vez a porta e me virei para olhá-la.

- Se por acaso tiver a oportunidade de trocar algumas palavras com a senhorita Cabello, diz a ela que você tem uma amiga que se inspira muito na forma de arte que ela produz.

- Não precisava nem ter pedido. – Dei uma piscadela e fechei a porta, correndo rumo ao meu destino, o mais rápido que aquelas botas permitissem.

 

 

- Que bom que chegou. O Roberts perguntou por você. – Steve já estava uniformizado, seu cabelo loiro como sempre muito bem penteado, a postura ereta e o sorriso gentil nos lábios. O rapaz alto e magro de vinte e dois anos me ajudou na adaptação desde o meu primeiro dia. Era bolsista na New York University, cursava direito, e precisava se manter por contra própria.

- Cheguei o mais rápido que pude. Já estão todos aqui? – Perguntei olhando a minha volta. O lugar sempre possuía um ar sofisticado, mas hoje em especial estava extremamente luxuoso.

- Quase. É melhor você ir se trocar, já que a reunião com o pessoal logo começará. – Assenti e sorri em agradecimento, indo em direção ao vestiário.

O senhor Roberts estava mais chato do que de costume, com todas aquelas exigências e avisos. Ele avaliou nossas roupas, cabelo, maquiagem, postura. Aquilo já estava ficando estranho. Sabíamos o que fazer, tudo já tinha sido repassado pelo menos cinco vezes, além disso, não tinha mistério em equilibrar uma bandeja com bebidas ou aperitivos e caminhar calmamente entre os convidados.

- Não envergonhem o Liberty House Restaurant & Events, nessa noite tão especial. Conto com a colaboração de todos, e preparem-se que a partir das 08:00pm os convidados devem começar a chegar.

Passava um pouco da 07:30pm. Pude ver que meus colegas estavam tensos, e cansados. Corri os olhos pelo local à procura de Steve, encontrando-o perto da escada que dava acesso ao segundo andar onde aconteceria a exposição. Por enquanto estávamos proibidos de subir.

- Animado?

- Já estou torcendo para que as horas passem bem rápido. – Respondeu Steve com seus olhos cinzentos brilhando em diversão.

- Não me parece que está tão preocupado.

- Sou bom em disfarces. – Sorrimos com o comentário no mesmo instante em que um burburinho começou na porta de entrada. Muitos flashes estavam sendo disparados, mesmo distante pisquei rapidamente para dissipar os pontinhos luminosos causados pelas fortes luzes.

Era ela. Camila Cabello.

Maravilhosa! Era a única palavra que passava em minha mente, como se fosse uma máquina enguiçada. As fotos não faziam jus à beleza daquela mulher com traços latinos marcantes. Estava difícil de raciocinar.

Maravilhosa.

Por um instante achei que meu cérebro não estava sendo oxigenado, pois era a única explicação para meu estado de completa idiota, de olhos vidrados e boca aberta.

- Hey? Lauren? – Escutei uma voz distante, demorei a associar. Steve. Olhei para seu rosto que me retribuía com uma expressão intrigada. Voltei rapidamente minha atenção à entrada.

Não me passou pela cabeça se a mulher já se encontrava no Liberty, até vê-la entrar de maneira imponente, caminhando a passos firmes de encontro com o senhor Roberts – que pensei que iria desmaiar diante da fotógrafa –, uma mulher muito bonita e que exibia curvas generosas a acompanhava, e juntos seguiram para os fundos do restaurante.

Sempre dizia que estava para nascer uma mulher que me fizesse perder a compostura, não importava o nível de beleza em que já fui exposta, meu orgulho e o poder que possuía no jogo da sedução, bastava para manter erguida minha postura soberba.

E agora isso...

"Recomponha-se Lauren Michelle Jauregui Morgado! A-GO-RA." Ultimei-me em pensamento.

- Você se impressionou mesmo, hein? – Era Steve mais uma vez. Tratei de inspirar e expirar profundamente antes de responder.

- Só achei que tudo aconteceu muito rápido. Além disso, pensar em como deve ser gratificante ter todo esse reconhecimento fazendo algo que ama. – Inventei uma resposta rápida para esquivar-me dos meus reais pensamentos, mas não que isso fosse mentira, pois é exatamente o que penso.

