1. Spirit Fanfics >
  2. Meu errado professor >
  3. Aceitar, não reclamar e evoluir

História Meu errado professor - Aceitar, não reclamar e evoluir


Escrita por: Fiona57

Notas do Autor


HOUJE É DIA DE POSTAGEM!

Queridos, estou demasiadamente feliz por vê-los comentando e favoritando, sintam-se bem-vindos!!
Tô muito empolgada com esse capítulo e, gostaria de dizer que atualmente (no meu computador e no de Blonder) a fanfic está tãaaao no futuro aishahsahs vocês não fazem ideia de como as coisas vão evoluir - para melhor e para pior, preparem-se.

Divirtam-se :*

Capítulo 6 - Aceitar, não reclamar e evoluir


Fanfic / Fanfiction Meu errado professor - Aceitar, não reclamar e evoluir

O mês de setembro estava se arrastando, assim como eu. O final do verão havia sido diferente do que esperava, e acreditem, estava sentindo saudade dos dias quentes e grudentos. Considere a lenda que circula por aí, sobre a Academia Sombra da Folha ser naturalmente gelada, então dê a ela um breve começo de Outono, e ela lhe mostrará todo o seu ardor gélido.

Atravessei a rampa quase me jogando nela para descer rolando, tamanho o meu desgaste físico e mental. Minha mochila pesava nos ombros mais do que o habitual, me fazendo pensar que Ino estava se escondendo dentro dela só para não ter de andar também.

Às vezes não entendia a razão dessa Academia ser tão grande, deus, por quê?!

— Psiu! — antes que eu sequer ignorasse o sussurro, uma mão se apossou do meu pulso e me arrastou para dentro de uma das salas vazias — Sakura! Até que fim encontrei você.

— O que quer Kiba? — puxei minha mão de volta ao corpo. Esse idiota vai me fazer perder tempo, sinto isso.

— O que aconteceu com você? Mandei mensagens de textos e me ignorou. — Kiba estava bonitão em seu suéter preto. Pelo menos o frio era benevolente com alguns de nós.

— Tinha aula de literatura — refutei — queria que eu fugisse da aula?!

— Sim! — olhou-me como se eu estivesse ficando maluca, e comecei a achar que estava certo — Sakura, claro que sim. Consegui ingressos pro concerto daquela banda de rock, da outra Cidade, a banda que você disse que estava apaixonada! Mas agora trocou por aulas de literatura?! — Kiba se afastou, colando a bunda numa das carteiras vazias e cruzando os braços.

É, espero dar uma desculpa muito boa, caso contrário colocaria tudo a perder. E, caso você se pergunte “tudo o que? ”, eu vos respondo: todo o teatrinho que aceitei participar semanas atrás, com o professor Hatake. Depois de repensar no assunto, acabei tendo uma epifania e descobri que não podia reprovar no terceiro ano, porque não suportaria um dia a mais aqui sem querer me jogar do último andar. Portanto, acordei em participar das aulas, não desgraçando mais minha frequência e dando uma chance aos trabalhos de casa.

Só faltava um detalhe nisso tudo: fazer meus amigos perceberem a mesma coisa que eu.

— Esqueci da banda. Foi mal.

Kiba continuou me analisando de cima a baixo. Esse filho da puta era esperto o bastante para sacar que havia algo de errado. Enganar Ino era simples, enganar Sai era divertido, enganar Temari era exaustivo, mas enganar Kiba, era quase impossível.

— Tá, deixa pra lá — fechou o semblante, fazendo uma cara que eu detestava colocar nos meus amigos — fui com Sai, e levamos umas garotas. Mas amanhã tem aquele lance.

Aquele lance. Calma Sakura, tente se lembrar. Aquele lance? Que diabos era esse lance? Ai caralho, no que eu estava me tornando?! Eu só conseguia me lembrar de que amanhã tínhamos uma excursão com as turmas de formandos, e nada mais! Do que esse idiota estava falando?!

— Sakura — me chamou, decepcionado — amanhã nós combinamos de visitar a casa de campo do Shikamaru.

Ah! Isso mesmo, droga. Marcamos de dar um perdido na excursão à Universidade para conhecer a casa de campo da família Nara, que provavelmente não tem nada demais além de um freezer com muita cerveja. Entretanto, ainda sim mais atraente do que passar horas escutando palestras sobre os cursos que a reitoria tinha a nos oferecer. Pensando bem, tô precisando encher a cara.

— Sim, claro — assenti com a cabeça — eu sei. Pode deixar. Amanhã, casa do Shikamaru — maneei a mão como se anotasse no ar o lembrete, e dei meu melhor sorriso de “confia em mim”.

Kiba ainda ficou me encarando por alguns segundos.

— Vejo você amanhã, então. — essa sou eu, sendo meiga e dissimulada.

— Sakura — Kiba não moveu um centímetro, petrificado em sua pose observadora.

— Sim?! — sem coragem para olhá-lo, segurei as alças da mochila parando rente à porta.

— Eu fiz uma coisa ruim.

O arrepio começou dos dedos dos pés e subiu eriçando os pelos do meu corpo, premeditando que fosse algo realmente ruim, uma vez que Kiba não parasse para conversar com esse tom tão sério. Obstante de piadinhas, o olhei por cima do ombro, e encontrei um Kiba desmascarado. Não enxerguei seu familiar sorriso brincalhão e nem espaço para perguntas desnecessárias. Era só o Kiba e sua cara de “estou fodido”.

Na mesma hora, centenas de hipóteses saltaram em minha mente e eu joguei o cansaço físico pro espaço, porque cada uma das hipóteses eram tão terríveis quanto a anterior.

— O que aconteceu? — soltei a mochila e me virei para ele, sem pressa. O silêncio da sala vazia também contribuía para me deixar ainda mais nervosa. O quadro negro fazia o plano de fundo melancólico a um Kiba circunspeto, de um jeito que eu não via com frequência. Talvez tenha o visto assim dois anos atrás, quando seu primo faleceu num acidente de carro.

— Ainda não contei pra ninguém — engoliu a seco, movimentando seus lábios numa linha reta — E não quero que saibam.

Subliminarmente Kiba pedia o meu silêncio, que atrelado a confiança que tínhamos nessa amizade, seria concedido.

Dei mais um passo ficando à altura de seus olhos e tentada a lê-lo, pois Kiba se demorava a falar sempre que o assunto não era sobre esportes ou cachaça.

— Eu engravidei uma garota.

Seus olhos fincaram nos meus, castanhos e aflitos, num súbito momento de confessionário, ele abaixou a cabeça olhando para seus próprios pés. Kiba estava se sentindo culpado.

Não pude controlar o impulso de arfar, tampando a boca com a mão, contendo um som pior. Essa era uma frase que não esperava escutar em, pelo menos, mais quatro anos. Fiquei quase um minuo estática, lidando com aquilo do jeito que consegui: surtando internamente. E lá estava, tremendo as mãos e imaginando minha barriga crescer por nove meses.

