Sair das cobertas acolhedoras de seu quarto não foi uma tarefa fácil para Bakugou naquela manhã ensolarada. O corpo do loiro estava pesado, dolorido, e mal reagia a qualquer tipo de estímulo externo. Era notável que ele tinha dormido de mal jeito... ou que mal tinha dormido aquela noite.
Ao acumular forças para levantar, o mesmo foi diretamente ao banheiro antes que alguém o visse naquele estado deplorável. Seu cabelo estava totalmente detonado, seu rosto estava inchado e com alguns fios de barba por fazer, mas o que aparentava maior descuidado eram os evidentes abismos debaixo dos olhos.
Seu estado vinha um tanto decadente desde a conversa que teve com Kirishima na cachoeira. Mesmo que ouvessem outras preocupações mais importantes no momento, as palavras do ruivo simplesmente não saiam de sua cabeça. Coisas como "não foi tão ruim pra vocês", ou "eu era só mais um" eram tão difíceis de engolir que reviraram abaixo suas últimas três noites. Perguntas como "porque isso me dói?" também rondaram a cabeça de Bakugou nesse tempo, mas nenhuma resposta parecia ideal e suficientemente agradável ao mesmo.
Sempre foi perceptível o quanto esse garoto ainda mexe com sua cabeça, mas Bakugou se recusava a admitir isso.
E além disso, ainda havia o concurso. O seu tão almejado sonho, que a cada dia eatava mais próximo, e que a cada momento parecia mais desafiador. Para piorar, todos a sua volta pareciam estar milhas a sua frente. Yaoyorozu entrou nas Amazonas por recomendação das próprias, sem ao menos uma provinha sequer, e já estava na liderança. Jirou mal começou como ferreira e já era requisitada por entidades nobres com suas poderosas armas. Até o Kaminari, o Sero, e a Ashido já havia tomado rédeas das próprias vidas... mas ele ainda tinha de esperar. As entidades sempre comentaram do absurdo que é deixar os jovens tomarem o controle do reino, principalmente levando em conta de que muitos nem controlavam suas vidas, e que uma sequência de provas definiria seus cargos na sociedade, mas era daquela forma que as coisas ali funcionavam.
Essa mistura de pensamentos conflitantes fervilhava em seu cérebro mesmo que todo o universo em volta fosse pacífico. Logo que a energia foi tomando seu corpo, o silêncio da manhã começou a se tornar um problema, e com pouco tempo sua carcaça zumbificada retornou ao seu estado carrancudo e mascarado de todos os dias. Seus pobres dentes sofriam as consequências disso, que descontava a combustão na brutalidade de sua escovação. Nem o canto dos pássarinhos que vinha da janela parecia acalmar aquele jovem loiro.
Porém, ironicamente, ao cruzar a sala, um pouco da turbulência do loiro se contrastou com a calmaria que lá se acomodava. Kirishima dormia largado sobre o sofá numa posição engraçada, tão despreocupado que fez Bakugou soltar uma risada anasalada. Estava com boca semi-aberta, a camisa quase saindo do corpo e, o que o faria surtar quando acordasse, o cabelo totalmente virado ao avesso. Sua coberta estava jogada no chão, porém sua respiração era pesada então provavelmente não acordara em nenhum momento.
Bakugou se perguntou como Kirishima estava confortável daquele jeito.
Inconscientemente, se aproximou para checar se ele realmente estava dormindo direito. Resolveu pôr o cobertor jogado ao chão de volta sobre o corpo do outro, com certo cuidado pra não acorda-lo. Se aproximou até um pouco mais do que esperava, ou do que deveria, e pôde ver de perto o conjunto de ser humano mais bem feito que já puseram a sua frente. O contraste dos cabelos chamativos com a pele escura, do corpo marcado com o rosto amigável, ou dos dentes afiados com as bochechas... fofas. O charme da cicatriz mínima sobre seu olho direito era um destaque a parte, e ainda tinham os lábios...
Estava extasiado, muito extasiado, muito mais do que deveria, e então suas pernas desequilibraram. Foi obrigado a se apoiar na parede para não causar ruídos, e logo que acordou de seu transe, resolveu sair dalí o mais depressa possível.
O que diabos ele estava fazendo?!
Aquilo só podia ser efeito das noites mal dormidas, certeza. Era a única explicação. Kirishima nunca nem saberá disso.