- Um dia, será você ali. – Steve apontava para o lugar em que instantes atrás a mulher entrou. Olhei em seus olhos e vi verdade em suas palavras. Sorri amplamente e o abracei, agradecida.

Não demorou muito até que o senhor Roberts adentrasse novamente o hall do restaurante pedindo para nos posicionarmos no andar de cima. Ele passou a passos largos por nós e liderou-nos na subida.

- A senhorita Cabello está sendo recepcionada pelo senhor e senhora Cretella, no momento. Sua entrada será às 08:45pm, até lá distraiam os convidados com a nossa maravilhosa culinária. Estarei aqui o tempo todo os supervisionando. – Anunciou o gerente. Não me espantei com a presença dos proprietários do Liberty House, já que a anfitriã do evento é alguém importante.

Desde que meus olhos pousaram no salão a minha frente, sensações diversas tomaram conta de mim. Todo o segundo andar possui portas e janelas que se estendem do teto ao chão, o que nos presenteia com uma vista magnifica de Manhattan no horizonte.

O design com vigas de madeira expostas no teto, que agora possuía leves tecidos na cor branca, postos de maneira a formar uma espécie de tenda sobre nós; o piso de madeira reluzia com a iluminação nova que mudava de intensidade em pontos estratégicos do salão, com isso as fotografias e esculturas espalhadas pelo local ganhavam todo o destaque. Além das paredes móveis que serviam como suportes para as fotografias, e insinuavam um labirinto repartido, se pudéssemos ter uma visão do alto.

As esculturas eram um espetáculo a parte. Uma estrutura magnífica que remetia ao hall de uma mansão de luxo foi posto no canto direito do salão. Tratava-se de uma replica idêntica de escadas duplas que levavam direto a um corredor espaçado que fora pregado a parede, onde algumas de suas esculturas estavam expostas. Até me causou dúvida se realmente aquelas escadas não estiveram ali o tempo todo, passando despercebidas por mim. Não, é algo se encaixava com os outros itens de decoração, causando uma dinâmica interessante se tratando de uma exposição.

E por último, mas não menos importante, a escultura de um metro e meio que estava centrada sobre um pedestal de vidro, um pouco a frente das portas que levavam ao terraço. Aquilo me intrigava desde que vi em uma imagem na internet. Tratava-se de um torso sem predefinição a nenhum gênero, possuía os braços esticados, mas no lugar da mão direita havia um sol, e na esquerda uma lua. Era encantador e misterioso, belo ao olhar e nebuloso para se analisar.

- Senhorita Jauregui? – O tom ríspido me despertou e diante de mim com as mãos para trás e olhar severo estava o senhor Roberts. – Você está aqui para servir os convidados e não apreciar as belas obras de artes expostas. Estamos entendidos?

- Sim, senhor. Desculpe-me. – Falei tentando soar simpática, mas tendo consciência de que meus olhos eram como espadas afiadas prestes a perfurar o homem à frente.

Concentrar-me em servir estava sendo uma tarefa árdua, já que a minha atenção era constantemente arrebatada por alguma das obras a minha volta. Meu interesse estava mais obvio do que de muitos ali, que só queriam se gabar de estarem presentes em um evento tão importante.

- Lauren, é melhor você aterrissar, porque o senhor Roberts está a observando com cara de poucos amigos. – Dessa vez tinha sido Sarah a me precaver. – E, olha só quem resolveu dar o ar da graça. – Seu tom foi debochado e os olhos transmitiam claramente inveja.

E lá vamos nós de novo. Camila Cabello adentrou o salão banhada por uma luz de algum holofote, sendo recebida por uma exorbitante onda de aplausos. E minha mente? Bem, enguiçada novamente. Estaquei no lugar, pois não conseguia ter o controle dos meus músculos, também.

Dessa vez eu estava mais próxima da latina, e pude observar com mais atenção. Seu corpo, abraçado por um vestido branco que se entendia até acima dos joelhos, a impressão era que se tratava de um tomara que caia, a não ser pelas rendas que cobria os braços e busto da morena; nos pés delicadas sandálias rosa claro; brincos de brilhante combinando com os anéis; seus cabelos castanhos ondulados estavam penteados totalmente para o lado esquerdo.

