Quatro semanas haviam se passado desde que a vida da família dos Anjos havia sofrido uma mudança severa.Miguel tinha se mudado definitivamente para a casa,agora dele também.Tinha se acostumado e gostava de todos ali.Por incrível que pareça pareciam felizes,todos muito receptivos e felizes em tê-lo ali com eles.Todos exceto Luzia,que embora não destratasse o rapaz ,mantinha clara a sua raiva dele estar ali,resmungando e se mal dizendo pela casa toda o dia todo,mas isso não era novidade, então ninguém realmente prestava atenção em sua secura.
Miguel estava trabalhando a todo vapor com o pai agora ,ele e Santo tinham uma cumplicidade invejável e eram bem parecidos.
A única coisa que ninguém notava era Olívia,ou melhor a infelicidade de Olívia.Cada sorriso forçado que chegava a lhe doer na face e cada silêncio que dizia mais do que qualquer palavra...sim,ela estava sofrendo,não como a mãe que não aceitava ver um filho bastardo chegar e tomar a atenção e amor do marido.Mas, sim por si mesma,estar apaixonada por ele só a fazia se sentir pior a cada dia mais.Por Deus,eles tinham se declarado uma noite antes de descobrirem tudo!uma noite apenas foi o que ela teve com ele ,uma noite que foi a melhor de sua vida até então,mas que não deveria ter acontecido..
Então ela tentava manter sua rotina, sabia que se a mantivesse poderia fingir melhor .Santo nunca soube a profundidade de seus sentimentos, então não sabia que havia realmente um problema.
Sua vida estava organizada da Cooperativa para casa e de casa para a Cooperativa,trabalhava na fazenda.Só falava com alguém se falasse com ela e acima de tudo tentava manter o semblante neutro.Embora chorasse quase todo dia ,na primeira oportunidade de estar sozinha que aparecesse.Não estava entendendo,ela não era assim,não era!não podia simplesmente esquecer ele e seguir em frente?
-Olívia?tá acordada?-Piedade abre minimamente a porta do quarto das netas.
-Tô sim vó.-ela diz se sentando na cama.
-Por quê não foi jantar minha filha?-ela pergunta entrando e sentando na beira de sua cama.
-Sem fome.-falou ,sem encarar a matriarca nos olhos.
-Olhe pra mim,Olívia.-ela pede puxando delicadamente o rosto da neta.
Ela vira e encara a avó, seu semblante é calmo e de certa forma reconfortante.
-Eu vejo uma grande tristeza nos teus olhos ,minha filha.Nem precisa negar,eu sei que tem alguma coisa guardada nesse seu coraçãozinho.-ela diz sorrindo um pouco.
-Não é nada não,eu tô cansada só,visse?Não precisa preocupar ,não.-fala ela,já deitando novamente e se cobrindo com o lençol.
-Tudo bem,eu vou dizer que tá cansada.Mas se levantar e tiver fome.Vou deixar sua janta na mesa.-diz beijando a cabeça da moça e saindo devagar.
Assim que a porta se fecha, ela suspira e sente novas lágrimas descerem silenciosas por seu rosto.
-Como eu queria que a senhora tivesse errada , como eu queria..-sua voz sussurrante no escuro solitário do pequeno cômodo parece quase um grito.
Ela abafa um soluço seco e se vira para realmente tentar dormir.
Uma mão macia toca sua testa de forma cuidadosa.Ela abre os olhos um pouco , vendo Isabel já de pijama e a olhando preocupada.
-Tá sentindo alguma coisa, Olívia?-ela pergunta ,tirando a mão da testa da irmã.
Ela faz que não com a cabeça.
-Mainha mandou ver se tu tá doente,se tiver pode dizer,eu lhe ajudo.-ela diz ,fazendo a mais velha sorrir um pouco.
-Precisa não Bel,mas obrigada.-ela diz .A mais nova ascente e vai para sua própria cama.
-Qualquer coisa me chame ,viu?-ela diz já bocejando e Olívia levanta o polegar para ela.
Passam -se alguns minutos,Isabel já ressona ao seu lado .Os mesmos viram horas,mas ela não consegue voltar a dormir,vira e desvira,se cobre e se descobre,suspira ,abre e fecha os olhos.Esse havia virado seu ritual.
Até que depois de ver seu celular marcar as duas e meia da manhã,sentiu seu estômago roncar,se levantou da cama ,percebendo pela primeira vez que ainda estava com o vestido verde que usou o dia todo.Antes de comer ,pegou sua toalha e foi tomar um banho.
Após demorar consideravelmente neste,vestiu um conjunto branco de baby Doll e foi na pontinha dos pés até a cozinha da casa.
Lá em cima da mesa,assim como sua avó tinha prometido, havia um prato coberto.
Tirou o pano de prato de cima deste e vislumbrou sua janta,frango,arroz,feijão e até um pouco de salada.Sentiu quase como se babasse,tinha comido pela última vez no café da manhã,no almoço apenas mexeu no prato e pelo que parece, ninguém percebeu isso.
