— A missão de hoje é simples — disse o JP enquanto dirigia até o aeroporto. — A Eliza vai precisar ficar de olho nas malas até encontrar o que estamos procurando.
— E o que seria? — Bianca perguntou antes de todos.
— É uma resma de papel. — Foi tudo o que o policial disse. Mas, então, ele percebeu que todos no carro ficaram confusos. — Esse papel está embutido com mágica. Qualquer material legível feito dele deixará o leitor bravo e facilmente manipulável.
Isso é sério? Honestamente, não sei se é um plano bom ou idiota, pensou Eliza.
— Por que alguém o traria pra cá?
— Acreditamos que querem usá-lo durante a Copa do mundo do ano que vem. Ninguém imaginou que os protestos chegariam a tal escala. Supomos que alguém está tentando preparar o terreno para o ano que vem.
Bianca ficou quieta enquanto pensava naquilo.
Calma, Vermelha, pensou Eliza, contendo um sorriso. O JP te deixou vir, não precisa ficar ansiosa pra ajudar com tudo.
Não fique assim. Ela está animada em poder participar, a voz de Teo ecoou na cabeça dela.
Ei, você não conhece uma tal de privacidade, sabia?
F-Foi mal! Às vezes não tenho como evitar mesmo!
Eu não devia ter sentado no meio… mesmo com o anel, ele está perto demais pra poder me ouvir. Mas é melhor do que ouvir a Bianca o tempo todo, pensou ela, suspirando. E participar disso faz ela feliz?
S-Sim. Não só isso, a Bianca tá feliz porque assim faz parte de mais um pedaço do seu mundo.
Hum? Meu mundo? Como assim?
Embora ela só esteja aqui pra observar, ela faz parte do mundo em que pessoas tem poderes sobrenaturais e os usam pra lutar contra caras maus.
Eliza considerou por um instante. Ela realmente liga tanto pra isso? Nunca imaginei… Tipo, ela tava interessada nos meus poderes no começo, mas pensei que era uma desculpa pra se aproximar de mim…
Não posso falar nada quanto a isso. Mas, pra 99% do mundo, o que vamos fazer agora é algo legal e que só acontece em filme. Para uma nerd de carteirinha, isso é praticamente um sonho virando realidade.
Acho que nunca pensei nisso… Meus poderes se tornaram algo natural… pra nós duas…
Sim, sei como é. Mas a Bianca não consegue parar de pensar em heróis dos quadrinhos ou garotas mágicas. Sua namorada é uma nerd total.
Eliza não conteve um riso. Acredite, sei melhor do que qualquer um. Minha ruiva nerd.
Você deveria fazer isso pro aniversário dela.
Eliza semicerrou os olhos. Calma aí, quê?
O rosto de Teo ficou vermelho e ele desviou o olhar.
D-Desculpa por falar isso. Não foi minha culpa. Acabei ouvindo seus pensamentos… M-Mas se ainda estiver pensando no que dar a ela de presente de aniversário, eu sugiro um cosplay.
Quê? Você ouviu isso?
Desculpa! Eu nunca quis ouvir. Nem ia mencionar até você falar essas coisas da sua namorada. Desculpa mesmo!
Eliza respirou fundo e depois suspirou. Tudo bem… Acho… Digo, não fique falando na cabeça da Bianca. É intrusivo demais… Eu consigo lidar porque sei como é complicado ter um poder que você não pode controlar…
Eu s-sei! Não fico escutando os pensamentos profundos de alguém e dando palpite. Mas, se for você, é diferente!
A garota não mostrou expressão. Não sei se devo me sentir com sorte ou ficar com raiva.
Quando o garoto entrou em pânico, Eliza sorriu e balançou a cabeça. Tô brincando. Ou não. Mas o que era o negócio de cosplay? É aquilo de se vestir que nem um personagem, né?
S-Sim.
Por que você acha que seria um presente bom pra Bianca? Eliza semicerrou os olhos de novo. Está bisbilhotando a mente dela?
N-Não! Quero dizer, sim, mas eu não queria! Lembra de quando entramos no carro?
Eliza assentiu.
Como que o JP não queria ninguém no banco da frente, os três jovens se sentaram no banco de trás.
A ruiva entrou sem pensar muito, mas sua namorada não deixou. A última coisa que Eliza queria era que Teo e Bianca sentassem um do lado do outro.
Foi exatamente o que queria evitar… você lendo mais coisa estranha da mente dela…
F-Foi mal! Mas foi só por um instante! A Bianca imaginou você sendo uma super-heroína e tal… aí virou você vestida como uma… então ela te imaginou com um uniforme de escola católica… aí você usando um maiô japonês azul…
Na verdade, ela até percebeu no que tava pensando, mas nem tentou parar.