Um anjo sobre a Terra.

Desde o momento em que a fotógrafa apareceu, estava constantemente rodeada pelos convidados. A atenção de cerca de 90% dos presentes ali se voltaram a ela, esquecendo que eram as fotografias e esculturas que estavam expostas, e não a artista.

Com o aglomerado pude me esquivar sempre que surgia alguma aproximação minha com Camila Cabello. Não sei explicar o motivo de querer me manter longe da mesma, sendo que o pedido de Ally sobre cumprimentar e falar da minha amiga previ que iria por água a baixo se eu continuasse com essas estranhas atitudes. E, além disso, o professor Anthony estava presente como Allyson tinha informado, mas quem eu não esperava ver, portanto, ali estava, era minha professora de desenho e pintura, Lucy Vives. Sendo esses dois últimos também alvos do meu jogo de esconde-esconde.

Eram muitas coisas ao mesmo tempo em que dependiam de minha atenção: as obras de arte; fazer meu trabalho de forma eficiente para evitar os olhares do gerente; além de ter em mira os três supracitados, no intuito de me manter oculta. Eu estava tendo sucesso, até o momento em que servi os últimos petiscos que estavam na bandeja, e meus olhos foram presos como ímã em uma fotografia divina.

A natureza como um todo era o foco da fotógrafa, a maior parte das fotografias retratavam algo referente à natureza, até mesmo as pessoas foram clicadas no seu natural (livres de maquiagem, penteados e roupas extravagantes) e em momentos de total descontração. Era como se o mais simples e para muitos desinteressante, se tornassem acentuados depois que ela capturasse aquilo quase invisível para a maioria da população. Camila Cabello sabe como ressaltar o simples, dar valor ao incompreendido, emocionar através do que é singelo. Seu talento é algo único, sua alma e coração eram sobrepostos antes de cada trabalho.

Diante de mim estava uma fotografia de um senhor sentado à beira de um rio, com sua vara de pescar. No horizonte acontecia o encontre entre o rio e o céu límpido, tudo exalava tranquilidade, o senhor de perfil com seus olhos fechados, o verde da grama e das árvores, o colorido das flores, a calmaria das águas, a brisa que perpassava causando leves arrepios. Inspirei profundamente, observar aquela foto me fez ser tele transportada para o exato momento em que tinha sido clicada. Era uma sensação absurda, mas que me envolvia de uma forma sobrenatural.

- Aprovada? – Eu me sobressaltei com o susto, minha sorte foi a bandeja estar vazia, e sem nem perceber meus braços a enlaçavam como em um abraço. A voz doce e levemente rouca no final da sentença me fez olhar para o lado, e ali estava Camila Cabello, me observando contemplar seu trabalho. Instantaneamente corei – algo que não acontece com frequência -, minha voz ficou presa na garganta e meu coração estava descompassado no peito. Não esperava que alguém pudesse me flagrar ali, já que naquele lugar a aglomeração era quase inexistente, além de a parede móvel ter sido posicionada de uma maneira que dificultava ter uma boa visão.

Seus olhos castanhos me encaravam de maneira curiosa, com as sobrancelhas erguidas em sinal de espera por uma resposta minha. Um sorriso discreto se formou em seus lábios carnudos, então ela enlaçou as mãos à frente do corpo e olhou para a fotografia.

- Essa, como em quase todas as outras foram tiradas ao acaso. Gosto mais assim. Fazer uma pose pode tirar todo o encanto do momento, eu prefiro manter...

- Sinceridade e pureza. – Eu a interrompi inconscientemente, as palavras saíram antes que eu conseguisse refreá-las. Os olhos da fotógrafa voltaram a me fitar semicerrados, agora seu sorriso se ampliou.

- Exatamente. Não acharia palavras melhores para tal descrição. Você...

- Mila? Precisam de você por um instante. – Mais uma vez a fotógrafa foi interrompida. Agora foi pela mulher de curvas generosas que a acompanhava antes, esta me avaliou de cima a baixo sorrindo para mim. Retribui, mas com menos entusiasmo pela interrupção da "conversa".

