Jaehwan mandou que eu sentasse no chão, de frente para ele. Então o fiz, apoiando a bandeja no chão sobre minhas pernas. Ravi sentou-se num banco em frente ao balcão e eu fiquei observando sem entender muito bem o porquê daquilo.
— Então, para pedir desculpas ao Leo hyung você tem que chegar de mansinho. Não pode vir se humilhando, senão ele vai te humilhar ainda mais. O Taekwoonie não gosta de escândalo, então você não pode se afobar. Mas não se preocupe, você é uma mocinha, então ele não vai te ferir nem nada disso.
— ELE TENTOU ME MATAR ONTEM! –Gritei desesperada e só senti um pano voar em mim. Hakyeon havia o jogado da cozinha e caiu certeiro em minha cabeça.
— Ih, verdade. Então qualquer coisa, você grita! –Ravi disse e assenti, continuando a comer meu café-da-manhã mas morrendo de medo por dentro. Minhas mãos até estavam tremendo.
Eu sei que vacilei, mas acho uma tortura eu ter de pedir desculpas. Eu não fui a única errada da história toda! Ele me atacou!
Acho que o Hakyeon percebeu meu nervosismo pela forma em que eu quase derrubava os hashis de tanto que minhas mãos tremiam e brigou com os dois, batendo em ambos com uma enorme colher de ferro.
— Idiotas! Vocês só estão pondo mais medo ainda na menina, coitada! Não precisa disso tudo, Jihyun. O Leo parece ser desse jeito, meio monstro, mas não é. Ele é super legal e gentil, principalmente com as pessoas que não conhece direito. Ele só é um pouco reservado e a vida já o feriu muito, por isso, vive na defensiva. Pode ser um pouco complicado agora, mas logo você vai compreender. Ele é um sujeito bom.
— Como assim "a vida já o feriu muito"? –Perguntei inocentemente e os três se entreolharam. Jaehwan negou com a cabeça devagarzinho, mal dava para acompanhar o movimento e Hakyeon, por sua vez, sussurrou algo no ouvido dos dois antes de se voltar para mim novamente.
— Bom, não acho que seja algo que eu deveria ter contar, por isso não vou entrar em detalhes mas... Há uns anos, uns 2 anos, o Taekwoon tinha uma namorada. Ela era humana e os dois eram felizes. Moravam juntos, se amavam, faziam planos... era tudo perfeito. — Hakyeon me contou e logo depois Ravi continuou.
— Só que não durou muito. Pombos seguiram ele um dia e invadiram a casa deles. Taekwoon não conseguiu salvar a namorada, e ela morreu. Ela foi atacada pelos pombos, compreende? Acharam que era uma ghoul. Depois dela... sangrar até morrer, o Taekwoon hyung matou todos os pombos e fugiu do local. Com tudo isso...
— Na época, ele pirou. – Jaehwan interrompeu – Resolveu que mataria todos os pombos e começou a eliminação. Ele devorou e massacrou centenas de pombos, vingando a namorada falecida. Até que um dia, quando ele quase estava sendo pego por um investigador especial que foi posto justamente no caso para acabar com ele, o Hakyeon hyung o salvou de ser morto e o trouxe para cá. Na primeira semana, bem... tivemos de acorrentá-lo em correntes feitas de ferro quinque, mas com o passar do tempo ele foi melhorando. Hoje ele está 300%.
— Se ele tá 300% agora, Deus me livre ver ele 1%. –Falei e Hakyeon me lançou mais um daqueles olhares congelantes e eu caí na gargalhada. Ele protege o Taekwoon como se fosse um filho, é fofo, mas não consigo enxegá-lo como alguém que precise de proteção. Eu gargalhava sozinha, enquanto os meninos se entreolhavam ainda meio estranhos, como se fosse um pecado falar do passado do amigo deles. Um crime hediondo. Até que ficou desconfortável, então parei de rir e passei a comer como alguém normal enquanto o maravilhoso aroma de café invadia o apartamento, me trazendo lembranças de muito tempo atrás, quando eu ainda era apenas uma adolescente que ia à escola e não morava com ghouls.