A garota se virou para a namorada, que ainda pensava no que JP dissera. Porra, Vermelha! Tá pensando no quê? Por que não diz nada?
Eh… ela está considerando quando sugerir isso. Segundo ela, o plano de transformar você em uma nerd aos poucos não está funcionando como ela imaginou.
Pera, todos aqueles filmes eram parte de um plano? Ei, você disse que só leu a mente dela por um instante!
Ah… eita… eu não devia ter dito isso… e essa parte antes da gente se encontrar pela primeira vez, não agora! Sinto muito!
Cara, sei que não dá pra controlar isso muito bem, mas para de ler a mente da minha namorada! É perigoso demais pra nós duas! Você vai usar dois anéis a partir de agora!
Me desculpa!
Eliza suspirou e olhou para Bianca de novo. Apesar da vergonha, ela não continha um sorriso enquanto balançava a cabeça.
— O que foi? — perguntou a ruiva ao finalmente notar. Enquanto olhava para a namorada e o garoto ao lado dela, logo Bianca entendeu. — O que ele te falou?
— Nada… sua grande nerd. — Eliza murmurou a última parte alto o bastante para que a ruiva ouvisse.
Bianca mostrou um sorriso provocador e segurou a mão da namorada.
— Mais tarde eu pergunto — sussurrou. Depois voltou sua atenção para o assento do motorista. — Como a polícia conseguiu essa informação?
— Através de nossa rede de informantes — disse JP curtamente, o tom sugerindo que Bianca não deveria perguntar mais.
— Não acha estranho trazer esse papel pelo aeroporto nessa época? Digo, se tentassem em dezembro, durante os feriados, teriam mais chances de escaparem o seu radar. E, pelo que você disse, não parece ser um grupo numeroso. Só o bastante para passar pela segurança sem que ninguém ache estranho.
Apesar de se focar no trânsito, o policial sorriu.
— Achamos que é suspeito, sim. Mas, mesmo considerando a situação, ainda precisamos impedir aquele item de entrar no país.
— O que vocês acham que é suspeito?
JP ficou quieto por um instante.
— Por que não compartilha comigo o que está pensando?
— Bem… pra trazer nessa época e em pequenas quantidades, pode ser duas coisas. Quem quer que estiver planejando isso, quer trazer o papel aos poucos ou está checando a segurança pra trazer outra coisa.
JP soltou uma risada.
Bianca pareceu ficar com vergonha pela reação do policial. Eliza se irritou.
Como ele pode rir assim da Bianca?
N-Não fique brava com ele. A verdade é que ele está impressionado, disse Teo na mente da garota.
Ele está? A voz de Bianca se intrometeu na conversa.
Hã? Você conectou as nossas mentes? perguntou Eliza.
S-Sim… D-De qualquer forma, o JP está impressionado porque ele precisou de mais tempo pra checar na mesma conclusão. Ele está pensando se você não seria uma boa adição ao time.
Bianca sorriu e corou de leve.
— É exatamente o que eu estava pensando — disse o policial em voz alta. — É por isso que precisamos encontrar a consultora com psicometria. Precisamos saber todos os detalhes disso.
Eliza não conteve seu sorriso. Apesar de ser tão incrível, ela não está acostumada que a elogiem assim. Tenho sorte de ter uma namorada gostosa e esperta que fica vermelhinha.
Você pensa isso de mim?
É, claro… espera, por que ainda está ouvindo a minha mente?
Ela se virou para o garoto na sua direita. Teo!
Ah… ops… Esqueci de desconectar suas mentes, pensou ele, certificando-se de olhar para a janela o tempo todo.
Não fique com raiva ele, disse Bianca através da mente dela, inclinando-se para mais perto. Sempre quis saber o que se passava na sua mente.
Isso é ruim… Tipo, você já consegue me ler como um livro aberto sem poder nenhum…
É porque eu te amo. Mas quero saber mais sobre você…
Mas isso é… O rosto dela ficava mais quente a cada segundo. Teo! Pare com isso agora! Nos desconecte agora!
Não. Eu quero ouvir mais!
Eliza socou o garoto na perna, fazendo ele gritar “ai!”. Após um instante, ela parou de ouvir a voz de Bianca na sua cabeça.
A ruiva mostrou um sorriso malicioso enquanto se inclinava de volta no assento.