Fechei os olhos e balancei a cabeça. Era terrível demais para se imaginar.

— Kiba, como? Meu deus! Como isso…? Não pode ser! — neguei, tocando em meu corpo, como se pudesse me proteger de uma gravidez apenas com golpes de karatê. Queria que fosse assim.

— Aconteceu — disse, detestando suas palavras em gestos de negação —não sei o que fazer.

Quis chorar em desespero. No lugar da garota, estaria trancada há semanas no quarto, tentando não roer até as unhas do pé. Na verdade, considerando meu quadro psicológico e emocional, precisaria de acompanhamento médico.

A quem quero enganar?! Minha mãe já teria me matado e empalhado meu corpo, o colocando no hall de entrada.

— Diz alguma coisa! — Kiba me sacudiu.

— Caralho, eu não sei! Puta que o pariu, Kiba! — eclodi em nervos, olhando suas pupilas dilatadas — Quem é a garota?

Naquele intervalo em que ele hesitava em responder, levei minhas unhas a seu braço e o belisquei com vontade, transpassando o tecido do suéter e alcançando sua pele.

— Ai!! — recuou trincando os dentes — Calma! Foi a Pakura, foi com a Pakura!

E a merda só aumentava de tamanho. Pakura tinha dezoito anos, estudava na nossa turma, morava no lado mais periférico da Cidade, matriculada na Academia através de uma bolsa, e cheia de sonhos. Tá, eu tinha mais do que motivos para jogar uma dessas carteiras pesadas na cabeça de Kiba. Ou pior, circuncidar esse pinto dele. Por favor, alguém me segura que vou assassinar meu melhor amigo!

— Droga Kiba! Droga! — revirei os olhos, com uma raiva que não cabia em mim — Não acredito nisso, caralho, que merda! O que você fez?

— Eu não fiz nada sozinho! — se defendeu, logo depois se erguendo e indo para trás da carteira. Minha cara de ódio não escondia o que queria fazer a ele.

— Você é um idiota!

— E você devia estar me ajudando!

Respirei fundo, contei até cinco e fechei os olhos. Matar Kiba e deixar uma criança sem pai não seria sensato.

Pensando bem, arrancar o prepúcio desse irresponsável com um compasso não o mataria, mas iria doer o suficiente.

— Já fizeram o teste? — tentando recuperar a calmaria, eu me afastei e comecei a andar de um lado ao outro da sala.

— De farmácia — apoiou os braços, agora atrás das carteiras, numa posição que pudesse se defender dos meus surtos de raiva — deu positivo, duas vezes. E a menstruação dela tá atrasada pra cacete.

Parecia que quanto mais abria a boca, mais os deuses me davam forças nos braços para esmurrar a cara dele.

— Não consigo nem imaginar a cabeça de Pakura agora. Você nem pense em fugir disso! — apontei em sua direção, e até saliva espirrou da minha boca.

— Vai se ferrar Sakura, esse não é o caso — ciciou — só precisava contar isso pra alguém, porque eu estou ficando maluco! — gritou a última frase, perpetuando sua voz pelo eco da sala.

Kiba tencionou os ombros e depois pendeu a cabeça, perdido. Seu semblante deprimente me deixava ainda mais trêmula, e o hálito de cerveja a essa hora da manhã começava a fazer mais sentido.

— Você contou isso pra sua mãe? — Kiba arqueou as sobrancelhas, e neste ângulo ele pareceu dez vezes mais sombrio do que geralmente é.

A mãe de Kiba era uma religiosa dona de casas de chá. Seus estabelecimentos iam desde a área mais nobre, até os cantos remotos de Yachiyo. Eu quase não a conhecia, porque a verdade era que Kiba tinha vergonha da mãe, e de todo o seu jeito retrógrado.

Poucas foram as vezes em que a vi sorrir, pois na maioria das vezes — em reuniões escolares — ela vinha com as mãos entrelaçadas na frente do corpo, o cabelo penteado num coque baixo e roupas cumpridas, como saias até os tornozelos e blusas de mangas longas.

Porém, era nítida a sua feição de “eu sei que meu filho é um diabo”.

— Não. Eu não vou poder contar isso pra minha mãe, nunca.

— Acha que ela não vai achar estranho uma criancinha te chamando de pai?! — retruquei.

— Ela não vai saber porque não vai acontecer. — soltou um prolongado suspiro.

Franzi o cenho. Kiba estava pra lá de maluco. Maneei a cabeça e só depois que percebi o quão no fundo do poço ele se apresentou, é que eu arfei pela segunda vez, mais alto e mais nervosa. Abri bem os olhos e enxerguei os detalhes tristonhos no rosto do meu amigo, como suas olheiras aprofundadas e pequenos cortes do cachimbo de vidro que ele insistia em usar.

— Kiba — sussurrei, quase inaudível.

— Pakura decidiu isso Sakura, e não sei o que fazer — meu amigo se inquietou, completamente perturbado — não posso impedir, mas também não posso fingir que não acho uma boa ideia.

Assumir aquilo era como cortar a própria mão para Kiba. De imediato, o rosto feminino e sempre sereno de sua mãe surgiu na minha mente. Seria o maior abismo entre os dois. E o relacionamento já não era dos melhores.

Imaginar Kiba contando a sua mãe rígida e religiosa que está pensando em interromper uma gestação, é terrível demais até para mim.

— Quanto tempo?

— Três semanas.

Ao que sabia, isso era favorável para o processo de aborto correr de maneira simples e mais saudável. O embrião era minúsculo e temporariamente menos dependente do corpo da mulher.

— Me diz o que eu faço, pelo amor de deus — Kiba não citava “deus” nem figura divina alguma. Costumava ser um cara cético e que prezava pela grandiosidade do universo como um feito em prol de nós, humanos. E nada mais a ser exaltado.

Envolto em desespero e pânico, ele uniu as duas mãos, implorando, mas o gesto era metaforicamente mais do que simplesmente pedir ajuda. Ele estava se encontrando no exato ponto da adolescência em que descobrimos que não sabemos nada, e que o que achávamos ser nosso porto seguro, é, na verdade, outra ilusão.

Depois daquela manhã, acrescentei coisas na minha cabeça que não sairiam mais, como por exemplo, comprar das camisinhas mais caras que existissem e monitorar meu anticoncepcional como nunca antes. Mas também aprendi algo valioso sobre a amizade: quanto mais estendemos a mão para um amigo, mais as forças que regem seu destino se quebrantam, e o positivismo volta a você. Sem saber, estava a passos de me esbarrar num terrível-feliz acaso.

(***)

 

Pilotar costumava melhorar meus ânimos.

