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História Minha Dançarina Perfeita (hiatus) - Capítulo IV: Um homem gentil.



Notas do Autor


Presentinho de Natal para vocês!!!🎅💝🎊🎉

Boas festas a todos!!!

PS: SE VOCÊ É UMA PESSOA SENSÍVEL A DETERMINADOS CONTEÚDOS, TOME CUIDADO COM O COMEÇO❗

Capítulo 4 - Capítulo IV: Um homem gentil.


Por Annie:

Sentia meu coração galopar enquanto andava pelos diversos cômodos à procura das mulheres na qual precisava ajudar. De acordo com tudo que aquele homem havia falado eu não tinha muito tempo para agir. Tentava parecer o mais normal possível passando pelos vigias, por sorte minha presença era ignorada por completo. Suponho que seja pela minha falta de socialização com os demais. Eu já estava ficando sem esperanças de achar minhas colegas em meio a todo aquela pressão. Mas, finalmente, havia avistado-as sentadas à beira da escadaria que daria para o sótão da boate.

— Precisamos sair daqui. — Disparei recebendo olhares confusos sobre mim. — O mais rápido possível.

— Calma aí, loira! — Ymir riu divertindo-se com a minha aparente pressa. — Fumou o que para estar assim?

— É sério! Precisamos sair. — Tentei soar o mais clara e normal possível. Notava um segurança bem em frente a porta do sótão.

— O que foi, Annie? — A loira olhou-me um tanto preocupada.

— Eu... — Castiguei-me mentalmente pensando em algo convincente para conseguir fazê-las acreditarem em mim. — O Sr. Lin! ... Ele está distribuindo lámen grátis por pessoa.

— Grátis? — Sasha levantou com tanta pressa que quase escorregou do degrau.

— A essa hora? — A morena questionou desconfiada.

— Lembra que ele disse que estava com receio dos produtos estragarem? Talvez ele não quisesse jogar fora. — Inventei na esperança delas cederem.

— Estranho, ele costuma ter a contagem certinha do que usar. — Historia também não parecia estar sendo influenciada.

— É comida de graça! Parem de perguntar e vamos logo. — Sasha disparou na frente já descendo os poucos degraus e seguindo em direção a porta que daria para o salão.

— Tem que ser pelos fundos! — Ressaltei ganhando novamente a atenção de todas.

— Por que? — Ymir levantou a sobrancelha sem entender.

— É que ainda tem clientes no salão. Não vão deixar a gente sair com tantas pessoas na boate. — Olhei de relance para o segurança, embora estivesse olhando para nós não parecia desconfiado.

Seguindo em direção contrária, a jovem tomou a dianteira já andando com pressa para os corredores. A loira apenas sorriu para a morena de sardas como se a incentivasse a acompanharem Sasha, que já havia sumido de vista. Ambas seguiram juntas pelo mesmo lugar e, no final, apenas sobraram eu e a asiática. Ela levantou com uma lentidão que chegou a me causar frustração, olhou para mim com suas orbes cinzas e seguiu as outras rumo a saída dos fundos. Sua feição séria demonstrava o quanto ela sabia que eu estava escondendo algo, vi isso em seus olhos antes dela me dar as costas. Desconfiava, mas não hesitou em acompanhar as mulheres

Suspirei por um momento, aliviada por ter conseguido fazê-las saírem. Dando meu primeiro passo, também segui-as rumo ao fundo da boate. Sentia que, por um momento, havia esperança de tudo dar certo - pelo menos uma vez na vida - para mim. Poder sair daquele inferno e tentar recomeçar do zero. Talvez até voltar para Marley e tentar achar algum parente, por mais difícil que fosse. Desde pequena sempre fomos somente meu pai, minha mãe e eu. Óbvio que antes dela falecer e meu pai mudar totalmente, depois disso eu aprendi a viver sozinha de qualquer jeito. Avistando a porta diamantada indicando a saída sentia meu coração acelerar à poucos metros da maçaneta.

— Annie! — Parei bruscamente ouvindo a voz alta de Reiner. — Colling quer ver você.

Filho da puta! Ele me entregou...

