Não há conversas durante o caminho. Creio que não cabe, de certa forma.
Há somente silêncio e tensão. Medo, sendo precisa. Olho para a paisagem centenas de vezes, inspiro e olho novamente.
Meu corpo quer gritar, correr para longe. Sinto-me inquieta, como uma corrente elétrica em meu sangue, eu estremeço, sem fôlego. Porém, permaneço no mesmo lugar.
Lápis me oferece água e eu nego. Uma mínima gota faria-me vomitar.
Percorremos quilômetros, embora sinto que tenham se passado anos.
Dado momento, eu apago.
Lápis me acorda quando chegamos.
É minha deixa para sair em disparada rumo a casa. Abro o portão central com toda minha força, correndo para dentro. Creio ter passado por três, quatro pessoas durante o percurso. Não as enxerguei, não faço a mínima ideia de quem são.
Corro até ser parada por Garnet. Ela me envolve em um abraço. Há conforto.
– Chegou bem a tempo. – Ela diz. – Rose está a nossa espera.
– Ainda está...? – quero dizer viva ou grávida, qualquer um que sirva. Não consigo pronunciar a palavra.
– Sim. Ela ainda está viva. Mas Peridot, devemos nos preparar para o pior.
Assinto. E então, bato na porta do quarto.
Rose está pálida, suando na cama, mal mantendo seus olhos abertos.
Sr. Gregory a faz companhia, segurando sua mão.
– Peri, que bom estar aqui – ele sauda.
Rose arregala os olhos, gritando. Dou três passos para trás, assustada.
– Mais uma contração. Querida, aguente, uma parteira está a caminho. – Sr. Gregory diz.
– Rose. – Eu chamo. Ela faz um esforço tremendo para me olhar. – Eu cheguei.
– Minha menina, você está aqui – mal tenho tempo para lidar com sua voz falhada e rouca.
Ando em sua direção, me sentando ao seu lado. Beijo sua testa e seguro firme sua mão esquerda.
– Lhes darei um tempo.
Dito isso, Sr. Gregory deixa a sala.
– Estou partindo.
– Não, Rose. Sua criança está para chegar. Ela precisa de você. – digo firme, desmoronando por dentro.
– Ela terá a vocês, estará bem. Não posso dizer o mesmo a meu respeito.
Lágrimas involuntárias caem por sua face já molhada de suor.
Eu permaneço segurando sua mão.
– Não estou pronta para te deixar. És tudo que tenho.
– Não é verdade, Peridot. Tem todas as mulheres dessa casa. São sua família. E tem Lápis Lazuli, ela é esperta, faz bem para você, consigo ver isso, ela é a garota certa para você, não a perca.
– Eu não posso – digo miseravelmente falhando. – Ela é mágica, Rose, um gênio. Ela não pode ficar comigo.
– Eu sei, sempre soube.
– Como?
Outra contração. Ela grita, apertando minha mão, suas unhas me arranhando.
– Existem tantas coisas que não sabe sobre mim. Essa é uma delas, então acredite, eu estou indo, não deixe que esse fato a separe.
– Lápis não importa agora. Eu quero você viva. Ainda não acabou, nada acabou.
– Eu sou grata por ter lhe conhecido, Peridot Levesque. Foi como uma filha para mim e uma honra ter lhe observado crescer e se tornar a mulher forte, independente e brilhante que és. Eu diria linda também, mas você não gosta de ser chamada assim.
– E você me salvou. Eu estava perdida, você me mostrou o mundo, essa casa, quem eu sou. Eu amo você, Rose.
– Eu também amo você, com toda a vida existente nesse planeta. E por me amar, vai me deixar ir.
Outra contração, mais prolongada, mais forte. Grito por ajuda.
Lágrimas inundam minha face enquanto Gregory e outra mulher, a parteira, entram as pressas na sala. Sou puxada para fora por Ruby.
– Não! Me deixe ficar com ela! – me debato. Ruby ainda me segura e eu choro ainda mais em seus braços.
Por uma hora e quarenta minutos exatos, somos todas recebidas por gritos vindos do quarto de Rose. Até que cessam.
Levanto de onde estava, com meu coração acelerado.
A parteira é a primeira a sair, carregando um bebê em seus braços.
Na hora, não pude ser capaz de perceber, mas pensando melhor, Garnet foi a primeira a entender. Pois ela havia pegado o menino em seus braços, o ninando, sentando-se ao fundo do salão, eu não havia percebido, mas ela parecia chorar.