Acelerei a moto e pelo marcador vi que alcançava os oitenta quilômetros por hora, quase ultrapassando o limite de velocidade na Avenida; mas felizmente tinha algo a meu favor: estou atrasada.

O ônibus sairia em alguns minutos, e seria péssimo perder essa porcaria de excursão, uma vez que já levantei e me arrumei. Aliás, Maya não estará em casa também, e ficar sozinha não era uma boa opção.

Com a proposta de fugir da excursão para rumar à casa de Shikamaru, acelerei ainda mais.

Ganhei o formato frontal da Academia e toda sua arquitetura deslocada do restante da cidade, e lá estava os dois grandes ônibus amarelos, dispostos a carregarem cem alunos até o outro lado de Yachiyo.

Estacionei a moto na entrada, numa vaga específica para motocicletas, e depois destravei o capacete, erguendo primeiro o visor e reparando na fila de presença feita pelos professores em frente ao primeiro ônibus. Quanta palhaçada.

— E aí, senhorita, pronta para mais um momento de patriarcado onde tentarão nos enfiar em cursos com menor porcentagem de admissão masculina?!

Ergui meus olhos até Temari. Não é que a safada conseguia ficar ainda mais fashionista no outono?! Sua calça jeans boyfriend perfeitamente casando com uma camiseta branca e um sobretudo colorido por cima, seus cabelos divididos em coques disformes e os lábios molhados pelo café, que em seguida me ofereceu.

Tirei o capacete e o apoiei na perna.

— Valeu — dei um gole rápido, quente e forte — só se você me garantir que seremos as verdadeiras decepções a nossa cultura de esposa-troféu. — repliquei, salientando minhas sobrancelhas e arrancando um sorriso de Temari — os outros já chegaram?

— Ino e Sai já estão no ônibus, provavelmente chupando um ao outro — revirou os olhos e eu concordei — Shikamaru já está nos esperando lá na casa dele, e Kiba ainda não apareceu.

Comprimi os lábios, conflitada. Passei a madrugada inteira no celular com Kiba discutindo o assunto, e chegamos a uma conclusão aparentemente inconsequente, porém, é a mais adequada. Ele traria Pakura aqui em casa.

Tentei convencê-lo sobre falar do assunto com a mãe dele, mas foi sem sucesso. Não me surpreenderia se ele faltasse hoje, desanimado até para beber.

— Então somos só nós duas — saí da moto, a colocando no descanso e armando a trava de segurança. Passei o cordão da chave pelo pescoço e trouxe o capacete comigo. Temari abraçou meu braço livre e me senti estranhamente em paz.

— Nós duas contra a misoginia do mundo — ironizou, ganhando espaço entre as filas de adolescentes.

— Exatamente. Xerecas no poder! — gritei despretensiosa, ouvindo umas risadinhas travessas.

— Olha, eu tô é muito feliz que não vamos no mesmo ônibus que a senhora Kurenai. — gesticulou para o ônibus de trás, onde a dama de ferro faltava mandar os alunos ficarem pelados para fazer a inspeção.

— Por outro lado — resmunguei, porque no começo da fila estava o notável professor de História, segurando uma prancheta e discutindo com o coordenador adjunto.

Kakashi me pareceu estar bastante estressado pra falar a verdade, apertava um lábio no outro e dava atenção aos papéis, provavelmente tentando não dar com a prancheta na cara enrugada do seu superior. Ao lado dele, o professor de matemática piscava aos alunos e fazia piadinhas.

— Não acredito que o professor Mangetsu vai ser nosso guia também. — Temari ficou vermelha nas bochechas, interiormente detestando aquilo tudo — Ele é um pervertido.

Em outras palavras: paixão platônica detectada.

Embora jamais pudesse mencionar isso em voz alta, ou então Temari arrancaria minha cabeça. Era definitivamente contra seus ideais admitir uma paixãozinha pelo professor.

 — Relaxa, ao menos ele do que o Hatake — ciciei, entrando na fila que ia se afunilando conforme os alunos entravam no ônibus.

Vislumbrei as cabeças de gado que metodicamente se apertavam para o ônibus, e de repente notei os olhos agressivos da senhora Kurenai vagar sobre mim. Era impressão minha ou essa maluca estava me encarando?! Sei que minhas notas em biologia não são as melhores, mas precisa me olhar como se fosse furar os pneus do meu ônibus?!

— Difícil escolher o pior, de um lado o professor galinha e do outro o torturador da ditadura — Temari suspirou, puxando sua carteira de identidade do bolso conforme nos aproximávamos da entrada — acho que vou me arriscar no ônibus da megera.

Fiz o mesmo, mas ainda intrigada pelas olhadas indiscretas da professora de cabelos pretos e roupas sociais.

— Nem fodendo que entro num ônibus com essa mulher — ralhei, passando minha identidade ao coordenador e escutando Temari rir, movendo sua bunda enquanto subia os degraus.

— Menos cinco pontos, Haruno — Kakashi falou ao meu lado esquerdo, concentrado em sua prancheta.

Indignada, bati os pés e abri o braço, querendo explicações. Já estava toda na merda em história, perder ponto era pior do que andar pelada pela escola.

— Palavrões não são admitidos — explicou desinteressado na minha carranca, e então olhou mais adiante, literalmente cagando para o meu ódio mortal — Próximo!

Entrei no ônibus cuspindo marimbondos, abelhas, mariposas, tudo. Achei Temari me sinalizando na parte do meio do corredor.

Eram muitos lugares, e nossa turma ficou justamente no segundo andar dessa lataria gigante. Dividindo com ninguém mais ninguém menos do que a turma de manés, a 3002.

Tropecei enquanto rumava até Temari, e risadas femininas vieram como resposta.

— Olha por onde anda, drogada — Karin Uzumaki lixava suas garras,  com os pés para fora da cadeira.

— É melhor tirar esse pé da minha frente, porque na próxima vez eu vou arrancar ele e enfiar no seu c… — parei ao ver que Temari praticamente me comia com os olhos.

O ônibus fez o famigerado barulho das portas se fechando, e, por fim, notei uma presença mais alta atrás de mim. Apoiado sobre um dos bancos, o professor Hozuki sorria sarcástico, mexendo em seu escorrido e cumprido cabelo platinado, e, de pé como um poste, o professor Hatake me olhava bravo, com os braços cruzados e cara de quem vai matar todo mundo dentro desse ônibus.

Ai, porra, mal começou e eu já quero ir embora.

— Sentada — ordenou, pausadamente.

Cacei meu caminho negligenciando os deboches das piranhas, que admiravam o professor Kakashi como se ele não fosse o satanás na terra.

Me joguei ao lado de Temari, e ela pensava o mesmo que eu.

— Música? — indicou-me o fone de ouvido vago.

Aceitei e coloquei o trocinho na orelha, enquanto assistia irritada o professor Hatake tagarelar as instruções da viagem mecanicamente, e o senhor Hozuki atrapalhá-lo com piadinhas infantis vez ou outra. Inferno que se chama, né?!