Depois de tudo arrumado, antes que enlouquecesse, o loiro seguiu seu curso em direção a Sede dos Caçadores. Mesmo que ainda não tivesse o aval oficial para trabalhar por lá, Bakugou contrariava as regras e participava de tudo que pudesse, como o real representante que ele sabia que um dia seria. Era assim que dissipavam suas crises.
Mesmo com algumas reclamações aqui e ali, e com o deboche de alguns veteranos, apenas dessa forma o loiro conseguiu poder ali dentro: querando as regras. Eles não tinham do que reclamar. Seus trabalhos sempre foram de extrema qualidade, e desde que se convocou sem convite como representante, muita coisa dentro da sede havia melhorado. Bakugou com certeza era abençoado por ter uma mãe como entidade caçadora, mas com certeza não foi ela que deixou seus trabalhos de caça tão impecáveis.
Sua batalha dentro da sede sempre foi para provar o seu mérito pessoal, e nada anularia sua determinação de concretizar isso.
Chegando na sede, pôde encarar de perto novamente uma das construções mais temidas de seu reino. Ela possuia grandes paredes vermelhas, ladrilhadas de uma cerâmica preta que forma uma serie de desenhos simbólicos. O chão era feito de um antederrapante preto e marrom, e no meio havia um caminho para onde os caçadores deviam levar suas caças, para serem contabilizadas, higienizadas e distribuídas a população.
Mesmo gostando do ambiente, o loiro praguejava mentalmente por estar alí tão cedo. Isso significava passar novamente pelo processo democrático semanal de assinar diversos papeis irritantes. "Temos que cuidar da vida, e preservar o ciclo dela" e esses """"mimimi's"""".
"Se quiser ser o melhor, precisa ser responsável." – A voz de sua mãe ecoou na memória, enquanto ele se sentava na poltrona que um dia foi dela.
— Caralho, pra quê eles enviam tanta papelada pra cá?! – Pensou alto, apoiando os papeis na mesa. – Aqui trabalham caçadores porra, não arquivistas!
Esbravejou descontente, até ver Tokoyami entrando na sala.
— O "comitê protetor do ciclo da vida" mandou papelada de novo? – Tokoyami bocejou, escorado na parede. – Quem ultrapassou a cota máxima de caça dessa vez?
— Não sei, só sei que esse cara vai se fuder bonito quando eu descobrir. – Bakugou exclamou, assinando os documentos com tanta força que quase rasgou as folhas. – "...Então fica o alerta sobre a conscientização dos caçadores a respeito da caça descontrolada de certas espécies, que pode acarretar em problemas para o desenvolvimento do ciclo da vida... os envolvidos nesse alerta são: Ibara Shiozaki, Pony Tsunotori, Izuku Mido--" Argh, pra variar! O Deku sempre atrapalha tudo que eu faço, é impressionante.
— O Midoriya entrou pro "CPCV"? Wow, que crescimento rápido. – Tokoyami comentou, surpreso.
— Tch-- – Grunhiu, rangendo os dentes discretamente.
"É, ele pode participar oficialmente do comitê sem fazer o concurso, agora EU? HAH! Eu que lute nessa porra." – Pensou, frustrado.
Bakugou sentiu um amargor subir em seu cérebro depois de ler aquele simples nome. Midoriya sempre foi um caso diferente dos outros quando a questão era "ultrapassagem". O mesmo nasceu sem magia, sem força bruta, e viveu sempre as costas do loiro. Contudo, igual ele, Midoriya tinha o sonho de ser tão poderoso quanto o grande All Might, e isso sempre trouxe discórdia aos dois garotos. Com o passar dos anos as coisas não mudaram tanto, Bakugou continuou o mais forte e o mais poderoso...
Mas aquele merdinha tinha algo mais.
Algo mais, um carisma a mais, que encantou o poderoso All Might.
Algo mais, que fez All Might abdicar de seu corpo físico para conceder seus poderes de entidade a... aquele inútil.
Bakugou odiava relembrar de como estava para trás diante de alguém que outrora fora tão... inútil, e enquanto refletia na base do ódio, continuou assinando as revindicações até que sua parte acabasse.