Respirando profundamente, virei-me na direção do homem de mais de um metro e oitenta. A feição com um sorriso maldoso denunciava que ele realmente havia me delatado para o velho. Endireitando a postura, contei até dez na minha mente e segui o maior rumo ao escritório no andar de cima. Tentei encontrar o loiro que à minutos dissera-me que estaria circulando pela boate, porém não havia sinal dele em lugar algum. Desejei por meros segundos que ele, pelo menos, esperasse que eu saísse da sala de meu "chefe". Torcia mentalmente para que desse tempo. Batendo na porta de madeira envernizada, pude ouvir um breve "entre" e logo me pus a abrir a passagem. Notei o loiro abandonar o local assim que o adentrei. Delator de merda!

— Olá, senhorita Annie! — Cumprimentou-me com seu tom sarcástico. — Pelo que seu colega me disse, você deixou desconhecidos circulando pelo lugar errado, certo?

Observava-o sentado em sua cadeira estofada enquanto remexia em alguns papéis. Permaneci calada a todo momento, apenas fitando seus movimentos de acender o cigarro e dar uma longa tragada. Esse cheiro, como eu odiava esse cheiro. Olhando em minha direção ele se levantou e rodeou sua mesa sentando bem na beira do móvel.

— Você já está com a gente a bastante tempo, Annie. Sabe o que acontece com quem não obedece as minhas ordens. — Puxou o ar mais uma fez soltando a fumaça pelo nariz e boca.

— Eu pedi para ele esperar no salão. — Minha voz saiu tão séria quanto o meu olhar para com o homem.

— Suas explicações não servem de nada para mim, você sabe disso. — Tragou novamente e depositou o resto no cinzeiro ao seu lado. — Lido com desobediência de outra forma.

— Mandará me matarem? — Desafiei vendo-o se levantar da mesa com um riso baixo escapando dos lábios. — Não é assim que você resolve seus problemas?

— Você é muito valiosa para mim. Seria um desperdício te matar ou espancar. — Olhou-me de cima a baixo, seu olhos pairando sobre mim fazia meu estômago revirar de nojo. — Mas não pense que está no porder da situação, afinal você não tem como fugir de mim.

— Para sua sorte não. — Vi-o rir começando a andar para o meu lado.

— Você está me enfretando demais. — Seu hálito bateu em minha nunca provocando calafrios nas minhas costas. — E eu não gosto disso.

Bruscamente senti minhas costas serem empurradas e precisei segurar na mesa para não cair. Ele havia me jogando contra o móvel e tomado o meu quadril, puxando-o para si. Em um ato de reflexo virei-me o suficiente para agarrar o pulso do homem que já estava com as mãos apertando a minha pele. Diante de minha ação, vi-o esboçar um sorriso perverso nos lábios e puxar o braço para si. Entretanto, continuei apertando forte a região sentindo meu peito arder em irá. Ele realmente pretendia fazer o que eu estava pensando?

— Vai reagir? Acha mesmo que tem o direito de recusar? — Meus olhos arderam sabendo que eu não teria escolha. Acabei soltando seu pulso quando ele forçou de encontro ao seu peito. — Todas vocês têm que me obedecerem. — Senti suas mãos irem até a barra da minha calça e peça íntima puxando-as juntas para baixo com brutalidade. — Agora seja uma boa menina se não quiser que eu te venda para o primeiro que pagar um bom preço por você.

Fechei os olhos com força, podia sentir as lágrimas escorrerem por meu rosto. Eu queria matar aquele verme por me fazer passar toda aquela humilhação. Principalmente por ter que deixar ele fazer o que bem quisesse com meu corpo. Já chorei muito de raiva, ódio e arrependimento por ter sido tão inocente em aceitar a proposta que o mesmo me fizera anos atrás. Se eu tivesse mera noção do que me aguardava preferiria ter ido morar na rua. Apertando meus punhos, forcei-me a controlar toda aquela irá e como castigo quase rompi meus tendões da mão. Ouvi o som do cinto sendo retirado da fivela e já imaginava o que viria à seguir.

— Acredito que será mais proveitoso pra' mim do que pra' você. — Riu divertindo-se com meu estado. — Não tente reagir, ou mandarei que venham te segurar. E você sabe que eles não são educados com damas.

