Dormindo no banco dianteiro do carro uma semana depois, o som do rádio me despertou, e eu pude notar o cenho franzido da minha mãe conforme ela aumentava o volume. Ela me viu e apontou para o apetrecho, como se dizendo para eu prestar atenção.
Um corpo havia sido encontrado no novo hotel dos Heartfilia, num dos quartos, e, embora os repórteres tenham tentando encontrar mais informações, a polícia não havia liberado muitos detalhes, pois ainda estavam tentando descobrir a identidade do sujeito, sexo masculino, e estavam atualmente analisando a cena do crime, não tinham muita informação. Uma promessa de voltar mais tarde e contar mais, e acabou.
Eu percorri meus olhos de um lado para o outro, como se vasculhando na mente uma informação familiar, eu tinha ouvido esse sobrenome antes, não sabia onde.
O carro parou, dramaticamente me dando visão a Lucy, que parecia ainda mais transtornada do que no outro dia, e eu lembrei: era o sobrenome dela.
— Temos a informação da data da morte, foi na madrugada da segunda-feira passada, entre as duas ou quatro da manhã...
E eu não ouvi o resto, eu abri a porta sem dizer nada apenas a encarando. Não era naquele dia que ela chegou sangrando na escola sem contar nada? Ah, que fosse, era caso da polícia, não meu, e por que diabos as duas coisas estariam interligadas? Não é como se ela estivesse no hotel coberta de sangue bem naquele dia. Nada a ver, Natsu. Ah, ironia, doce ironia.
Eu acenei para ela, que sorriu para mim, não tínhamos nos falado de fato desde aquele episódio bizarro.
Ouvi a janela abrindo, minha mãe revirando os olhos com minha falta de educação para com ela.
— Era um aluno dessa escola, não estou recordando o nome agora, mas menos mal que você chegou nesse dia e nem conhece. Enfim, cadê meu beijo na bochecha?
Abaixei e entreguei o seu pedido, me retirando do estacionamento e a observando ir se retirar para o trabalho.
O ambiente da escola não era como um de funeral, estava mais para bando de fofoqueiros se reunindo juntos. Parecia legítimo, adolescentes, né? Também tinham alguns afetados, para baixo, quietos.
— Eu não acredito que ele morreu, cara. Quer dizer, no outro dia, estávamos nos falando... E assassinato? Quem ia querer assassinar ele? — Ouvi Freed balbuciando com Gajeel, os dois para baixo.
— Ele não fazia nada de tão interessante ou maldoso, ele era legal, normal. Realmente, deve ter sido um acidente, isso não faz sentido. — Ele suspirou, me avistando e dando um sorriso forçado sem mostrar os dentes, como se dizendo que estava tudo bem se aproximar, o que eu fiz.
— Eu estava ouvindo no caminho para cá no rádio, a notícia. Eu estive em muitas escolas, mais na diretoria do que na sala de aula, eu admito, mas nunca tive um colega de classe assassinado antes. Isso é loucura — afirmei, e talvez todos os problemas que causei e vi na vida eram fichinhas comparadas àquilo, e eu pensando que já tinha vivenciado todos os dramas colegiais possíveis.
— Se pelo menos fosse aquelas histórias insanas de bullying ou relacionamento abusivo... — começou Jellal, também se juntando. — Eu não entendo, o cara era normal, resolvido.
— Pior que a porra do assassino pode estar aqui nessa escola. Pensa bem, ele passava a maior parte do dia aqui, os amigos, todo mundo que ele conhecia era basicamente daqui. Não posso dizer que vou ficar surpreso se algumas pessoas específicas forem algemadas e levadas para delegacia de repente. — Gajeel deu um meio sorriso, cruzando os braços e encostando o corpo no armário.
— Ah, pode apostar que todo mundo tem suas teorias, e eu aposto alto no Lyon. Lembra aquele negócio com a Lisanna e ele, que eu e Natsu resolvemos? — perguntou o azulado, ouvindo sons de concordância. — Exato.
Os outros menearam a cabeça pensativos, parecia ter sentido para eles. Definitivamente não tinha para mim.
Antes que pudesse perguntar, o sino bateu em alto e bom som e fomos para a sala, sendo esmagados uns pelos outros. É uma boa lição para você entrar na turma assim que chegar. Ninguém gosta de tanto contato corporal de manhã, não com estranhos pelo menos.