Ao sair da sala, pôde ver suas caças sendo levadas em um carrinho de mão por um açougueiro. Identificou-as por causa do corte extremamente bem feito de todas as peças (modestia a parte) e por sua marca de registro: Um B, de Bakugou, escrito com lâmina de platina quente. Um pouco de orgulho voltou a correr em suas veias naquele momento, e seu espírito em fúria teve novamente certa paz.
Antes que pudesse finalmente apreciar o frescor daquele dia ensolarado, uma surpresa realmente desagradável o aguardava logo na saida da temida sede. Encostado numa árvore, desatento, encarando os céus infinitos, estava o Regente Geral mais jovem de todo o mundo mágico, Todoroki Shouto. O mesmo usava roupas nobres, elegantes, e possuia uma bolsa de couro escura consigo.
Das últimas vezes que Bakugou havia recebido visitas da "corte", foram apenas para reclamarem sobre seu exercício precoce no papel de caçador. Mesmo que seu trabalho fosse impecável, e que seu potencial fosse imenso, ainda sim eles insistiam em dizer que era "injusto com os outros participantes do concurso" que o mesmo trabalhasse sem fazer a maldita prova. Bakugou nunca se deixou levar por esses puxões de orelha, mas agora a coisa talvez estivesse feia para seu lado.
Novamente não se abalou.
— Hah, finalmente decidiu se desencarcerar do castelo, bastardo meio-a-meio?! – Bakugou exclamou, chamando a atenção. – O que caralhos você quer aqui?
— Boa tarde, Bakugou. – O príncipe respondeu, ainda disperso. – Eu só vim conversar.
O olhar marcante dos Todoroki bateu diretamente na alma do loiro.
— Isto é, se for realmente possivel conseguir pelo menos 5 minutos de diálogo com você. – O príncipe continuou, provocando de tal forma que fez o outro ranger os dentes.
— Veio repetir que eu não posso exercer o trabalho de caça ainda?!! Pois poupe seu tempo, eu não paro nem que me joguem nas masmorras!!! – Exclamou, em súbita fúria.
— Admirável como os caçadores veteranos ainda não te deram uma lição contra essa tua teimosia. – Todoroki retrucou, afetado pela raiva de Bakugou num total de 0%. – Mas não, não estou aqui para isso. Muito pelo contrário, tive de bloquear todo meu orgulho para lhe pedir certa ajuda.
— ...Algum problema com a organização dos caçadores? – Perguntou irônico, com um fundo de veracidade. – Achei que eu "nunca estaria apto a liderança", majestade.
— É, talvez você não esteja, contudo ao menos você tem uma boa memória. – O outro jogou a ironia de volta, fazendo o loiro ranger seus dentes. – Esqueci que tu és do tipo que guarda rancores.
— O que diabos você quer, han?! – Bakugou gritou, perdendo a paciência. – Chega desse papinho ridículo, não tenho o dia todo!
Todoroki encarou o loiro, suspirando fundo e repensando todas as suas escolhas de vida.
— Eu não sei porque estou fazendo isso... – Todoroki pensou alto, aquecendo a garganta para falar. – Como você sabe, o antigo portador do cargo de "Regente Dos Caçadores" se tornou uma entidade a pouco mais de 3 meses. Com isso, o cargo ficou sem sucessor, e você impulsivamente começou a participar das reuniões nesse posto. O ideal era que tivessemos feito uma eleição diplomática entre os veteranos da área, porém devo admitir que seu trabalho superou minhas expectativas.
— Onde você quer chegar com tudo isso??! – Bakugou o cortou, impaciente.
— Você é péssimo em diálogo, e em trabalho de equipe. – Voltou, fazendo a expressão de Bakugou distorcer. – Mas devo admitir que tu és um bom estrategista, e que seus trabalhos são competentes. Estou aqui para lhe informar que, mesmo depois de todas as reclamações, se realmente quisessemos te tirar desse cargo, teriamos feito isso a muito tempo.
Bakugou encarou o outro um tanto surpreso. Era isso mesmo que estava ouvindo?
— Então... você está me dizendo que o cargo é meu?! – Perguntou, tentando conter a emoção que subiu no peito.
"Esse filho da puta só pode estar de brincadeira, ele nunca me escolheria pra isso!"
— Você continuará o exercendo não oficialmente, por agora. – Todoroki cortou sua felicidade. – Porém, logo após o concurso, tu serás nomeado oficialmente. Tudo depende dos seus resultados por lá.