Isso foi perigoso demais… Se a Bianca descobrir o que fico pensando e quero fazer com ela, ela vai usar isso contra mim com toda certeza… mas não parece tão ruim… ah, droga… estou virando uma masoquista mesmo… ainda bem que a Vermelha não tá ouvindo…
O coração de Eliza ainda batia rápido, o rosto dela ainda vermelho quando chegaram ao aeroporto.
JP levou os três até a praça de alimentação, se aproximando de uma mulher negra de meia idade.
— Vocês estão atrasados — disse ela.
Eliza notou que ela usava óculos escuros. Essa é a consultora com psicometria, né? Ela é cega?
— Desculpe, Angélica. O tráfico foi pior do que pensei. — JP sentou na cadeira na frente da mulher, gesticulando para que os outros se sentassem.
— Você podia ao menos encontrar uma desculpa melhor já que teve muito tempo extra — disse Angélica com uma voz amarga. Enquanto Teo puxava uma cadeira para sentar, ela moveu sua bengala e bateu com força na canela do garoto.
— Ai! — exclamou ele, esfregando a perna.
— Ops, desculpe, garoto. Perdoe essa velha senhora cega. Eu não te vi.
— Você sabe que posso ler a sua mente! — disse ele com uma voz doída. — Sei que você fez de propósito, sua velha gagá!
— Ah é, é mesmo. Você tem esse poder irritante que não aprendeu a controlar ainda. — Ela abriu a bolsa e tirou um anel igual ao que JP usava. Após colocar, ela se virou para Teo de novo. — Você não consegue ler a minha mente agora, certo? Ótimo, então, sinto muito — disse ela antes de bater nele de novo.
— Ai! Não vou acreditar se você se desculpar antes de me bater!
Eliza e Bianca tentaram manter a seriedade, mas não conseguiram e acabaram rindo. Até o policial sorriu um pouco enquanto ela balançava a cabeça.
Ela não gosta mesmo de você, hein? O que você fez? Perguntou Eliza mentalmente, esperando que Teo ouvisse.
— É porque ela odeia ter outra pessoa espiando a mente dela! — reclamou o garoto, ainda esfregando as duas pernas enquanto sentava o mais longe que podia.
— Ah, ela é a consultora com psicometria — disse Bianca, lentamente.
— Ótimo, querida — disse a mulher, virando-se para a ruiva com um sorriso de aprovação. — Eu sabia que você era esperta, mas era a opinião parcial da sua namorada apaixonada.
Bianca ficou quieta por um instante.
— Você consegue saber até disso pelos seus poderes?
— Sim. Posso até sentir uma forte energia residual deixada em objetos. Pessoas fazem isso inconscientemente. Eu senti os sentimentos de Eliza enquanto tentava ajudar você e sua família. Ela pensava em você o tempo todo. Até uma cega como eu podia entender o quanto ela te ama.
Eliza corou e desviou o olhar quando Bianca se virou para ela com um sorriso envergonhado.
Droga… ela precisava falar isso em voz alta?
— Desculpe, querida. Eu não quis embaraçá-la. Ela perguntou, e apenas respondi — disse Angélica para a garota.
Até parece, ela está mentindo. A velhota ama deixar os outros desconfortáveis. E aí usa a cegueira como desculpa para ser uma pau no cu, a voz de Teo veio até a mente de Eliza.
Angélica se virou para o garoto e balançou a bengala de novo.
Dessa vez, Teo ergueu a perna, evitando a bengala com um sorriso triunfante.
Sem mudar de expressão, a mulher bateu com a bengala no outro pé dele com toda a força que tinha.
— Velha maldita!
— Cuidado com a língua, garoto. Sou uma senhora cega e frágil. Me trate como tal — disse ela com uma voz vazia que não combinava com as suas palavras.
— Você nunca mencionou nada assim — sussurrou Bianca para Eliza.
— Algo assim nunca aconteceu… — Eliza soltou uma risada fraca.
A garota observou a mulher e o policial conversarem. Ela é mesmo cega?
— Sim, é. Ela é tão cega quanto é irritante! — respondeu Teo, sem se incomodar em abaixar a voz.
— Que tal falar baixo, moleque? — irritou-se Angélica. — Caso tenha esquecido, viemos a serviço. Não para ouvi-lo reclamar sem motivo.
— Ela está certa. Podemos nos focar no serviço? — completou JP, contendo o riso.
Teo respirou fundo e se afastou alguns passos para ficar longe do alcance da bengala.
— Apenas mantenha essa velha gagá longe de mim!
As garotas deram risinhos, e Angélica sorriu, satisfeita que tinha irritado o garoto.