— Meu pai já está reclamando da porra do problema de repercussão, que não vão querer se hospedar no hotel, que ele gastou uma fortuna, blá, blá. — ouvi a voz doce da loira, que revirava os olhos tantas vezes que devia saber o formato do cérebro. — Ele foi avisado antes porque é o dono, né? Aí eu tive que ouvir reclamações a manhã toda, podia até criar um site e ganhar dinheiro dando a notícia primeiro para ele parar de reclamar dos gastos. — Respirou fundo. — Mas, puta merda, o cara foi assassinado, e era da minha escola, eu falava com ele às vezes. Que porra de pai, quero dizer. — Gesticulava, pegando um biscoito de cima da mesa e comendo.
— Seu pai é viciado em trabalho, é o jeito dele de lidar com as coisas depois que a tia Layla morreu. Tenho certeza de que ele está pressionando a polícia para descobrir logo agora mesmo por sua causa, ele é fera, só não é bom em mostrar sentimentos, eu entendo — respondeu Erza.
Eu tentei parar de ouvir a conversa, juro, mas a curiosidade venceu.
— Relaxa. Ele está preocupado com a corporação, ele pode perder muitas coisas, e quer manter o estilo de vida seu e do seu irmão — Levy justificou também, tentando a acalmar.
— Acnologia está nem aí para essa bagaça, só faz merda. Tinha que ser adotado, o diferentão. — Sua revirada de orbes foi tão forte que podia sentir seu ódio da situação.
— Ele vai voltar para cidade? — as duas amigas disseram juntas arqueando as sobrancelhas como se tivessem descoberto o mistério.
— Vai — respondeu curta.
— Ele disse que se arrependeu, Lucy, supera — falou a ruiva imediatamente.
— Está me deixando ansiosa, é isso. Eu sinto saudades dele, é meu irmão mesmo assim, mas quero tanto, tanto, tanto socar a carinha do idiota.
— Dá um abraço de urso — sugeriu Levy, a fazendo bufar.
— Tenho cara de ser carinhosa?
— Tem. — Era Gray, a roubando um selinho, fazendo as outras darem de ombros e se sentarem, pois o professor chegara.
Eu estava tão absorto na conversa e em fingir que não estava prestando atenção nela que mal percebi que tinha acabado o desenho que estava fazendo. E estava tão ruim que quase mandei o idiota do Gray — sentava do meu lado — calar a porra da boca quando ele elogiou minhas “habilidades artísticas”. Quero dizer, por que toda santa vez que alguém vê ou quer ver um desenho meu é quando eu somente tenho os piores na hora? E ainda elogiam, inacreditável. Aposto que ia falar que estava maravilhoso se fosse um boneco de palito também.
Os sussurros não pararam em nenhum momento da aula sobre o garoto que faleceu (eufemismo), e o professor Sting parecia mais interessado em fingir que não ouvia e continuar ensinando para basicamente ninguém do que se incomodar de pedir para que cessassem o barulho.
Eu queria me tacar da janela do terceiro andar se tivesse mais um minuto daquele insuportável cochicho público, e dei glórias aos céus ao poder sair para comer, lanchar com os coleguinhas e fazer de tudo para conversar sobre qualquer coisa, até política se fosse necessário, menos o quanto chocante era a notícia da morte do aluno. Não quero enganar, se fossem informações novas, eu estava pronto para ouvir, queria saber o desfecho, era curioso, todos estavam curiosos, e eu raramente sou exceção.
— Caralho, eu quase morri no coração ouvindo aquela repórter, pensei que era o Laxus, outro desaparecido. Juro que, se ele estiver vivo, eu mesmo mato — grunhiu Mirajane.
— Nem brinca. Um assassino é uma coisa, um serial killer...
— Vai me deixar paranoico e com pesadelo. Cala a boca, McGarden. O Laxus está vivo até alguém provar o contrário — Freed comentou estressado, o cara estava uma pilha de nervos, as pernas se mexendo, os dedos tamborilando a mesa, não parava por um segundo.
— Time Laxus! — exclamou Mira e eles fizeram um brinde com o ridículo suco de morango da escola.
Eu me aproximei da mesa meneando a cabeça negativamente, e eles riram, me dando espaço.
— Se for um assassino em série, vocês acham que aquele professor sumido foi ceifado? — questionei com um sorriso de lado provocador.
Eles levantaram o dedo do meio, e eu ri dessa vez.
— Pelo menos, ninguém gostava dele — disse Lucy se sentando.
— A não ser você — disse o namorado dela, se juntando, pareciam colados, sempre irritantemente juntos.
— É, você falava bastante com ele depois das aulas para tirar dúvidas. Nunca pensei que um dia Lucy ia tirar dúvida em matemática — comentou Lisanna, sorrindo como uma cúmplice para mim, ao se sentar ao meu lado, íamos sair juntos no fim de semana.