Os meninos estavam quietos enquanto Hakyeon oppa terminava o café. Ele parecia um sensei de anime preparando uma poção da Ressurreição ou algo assim, era incrível o seu nível perfeito de concentração. Acabei de comer – não tudo porque colocaram comida aqui para um batalhão – e de repente, numa tentativa minha de disfarçar o desconforto, olhei aleatoriamente para um ponto e pude notar que Ravi me encarava muito sério. Ele não desviava seu olhar nem por um segundo e seus olhos brilhavam. Não sei se era um brilho natural ou se eram lágrimas, só sei que aquilo me incomodou um pouco.
— Algum problema, Ravi? –Perguntei baixinho, o que o fez despertar de seu transe em mim. Ele apenas negou baixinho e voltou sua concentração pra qualquer coisa que não fosse eu.
Resolvi levantar. Levei minha bandeja para a pia e a deixei lá, depois eu lavo. Fui trocar de roupa – já estava na hora de trocar aquele blusão indecente – e depois de já vestida com um vestido floral branco e azul que batia mais ou menos na metade das coxas que achei no canto mais obscuro do guarda roupa, fui fazer minha higiene. Acordei tão assustada com o barulho que esqueci de todo o resto do mundo. Quando voltei para a cozinha, o café já estava pronto. Estava posto num copinho parecido com os de cafeteria, onde estava escrito "Hello, my name is:" e depois "Taek" e um coraçãozinho muito fofo. Tudo lindo e delicado... pro amigo que tentou me matar. É aquele famoso "é a vida".
Num dia as pessoas tentam te matar, no outro você leva cafézinho pra elas.
— O Taekwoon está no último andar, eu disse para ele me esperar lá. Vá lá e por favor, tenta não estragar tudo. —Hakyeon me entregou o copo e eu assenti tentando pelo menos fingir que eu tinha alguma confiança.
Jaehwan estava lavando as louças enquanto Ravi arrumava a cozinha, então os deixei fazendo esse enorme favor para mim e fui atrás do Taekwoon. Entrei no elevador e apertei o último botão, sentindo meu coração subindo junto e quase saindo pela boca. Mesmo brincando, entendo a situação dele. É uma pessoa muito ferida, coitado.
Não sei nem se é correto chamar um ghoul de pessoa. Sei lá, isso tudo é muito estranho e bizarro.
Após alguns segundos tortuosos, a porta se abriu. Respirei fundo, respirei de novo e saí. Dei aquela olhada feroz para todos os lados, tentando achar o Taekwoon ou qualquer vestígio dele. Olhei no piano, não estava. Olhei perto de uma máquina de café, não estava. Até que olhei para cima usando meus "olhos de gavião" e vi uma cabeça de cabelos negros no sofá. Oh, céus. Vou ter que falar com ele dessa altura. Eu deveria ter trago um paraquedas.
Ri do meu próprio pensamento idiota e me senti melhor para poder prosseguir com minha missão. Subi as escadas rindo como uma idiota, mas quando me aproximei do sofá, fui diminuindo o volume até cessar de vez. Taekwoon estava sentado mexendo no celular, não parecia bravo, estava impávido deslizando pelo celular os... enormes dedos cadavéricos dele!!!
Fiquei como uma idiota encarando os dedos dele até que me liguei que tinha minha missão e, como quem não queria nada, fui me aproximando mais, lentamente, até que devagarzinho me sentei na outra ponta do sofá de três lugares.
Ele olhou para o lado discretamente, pude ver com a visão periférica, mas logo voltou a encarar o celular, sem demonstrar raiva nem nada, calmo e sereno. Fiquei um tempo olhando para o nada, balançando meus pézinhos que mal tocavam no chão. Minhas mãos tremiam um pouco de ansiedade, queria que isso acabasse logo.
— Então, eu pensei muito sobre o que fiz e realmente quero pedir desculpas. O que fiz foi muito feio e você tem todo o direito de ficar bravo. Eu não deveria ter mexido nas suas coisas, aliás, nem deveria ter ido lá com o Jaehwan, de preferência. Isso jamais vai se repetir novamente e eu espero muito que um dia você me possa me perdoar, não quero ser inimiga de ninguém. Por favor, me desculpe, Taekwoon. –Falei, mas sem conseguir encará-lo. Eu estava bastante envergonhada, mas fui o mais sincera possível. Eu não iria me ajoelhar nem nada, nada de humilhação. Apenas o bom e velho "me desculpe".