— Agora vamos tratar da missão. Ficaremos em uma sala particular perto da área de bagagem. A Eliza vai olhar o conteúdo das malas até encontrar o item. Vamos ver quem pega a mala, e o Teo lerá a mente dele ou dela. Caso alguém mais esteja envolvido, deixem comigo. A Angélica vai assegurar qualquer informação pelo item. Dúvidas?
— Hã… Sei que você falou que o item é uma resma de papel… É mesmo isso? — perguntou Eliza, incerta.
— Sim. Essa é uma foto que tiramos com a nossa rede de contatos — disse JP, mostrando o celular.
Era como o nome implicava, uma resma de papel. Mas, em vez de branco, era de um tom amarelado e estava envolvida por algumas fitas, como se fosse um presente.
Um presente bem diferente, pensou ela enquanto assentia.
— Tudo bem. Entendi. Alguma informação sobre a mala? Tamanho, cor, qualquer coisa?
— Não, e já que não sabemos e não temos como conferir todas as malas sem alertar os envolvidos, o seu poder é de grande utilidade.
Acho que ele já me vê como uma máquina de raio-X ambulante, pensou Eliza enquanto iam para a sala particular, acima do desembarque de bagagens.
Sim, e é melhor se acostumar, caso se junte à nós, Teo falou diretamente para a mente de Eliza.
Que nem você ser usado como detector de mentiras?
Não fale assim, é um bom uso do meu poder. Além do mais, acredite ou não, é bem melhor do que como uma certa pessoa usa o poder do JP.
Como assim?
Teo começou a rir e demorou um pouco para parar. Todos na sala olharam para ele, mas ele não falou nada. O mestre de artes marciais do JP vive usando ele como táxi pessoal. Ele odeia e até tenta recusar, mas o mestre taca o foda-se e obriga ele de todo jeito.
Alguém consegue mandar no JP? Mesmo ele sendo tão forte?
Acredite ou não, o mestre dele é ainda mais forte.
As lembranças da luta nas docas voltaram a ela. Nossa… eu quero conhecer esse aí.
Vai poder, caso se junte a nós. Ele não vive no país, mas vem pra cá volta e meia.
Hum… Ei, se você está falando isso, quer dizer que já decidiu se juntar à polícia, né?
Ahãm. Tipo, eu poderia tirar proveito do meu poder. Ficar podre de rico só jogando pôquer…
Eliza riu. Nem parece algo que você faria, falando sério…
Não dá pra dizer que nunca pensei nisso… só uma… ou duas vezes… Mas depois que comecei a trabalhar com esse grupo, parei de pensar em usar meus poderes desse jeito.
A garota ficou quieta quando eles entraram na sala. Era uma sala azul escuro simples, com um sofá, uma mesa redonda e algumas cadeiras e uma grande janela de vidro que permitia verem a área das bagagens.
— É um espelho unidirecional — disse o JP enquanto Bianca, Eliza e Teo observavam as pessoas caminhando lá. O policial pegou o anel especial que bloqueava a telepatia de Teo e passou para Eliza. — Não sei se tem mais alguém envolvido, mas é melhor se preparar caso alguém esteja ouvindo aqui perto.
Eliza, Ted e JP sentaram nas cadeiras ao redor da mesa e se viraram para a janela. Bianca sentou no sofá com Angélica. Embora a garota tenha ficado curiosa enquanto sua namorada conversava com a cega, ela não podia prestar atenção nelas. Eliza precisava se focar em seu trabalho.
Respirando fundo, Eliza se virou para a correia transportadora de malas e forçou sua visão. Em segundos, a janela tremeu e sumiu enquanto ela se aproximava da bagagem. Então as malas ficaram transparentes e ela pôde ver seus conteúdos.
Isso é tão chato, pensou a garota após menos de dez minutos. Não tem nada de interessante no que a maioria das pessoas carrega. Não é nada divertido como foi a última vez… e me sinto uma pervertida invadindo as malas alheias desse jeito… ao menos não posso ver quem são os donos…
Sei como é, disse Teo com um sorriso forçado. Mas os policiais não vão até você a menos que use seus poderes do jeito errado.
Eles vão atrás de pessoas como a gente só assim?
Claro. O garoto olhou para o policial, que observava a esteira rolante com malas, sem qualquer interesse. Não espalhe, mas foi isso que rolou com o JP. Quando era pequeno, ele costumava usar seu teletransporte pra roubar.
Mentira. Eliza mal conteve sua vontade de olhar para o homem. O mesmo JP aqui do lado?
Esse mesmo. Até que ele foi pego pelo homem que se tornaria seu mestre.
Vish… parece uma história foda.
É bastante. Ele não queria falar, mas eu acabei descobrindo pela Angélica quando ela baixou a guarda. Se quiser saber mais, pergunte pro mestre dele, se encontrá-lo algum dia. Ele ama contar essa história.