Em seguida, a primeira a se movimentar foi Ametista, escancarando a porta ao entrar. Ela sai em menos de dois segundos, o rosto vermelho ficando evidente. Não a vejo mais.
É minha vez de sair da paralisia. Dois passos em frente, três, quatro e continuando, até chegar no quarto.
Meus sapatos se sujam com o sangue no chão. Um golpe de coragem me invade e eu olho para frente.
Gregory chora sobre o corpo velado de sua mulher, seu rosto, por sinal, se encontra sereno, quase em paz. Quero acreditar que em paz.
– não... não, não, não
Rose faleceu. Rose, minha querida e amada Rose, faleceu.
Eu grito. Sinto alguém me abraçar e essa é a deixa para gritar que me deixem em paz. Saio da sala. E só então lembro de Lápis. Meus dois desejos. Rose ainda pode viver.
Encontro Lápis em nosso quarto.
– Sinto muito. – Ela diz. Embora eu saiba que ela não sinta tanto, seu rosto impassível demonstra que ao longo de os milênios de sua existência, essa não foi a primeira morte que ela presenciou.
– Não preciso disso. Tenho um desejo.
Ela se levanta, arqueando a sobrancelha.
– Pois diga.
– Quero Rose viva novamente. Eu desejo que Rose viva.
Olho-a quase implorando.
– Não.
– É meu segundo desejo, Lápis.
– Sinto muito, minha resposta ainda é não.
– Como? – uma parte de mim se despedaça. – Como não? Você é meu gênio, realize meu desejo.
– Sinto muito que seu desejo descumpra uma de minhas regras. Portanto, minha resposta é não. Não irei ressuscitar Rose.
– Regras? – incrédula, a fuzilo com meu olhar. – Dane-se suas estúpidas regras. Você é um ser quase divino, foda-se suas regras. Apenas o faça.
– Isso não cabe a mim. Quando me conheceu, eu deixei explícito o que não posso fazer.
– Por mero capricho. – Rebato.
– Peridot, eu disse não.
– Mas eu desejo! Faça com que ela viva e faça agora! É MEU DESEJO QUE A RESSUSCITE!
– Não grite. Quer que toda a casa saiba do seu segredo, por acaso?
– Foda-se. Apenas FAÇA.l
– Desculpe. – Lápis recua, seus olhos ainda impassíveis. É como se ela não tivesse emoções. Isso me enfurece ainda mais.
– Eu não quero suas desculpas. Você deveria fazer meus desejos, não é para isso que é feita?
Ela arqueia a sobrancelha, sua cabeça levemente pendendo para a direita.
– Eu sabia – ela ri, contrariada. – Sabia que não era diferente de meus outros mestres, pois como para todos, eu sou apenas um objeto a ser usado.
Ela não e nunca foi um objeto a ser usado. Queria poder negar, entretanto a raiva me consumia.
– QUE SEJA!!! – eu grito furiosa. – Se não vai fazer minha vontade, suma!!
– É seu desejo? Que eu suma?
Sem expressões, novamente. Ela nem parece humana – talvez, porque não o seja mais.
Eu paro, pensando.
– Não. Meu desejo é outro.
Meu rosto se contrai, é errado. Entretanto, tomada pela dor e fúria, eu não ligo.
– E qual seria?
E eu sei que no segundo que pronunciar minha sentença irei amargamente me arrepender. Sei que irei perde-la e que ela passará a me odiar. Que seja, será melhor assim, depois de Rose, não me sinto capaz de amar novamente. Amor dói. Amar Lápis dói e dessa forma, deve doer menos.
– Eu desejo que você sinta dor. Sinta o luto. – A frieza me consome. – Creio que sua imortalidade a fez esquecer as emoções humanas. Somente dessa forma para negar meu desejo por vida, eu suponho. Portanto, eu desejo que você sinta a morte e a dor que eu sinto. Que sinta tudo na intensidade que um ser humano sente, pelo período em que essa casa desfalece em luto. Como humana, eu desejo que você sinta.
– Assim será feito, mestre. Conforme deseja.
Ela não demonstra ter sido afetada. De maneira metódica, ela aceitou. Engolindo qualquer discordância que viesse a surgir.
– Agora saia. – Pronuncio. – Eu preciso lidar com meu luto sozinha.
É minha última frase antes de assistir Lápis sumir em volta de fumaça azul.
Vejo em seus olhos, nos últimos segundos antes de a névoa a levar, o abismo se esclarecer. Eu sinto sua dor também.
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