- Oh sim. Desculpe-me, mas o trabalho me chama. Espero que tenhamos outra oportunidade para continuar nossa conversa. – Ainda sorrindo amavelmente a latina afastou-se com a amiga, e eu só consegui acenar com a cabeça em resposta, e observar seu gingado ao andar. Era impossível não olhar.

Durante o restante da noite, passei a observar a fotógrafa com mais atenção. Algo não se encaixava no conjunto da obra, sim, ela poderia facilmente ter sido esculpida por anjos, mas eu não conseguia distinguir o que era. Sua postura, sorrisos, fala, tudo irradiava amabilidade, mas então o que tanto me incomodava ao olhá-la?

Continuei evitando nossos encontros, mas novamente fui pega por mais um dos meus alvos. A professora Vives. Quando seus olhos me encontraram, ela foi diretamente ao meu encontro.

- Senhorita Jauregui! Não esperava encontrá-la aqui. – A professora sorria animadamente. Era uma mulher jovem, muito bonita, extremamente talentosa e competente em seu trabalho. Suas aulas eram minhas preferidas, a didática é dinâmica e reflexiva.

- Olá professora. Não é exatamente como eu gostaria de ter vindo. – Falei apontando a bandeja e uniforme. – O professor Anthony eu entendo, mas a senhorita aqui também me surpreende.

- Não são necessárias tantas formalidades, não estamos em aula. Chame-me de Lucy. E, não importa a situação o importante é estar aqui – Respondeu abrindo levemente os braços para indicar o ambiente. – Eu, assim como você, sou apreciadora de todas as formas de arte, como já comentei em aula, mas eu só tive a honra de estar aqui porque conheço a estrela da noite. Camila e eu fizemos pós-graduação juntas na NJCU.

- Oh, nunca imaginaria. – falei com sinceridade. A professora continuava a sorrir.

- Não irei te atrapalhar mais. Vemo-nos depois?! – Despediu-se e se foi.

- Importante você, Jauregui. Muitos amiguinhos poderosos, hein?! – A voz debochada de Sarah me fez revirar os olhos.

- Cada um com seus devidos semelhantes, não é mesmo? – Sem esperar resposta segui meu caminho.

 

Camila

Pessoas são intempestivas em diversos momentos, e lidar com características pouco corteses requer tempo para aprendizado. A vida é uma eterna escola, portanto o estoque de máscaras deve estar sempre em expansão. Revelar nossa essência é o mesmo que erguer uma bandeira com os dizeres: Sou fraco (a)! Podem servir-se.

Meu disfarce preferido é o da gentileza. Serve como um escudo contra perguntas indiscretas; porque um sorriso, uma palavra amável, um gesto educado, não desperta curiosidades, significa que você é feliz e completo, ponto final. Não existem suspeitas, nem fofoca, pode surgir inveja, mas é uma consequência medíocre em comparação a invasão de privacidade.

Ter reconhecimento por algo que fazemos por amor, é fascinante até certo ponto. Lidar com criticas positivas ou negativas é aceitável, mas o oportunismo e futilidade daqueles com condições sociais favoráveis traz esgotamento, pois o sentido da arte se perde, deixa de ser apreciado devidamente.

O sentimento que me atinge na maioria das minhas exposições é a melancolia, horas e horas sendo bajulada e minha arte sendo objeto de preponderância. Meu objetivo nunca foi saciar o ego de pessoas poderosas, e muitas foram às vezes em que conjecturei cessar todo esse "espetáculo" e me dedicar a quem realmente sabe valorizar a beleza da arte, mas minha melhor amiga e empresária, Dinah Jane, me convence de que tenho sorte em unir o "útil ao agradável", já que posso ganhar dinheiro fazendo o que amo. Parcialmente ela está certa, pois o dinheiro é necessário, mas o senso de desvalorização continua a perturbar minha alma de artista.

Essa noite começou como outra qualquer, só me animava o fato de que o professor David Anthony, uma das minhas maiores inspirações estaria presente, além de uma colega da época da faculdade, Lucy Vives, que tem um dom admirável. Mas eis que surge uma cena que prende minha atenção: uma garota segurando uma bandeja, com uniforme padronizado indicando que trabalha no Liberty House. Sua devoção em observar cada detalhe da fotografia exposta em um canto afastado do centro do salão, fez minhas pernas se moverem sem meu consentimento, quando dei por mim estava do lado da garota.