Eu não consegui pregar os olhos dentro do ônibus.

Prédios, casas e praças iam correndo pela janela, às vezes mais lentos, às vezes mais rápidos. Temari cochilou, babou no meu ombro, bateu a cabeça na janela, acordou, foi ao banheiro. Aconteceu de tudo naquele corredor: Kakashi insistindo para que permanecessem sentados, Mangetsu puxando músicas bregas, uns sussurros dos veteranos planejando trocar saliva mais tarde, gente dividindo garrafa de refrigerante, fracotes indo ao banheiro de minuto em minuto.  

Aconteceram duas horas de viagem, e eu me sentia congelada na primeira posição, sendo sugada para dentro da minha cabeça inquieta e tendo sonhos acordada, sonhos que posso chamar de pesadelo. Como, por exemplo, eu chegando em casa com um barrigão e tendo de contar pra minha mãe que estava grávida.

Fui sacudida por Temari e levei um susto dos grandes, o pesadelo estava bem real. Passei a mão na barriga por segurança.

— Tá passando mal? — olhou meu gesto estranho.

— Não, tô bem — suspirei aliviada. Essa história do Kiba estava me deixando maluca.

— Chegamos. Pronta para bancar a garotinha interessada em seu futuro?!

— Sempre.

Temari e eu retornamos da mesma forma, em fila indiana. Pulei o último degrau do ônibus sentindo minhas pernas formigarem pela dormência, e depois fui violentada pelo frio perceptível daqui de fora. Coloquei minhas mãos no bolso da jaqueta jeans verde e me encolhi.

— Cara, que merda — olhei meus colegas de classe se abrumarem com cachecóis e casacos — parece que estamos no inverno.

— Não acha engraçado como todos os prédios da franquia Sombra da Folha são frios?! — os olhos invasivos de Temari apareceram na minha frente, insinuando coisas enquanto movia as sobrancelhas — meio sobrenatural, não?! Como se nos contasse segredos.

— Acho que você precisa parar de assistir “O Mundo Sombrio de Sabrina” — afastei sua cara da minha frente, e ela reclamou da minha mão gelada.

— Certo, todos aqui?! — Iruka, o nosso coordenador adjunto se apresentou, sorrindo como de costume — Fico feliz que tenhamos chegado bem.

— Nem todos! — algum mané gritou, ganhando risadas por fazer menção ao mané número dois, que vomitou boa parte da viagem.

— Certo — Iruka repreendeu as risadas com um abano da mão — desde já peço que obedeçam às regras! — olhei de soslaio para Temari, que fez o mesmo — Não saiam de perto de seus professores e de maneira alguma removam seus crachás!

— Perdi meu crachá, professor. — uma menina da turma 3004 ergueu a mão.

Percebi uma unânime reação dos professores, revirando os olhos. Parece que lidar com panacas era estressante para eles também.

— Vamos dar um jeito nisso — o coordenador massageou a própria testa.

Peguei o pedacinho plastificado do bolso e coloquei o cordão no pescoço, me voltando a Temari.

— E aí, como eu fico com o nome da minha mãe?

Ela estreitou os olhos, balançando a cabeça.

— Parece uma réplica da dona Tsunade, de vinte anos atrás — debochou.

— Não precisa pegar tão pesado — sussurrei.

— As turmas 3001, 3002, 3003 estarão com os professores Kakashi Hatake e Mangetsu Hozuki; qualquer mínima questão, se reportem a eles. — Iruka seguia com as instruções.

— Nem fodendo — Temari disse num fio de voz.

— As turmas 3004, 3005, 3006 e 3007 estarão comigo, com a professora Kurenai Yuhi e o professor Kakuzo. — Iruka espremeu os olhos antes de terminar, sorrindo mais do que o habitual — Desejo um bom passeio, e aproveitem a Universidade, porque teoricamente ela já é de vocês.

Depois do momento motivacional barato, formamos mais filas e então nos dividimos.

O ônibus havia nos deixado no gigantesco campus da Universidade, que servia para estacionamento e devia ter o dobro do tamanho do estacionamento da Academia — se não mais. Logo de cara, a fachada seguia o mesmo padrão que o diretor e reitor egocêntrico preferia, arquitetura clássica Ocidental, com altas colunas detalhadas no que parecia ser mármore e concreto, e um telhado colossal com pinturas mui minuciosas de cenas de batalhas e tudo mais. O que posso dizer?! É bem a cara do senhor Namikaze e de toda a sua fortuna.

— Aonde iremos primeiro, professor? — a mocinha dedicada da turma 3003 perguntou, com lápis e bloco de notas na mão.

Hozuki seguia à frente do grupo, enquanto Kakashi vinha atrás. Se correr o bicho pega e se voltar o leão come, literalmente.

— Primeiros iremos conhecer a metodologia de ensino da Universidade, senhorita Lee — Hozuki respondeu com a única feição que tinha em vida, serenidade — depois participaremos de uma seleção de palestras. Cada um estará livre para escolher no máximo duas palestras para assistir.

— Mas são mais de cem cursos oferecidos pela Universidade! — a nerd colocou a mão na testa, realmente conflitada. Nossa, queria que meus problemas fossem como os dela.

— Você pode marcar uma nova visita, senhorita Lee.

— Não preciso nem olhar para os lados, o auditório de Direito me aguarda — a dona Cabelos de Menstruação respondeu à pergunta de zero pessoas, seguindo sua escolha lógica considerando o majestoso escritório de seus pais no centro da cidade — mas, acho que posso dar uma passada em História — olhou de esguelha para o sisudo professor Hatake, e deus, como eu queria vomitar.

Kakashi, arrogante como só ele sabia ser, subiu alguns dos degraus da enorme escadaria em U e olhou para o grupo como se fôssemos insetos.

— Se pensa em seguir História, é melhor começar pelo seu boletim vermelho, senhorita Uzumaki — nem dando tempo de acharmos hilária a cara de decepção da ruivinha, senhor Hatake prosseguiu — Conhecem as regras. Qualquer engraçadinho perderá automaticamente dez pontos comigo e com o professor Hozuki, e também perde a carona pra casa.

Uh, que cara malvado. História e matemática, duas matérias que eu não podia nem respirar perto que já perdia ponto. É, hoje ia ser foda.

Sendo guiados pelas maravilhosas bundas dos professores platinados, subimos a escadaria e entramos na Universidade.

Minha primeira observação é a respeito dos universitários em si, que mesmo estando apenas um passo de distância de nós, agiam como se já fossem graduados. Faça-me um favor, queridos universitários, tomem no cu de vocês! Menosprezar estudantes do ensino médio era como cuspir no prato que comeu.