Agora eu quero… puta merda! Olha praquela bolsa, Eliza mal conseguia se controlar e quase perdeu a concentração enquanto continha o riso.
O que foi?
Ela não sabia se queria olhar ou não. Mas, de todo jeito, não podia tirar os olhos de lá. Dentro da bolsa havia um grande objeto cilíndrico. Quem diabos viaja com um console tão grande? É quase do tamanho de um antebraço, pensou ela, mal contendo o riso.
O garoto estendeu a mão e tocou no ombro dela. Então ficou tentando conter a risada. N-Não ria… A dona daquela mala é livre pra fazer o que bem quiser pra sentir prazer. Admiro a coragem dela de trazer algo assim. Imagine se fosse interditada e as pessoas conferissem a mala dela?
Mas quando o dono da mala a pegou, era um grande homem musculoso com um olhar sério, nenhum dos dois conseguiu conter o riso mais.
— O que foi? — O policial ficou procurando por algo suspeito na área de bagagem.
— Nada! — Eliza e Teo falaram algo ao mesmo tempo.
Bianca olhou para a namorada com uma expressão confusa.
Eliza finalmente conseguiu parar de sorrir e murmurou “depois eu conto” antes de voltar sua atenção para o desembarque.
Após uma hora de centenas, quase milhares, de pessoas pegando suas malas, Eliza finalmente encontrou o que procuravam.
Era uma resma de papel presa por alguns panos e fitas, igual à foto que o JP mostrou.
— É aquela — disse ela, apontando. — Aquela mala de rodinhas azul claro.
— Teo.
JP só precisou chamar o nome para que o rapaz tirasse o anel que supria seus poderes e fechasse seus olhos. Logo seu rosto se contorceu, como se estivesse se esforçando muito. O suor desceu por sua testa e sua respiração ficou pesada, mas ele não parou.
— Eu… não… sei… pessoas… demais… — sussurrou com uma voz cansada, arfando. Ele descansou a cabeça na mesa e respirou fundo.
— Tudo bem. Não se canse tentando encontrar a pessoa certa. Só se foque na mala e quem quer que a pegue — disse o policial com uma voz gentil. Depois ele se virou para a garota. — Eliza, não tire seus olhos do item.
Ela assentiu e recuou sua visão um pouco para que pudesse ver toda a área. Ainda assim, não tirou os olhos da mala.
Vamos lá… vamos lá… ninguém vai pegá-la?
Após a esteira dar duas voltas, um homem vestido de terno preto e falando no celular caminhou até a mala.
Teo, pensou Eliza com uma voz calma, ainda que não soubesse se o rapaz podia ouvi-la. Vê aquele cara.
Sem tirar o telefone do ouvido, o homem pegou a mala e se afastou.
Droga… Não consigo ler os lábios dele dessa posição…
— Ele… não está… pensando em nada… relacionado ao item… — Teo conseguiu dizer na mesma voz cansada. Havia uma veia saltando em sua testa. — Ele só… tá pensando numa reunião que tem daqui a duas horas… e reclamando do atraso…
— Talvez não esteja realmente envolvido — falou JP após pensar por um tempo. — O verdadeiro dono da mala pode ter enganado o homem para que ele pegue a mala… ou ele sabe de nós e está mascarando seus pensamentos… ou…
— Tem opções demais e não faz sentido considerá-las agora, rapaz — disse Angélica. — Você pode segui-lo e ver se ele vai entregar a mala para outra pessoa ou trazê-lo aqui, até mim. As crianças podem ficar e olho para saber se tem mais alguém interessado naquela mala.
JP ficou quieto por um instante.
— Você tem razão.
— Eu sempre tenho — disse a mulher.
— Vou falar com o segurança para trazê-lo até aqui — disse o policial como se não tivesse sido interrompido.
Todos na sala ficaram quietos enquanto JP falava no celular.
Eliza procurou para ver se tinha mais alguém interessado na mala. Droga… ele vai escapar, e eu preciso ficar de olho nele…
Ela queria perguntar a Teo se ele encontrou alguma coisa, mas se conteve. Ele está sentindo dor porque está tentando ouvir milhares de vozes ao mesmo tempo.
A garota se focou no homem, mas ninguém caminhou até ele. Talvez a Bianca tenha razão… Talvez o verdadeiro dono da mala não esteja aqui… E é só para testar a segurança…
Com a testa na mesa, Teo pressionou os dois olhos e respirou fundo enquanto tentava se concentrar.