A necessidade de ter minha câmera em mãos nunca foi tão desesperadora, pois eu precisava registrar aquele momento. Os lindos olhos verdes cintilavam e estavam levemente desfocados, indicando o quão absorta estava diante do que observava, seu corpo estava relaxado e a expressão em seu rosto era de puro deslumbramento.

Fascinante!

Não queria interromper sua contemplação, mas precisava ouvir o que aquela jovem que tanto se assemelhava a uma boneca de porcelana, tinha a dizer.

- Aprovada? – Senti-me culpada pelo susto, mas fingi não ter notado seu sobressalto. Agora que ela me encarava com aqueles olhos reluzentes a vontade de fotografá-la aumentou exponencialmente. A beleza que estava diante de mim era celestial. Sua falta de reação não me surpreendeu, já estava acostumada a isso, não pude deixar de sorrir e instiga-la a expor o que sentia, então resolvi prosseguir.

- Essa, como em quase todas as outras foram tiradas ao acaso. Gosto mais assim. Fazer uma pose pode tirar todo o encanto do momento, eu prefiro manter...

- Sinceridade e pureza. – Interrompeu-me a garota. Seu tom de voz me atingiu como uma bela melodia.

- Exatamente. Não acharia palavras melhores para tal descrição. Você...

- Mila? Precisam de você por um instante. – Ouvi a voz grave de Dinah. Ao se aproximar, notei que sorria econtemplava a bela jovem a minha frente.

- Oh sim. Desculpe-me, mas o trabalho me chama. Espero que tenhamos outra oportunidade para continuar nossa conversa. – Relutante despedi-me da bela de olhos verdes que permanecia aturdida. A sensação de que seus olhos estavam cravados em minhas costas causou-me certo acanhamento.

- Uau! Quem é aquela deusa esculpida pelos anjos? – Dinah me perguntou desejosa.

- Sua descrição foi bem sucinta, DJ. – Ri diante do seu entusiasmo. – E, não sei quem é a não ser pelo óbvio. Você me interrompeu quando estava prestes a perguntar.

- Aquele tempo todo lá e você ficou fazendo o quê? Admirando a beleza da moça?

- Isso também – Dinah ergueu a sobrancelhas sugestivamente. – Jamais, senhorita. Deixo inteiramente para você – Rebati sua provocação descabida. – O que eu desejei naquele momento era ter minha câmera em mãos, o conjunto beleza e admiração legítima da mesma pela arte, despertou meu lado...

- Gay?!

- Dinah! – Repreendi minha amiga. – Estou falando sério! Ela tem a alma de um artista, pude ver isso em seus olhos. E isso é algo me empolga e emociona. Preciso fotografá-la.

- Okay. Estava só importunando você, mas caso queira podemos providenciar.
 

Fiquei presa a alguns renomados empresários por algum tempo, mas minha atenção sempre se voltava à garota que deslizava pelo salão servindo os convidados. Ela continuava a admirar as fotografias e esculturas que estavam em seu caminho. Seu percurso tinha acabado de ser interrompido por Lucy, o que me causou um discreto riso de escárnio.

- Senhores, preciso roubar minha amiga por um momento. – Dinah me arrastava quase que literalmente para um local afastado de bisbilhoteiros.

- O que foi? – Perguntei sem entender seu comportamento.

- Viu quem está atacando sua modelo? – Dinah indicou levemente com a cabeça na direção de Lucy e a garçonete.

- Modelo? - Sorri diante de tal denominação. – Elas estão conversando, qual o problema?

- Você conhece a Lucy. Viu uma mulher bonita, já sai esbanjando charme. Ela é uma predadora. – Disse Dinah sem tirar os olhos das duas mulheres. – Disfarça que sua amiga pegadora está vindo para cá.

Não proferi em voz alta, mas a única que estava encarando a cena era DJ, então continuei a observar minha amiga, esperando a aproximação de Lucy sem despertar mais obviedades.

- Como estão as senhoritas? – Lucy, como sempre, a animação em pessoa.

- Estamos bem! Mas me parece que você está melhor. – Dinah indicou a garota, fazendo Lucy girar para identificar o que a mulher mais alta apontava.