— Bom, sou humana — a loira respondeu brevemente, me analisando e dando um sorriso debochado, como se soubesse o que estivesse acontecendo.
Virei meu rosto e continuei uma conversa sobre o trabalho de história da arte que faria com Gajeel e Jellal que estávamos tendo enquanto saíamos da sala, e senti o pé dela tocando na minha perna. Vire-me para ver seu sorriso, ela mordia os lábios tentando o conter, como se fosse rir, e eu pude ver pequenas covinhas adoráveis conforme ela apontava discretamente eu e Lisanna, sua expressão ainda mais risonha e os olhos brilhando tanto que pareciam estrelas; ela era linda para caralho. Eu revirei os olhos e fiz que sim, e ela assentiu com a cabeça, se dando por satisfeita e voltando a falar com o namorado babaca sobre algum assunto idiota.
O recreio estava acabando, mas eu resolvi comprar uma fruta para mais tarde, tinha que acompanhar Wendy ao hospital, meus pais estariam trabalhando lá e não poderiam abandonar seus postos para ir à sala do consultório e a levar para casa ou sequer a trazer para a terapia; meu pai estava cheio de cirurgias longas marcadas e minha mãe bastante ocupada também. Poderia dar fome, e era bom estar preparado para esperar.
Tive a surpresa de ver Lucy comprando uma maçã verde, dando um daqueles sorrisos para o vendedor, que provavelmente era secretamente apaixonado por ela como boa parte dos alunos que a observava babando. Ela deveria saber que aqueles sorrisos davam mais esperança do que deveriam, eram estonteantes.
— Natsu? — ela perguntou surpresa e sorriu com seus lábios rosados em formato de coração selados. — Vai comprar o quê?
— Talvez o mesmo que você — respondi simplesmente. — Quero uma fruta.
— Bom, se vale alguma coisa, esta é minha fruta predileta. — Ela mordeu a maçã, franzindo os olhos e fazendo uma expressão de prazer antes de se retirar rindo.
Gargalhei, aquela loira era estranha, um bom tipo de estranha. Peguei a maçã com a certeza de que pensaria nela enquanto comesse, ela me fez ter certeza disso.
A aula começou, consegui chegar a tempo, no mesmo segundo que o professor para ser preciso, quase não podendo entrar. Aquele horário até que passou voando, vimos um documentário legal sobre animais.
— Natsu, é um encontro, né? — a albina de cabelos curtos chamou minha atenção e eu abaixei meus olhos para vê-la na cadeira da frente, virada para mim.
— Claro. Se você quiser? Vou ser rejeitado e nem percebi? — Comecei a ficar levemente nervoso, sem certeza da resposta que ela queria.
Ela gargalhou, o que me tranquilizou, seus belos olhos azuis me analisando com cuidado.
— É que eu vi você a Lucy trocando olhares — soltou rápido, parecendo precavida.
— Luce? Ela estava me perturbando, querendo saber se eu ia sair com você e rindo da minha cara. Ela tem namorado, nada a ver. — Dei de ombros, talvez se eu tivesse uma chance, porém não gosto de deixar ninguém corno, e Gray era razoavelmente aceitável.
— É só que pareceu meio... sei lá... Aquelas trocas de olhares de filmes românticos.
— Posso ser ator então? — perguntei rindo.
Ela deu um tapa no meu ombro rindo também. Ela tinha uma risada gostosa e doce, nada como a calorosa e atraente da Lucy, e eu gostava de poder rir junto à albina em vez de me certificar de que não estava ruborizado.
— O que você acha de um filme de ação? — perguntou Lisanna, parecendo ansiosa, o que me deixou feliz.
— Você sabe como conquistar um garoto — exclamei com uma voz forte, gargalhando do quão ridículo soou junto a ela.
— Você queria, Natsu — respondeu fingindo superioridade. — Eu gosto de ação.
— Está bom então. — Levantei as mãos em rendição.
O diretor Makarov entrou na sala sério, e começou um discurso, nos alertando do perigo da vida, para tomarmos cuidados, sairmos supervisionados sempre que pudermos, essas coisas. Ninguém reclamava, ninguém falava, era uma constante troca de olhares entre o banquinho que ele tinha que subir para ficar alto o suficiente para não nos dar torcicolo e seu rosto rígido, que nos lembrava da gravidade da situação e da morte de um dos colegas de classe.
A porta se abriu de repente, e o clima ficou mais pesado assim que dois policias entraram na sala, um deles segurando uma algema, e pediram licença, mas precisavam fazer uma prisão.
Prisão. Quê?
Descobriram o assassino?
Todos trocavam olhares e engoliam em seco, e nesse ponto eu não sabia quem eu deveria encarar acusadoramente.
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