Meus braços foram puxados com agressividade fazendo meu rosto e peito baterem de encontro a mesa. Engolia a vontade de chorar, não iria chegar nesse nível na frente daquele canalha. Senti-o encostar o nariz em minhas costas, deslizando até meu ombro onde pude escudar seu riso quase em um sopro. Acho que nunca em minha vida senti tanto nojo de um ser humano só, meu estômago revirava provocando uma ânsia horrível a cada vez que sentia seu membro roça em mim. Já aceitando que não teria escolha para o que viria, pelo menos rezei para que ele fosse rápido. Ouvindo um som estrondoso vindo da porta, arregalei os olhos assustada com o barulho.

— Mãos pra' cima! — Era o policial loiro, arrombando a porta e sacando a arma junto de mais alguns homens. Seu olhar pairou sobre mim em espanto. — Você?

— Mas o que está acontecendo aqui? — O velho exclamou olhando com ódio para os homens de farda. Bastou que o loiro notasse as lágrimas no meu rosto para que seu semblante mudasse.

— Larga ela! — Apontou a arma para o verme que ainda segurava meus braços.

Inevitavelmente, meus olhos encheram de lágrimas grossas escorrendo com pressa para minhas bochechas. Soluçava sabendo que todo aquele inferno iria acabar. Notando que nenhum dos seus capangas estavam por perto, ele soltou-me aos poucos levantando as mãos. Praticamente, joguei-me para longe dele subindo minha calça o mais rápido possível. Percebi que o loiro indicava para eu sair e não hesitei em passar pela porta e descer as escadas correndo. De relance via vários policiais invadindo o salão e rendendo a todos. Saí as pressas da boate encontrando as mulheres na qual passei anos dividindo um lugar para dormir e comida.

Ainda aos soluços agarrei a asiática, que estava mais perto de mim, e me permitir desabar nos seus braços, chorando como uma criança. Escutava ao longe elas me perguntarem sobre meu estado, porém não tinha força para falar. Apenas deixava as lágrimas molharem a camisa da mulher enquanto sentia que, finalmente, eu estava livre. Não demorou muito e nos colocaram em um dos carros para seguir até a delegacia. Estando mais calma, pude observar Historia e Sasha conversando euforicamente. Não as julgava, estavamos à beira de recomeçar a nossa vida. Elas tinham suas famílias, precisavam comemorar mesmo. Enquanto as outras, Mikasa permanecia com sua personalidade fechada e Ymir fitava a loira à sua frente com um sorriso meio entristecido.

Resolvi permanecer calada durante o percurso, precisava ter uma noção do que faria dali para frente. Tinha que conseguir um trabalho, um lugar para ficar. Milhões de questões pairavam sobre minha mente. Não tinha família nem dinheiro para ter um apoio até me estabilizar, nem um lugar para dormir naquela noite. Talvez pudesse passar a madrugada na delegacia mesmo, ao amanhecer teria que encontrar um jeito de achar um local. Fechando os olhos permitir-me encostar a cabeça no estofado do assento. Havia saindo de um problema e agora estava entrando em outro. Você não tem sorte mesmo, não é, Annie? Sorri diante do pensamento traiçoeiro e sarcástico da minha mente.

Felizmente, ou não, chegamos bem rápido à delegacia. Uma por uma tivemos que depor, explicando as condições em que estavamos e nossos dados gerais, fora as perguntas feitas. Confesso que fora bem estressante, minhas pálpebras fechavam-se constantemente sempre que encostava em algum lugar. Uma noite de sono era tudo o que eu precisava, depois de tudo o que acontecera era o que eu merecia - no mínimo. Depois de horas esperando algum pronunciamento, finalmente, haviam nos liberado. Sasha e Historia aguardavam os policiais entrarem em contato com suas famílias enquanto Ymir, Mikasa e eu estavamos no muro da entrada aguardando por elas.

— É... parece que elas irão voltar a vida normal de antes. — a morena com sardas comentou fitando o céu estrelado. — E nós vamos parar debaixo da ponte.

— Melhor do que viver naquele inferno. — A asiática soltou olhando para suas mãos.

— A noite vai ser longa pelo visto. — Estalou a língua na boca enquanto pulava da mureta e se esticava. — Vou buscar um café.