"...ele nunca me escolheria de verdade, haha."
— ...tch. É isso? – Bakugou desanimou.
— Não. – Todoroki respondeu. – Te contei isso porque...
Enquanto conversavam sobre os problemas diplomáticos causados pela caça em excesso, os dois seguiram a caminhar dentre a floresta lado a lado. Eram muitas coisas a resolver, mas logo que tudo foi conversado, o clima se tornou desconfortável. O silêncio ficou cada vez mais agonizante.
Bakugou não tinha boas recordações dos momentos em que esteve com o príncipe. Os dois sabem demais um do outro, mas mal se falam, e isso sempre gera desconforto para ambos os lados. Problemas familiares, exposições emocionais, traumas, falhas, e etc. Simplesmente foram obrigados a saber bastante da vida um do outro por, infelizmente, terem familias próximas no "governo." Suas mães se amam, porém tudo que eles pegaram desse amor foram as farpas e olhares impacientes quando há eventos no castelo.
Ele detesta esse silêncio.
— Argh! – Grunhiu o loiro, irritado. – Posso ir embora agora?! Já passei tempo suficiente olhando pra essa sua cara necrozada.
O príncipe suspirou fundo novamente, agora incomodado pela quebra do calmo e singelo silêncio.
— Você até parece interessante quando está calado, Bakugou. – Ele disse.
— Tch, que seja. – O loiro exclamou, procurando algo para dizer até finalmente notar a bolsa que o outro carregava. – O que tanto você tem nessa bolsa ai?!
— Ah, isso? – Todoroki perguntou retórico, abrindo-a para pegar. – Foi para trazer algo que eu achei enquanto mexia em alguns arquivos do castelo. – Falou, puxando da bolsa um livro antigo. – Sinto que isto não me pertence. Estava pensando em levar para os arquivos das fadas. Reconhece?
Bakugou observou aquela peça por um momento. Estava bastante empoeirado, mas após limpá-lo com cuidado, o loiro pôde ver o quão brilhante ele era. Era um livro vermelho, com detalhes pretos envernizados nos cantos, e alguns desenhos de engrenagens humanas... não demorou tanto para que ele pudesse recordar.
...
O vento passava forte em seu rosto gordinho. Seus pés curtos se moviam rápido, se sentia correndo de alguém exibindo um vitorioso e maldoso sorriso no rosto. A floresta mágica nessa época ainda era jovem, inexplorada, a adrenalina de estar ali corria em suas veias.
Porém sua corrida parou ao notar um brilho na mão de um conhecido moreno, que conversava longe com a entidade Midnight, debaixo de uma árvore, rindo.
— Parece que conseguiu finalmente pegar alguma coisa sem mim, né?! – Sua voz, bem mais jovial, exclamou longe para Kirishima, enquanto cortava a fala de Midnight com seu sorriso típico.
— Consegui sim! – Kirishima exclamou de volta, levantando um livro de longe para mostrá-lo.
Aquela cena passou chiando e com diversos 'glitchs' por sua cabeça, mas ainda conseguiria identificar aquela voz de criança travessa nem que estivesse totalmente abafada.
— Bonito ele. – Comentou, encarando a peça brilhante, enquanto o seu brilho bugava na memória. – Tá pronto pra outra remessa, cabeça de merda?!!
— Sempre, McEsplode!!
...
"Isto é... o livro de Crimson Riot?"
— Wow, faz muito tempo que eu não vejo isso. – Bakugou diz, enquanto tirava o resto da poeira. – Isso aqui não é seu nem fudendo, foi de um dos últimos "assaltos" a biblioteca. O Kirishima foi atrás disso sozinho, e nem quis devolver. A Midnight ficou com pena de tirar dele.
Um sorriso mínimo surgiu no loiro com aquela lembrança nostálgica, porém morreu antes que se fizesse permanente.
"...Por que eu ainda tenho que lembrar disso?" – Bakugou pensou, frustrado, forçando-se a manter sua carranca natural.
— Por que você quer saber? – Bakugou perguntou, desconfiado.
— Imaginei que talvez alguém pudesse devolvê-lo ao dono. – Todoroki respondeu, e a conversa morreu aí.