Após comer tudo em tempo recorde e lavar a louça restante ,ela permaneceu olhando para a cozinha vazia,coisa rara agora naquela casa.Sabia o quanto Miguel tinha ajudado para que ela ficasse mais alegre,era muito irônico que nela tivesse efeito contrário.Sentia-se uma abominação ,sentia -se mal por dentro e por fora com tudo isso e fazia apenas um mês.
Imaginava ela,se quando fizesse um ano tudo estaria melhor.
Voltou para cama e tentou dormir.Mas Sentia-se estranha,pensou que devia ter comido demais ,fora que o sono não voltava mesmo.Então ,suspirando ,ela pegou uma colcha grossa,feita de retalhos de tecidos,feita pela sua mãe e avó e saiu para o lado de fora.Ali ,naquele lugar isolado a luz da lusa enchia tudo de beleza.Se enrolou na manta e foi se sentar num banquinho de madeira que havia debaixo de uma árvore ,há cerca de uns dez metros da porta da cozinha.
Ficou ali por um tempo indeterminado,apenas olhando e olhando para o nada,vendo o movimento das árvores,dali mesmo conseguia sentir o vento que vinha do rio.Lembrou-se então da última vez que tinha estado nele,de como Miguel a salvou e de como ela por um minuto teve certeza da morte.
Olhou seu pé descoberto e agora saudável,quatro semanas antes teve de ser enfaixado,ela havia torcido.Lembrou-se do desespero de todos quando viram ela quase desacordada e com o pé ferido.Todos a amavam tanto,tratavam com carinho.Seu pai então...era seu modelo,seu herói.O que ele diria se soubesse que sua peitica dormiu com o próprio irmão?ou se soubesse que ela o ama ,mas não de forma fraternal,mas sim como uma mulher ama um homem?
Quando percebeu ela já estava de frente para o rio.Com todos esses pensamentos ,parecia que tinha sido automaticamente.
Largou a colcha na areia.Sentindo o vento frio da madrugada lhe arrepiar o corpo.Olhou para baixo.A lua parecia iluminar o velho Chico,lhe dava cor ,beleza.O rio parecia ter cor prateada,como se um banho de prata tivesse caído sobre ele,alguns pontos brilhantes o iluminavam e deixavam ela quase hipnotizada.
Foi andando e sentindo a leve correnteza chocar-se contra si,era calmo,com toda certeza trazia a ela uma certa lucidez.
Apenas foi andando até que a água estivesse quase em suas coxas e sorrindo entre as lágrimas ,ela avaliava sua vida.O quanto tinha mudado e o quanto foi alheia há algumas mudanças,era estranho sentir isso.Embora se arrepende -se de se apaixonar , não conseguia se arrepender de conhecer Miguel..
Então ela decidiu...se deixaria levar pelo velho Chico e pela sua correnteza,decidiu que iria parar onde ele quisesse levá-la,ele decidiria o seu fim.
Fechou os olhos e se deixou cair...
Mas porque não caia?foi o pensamento que teve em um milésimo de segundo,até se dar conta de sua mãos fortes que a seguravam e puxavam para si.
Ela abriu os olhos e viu confusa.
A imagem de Miguel retorcida pela luz da lua.Havia sido exatamente assim na outra noite.Quando se entregara a ele,de corpo e de alma.
-O que que tu tá fazendo aqui,Miguel?-ela pergunta., ainda com ele segurando ela.
-Você não tá bem Olívia,o que tava fazendo?-ele pergunta confuso.
-Eu queria tomar banho de rio,só isso.-ela fala se soltando dele devagar.Mas ainda estavam bem próximos e quase se tocando.
-Nós dois sabemos que isso não era só um banho de rio , né neguinha?-ele pergunta carinhosamente,colocando o cabelo dela para detrás da orelha.
Ela abaixa o rosto contendo a dor que ameaçava cair novamente em forma d'água de seus olhos cansados.
-Me seguiu?-ela pergunta .
-Não,eu só..só tive que vir aqui,não sei explicar e quando vi você ,eu..-ele coloca o rosto dela para cima,encarando o dele.
-Você o quê?-ela pergunta.
-Me preocupei contigo.-diz ele, sincero
-É melhor eu voltar a dormir,tenho muito o que fazer amanhã.-ela diz ,saindo de perto dele e dando as costas.Só Deus sabia a dor de o fazer.
-Sophie está na cidade,minha mãe arranjou um lugar pra ela ficar...ela quer tentar de novo,o nosso namoro.-ele diz,cada palavra saia de forma estranha,ele não queria dizer aquilo a ela ,mas precisava.Também tinha que saber lidar com sua dor e tentar esquecê-la.
-Espero que sejam felizes,vocês merecem.-ela diz controlando o choro que formava um nó na sua garganta ,pegando a colcha do chão e correndo de volta pra sua cama ,antes que desmoronasse na frente dele.
Miguel observou tudo calado,se ela parasse de correr e virasse veria o rosto dele ,também banhado de lágrimas.
Chutou a água do rio,que caia de volta como pingos de chuva.Sorriu melancolicamente.
-Você também merece ,neguinha,você também merece...
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