Subindo os estreitos degraus até a entrada da delegacia, a morena sumiu de vista deixando-me sozinha com a companhia da mulher de traços orientais. Observando o movimento da rua, apenas permaneci em silêncio vendo os diversos carros passando. A noite estava, relativamente, bem movimentada. O céu estrelado ficaria ainda mais bonito se todas as luzes estivesse apagadas. Seria uma boa imagem para se admirar.

— O que pretende fazer? — Voltei a realidade com o pronunciamento da mulher ao meu lado.

— Eu não sei... — Suspirei recendo uma brisa refrescante no rosto. — Talvez dormir nos assentos da delegacia. Ou então terá que ser debaixo da ponte mesmo.

— Tem um carinha lá dentro atrás de uma tal de Mikasa Ackerman. — Ymir reapareceu do nada descendo os degraus com um copo de café em mãos. — A menos que você tenha uma irmã gêmea, sugiro que entre.

Um tanto confusa e desconfiada a asiática se levantou e seguiu rumo ao mesmo lugar pela qual a morena havia entrado. Continuando parada no mesmo lugar, tendo a companhia da outra mulher dessa vez, comecei a fitar as diversas pessoas andando em frente à delegacia. Havia bastante gente, apesar de estar bem tarde. Encostando-se no muro baixo, Ymir bebericou seu café remexendo o mesmo depois de engolir garganta à baixo. Aparentava estar mais pensativa do que custuma ser. O que era estranho para ela.

— Historia me convidou. — Levantei a sobrancelha sem conseguir entender o que queria dizer. — Para ir junto com ela.

— E você?

— Acho que um ricaço como o pai dela não gostaria de ter uma delinquente sem teto em sua mansão como eu. — Sorriu lamentando seu próprio fracasso.

— Você sempre está dizendo para ela impor mais a sua vontade. — Notei seu semblante mudar de repente. — Deixe-a viver tendo orgulho das suas decisões.

— Está roubando minhas falas sua vadia loira? — Comentou arrancando um sorriso meu.

Apreciando mais a brisa da noite, permitir-me bocejar sentindo o sono començar a fazer efeito de novo. Talvez eu devesse tomar um café também, por mais que eu não gostasse. Observando ao longe mais viaturas chegando à delegacia permaneci prestando atenção nos novos detentos que os policiais traziam da boate. Foi quando, olhando em específico para um dos carros, encontrei o loiro de horas atrás. Ele descia do veículo acompanhado de mais alguns homens. Passou as pressas por nós duas sem ao menos tirar sua atenção da entrada. Queria tê-lo agradecido pelo que fez por mim, porém não havia tido a oportunidade ainda. Mal consegui vê-lo depois que saí da boate.

Acompanhei-o com o olhar até desaparecer de visão. Parecia muito compenetrado, tentar falar com ele seria uma perda de tempo naquele momento. Dando mais um bocejo sacudi a cabeça me levantado com rapidez da mureta. Acabaria dormindo se continuasse sentada. Alonguei meus braços tentando me manter acordada enquanto esperava pelo retorno das garotas. O que não demorou tanto quanto eu esperava. Sasha e Historia voltaram quase aos pulos de tanta felicidade. Sorriam enquanto comentavam que amanhã retornariam aos seus lares. Sentia-me com certa inveja das duas, tinham quem as acolhesse depois de tudo. Depois de alguns minutos fora a vez da asiática retornar.

— Como assim o cara é o seu tio distante? — Ymir questionou ainda estupefata com o que a morena dissera.

—Estou tão surpresa quanto vocês. — Mikasa olhou novamente para o interior da delegacia. — Esse tal de Levi... não me parece estranho, mas eu era muito pequena quando meus pais visitavam alguns familiares. E depois daquele trauma do assassinato... Eu não sei se me lembro de muita coisa.

— Bom, ele disse que está disposto a cuidar de você até conseguir sua independência. — Historia olhou sugestiva para ela. — Talvez isso seja uma nova oportunidade para você.

— É... Talvez. — Seu olhar estava tão perdido quanto o meu sobre o seu destino.

— E você, Annie? — Fui pega desprevenida pela pergunta da loira.

— Eu?

— Sim! O que você vai fazer? — Bastou que terminasse sua fala para atrair todos os olhares sobre mim.

— A menos que um parente meu brote do túmulo... — Ri sem sentir o humor em minhas palavras. — Terei que achar um jeito de sobreviver sozinha.