É como quando eu tentei ajudar a Bianca… Ele está forçando demais seu poder… mas, no meu caso, foi por dias… Ele está sofrendo tudo isso de uma vez… Preciso ajudá-lo…
Eliza observou enquanto o homem pegava a mala da esteira e entrava no saguão. Dois seguranças caminharam até ele da forma mais discreta que puderam.
Tudo bem. Agora ele e a mala estão na mão… A garota se virou de volta para a área com a mala. Qual é… não tem ninguém prestando atenção naquele cara?
Não importa o quanto conferisse, pelo que podia ver, só tinha pessoas pegando suas malas e indo embora. Ninguém notou o homem de terno.
Merda… talvez a pessoa por trás disso realmente não esteja aqui, como a Bianca disse…
Eliza voltou sua atenção para o homem que pegou a mala. Apesar da confusão, ele seguiu os guardas sem fazer alarde. Algumas pessoas observaram a situação, mas ninguém parecia minimamente interessado.
Acho que não é todo dia que você vê alguém sendo escoltado como nos filmes…
Ainda assim, ela não parou de olhar. Então encontrou algo estranho.
Havia uma mulher sentada em um dos bancos, olhando indiretamente para o homem de terno. Ela usava um terno executivo e não pareceria ser nada além de uma mulher de negócios.
Se não fosse a mala dela.
Quando Eliza espiou dentro, ela viu relatórios, sapatos masculinos e roupas que eram obviamente maiores do que ela. Não havia nada que pertencia a uma mulher dentro daquela mala.
Embora fingisse ler no tablet, a mulher ficou observando o homem ser escoltado. Quando ele sumiu da vista dela, ela fechou os olhos e pressionou a têmpora.
Só a mala já é suspeita, mas ela tá igual ao Teo usando os poderes dele…
Teo?
Ao não receber resposta, ela tocou no braço do jovem.
O que… é?
Até a voz mental dele parecia cansada.
Confira aquela mulher… A garota focou na mulher para que o jovem pudesse ver pelos olhos dela. Ela parece suspeita. A mala dela só tem coisas de homem.
Teo grunhiu e prendeu a respiração. Enquanto o rosto ficava mais contorcido, ele se virou na direção da mulher. Após alguns segundos, ele abriu os olhos.
— Não posso ouvir os pensamentos dela… Ou ela tem um anel… ou é uma telepata! — disse o garoto. Seu rosto contorcia de dor enquanto ele se virava para JP. Mas o policial não reagiu.
— JP! — gritou Eliza.
— O quê?
— Encontramos uma pessoa suspeita! — disse ela, com pressa.
O garoto fechou os olhos de novo e tocou no policial para conectar suas mentes e sentidos. Após um segundo, JP assentiu.
— Bom trabalho, filho. Pode descansar — disse. — Você também, Eliza.
Com a veia em sua testa pulsando mais do que nunca, Teo procurou pelo anel limitador na mesa e rapidamente o colocou. Apesar de ainda arfar, a dor em seu rosto pareceu diminuir um pouco e sua respiração desacelerou.
— Aqui. — Bianca levou uma copo d’água até o jovem.
— Obrigado — disse ele com uma voz seca, bebendo em um gole só. Ele tossiu e a ruiva deu tapinhas em suas costas.
No instante em que soube que Teo estava melhor, Eliza voltou sua atenção para a mulher suspeita.
Durante o pouco tempo em que tirara os olhos dela, o alvo já deixara o banco, deixando a mala para trás.
Droga… cadê ela?
A garota procurou, frenética, mas não havia sinal da mulher por perto. Eu só tirei meus olhos dela por alguns segundos… merda! Foi um erro, pensou ela, pressionando os lábios. Do nada, Eliza sentiu uma mão apertando a dela. Sem olhar, ela apertou gentilmente a mão de Bianca sobre a sua.
Mais calma graças a Bianca, ela achou a mulher.
— Ela tá saindo do aeroporto! — gritou Eliza ao se lembrar de que Teo não transmitia seus pensamentos mais. — Ela tá entrando em um táxi agora!
— Desculpe por isso, mas preciso que você me mostre! — disse JP, tocando no ombro dela.
Antes que Eliza pudesse sequer perguntar do que ele falava, houve um som estranho de vácuo e tudo ficou escuro.
Ela não teve tempo para se perguntar onde estava. No instante seguinte, tudo que a garota pôde ver foi o imenso céu azul. Não era a primeira vez que ela vira o céu de tão perto. Com seus olhos, ela podia ver além das nuvens. Ela via algo que poucas pessoa conseguiam.
Ainda assim, era uma visão totalmente diferente.
É como se eu pudesse tocar no céu se estender a mão, pensou por um instante.