- Lauren? – Então esse era seu nome, pensei involuntariamente. Lucy sorriu divertida. – Não é nada disso que está passando por sua mente pervertida Dinah, apesar dela ser maravilhosa, mas não, ela é minha aluna na NJCU, posso dizer que nunca dei aula para uma pessoa tão empenhada e apaixonada pela arte, como ela é.

- Ela é estudante de arte? – Perguntei já que minha curiosidade aguçada.

- Sim. É uma exímia desenhista. – Sua fala indicou altivez devido ao talento equivalente da jovem estudante.

Então ela tem noção de sua paixão, felicidade inundou-me com a possibilidade de nascer uma artista genuína, que há tempos não tínhamos o prazer de reverenciar.

[...]

O restante da noite se arrastou, mas enfim o último convidado tinha deixado o salão. Fim do espetáculo. Cansaço me consumia, pois supervisionar toda a preparação pessoalmente e depois lidar com todas aquelas pessoas era demasiado trabalhoso. Precisava tirar esses saltos, mesmo que confortáveis existia limites para me equilibrar em cima dos mesmos por tanto tempo.

Fui em direção às escadas que levavam ao andar inferior, precisava dos meus pertences que estavam em um cômodo reservado. Sentei na poltrona em frente à Dinah, que mantinha os olhos presos na tela do celular.

- Você está um caco. Devemos ir, não acha? – Preocupou-se Dinah. Sem abrir os olhos, acenei positivamente, podia sentir que a graciosa mulher a minha frente me observava.

- Me dê só alguns minutos para meus pés pararem de pulsar, que eu vou checar como estão às coisas lá em cima, aí podemos ir.

- Sim, senhora, chefinha.

Os responsáveis pelo buffet ainda organizavam o espaço, no intuito de previnir qualquer incidente a equipe que amanhã desmontará os aparatos da exposição. Estavam visivelmente exaustos, com razão. Olhavam-me disfarçadamente quando passavam por mim, com o tempo esse "dom" de percepção foi sendo desenvolvido, como todos os outros.

Lá estava ela, novamente admirando uma das minhas obras, agora a escultura Sol e Lua. Aproximei-me casualmente, a garota estava mais uma vez de perfil do meu ponto de vista.

Olá! – Cumprimentei mantendo a voz nivelada pela calmaria do local, mas o que eu não esperava era novamente o sobressalto da bela jovem, que diferente de antes tinha várias taças postas sobre a bandeja de prata reluzente, sendo o resultado, cristais espalhados em diversas direções.

O barulho repentino fez todos olharem assustados em nossa direção. Tentando dissipar a apreensão que surgiu em todos, sorri e pedi que não se preocupassem, foi somente um descuido ocasional em que eu fui a responsável.

-  Peço mil desculpas, senhorita Cabello. Não é de praxe isso acontecer, posso te assegurar. E você, Jauregui... vá buscar algo para limpar essa bagunça que você fez. Depois conversaremos. – O gerente, senhor Roberts, estava com o rosto púrpuro enquanto falava de forma brusca com sua funcionária.

- Senhor Roberts! – Fui categórica ao pronunciar seu nome, pois seus olhos faiscavam na direção da garota. – Não foi nada demais. Tranquilize-se! A culpa foi inteiramente minha, abordei sua funcionária de maneira descuidada, já que a mesma mantinha-se em estado de concentração absoluto.

- Não a necessidade de acobertá-la senhorita. Tomaremos as devidas providências, nossos serviços são de alta qualidade.

- O senhor está insinuando que estou mentindo?

- O quê? Não! Não foi isso que eu quis dizer, me desculpe. Só estava tent...

- Já basta, senhor Roberts! Foi apenas um incidente, e nada mais, certo? – O homem me olhava com os olhos saltados, por um instante sua voz pareceu ter desaparecido.

- Si-sim, senhorita. Desculpe-me mais uma vez. – Acenando freneticamente com a cabeça virou-se para sair, mas antes seu olhar cravou na garota que continuava parada observando a cena com uma expressão engraçada – Jauregui! Limpe isso.

- Pode deixar comigo, Laur. – Um rapaz loiro e alto, que também estava uniformizado aproximou-se com os utensílios necessários para a limpeza do chão.