O clima desconfortável e silencioso que se instalou depois fora o suficiente para eu me castigasse mentalmente. Parece que humor não é o seu forte, Annie. Debochei de mim mesma sabendo que era verdade. Sempre fui péssima nesse sentido, desde a minha infância. Acredito que eu tinha puxado isso da personalidade de meu pai. Fechada e séria. Por causa disso nunca fiz muitas amizades no colégio. Passando-se alguns minutos, as mulheres seguiram para dentro da delegacia quando foram solicitadas. Ymir acompanhara a loira por pura curiosidade, deixando-me sozinha sobre o céu escuro - novamente. Voltei a me sentar e suspirei fitandos meus pés balançarem no ar, já que não chegavam ao chão comigo sentada sobre a mureta.

Estar sozinha não era algo de total importância para mim, meio que fazia parte do decorrer da minha vida. Aprendi a lidar com ela e aproveitar os momentos solitários. Distraída com os sons dos carros atravessando a avenida, mal notei uma figura descendo os degraus e parando à poucos metros de mim. Incomodada com a sensação de estar sendo observada olhei em direção ao corpo parado em pé ao meu lado. Era o detetive de mais cedo. Parado com sua atenção  fixa em mim. Bastou que nossos olhares se encontrassem para que ele sorrisse corado tentando disfarçar o seu embaraço.

— A noite está bonita, não? — Soltou a primeira coisa que passou pela sua mente, eu supus.

— Sim. — Disfarcei fingindo não perceber o seu constrangimento.

— Espero não estar sendo inconveniente ou invadindo o seu espaço, senhorita... — Começou coçando a nuca totalmente sem graça. — Mas, o que faz sozinha aqui fora? Meu avô costuma falar que não é bom ficar no sereno.

— Vim respirar um pouco. — Cruzando os braços, encolhi-me levemente sentindo uma brisa gélida, muito diferente das outras. — Não gosto de lugares muito fechados.

— Entendo... — Fitou os pés ainda envergonhado, o que soava até engraçado dadas as circunstâncias. Chutando os pequenos cacos sobre a calçada, caminhou até meu lado e sentou-se à uma distância considerável de mim. — A senhorita já terminou o seu depoimento?

— Já, estava apenas respirando um pouco depois de tudo o que aconteceu hoje. — Fixei meu olhar em minhas coxas sem conseguir por atenção no rosto do loiro.

— Imagino que seja difícil.  — Sua voz saiu baixa, fazendo com que apenas eu pudesse ouví-lo.— Mas, agora tudo vai ficar bem.

— Espero. — Murmurei mais para mim mesma do que para ele. Queria convencer-me de que tudo ficaria bem de verdade. — Já terminou o seu turno?

— Para ser sincero, sim! Acabei de passar o relatório sobre o caso e fui liberado.

— Você merece, depois dessa noite acredito que deva descansar bastante. — Era impressionante como minha voz monótona deixava-me com um humor deplorável.

— Digo o mesmo para a senhorita.  — Revidou de forma gentil. — Passou por muita coisa.

Fiquei impossibilitada de respondê-lo. Flashes dos momentos que passei naquela boate acertavam-me como pancadas. Cada acontecimento, desde o dia em que acordei naquele lugar pela primeira vez até minutos antes de chegar do lado de fora da prisão na qual estive cinco anos de minha vida. Foram memórias realmente perturbadoras e que ficariam comigo durante muito tempo. Esfregando os braços com calma para o loiro não notar, sentia-me pesada. Lembrava do exato momento em que o homem salvara-me, antes daquele verme quase me estuprar. O desespero e alívio que sentir ao vê-lo entrando por aquela porta. Nunca havia ficado tão grata por ver alguém em toda a minha vida.

— Você está bem? — Olhei para o homem sem entender sua pergunta. — É que quando eu arrombei a porta ele estava... Ele te machucou?

— Ele não chegou a fazer aquilo, se é o que está pensando. Você o impediu. — Desviei meu olhar incapaz de confessar isso olhando para ele. — Devo ter agradecer por isso.

— Não precisa. — Soou cauteloso em suas palavras, como se estivesse com medo de minhas reações. — O que você passou lá, não deveria acontecer com nenhuma mulher.