Envolta num mar de informação, tanto pela decoração requintada da Universidade — que parecia mais um castelo de conto de fadas — quanto pela movimentação de alunos e funcionários, cheguei até o largo balcão da recepção, onde algumas secretárias atendiam telefonemas.

Hum, que conveniente, todas bonitas, magras e peitudas. Nada padronizado. Que surpresa!

— Bom dia, somos da Academia Sombra da Folha em Yachiyo. —

Mangetsu se apresentou para uma das balconistas, que faltava babar pelo homem — Estamos numa excursão e temos horário marcado no salão ecumênico.

— O que significa: salão ecumênico? — um garoto sussurrou atrás de mim.

— É para onde levam alunos repetentes — o palpite veio do grupinho da Uzumaki.

— Significa um espaço parcial, onde todo tipo de cerimônia e reunião pode acontecer — Temari respondeu.

Sei que foi instinto dela, afinal minha amiga é muito afiada para ensinamentos, mas acabou dando brecha para chamar atenção desnecessária.

— Pelo visto, você não é só peitos — um dos babacas do time de futebol soltou a farpa para ela.

Lentamente, vi o pulmão de Temari se encher, e seus dedos apertarem mais os meus. Antes que tomasse uma atitude que fosse se arrepender — com certeza iria se arrepender — uma mão grande fez o intermédio.

— E pelo visto, alguns ainda não entenderam a ordem a respeito da decência — a voz do professor Hatake veio baixa, como uma ameaça muito bem disfarçada — andando. — ciciou para o moleque.

É, o dia ia ser um grande saco de adubo.

 

Horas mais tarde, após o “impressionante” discurso do diretor Namikaze, fomos direcionados a escolhermos palestras.

Segurando o prospecto, vi que são mesmo muitos cursos, nossa, não tem como optar por um. Tinha curso que eu nem ouvira falar, e os mais procurados com vagas limitadas. Num súbito segundo, a sós com a caneta e minha consciência, eu tentei marcar um X onde se lia Medicina.

— E aí Sakura, já escolheu? — o professor Mangetsu surgiu detrás, me deixando sobressaltada.

Encolhi os ombros, esquivando meu papelzinho de seus olhos fofoqueiros.

— Ainda não.

— Em dúvida? Talvez eu possa te ajudar. — se disponibilizou, colocando as mãos no quadril e ressaltando o lilás de sua camisa social.

O professor Mangetsu era jovem, estranhamente parecido com seu irmão mais novo, também matriculado na Academia. Inclusive, meu antigo parceiro de sexo oral.

Confusa pela semelhança dos dois e com o estômago já enjoado por supor coisas que não deveria supor, dei passos atrás.

— Já escolhi! Obrigada! — rasurei o papel e devolvi a balconista.

— Ai que ódio! — segui o doce e grosseiro som da voz de Temari, fugindo do professor de matemática — Acredita que a palestra de Publicidade e Propaganda já está cheia?!

Maneei a cabeça como se tudo o que estivesse pensando se resumisse em Publicidade e Propaganda. Longe de mim ter pensando em Suigetsu e sua língua perigosa. Não, não, não. Sem essa de cair em tentações Sakura, já decidimos que para ele não voltaremos simplesmente porque você precisa de um tempo sozinha!

— É um curso muito procurado — apertei os lábios e me compadeci da minha amiga — Você viu para onde Sai e Ino foram?

Estiquei o pescoço querendo achar os pombinhos depravados. Tudo o que soube dos dois foi no ônibus, ouvindo o nome deles ser rigorosamente chamados pelo professor Kakashi, dali em diante preferi fingir que não os conhecia. Não tinha nada mais cafona do que ficar se lambendo em passeio escolar.

— Ino já está na palestra de Jornalismo, e acho que Sai está com uns amigos do time de futebol — a loira moveu os lábios, pensativa — Sakura, quero uma opinião sua, mas tem que ser sincera.

— Claro — franzi o cenho.

Repentina, Temari me arrastou para um canto, afastado do aglomerado de estudantes da Academia, e depois que se viu suficientemente superior a minha altura — claro que não fez de propósito, mas fiquei bem encolhida e constrangida — ela me olhou como se fosse perguntar o verdadeiro propósito da humanidade no planeta Terra.

— Acha que se eu fizesse Moda, seria muito criticada?

Expirei aliviada. Ultimamente meus amigos estão gostando desse lance de me deixarem assustada. Por segundos, Temari ficou ali, cara-a-cara, esperando que eu reagisse.

Apesar de sua fortaleza de convicções, sei que minha amiga é insegura quanto a sua carreira, justamente por se ver numa contradição.

— Temari, por que está perguntando isso?! Você adora moda. Isso não vai diminuir quem você é.

Hesitante, apertou o papel ainda não marcado nos dedos, e desviou os olhos dos meus, tímida.

— É que, isso não é meio… fútil?! — soergueu a sobrancelha loira-pálida. — Tsc, se é isso que pensa sobre a Moda, então é melhor mesmo nem entrar — refutei — é o que você gosta, que sabe fazer; e é uma das maiores armas para sustentar sua ideologia. Olhe para as referências que você tem, amiga!

Mal acreditava que estava falando tão seriamente sobre esse assunto, mas se ela precisava ouvir, então usaria de toda a precária intelectualidade que havia em mim para apoiá-la. Se a pauta fosse Teletubbies, e isso importasse para Temari, então eu debateria da mesma maneira.

— Pare de ser preconceituosa com você mesma, e vá assistir sua palestra — puxei o prospecto de sua mão e marquei um X enorme em Moda.

— Droga, sua tampinha abusada. — sorriu meia boca, me olhando com carinho — Valeu. Tenho que ir amiga, estou atrasada! — olhou em seu relógio retrô e deu um beijo na minha cabeça, disparando em seguida.

Temari simplesmente vazou entre a multidão, e diante dos meus olhos o número diminuiu até que somente eu e alguns universitários desocupados ficassem pelo saguão. Não marquei nada, e nem tive tempo de repensar ou argumentar o assunto. Só, andei entre as colunas gloriosas da Universidade repreendendo alguém dentro de mim que me chamava de burra e procrastinadora.

Perambulando entre uma discussão particular e outra, acabei me deparando com uma cena bem da curiosa.

O professor Kakashi estava abaixado, tentando enxergar por uma frecha, estritamente preocupado e dividindo espaço com Mangetsu.

Tossi, firmando minha presença.

Os dois se sobressaltaram, dando passos atrás e endireitando as camisas como se não tivessem sido pegos no flagra.

— Você não deveria estar numa palestra, Haruno? — Kakashi franziu o cenho, e eu juro por deus que aquilo em seu rosto se chamava embaraço.

Desarmei sua postura sem nenhum esforço?! A-há! Ponto pra mim.

— Acabou mais cedo — inventei, tentando ver o que eles tanto procuravam.

— Isso explica muita coisa — Mangetsu disse lançando olhadas demoradas ao professor de História. Deixando-me intrigada, fiz questão de permanecer os encarando.