Ele parou de mexer no celular e ficou olhando para a frente, concentrado. Parecia nem ter ouvido toda a minha declaração de desculpas. Taekwoon ajeitou os cabelos que caíam pelo seu rosto e num movimento rápido, se virou para mim. Ele olhou para o meu rosto, depois para o café em minhas mãos e depois para meu rosto novamente. Tudo isso de forma lenta, analisando cada detalhe, até que perguntou:
— Esse café é para mim? –Sua voz era mais suave e macia que uma pétala de rosa. Como um homem desse, com uma voz dessa, pode se tornar uma fera igual eu presenciei. É algo bestial, como a maldição de demônio ou algo do tipo. Extremamente chocante e surpreendente.
— É sim. –Respondi rapidamente, oferecendo o café a ele. Taekwoon leu o "Taek" e o coraçãozinho e deu uma risadinha, provavelmente sabe que foi obra do Hakyeon. Ele tomou o café das minhas mãos e se levantou, em seguida ajeitando sua blusa que estava toda amassada de ficar sentado com as mãos sobre o colo, mexendo no celular. Suas roupas eram todas negras, o que lhe dava um ar misterioso e arrumado, chique. Os brincos em sua orelha esquerda balançavam suavemente e eu tive uma espécie de revelação, como mágica.
Alguma coisa me atraía nele.
Talvez não uma atração da qual nós, meros humanos carnais, estamos acostumados e sim como uma ligação. Não sei explicar direito, como se por algum motivo fôssemos destinados a nos conhecer de tal maneira mas principalmente a nos conhecer.
— Está tudo bem, fique tranquila.
Taekwoon disse e só faltou eu chorar. Levantei num pulo e por impulso segurei minhas duas mãos, uma na outra.
— Então estamos numa boa? Somos colegas? Sem ressentimentos? –Minha ansiedade estava na cara, mas minha empolgação era maior. Nunca quis ter nenhuma birra com ele e nem ninguém, e agora sinto que posso consertar as coisas.
— Até amigos, se você quiser. –Lançou-me um sorriso travesso – que eu particularmente não entendi – e saiu andando feliz da vida com seu café. Me deixando plantada quase pulando de felicidade. Cha Hakyeon é um gênio e eu estou em grande divida com ele e...
— Ela conseguiu?
— Sim, ele disse que eles podem ser amigos.
Ouvi vozes falando perto de mim e quando me inclinei um pouco vi senhores Hakyeon, Jaehwan e Ravi escondidos atrás do sofá em que eu e Taekwoon estávamos sentados há segundos. Eles ficaram aqui, de penetras na nossa conversa. Os três saíram de trás do sofá rindo, pulando e comemorando o fato do Taekwoon ter me perdoado e estar tudo numa boa. Os três riam felizes como crianças e eu até quis brigar com eles, mas impossível. Eles estavam felizes demais pra se importar com uma bronca minha. O pior foi que eu nem vi os três chegando.
Será que o Taekwoon sabia deles aqui? Provavelmente. Mas porque não disse nada?
Os três pulavam juntos abraçados, até que do nada uma voz fez os três pararem de repente.
— Qual a demência de vocês? –Um rapaz alto de cabelos castanhos, covinhas nas bochechas e um sorriso encantador nos lábios estava parado atrás dos três que comemoravam. Junto dele havia outro rapaz alto, mas o capuz que usava não me deixava ter uma boa visão de seu rosto, ainda mais que sua cabeça estava meio baixa.
— Me respeita. –Hakyeon disse e abraçou o menino das covinhas. Ravi e Jaehwan foram falar com o de capuz e eu fiquei de longe, porém de perto, apenas olhando.
— Que bom que voltaram, ele parece ótimo, Hongbin.
— Deu tudo certo, Hakyeon. Ele só precisava se alimentar um pouco e dar uma espairecida. Está tudo bem.
Foi então que o menino de capuz levantou o rosto e eu pude vê-lo. Aqueles olhos vermelhos brilhando, o rosto daquele quem causou a maior confusão que acabou me arrastando para este lugar. Aquele que me arrancou da escola, dos meus pais e da minha vida:
Hyuk.
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