— Mesmo assim, obrigada pelo que fez por mim. — Insisti. — Não só pelo abuso, mas por tudo. Pela ajuda, por tirar minhas amigas e eu daquele inferno, por nos dar uma nova chance de recuperar as nossas vidas.

— E espero, de coração, que vocês consigam. São mulheres fortes. — Ressaltou com um sorriso sincero no rosto, fora uma ação genuína e tranquilizadora que me tirou um sorriso no canto dos lábios. — Conseguiu contatar sua família? Se quiser posso pedir que agilizem.

— Eu... — Não sabia se deveria explicar o meu caso para um total desconhecido, porém ele fora o responsável por me tirar daquele lugar e eu já havia me aberto o suficiente. — Bem, eu não tenho nenhuma família para chamar.

— Oh... — O modo como perdera a fala denunciava que havia ficado surpreso. — E a senhorita tem para onde ir? Digo, ter como se cuidar sozinha agora?

— Para ser sincera... Não. — Levantei o rosto voltando a olhar para a rua.

— Meu Deus... — Sussurrou nitidamente afetado pelas minhas palavras. — E como pretende se virar?

— Acho que irei passar a noite aqui na delegacia. — Comentei sem ânimo para o que me aguardava. — Amanhã verei o que posso fazer.

— Vagar pela cidade sem rumo ou dinheiro não me parece uma boa opção. — Constatou levantando-se inquieto. — Por Júpiter, a senhorita já comeu algo?

— Ainda não. — Seu olhar pairou sobre mim pensativo.

— Espere um momento por favor. Não irei demorar, eu juro. — Disparou para dentro da delegacia deixando-me completamente atônita ainda sentada no muro.

Observei por um tempo o local na qual o loiro atravessou, emruguei a testa desconfiada e curiosa do que ele pretendia fazer. Era um homem intrigante, notei isso logo que coloquei meus olhos em suas feições bem únicas e sinceras. Ele tinha uma áurea misteriosa, mas suas orbes azuis oceano me transmitiam uma segurança e tranquilidade absurdas. Sentindo o frio da madrugada começar a se intensificar, cogitei ir para dentro da construção de polícia para me proteger de uma possível gripe. Esfreguei os braços tentando passar o arrepio sobre a pele nua e produzi um muxoxo sentindo minha barriga se revirar ansiando por comida. Não demorou muito e novamente pude ver a figura masculina saindo pela porta de entrada da delegacia e vindo em minha direção com um saco de papel e um copo grande em mãos.

— Aqui! — Estendeu os objetos em mãos para mim.

— O que? — Olhei-o ainda sem entender quais eram suas intenções. Era raro para mim encontrar alguém generoso daquele jeito.

— Se minhas suposições estiverem certas, você não comeu desde que começou a dançar. — Praticamente, empurrou o saco e o copo nas minhas mãos. — Precisa comer algo.

— E você me trouxe... — Espiei pela fresta do saco identificando alguns donuts. — Não deveria ter ido comprar. Eu não posso aceitar.

— Bem, mas agora eu já comprei. E, você precisa comer algo, aposto que esta faminta. — Sorriu vendo meu semblante levemente corado. — Não se preocupe, eu comprei de coração, apenas aproveite.

— Obrigada. — Ele acenou com a cabeça se afastando aos pouco e indo em direção a um carro estacionado ao lado de uma lixeira.

— Tenha uma boa noite, senhorita. — Parou com seu carro bem à frente da delegacia. — Se cuide.

— Igualmente, senhor. — O loiro riu parando de inclinar sua cabeça para fora do carro. — Tenha uma boa noite.

Dando ignição no automóvel, o detetive saiu rumo a sua casa. Ainda olhava para a rua sem poder acreditar, ele havia realmente comprado comida para mim. Parecia que minha intuição estava certa, aquele homem era uma alma boa e gentil. Observando o refrigerante e o saco em mãos, sorri encantada pela generosidade dele. Abrindo a embalagem agarrei o primeiro donuts que encontrei e o devorei em alguns segundos. Precisava guardar alguns para as mulheres do lado de dentro, porém minha fome falava um pouco mais alto. Talvez a minha vida não se resumisse apenas à azares, tinham os seus dias de sortes também.

Continua...



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