— O que disse?  — perguntei porque estava se tornando meio pessoal.

— Nada — Kakashi interrompeu Mangetsu, que já abria a boca — Senhorita Haruno, pode me acompanhar por um minuto?

A discrepância entre o Kakashi professor e o Kakashi dentro do Acervo era enorme.

Assenti com a cabeça e me afastei alguns passos, enquanto o professor de matemática era deixado de lado, e voltava a ser um energúmeno tentando olhar através da frecha da porta.

Num canto discreto, Kakashi tomou distância de mim e olhou nervoso para o corredor, se certificando de que não havia ninguém.

— Onde estão seus amigos?

Tá. Ficou muito mais estranho do que quando estava olhando pela frecha da porta.

— Como? — franzi o cenho.

— Seus amigos, Kiba, Ino, Temari — adiantou, apressado e nervoso — onde eles estão? — tentei negar e dizer que não fazia a porra da mínima ideia, até ele intervir — Anda logo Haruno, não minta pra mim, me diz onde eles estão.

— Você enlouqueceu?! — o olhei consternada — Não sei! Não faço ideia! Você é o professor, você quem devia saber.

Ainda mais irritado, Kakashi suspirou, alargando a gravata.

— Eu já sei de tudo! Eu achei as garrafas de bebida no fundo do ônibus, e li os bilhetes. Onde vocês estão planejando se encontrar?

Opa, opa. Bebida? Bilhete?! Que porra era aquela?

— Do que você tá falando? Não trouxemos nada Hatake. Seja lá o que você encontrou, não é nosso.

Decerto que faríamos merda, mas quem ele pensa que somos? Trazer bebida para um passeio?! Não era assim que fazíamos. Somos mais espertos que isso.

— Pensei que tivéssemos um acordo — não convencido, Kakashi se inclinou ficando centímetros de mim, transpirando raiva, mas lutando para se conter — Isso anula o acordo!

— Eu não quebrei o acordo! Não trouxemos nada! Estou falando a verdade.

Por segundos, ele ficou me encarando, e não recuei.

Firmei meus pés e faltei deixá-lo louco pela confiança que apliquei. Só parei de arquear minhas sobrancelhas bem-feitas na sua direção quando abriu os braços e coçou a nuca, se sentindo perdido.

— Tá, se não foi você, então quem foi? — voltou a me olhar diferente, ainda exigindo respostas, mas sem aquela reprovação escrachada. Isso significava que eu tinha vencido?! Pois a sensação é maravilhosa.

— Como eu vou saber?!

— Vocês que burlam as regras são muito parecidos, devem ter algum grupinho ou código entre vocês. — gesticulou com seu dedos cumprido na minha direção, fazendo círculos imaginários entre nós dois.

Oh, que idiota.

— Sinto muito decepcionar seu ótimo — ressaltei o ótimo encrespando os lábios — investigador que você é, mas não andamos todos juntos.

Kakashi ficava mais desesperado a medida que eu me tornava inútil a sua busca pelos alunos que supostamente estão armando um bote nessa excursão.

Apertou a ponta do nariz, a outra mão no quadril e uma cômica postura de pânico. Não esperava isso dele.

— Você pode me ajudar, pelo menos? — pediu num fio de voz, certamente enfrentando sua arrogância como se tivesse que andar descalço por cima de pregos — Me dizer quem são os que geralmente fazem… essas… coisas estúpidas — abanou a mão no ar e esperou.

Não devo satisfações a Kakashi, principalmente se não estivesse relacionado ao meu grupo de amigos — cujos únicos que eu tivesse interesse em ajudar, por baixo dos panos, a se livrarem da reprovação. Portanto, passei os primeiros momentos torcendo o rosto àquela ladainha toda.

Suspirei em desistência. O cara estava muito desesperado, e tenho coração.

— O que você sabe? — perguntei e vi seus olhos se reanimarem. — Um tal de “Ryo” está convidando as meninas para uma “fugida dessa porcaria sem graça” — recitou o bilhete amassado que estava em seu bolso, lendo com uma precaução em cada palavra — Alguma ideia de quem seja “Ryo”?

— Já procurou na lista de chamada?

— Acha que não foi a primeira coisa que fizemos?! — refutou, ácido como limão. Eu estava vendo a cara de ofendido de Kakashi tantas vezes que comecei a me acostumar com ela — Isso é algum apelido, pensa direito.

Ok. Respirei fundo e me desvencilhei da altura de Kakashi, pensei a respeito dos nomes que eu conhecia filtrando as turmas que aqui estavam. Tinha o Ryan, amigo do Kiba, o Rycco que é primo em segundo grau do Sai e que usava meias de polaina. Não, nenhum Ryo.

A não ser que... hum, acho que descobri.

— Não é um garoto que vocês estão procurando — puxei o bilhete da mão de Kakashi e procurei pelo apelido citado — É Ryn. — corrigi mostrando a plausível confusão na troca das letras.

— Isso é um N? — Kakashi cruzou o rosto conflitado, mas cedeu — Tá, e quem é essa Ryn?

— É a Ryna Maseo, da turma 3003. — disse confiante— Aposto que as garrafas que acharam eram de Whisky e energético?! — apreensivo, Kakashi assentiu com a cabeça e eu considerei isso como uma confissão pública de que eu sou demais — Pronto, caso resolvido. — devolvi o bilhete e tentei partir para a minha vida de andar atordoada pelos corredores.

Então, pela terceira vez no ano, Kakashi colocou sua grande mão no meu antebraço, delicadamente me impedindo de sair.

— Pode me levar até aonde eles estão?

— Não.

— Sakura — soou como uma advertência, o que era impróprio, qual é, o que esse cara quer de mim?! — Por favor.

Não estava nos meus planos virar conivente com o professor, tampouco ficar por aí denunciando colegas. Todavia, há sempre a velha e temível chantagem, que ele mencionou apenas frisando seus olhos em mim e depois sinalizando o número seis com os dedos. Meus amigos e eu. Filho da puta.

Joguei tudo pro alto e arrisquei minha dignidade indo com o professor Hatake até o possível ponto de encontro dos pestinhas, que diferente do meu bonde, não sabiam ser discretos.

Kakashi pediu que o Hozuki ficasse de guarda, para assistir os alunos que em alguns minutos seriam liberados das palestras, e enquanto isso fui me escorando em paredes e escadas até o lado interno da Universidade, onde uma belíssima clareira evidenciava o jardim a céu aberto que eles cultivavam no centro das torres.

Um lugar afastado o suficiente para se cometer umas burradas.

Passamos por alguns universitários, negligenciamos alguns olhares mais ousados sobre nós dois e paramos quando a cabeleira da Ryna se tornou visível. Os cachos tingidos de azul eram inconfundíveis, e num ato de desespero, Kakashi me puxou para baixo junto de si.