Houve uma sensação estranha de falta de peso. Mas, no instante seguinte, Eliza sentiu seu corpo todo sendo puxado de volta para o chão.
— Puta que pariu! — gritou ela, mal ouvindo sua voz ecoando logo atrás de si.
E não era a única. Bianca viera com os dois. Ela ainda segurava a mão da namorada, mas a ruiva a apertava e gritava também.
Eliza sentiu algo pressionando o ombro dela.
— Qual o táxi? — A voz tensa de JP alcançou seus ouvidos, apesar dos gritos das garotas.
Eliza precisou de muito esforço para entender o que ele dizia e o que acontecia enquanto o chão, que parecia tão distante, se aproximava cada vez mais.
Teo se forçara demais. Sem a visão compartilhada entre os dois para Eliza mostrar a JP qual o táxi que a mulher embarcou, o policial foi obrigado a trazê-la. E Bianca veio junto porque elas estavam de mãos dadas.
Rezando para não vomitar, Eliza balançou a cabeça e se focou. É como pular de paraquedas sem um paraquedas… embora eu nunca tenha feito…
Apesar da ardência nos olhos causada pela resistência do vento, ela podia ver claramente. Conforme se focava, ela olhou pelo teto de todos os carros brancos saindo do aeroporto. Cadê ela…?
— Ali! É aquele táxi! O prestes a fazer o retorno! — gritou ela e apontou da melhor forma que podia.
— Entendi!
Ainda com o som do vento nos ouvidos, a garota ouviu o mesmo barulho de vácuo de antes e tudo ficou preto novamente.
Antes que Eliza pudesse entender o que acontecia, o impulso da queda cessou. Embora ela sentisse ter caído em algo macio, seu estômago não percebeu.
— O que porra foi… — Um segundo depois, havia algo acima dela. — Ai…
— Desculpa — disse Bianca, sem fôlego.
— Eu gosto quando você fica por cima, mas não agora. Não acho que meu corpo vai aguentar — disse Eliza, sem pensar. Quando sua mente funcionou e ela lembrou de onde estava e o que fazia, logo ficou vermelha.
O que caralhos estou falando…? Meu cérebro deu problema?
Para a sorte dela, só Teo estava na sala. E o garoto estava exausto demais para prestar atenção nela.
Demorou um tempo para Eliza se recuperar da experiência.
Ela se virou para Bianca só após se levantar e se endireitar, certificando-se de que não ia mais sumir. Quando encontrou o olhar da namorada, ambas tiveram vontade de rir.
— Isso foi demais! — disse a ruiva, levantando-se e dando a volta no quarto. Eliza sabia que sua namorada estava animada demais para ficar parada. — A gente tava voando! Eliza, a gente tava voando!
— Tava mais pra caindo — murmurou Eliza, sob a respiração, pisando levemente no carpete. — Nunca imaginei o quanto eu ia apreciar ter um chão firme sob meus pés…
— Ah, qual é. Foi foda! E aquela vista! Foi como se o mundo todo estivesse debaixo da gente! E de cima! Tudo ao mesmo tempo!
— É, devo admitir que foi legal… Nunca vi o mundo de cima… — Eliza mostrou um sorriso amarelo.
— Como foi a sensação do teletransporte pra você? — continuou Bianca, andando ainda mais rápido, mexendo as mãos, excitada. — É como se meus sentidos demorassem um instante pra notar que não era o mesmo lugar. Eu não conseguia ver ou ouvir nada por um segundo. Aí eu vi aquele céu infinito…!
— E aí a gravidade sem coração nos puxou pra terra — disse Eliza, rindo debilmente de sua própria piada.
— Foi como um bungee jump. Foda, excitante e seguro. — Bianca riu e sentou ao lado da namorada.
— Pode crer… Se está pensando em me convidar pra um, eu recuso com todo respeito… — Eliza descansou a cabeça nos ombros de Bianca. — Você também tá tremendo ainda…
— É a tremedeira do quão foda foi! Quando você disse como o JP usou os poderes dele, eu tentei imaginar como seria. Mas não fazia ideia de que era assim — disse Bianca com a mesma voz energética. — Dá pra imaginar como é fazer aquilo repetidas vezes durante uma luta?
— Prefiro não pensar nisso. Ou todo mundo vai ver o que comi no almoço hoje.
— Sua dramática.
— E você adorou um tanto demais ser teleportada.
Ambas ficaram quietas e então riram em coro novamente.
— Podem ficar sem flertar por um único instante? — disse uma voz exausta vinda da mesa. Por um instante, Eliza esqueceu-se do garoto quieto com a cabeça contra a mesa. — E pode conferir se está indo tudo certo com o JP e a mulher lá?