- Obrigada, Steve! Mas, não é necessário. Eu posso fazer isso. – A garota de olhos verdes agradeceu de maneira educada, observando o rapaz com simpatia.

- Não é incomodo algum, deixa comigo. – Ele sorriu, seus olhos acinzentados brilhavam em direção à colega, que retribuiu o gesto com um sorriso deslumbrante.

- Acho que devo desculpas a você. Não queria tê-la assustado. – Falei recebendo a atenção da jovem.

- Não há porque se desculpar, senhorita. Fui desastrada, às vezes sou assim. Eu que agradeço por tentar acalmar o senhor Roberts.

Quebrei a conexão dos nossos olhares e foquei na escultura que agora estava diante de mim. Percebi que a atenção da moça voltando-se também a escultura, então girei a cabeça para olhá-la mais uma vez de perfil.

- É um paradoxo para mim. Atrai-me, mas continua sendo enigmático. – Sua voz era profunda e contida, agora seus olhos me observavam questionadores.

- É algo que surgiu após momentos de reflexão, devido a um importante desabafo da minha amiga, Dinah. – Falei sem revelar a essência da conversa. 

Lauren Jauregui... Então esse é o seu nome. Uma vontade súbita de pronunciá-lo em voz altaapoderou-se de mim. Desviei mais uma vez o olhar, para apagar aquele pensamentoilógico.

O rapaz que estava limpando o chão terminou o serviço, e com um breve aceno se afastou. Só ela podia me escutar, porque não falar o significado com algumas brechas indefinidas?

- Eu nunca falei o significado publicamente, somente Dinah e minha tia sabem. O mistério em torno do seu significado, e as possibilidades levantadas por muitos a tornam mais atraente. – Eu tinha sua total atenção.

- Retrata sua opinião a respeito de algum tema de grande relevância. É isso? – A sagacidade de Lauren me fez sorrir.

- Sim, é isso. – Olhando para a escultura resolvi externar partes importantes, que a fariam refletir e quem sabe associar seu significado – Como você pode observar o torso não difere se é uma pessoa do sexo masculino ou feminino, é apenas o contorno preenchido de parte um ser humano. Os dois astros (sol e lua) que usei para representar as mãos, significa distinção. O assunto da nossa conversa especulava o porquê da sociedade em querer dividir e nomear tudo a sua volta, de possuir o foco limitado. Isso acontece quando falamos da noite e do dia. Se pedirmos para alguém desenhar uma família durante um piquenique em uma tarde qualquer, automaticamente o sol será acrescentado ao desenho, o mesmo acontece com a lua caso peçam para desenhar amigos reunidos em uma fogueira na praia. A associação direta que aprendemos a seguir desde crianças delimita nossa mente. Certas coisas não se misturam; outras devem ficar juntas; é assim que deve ser, são frases que ouvimos com frequência. Mas porque ninguém tem a coragem de desenhar aquela lua opaca que ainda habita o céu em algumas ocasiões, mesmo quando o sol está no seu auge? Padrões podem e devem ser quebrados. O problema é que não é sempre que o livre arbítrio vigora. Porque definir uma linha reta e seguir cegamente por ela, se podemos escolher uma segunda opção ou fazer uma curva quando conveniente? Porque é tão complicado aceitar que a lua e o sol PODEM habitar um mesmo espaço, no mesmo momento, e continuar tendo a mesma importância? – Terminei minha divagação com os braços levemente erguidos como o da escultura, representando o que acabei de explicar, voltando a abaixá-los rapidamente.

Lauren respirou profundamente e sorriu abertamente para mim, seus olhos me mostravam entendimento.

- Porque a senhorita me contou isso, se anteriormente avisou que nunca falou o que significa? – A voz de Lauren estava baixa e rouca.

- Eu apenas fiz uma síntese, deixei por sua conta chegar a um entendimento, se estará correto ou não, nunca saberei. Mas... talvez seja pela maneira genuína que a senhorita abraça a arte, me fez confiar-te tal segredo.

- Mas você não me conhece. – Constatou Lauren, confusa.

- Não conheço, mas sinto posso confiar em você. Algo novo em minha vida se quer saber. – Falei a última parte mais pra mim do que para a garota. 


Notas Finais


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