Atrás de arbustos, ficamos encolhidos.

— O que tá fazendo? — ralhei, puta da vida — Vai até lá e briga com eles, você é o professor! Não era o que queria?

— Você tem muito a aprender sobre a licenciatura, Haruno — inerente a minha demonstração de estresse, Kakashi continuou olhando os alunos entre as brechas das plantas

— Ora, ora professor, me admiro muito com sua habilidade para investigações, mas não obrigada — e me ergui, mas o movimento brusco de Ryna me deixou levemente assustada, e eu me abaixei. Kakashi já me esperava com aquele olhar debochado — Nem uma palavra sobre isso.

— Acha que eles estão apenas bebendo? — se esquivou e, bem, era incrível como um ser humano de dois metros conseguia se encolher daquela forma. Podia ser ruim igual um monstro, mas era flexível.

— Se eu estivesse no lugar deles — levei uma mão ao peito respeitosamente — aproveitaria o momento para encher a cara, e jogar uma partida de baralho.

— Baralho?! — soergueu uma sobrancelha pra mim, curioso.

— Exatamente — penteei umas mechas do cabelo com os dedos.

— O que joga?

— De tudo um pouco. Buraco, canastra, inquilina, sueca, pôquer.

— Pôquer?! — me cortou, impressionado.

— Sim. É legalizado em muitos países — argumentei como fazia sempre que meu padrasto dizia não concordar com a jogatina na mansão dele.

— Tem que ser uma exímia estrategista para jogar pôquer, senhorita Haruno — estreitou os olhos na minha direção, e caramba se ele está duvidando do meu desempenho no pôquer, pode vir!

— Eu sei. E é por isso que jogo, e sempre venço — estreitei meus olhos esmeraldinos de volta. Se é guerra que ele quer, então é guerra que terá. Kakashi, ao contrário do que eu pensava, deu de ombros e voltou atenção ao grupo de delinquentes. Abanei a cabeça deixando de lado os pensamentos correlacionados a repentina conversa, e umedeci os lábios, estranhamente secos. Era ausência de cerveja, talvez?!

— Eles estão com as bebidas alcoólicas, Haruno — delatou-me — agora sim eu posso agir — como numa cena de série policial americana, Kakashi pescou o Iphone preto de seu bolso e prontamente fotografou os adolescentes em seu momento cordial. Não posso fingir que não me senti mal por isso, convenhamos que era algo típico meu fazer o mesmo que eles, e indo mais longe, eu o faria em algumas horas.

É, eu estava do lado errado da força.

Silenciosamente me afastei do senhor Hatake, e distante de seus olhos imperativos, fiquei de pé. Me arrastei para fora daquele átrio e já fui pensando no quão babaca eu conseguia ser. Não era boa ajudando o professor, porque fugia; mas também não era boa em ser estudante rebelde, porque os denunciava. Ah, o que está havendo comigo?! Não sabia mais como me encaixar.

Tentando encontrar em mim uma razão para continuar existindo entre dois mundos, eu acabei esbarrando em alguém alto e igualmente perdido.

— Sakura?!

Caralho vai se ferrar, eu não dou uma dentro.

— Suigetsu! — esforcei um sorriso, por caridade.

— Que bom que você veio nessa excursão — o garoto cintilava seus trinta e dois dentes branquíssimos, vestindo jeans escuras e uma blusa de mangas brancas que ressaltava seu delicioso abdômen — depois do jogo eu não vi mais você, aconteceu alguma coisa?

Eu sei, havia inocência em seus olhos, mas por mais que ele merecesse a verdade, gostaria muito de soltar uma mentira suja. Não dava para ser mais corajosa do que já fui hoje, gastei todo o meu estoque com o Hatake.

— Não, eu só tive um problema e precisei ir pra casa, não estava me sentindo bem.

Suigetsu anuiu, e minha cabeça fez aquilo de novo, confundir ele com o irmão dele e me fazer sentir culpa por ter chupado um deles. Ai, como isso é errado, nossa, por favor, alguém precisa me internar num hospital psiquiátrico. Hozuki nunca mais!

— Você já tá melhor agora?

O rosto de Suigetsu, antes calmo e solícito, se transformou numa perturbação que só. Torceu a boca, encrespou os lábios, franziu as sobrancelhas grossas e depois deu um passo atrás. O que é isso, será que ele está me imaginando como a Fera, do filme animado A Bela e a Fera?! Eu ia perguntar, mas quando abri a boca, um grito estridente me chamou atenção. Retesei os músculos do corpo e virei bruscamente, lidando com a agitação dos universitários que agora formavam um semicírculo, e avistei os cabelos de Kakashi lá no meio.

— O que é isso?!

Deixei Suigetsu falando sozinho, e quando me dei conta meus pés estavam correndo na direção do semicírculo. Minha barriga borbulhava e meus dedos formigavam, dentro da minha cabeça rezava para qualquer um que ouvisse para que aquilo não fosse algo trágico. Dei a volta nas milhares de plantas — que no momento detesto todas — vendo mais pessoas se ajuntarem. Garrafas de whisky caídas no chão e alunos da Academia olhando assustados para o centro.

Quando mais perto, notei o entorno de uma piscina ganhar forma, com um único propósito ornamental, criando assim um oásis no meio da Universidade. O egocentrismo do diretor Namikaze não acaba nunca, eu sei. E foi aí que liguei uma coisa na outra.

Parei batendo contra alguns espectadores, com seus olhos esbugalhados e as bocas abertas, alguns sussurrando coisas como “ela não sabe nadar! ”. Finalmente à borda da piscina decorativa, entendi a razão de tudo.

— Ryna! — uma das alunas da Academia, e também amiga da Ryna, se agarrava a borda aflita e chorosa.

Não pensei duas vezes. Comecei a puxar o casaco, que poderia ser um peso inútil, e enchi o pulmão de ar. Em questão de milésimos, antes que me jogasse na água congelante, um estrondo espirrou água para todos os lados, e precisei de tempo para distinguir as pessoas.

Kakashi saía da água escura trazendo o corpo da adolescente consigo. Seus cabelos brancos ensopados, jogados para trás, a gravata preta tinha se folgado, liberando até mesmo alguns botões; a camisa social preta grudada a seu corpo, coisa que agravou quando ele saiu da piscina. Kakashi empurrou o corpo da menina para fora da água, e logo seus amigos a ajudaram.

Apoiou os braços na borda, fazendo mais esforço físico. Bem, então as coisas sucederam do jeito que tinham que suceder. O que acontece quando você entra de roupa numa piscina?! Ora, a roupa marca o seu corpo. Nada demais. E quando você tem um corpo extremamente definido, e a roupa gruda em você, o que acontece?! Você fica sensual e gostoso, nada demais também. São as regras da vida. Tá tudo bem. Tá tudo bem você achar isso sensual, Sakura, todos devem estar achando. Relaxa, fica calma.