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Ao se distanciar de Todoroki, e se encontrar finalmente sozinho, o alívio que Bakugou achou que sentiria se tornou uma angústia amarga dentro do peito. O que evitara de pensar naqueles três dias se voltou contra si como um vortex o puxando direto para seus problemas. Não sabia para onde ir naquele instante, ou o que devia fazer: treinar para o concurso, voltar pra casa para estudar, devolver o livro ao Kirishima...
Em seu momento de confusão resolveu caminhar um pouco para dissipar seus pensamentos. Não se deixando levar novamente por suas emoções, encostou com o pé numa das tão comentadas flores de Ikisaki, e seguiu a trilha para que não saisse das áreas protegidas novamente (como aconteceu quando encontrou-se com Dabi).
Enquanto caminhava, se pôs a observar o ambiente a sua volta, e voltou sua atenção completamente nisso. O canto dos pássaros, o balançar das folhas das árvores, o tilintar de algumas fadas que passavam ali, o sol quente bronzeando sua pele e até o barulho de seus próprios passos no chão. A angústia começou a se esvair junto ao vento.
Bakugou precisava de soluções práticas. Se sentir mal por coisas sem solução não faria mudança alguma. Havia treinado bastante, mais que em todos os seus anos de vida, então não era inteligente se preocupar tanto com seus adversários. Ele daria seu melhor, e precisava ter esperança de que seu melhor seria o suficiente. Estava mais perto do que nunca de se alinhar a todos os seus amigos.
...amigos? Nah, diria adversários.
Já com Kirishima, não tinha muito o que Bakugou pudesse fazer. Ele só sabe que o outro perdeu muitas memórias do passado, mas não sabe como isso pode ter acontecido. Nem sequer sabe porque isso é um problema pra si, quem dirá como aconteceu.
Num momento reflexivo, ainda enquanto caminhava, levantou o livro antigo sob seu olhar novamente. Aquela peça sim lhe trazia boas memórias, e foi inevitável não sorrir diante delas.
Sua amizade se tornou amizade por causa desse livro.
Naquela mesma floresta, ao pôr do sol, Bakugou caminhou ao lado de um garoto moreno saltitante. A memória agora era mais clara, e passava como um filme de cinema humano. O rosto sorridente e orgulhoso do colega de assaltos foi a primeira coisa a aparecer em tela, e chegou a ser irritante na época. Ele segurava o tal livro vermelho, que mais parecia ser maior que ele.
— Você ficou de me contar o que isso daí tem de tão interessante. – Comentou seu eu do passado, cortando o barato pessoal do colega. – Você ta parecendo uma gazela sorridente com esse livro.
— Sério que eu não te contei??! – O mini-Kirishima exclamou indignado. – Eu nem estava tão animado pra ler, mas a entidade Aizawa, o sábio da biblioteca, disse que esse cara é da minha família!
Kirishima não conteve sua animação em abrir aquele grande livro e mostrar as figuras de seu suposto parente ao seu colega de crime. Em sua memória o – na época moreno – esbanjou orgulho, porém este não foi muito duradouro, visto que Bakugou encarou-as atentamente e não pôde conter suas risadas.
— Pufft... Ele se veste como um idiota!! – Exclamou caçoando, apontando rudemente para as vestimentas antigas. – E olha pra esse cabelo, é ridículo!!
As risadas do loiro, pela primeira vez, incomodaram o outro.
— Ei!! Você não pode zoar dele, ele é bem legal tá??! – Esbravejou ofendido, fazendo o outro gargalhar ainda mais. – Ele ajudou varias pessoas no mundo humano a fugirem das prisões, e sobreviveu por quase 10 anos como um herói!!
— Mas continua sendo feio pra burro! Você que é tão merda quanto pra não ver isso.
O moreno encarou o outro nos olhos após o comentário maldoso, e retomando seu eu natural, voltou a sorrir.
— E se eu te dissesse que ele parece mais com você do que comigo?
— ...Como é?! – Voltou-se para Kirishima, incrédulo. – Eu não pareço um palhaço, cê está querendo levar porrada é?!
— Nah, não nisso, Bombinha. – O ruivo respondeu, sorrindo ainda mais largamente. – É que você parece muito com ele mesmo. Tem o cabelo espetado e desarrumado, é rabugento, chato e descontro--
— Você tá me tirando do sério!!! – Exclamou ainda mais alto, puxando o outro pela aba da jaqueta, numa ameaça. – Meça o jeito que tu fala de mim, cabeça de merda.