— Eita… S-sim…
Os efeitos do teletransporte também fizeram Eliza se esquecer da mulher. Apesar da dificuldade em se focar naquele momento, ela conseguiu usar seus poderes. Demorou um pouco, mas a garota encontrou o táxi com o alvo.
JP estava alguns metros sobre ela. Ele ainda caía do céu, colocando suas luvas e mudando o botão no meio da palma simultaneamente. No instante em que o táxi parou no semáforo, o policial desapareceu do céu.
Eliza rapidamente abaixou sua visão.
A mulher estava de olhos fechados e tinha dois dedos na têmpora.
Mas, de repente, JP estava perto dela. Antes que ela pudesse fazer qualquer coisa, o policial apontou seu dedo indicador e abaixou o dedão. Um círculo azul com símbolos estranhos apareceu sobre sua cabeça e ela desmaiou.
O motorista gritou, mas o policial apontou a outra mão para ele e o mesmo se aconteceu. Um círculo parecido, porém menor, apareceu. Quando ele desapareceu, o motorista olhou para frente e nem pareceu se importar quando JP sumiu com a mulher.
— Ele pegou ela — informou Eliza para os outros dois.
— Ótimo… agora é a vez da velhota ser útil e conseguir tirar informação deles — disse o rapaz com a mesma voz dolorida. Apesar do cansaço, ele se forçou a levantar. Ele se apoiou na mesa com as duas mãos e respirou fundo. — Agora, se me derem licença, preciso vomitar.
Quando o garoto saiu, as duas ficaram sozinhas. Eliza olhou para Bianca e não conseguiu conter o riso, embora não soubesse o motivo.
— Agora que estamos sozinhas, parece que tudo foi um sonho…
— É… mas é real… tudo isso é real…
— Vou virar um disco riscado se disser mais uma vez que foi foda — disse Bianca, rindo. Então ela deitou no colo de Eliza. — É mais do que você tinha contado. Eu só podia ver vocês dois usando seus poderes, mas senti a tensão. Pessoas com habilidades especiais trabalhando juntas… e até eu pude ter um gostinho de um poder sobrenatural…
Eliza ficou quieta enquanto observava os olhos de Bianca brilhando, encantados.
— Você está pensando em se juntar a eles, né não? — perguntou a garota em voz baixa.
A ruiva olhou para a namorada e sorriu.
— Talvez… Eu tava falando com a Angélica… ela me disse que você não precisa ter um poder para fazer parte dessa polícia… Pode aprender coisas, como a luva do JP.
Eliza ficou quieta por um tempo. Depois mostrou um sorriso gentil.
— Acho que é o meu destino… Sou filha de um policial… é óbvio que vou me apaixonar por uma futura policial também…
Bianca ergueu sua cabeça para beijar sua namorada.
Elas separaram seus lábios ao ouvirem um barulho lá fora.
— Capturei ela. A Angélica está investigando a memória dela agora. O homem de terno era uma isca. A mente dele foi alterada para fazê-lo pensar que aquela era a mala dele — informou JP às duas, tirando suas luvas e as colocando no bolso. — A mulher é uma telepata. Ela estava se comunicando com alguém ou um grupo de pessoas aqui. Mas não conseguimos pegar ninguém.
Bianca parou para processar toda aquela informação.
— Então parece mesmo que só estavam conferindo a segurança…
— Provavelmente — disse o policial, bebendo um copo d’água. — Ainda precisamos conferir mais coisas, mas já posso levá-las para casa.
Eliza assentiu. Embora Bianca parecesse desejar continuar lá, ela não disse nada.
— Espera… você vai… nos teletransportar pra casa…? — perguntou Eliza.
O policial assentiu, e a ruiva sorriu.
Após alguns teleportes, e Eliza quase vomitar, as garotas chegaram no quintal de Bianca.
— Obrigado pela ajuda — disse JP. — Dada o estado de tudo, é possível que requisitemos a sua ajuda novamente no futuro.
— Sem problema. Não me importo de ajudar, então não hesitem em pedir — disse Eliza. Depois ela murmurou: — Embora eu prefira não passar por outro teletransporte na vida…
Com uma risada e então outra despedida, o policial desapareceu com o som de vácuo.
As garotas ficaram em silêncio por um tempo.
— Eu vou te levar pra casa — disse Bianca com uma voz de quem pensava em outras coisas.
Eliza aceitou. Ela quer pensar nisso por conta própria por enquanto, entendeu a garota, segurando a mão da namorada, as duas foram até o carro.
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