Mamilos, pelo amor de deus, isso lá é hora?

— Ela não tá respirando! — Mari, amiga da Ryna, se inclinava sobre a amiga.

O corpo da estudante estava sem cor, lábios roxos e olhos fechados. Pelos respingos que caíram sobre nós, espectadores, tive a sensação eletrizante da água gelada nesse começo de outono. Como será a sensação térmica deles dois, que estiveram debaixo d’água sabe-se lá por quanto tempo?!

— Sakura!

Não era a minha própria consciência me chamando. Pisquei algumas vezes e sim, era a voz de Kakashi. Ele estava diferente, com o rosto mais sério que o normal, endossado por preocupação. Me chamando com a mão, gritou de novo, me despertando do transe.

Deslizei até eles; Kakashi abriu espaço para mim. Toquei o corpo da menina, muito gelado. Ergui minimamente sua pálpebra e vi suas pupilas dilatadas não responderem, peguei sua mão e encostei o ouvido em seu peito. A pulsação estava fraca, mas estava lá.

Me ergui esbarrando em Kakashi e seu corpo molhado, uni as mãos sobre a caixa torácica de Ryna e repeti exatamente como Shizune me ensinara há dez anos. Sua voz ainda era familiar na minha mente, me explicando o passo a passo do resgate. Realizei a massagem cardíaca, me inclinei e segurei a ponta do nariz de Ryna, abri seus lábios e soprei com força. Voltei e repeti a massagem. O silêncio súbito dos alunos ao redor só me deixava mais enérgica. Motivada, fiz de novo, e de novo. Incansável.

Era complicado estar numa posição como essa, enquanto se torce para salvar alguém, você precisa considerar o fato de partir para uma emergência ainda maior. Era o que Shizune me dizia sobre o centro cirúrgico. Você sempre torcerá para que seu paciente sobreviva, mas precisa aceitar que as chances existem para os dois lados.

O rosto de Ryna ganhou expressão, e enquanto a massageava, seu peito se sobressaltou e a água da piscina regurgitou.

Um coro de vivas e palmas me fez parar, assustada. Quase me esqueci dos demais ao redor. Fiquei como uma estátua, olhando a garota acordar, sem me dar conta de que tinha participado de tudo aquilo.

— Ryna, Ryna, você tá bem? — em lágrimas, Mari tocou na amiga.

Pedi que ela se afastasse e inclinei o corpo de Jess para o lado, com a ajuda de Kakashi, e fiquei a sustentando até que ela colocasse toda a água para fora. Ryna estava salva.

A sensação era tão perturbadora quanto satisfatória.

— Uhum — murmurou perdida, vagando os olhos entre todos nós. Certamente ainda mais confusa por ver o professor Hatake todo molhado, e eu parada a seu lado.

— Eles salvaram você — explicou Mari, a menina de cabelos curtos, apoiando a amiga com o braço. Alguns flashes se seguiram daquele momento, como alunos aplaudindo e outros ajudando a menina a se levantar. De repente, todos queriam participar do salvamento. Claro que o grupinho que enchia a cara junto com elas já tinha se dispersado, porque a advertência que levariam independia do afogamento de Ryna ou não. E eles estavam lidando diretamente com Kakashi, alguém que não passaria pano quente em nada.

Em pé e com uma toalha para secar o rosto, oferecida pelos funcionários da Academia, me encaminhei procurando por um banheiro e tentando não pensar no que tinha acabado de fazer, por uma questão de controlar a crise de ansiedade. Novamente me pegando desprevenida, o professor Hatake surgiu em meu encalce, os cabelos espetados por terem sido secados e a roupa ainda encharcada.

Caralho, contei até vinte para não ter mamilos salientados, mas foi em vão. Pressionei a toalha branca contra o meu corpo, e não dava para fazer mais nada a respeito.

— Obrigado. Pelo que fez. — disse, com uma toalha branca pendendo no chão enquanto segurava o próprio cinto de couro.

— Não tem de quê. — quis dar as costas, mas ele tinha mais coisa para falar, e assim prolongar uma situação incômoda.

— Haruno — o olhei apreensiva — Obrigado, de verdade. Não só por Ryna, como também por Ino.

Fiquei olhando para qualquer detalhe do rosto de Kakashi que não fossem seus olhos. O formigamento voltou, inclusive a vontade de correr para longe, duelando com um lado do meu corpo que queria ficar.

— Você me surpreendeu positivamente nesse último semestre. — continuou fazendo um discurso que mexia com os mais desinibidos nervos do meu cérebro, e mesmo que tendo a intenção de me parabenizar, Kakashi estava conseguindo me deixar louca. E já não era de hoje — Está provando que para se destacar não é necessário ser excepcional em exatas ou humanas. —maneou a cabeça, soando mais informal — Embora você seja.

Tá, o planeta precisa girar mais devagar senão eu não acompanho. Kakashi estava dizendo que eu era boa em tudo?! É isso mesmo?

— Valeu — disse como a reles mortal que sou, uma vez que meus pensamentos pegavam fogo.

— Toma — me estendeu um papel dobrado, que assim que desdobrei, mostrava o emblema da Universidade — querem uma reunião com você. É da divisão de Ciências Biológicas e Medicina.

— Caralho! — não aguentei a emoção e levei a mão na boca. Isso era demais. Muito mais do que demais. As pessoas matam e morrem por uma entrevista como essa.

Kakashi passou por mim, sem pressa, esbarrou o ombro no meu e me encarou bem no meio da minha sensação feliz.

Eu estava explodindo arco-íris pela boca, e não me sentia assim há meses. Talvez há anos. Era incrível sentir que tinha feito algo certo, e que diferente do que muitos de nós pensamos nessa fase da vida, não estamos apenas vagando por aí, temos uma função a executar.

Como nuvens no meu dia de sol, Kakashi se inclinou e parou perto o meu ouvido.

— Menos cinco pontos, Haruno.

O olhei furtiva, com as sobrancelhas franzidas.

Ele já estava caminhando, jogou a toalha sobre o ombro e me olhou de esguelha antes de sumir entre os alunos.

— Vai precisar refinar esse seu vocabulário.

 

Até posso pensar em parar de xingar, mas enquanto meus pensamentos se contiverem aqui dentro, então continuarei te chamando de filho da puta, professor. E pelo andar da carruagem, acho muito difícil ver esse quadro mudar. 


Notas Finais


Espero que tenham gostado tanto desse capítulo quanto eu AMEI fazê-lo, agradeço especialmente a Blonder, que com seus acréscimos e visão surpreendente me impulsionou a redigi-lo com imenso carinho; e agradeço DEMAAAAAIS a todos vocês, que continuam aqui!
Fala pra mim gente, qual seu personagem preferido até agora???

Até a proxima :D


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...