— Você nem deixou eu terminar! – Kirishima disse, num tom divertido, sem temer nem quando o outro tinha seu pescoço nas mãos. – Ele é rabugento, mas também é muito forte. No livro diz que ele tinha magia elemental, e que controlava com... qual era a palavra... ah! Maes... Maestria! Era uma coisa assim.
As mãos de Bakugou suavizaram inconscientemente.
— Ele era super determinado também, tinha um lado bondoso, e tinha sonho de ser caçador quando era pequeno, que nem você!
Os olhos de Bakugou arregalaram-se.
— Eu não tinha lido esse livro antes, mas ele diz o que eu pensei quando quis ser seu amigo! – Concluiu. – A gente tem que acreditar no melhor das pessoas, né? Foi assim que eu te conheci, lembra? A gente não pode julgar as caras pelos erros do passado.
Com isso as mãos do loiro se soltaram de vez, e Kirishima pôde voltar a respirar melhor. Bakugou nunca esteve preparado para a imprevisibilidade do moreno cabeça de merda desde o momento que o conheceu. Ninguém nunca havia o olhado tão de dentro quanto ele.
— O que você tá falando nem ta fazendo sentido, seu merda. – Disse, cortando o assunto. – Isso nem tem nada haver com o assunto, animal.
— Tem sim! – Retrucou. – Você julgou ele pela má escolha de roupa dele do passado.
As duas crianças no auge de seus 10 anos se encararam, contrastando em tudo nas suas reações. O sorriso do moreno brilhava como sol naquele instante, satisfeito por deixar o indomável Bakugou Katsuki sem respostas.
Já Bakugou apenas calou-se no resto daquele caminho, pois prometeu a si mesmo que daria um belo murro naquele propotente quando ele chegasse em casa.
Não cumpriu sua promessa dessa vez.
Nem dessa, nem em nenhuma das próximas.
...
— ...eu era um idiota. – Pensou alto, abaixando o livro novamente com o flashback.
Suspirou fundo, chutando um graveto no caminho.
"Mas... mas que merda." – Pensou, sentindo a garganta fechar. – "Isso nem era pra ser importante. Porra. Que merda. Que merda! QUE MERDA!"
Pisou no chão com força antes que se sentisse desabar.
"...que merda."
Quando suspirou fundo novamente, saiu um pouco de seus pensamentos para finalmente voltar a prestar atenção em seu caminho. Curiosamente, aquele trajeto todo era conhecido, e estranho, pois dava aproximadamente na casa de uma das bruxas do sul, Uraraka Ochako.
O que iria fazer na casa de alguém como ela?
Continuou seguindo a trilha diferente com um passo mais receoso, prestando atenção nos sons ao seu redor. E na tentativa de entender porque estava sendo levado até lá, ouviu vozes familiares.
— ...eu tô super confusa! – A voz de Uraraka ecoou distante, se aproximando. – Você está dizendo que o canto das sereias agora afeta as mulheres também?!
— Pois é, elas ficaram muuuito fortes! – Outra voz apareceu juntamente de um tilintar, ainda mais próxima, era a da Ashido. – Dizem que as vezes elas nem precisam cantar para atrair as coisas...
— As vezes nem precisa ser sereia pra isso. – Outra voz ecoou contrastando com a das meninas, uma voz máscula. Droga, era o Kirishima.
Algo dentro de si alertou que aquele não era o momento de encarar o ruivo de frente. No impulso, correu para detrás de uma árvore grande antes que o trio o visse, e logo que se escondeu, pode ouvir as pegadas dos mesmos.
— Awwn as flores estão brilhando aqui!! – A voz de Ashido exclamou, eufórica. – E ainda é dia! Isso é um bom sinal.
— É bem bonito. – Kirishima falou em seguida.
A partir daí barulhos de folhas invadiram os ouvidos do loiro, que quando olhou para os lados, percebeu que eles caminhavam até a casa da bruxa. Não estava escondido num tronco tão extenso, então para qualquer lado que caminhasse poderia ser visto.
Não estava afim de conversar, mas se aquelas flores o levaram até ali...
Tinha algum motivo.
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