Já era madrugada quando o pequenino se espreguiçou, buscando correr longe dos braços macios que lhe seguravam tão perto. Odiava ter que sair assim, mas a doce e tentadora voz da liberdade lhe chamava constantemente.
Quando desceu da cama, o gatuno sorrirá mentalmente, vendo que sua “dona” não havia despertado ainda. Isso era bom, muito bom. Pois precisava alimentar-se e esticar as pernas. O que lhe dava a perfeita desculpa para fuxicar a casa da mulher.
E com passos leves e ágeis, o pequeno se espremeu entre a porta do quarto, ouvindo o leve ranger da madeira fria. Ah como era bom poder caminhar à vontade sem ter aqueles demônios lhe seguindo.
Poderia comemorar com uma gigantesca festa o fato que havia escapado de seu inferno, mas o roncar de seu estômago lhe impedia de pelo menos suspirar aliviado.
E de maneira curiosa, cambaleou lentamente até a cozinha. Sorrindo internamente enquanto chacoalhava seu rabo felpudo, e ao encontrar a geladeira da humana, gargalhou animado. Era hora.
Concentrando sua mente em um ponto aleatório, deixou o peso de seu corpinho felino mudar. Seu pelo lhe abandonou, deixando seus pés desnudos e seus cabelos extremamente bagunçados. E um sorriso brotou em seus lábios fartos assim que notou que seu rabinho havia sumido.
— Finalmente! — sussurrou feliz ao abrir a porta, sendo abraçada pelo ventinho frio que mantia tudo ali fresco. Sem dar bola para a dona da casa ou aos modos, catou o vidro de leite, e ao abrir o mesmo, deu um longo gole. — Uhhh que maravilha!
E sorriu ao terminar metade do leite, colocando-o de volta no lugar onde estava. Com sua sede completamente saciada, a estranha percorreu a casa com os olhos e saqueou cada armário até encontrar algo para comer. Largou todas as portas de madeira abertas até encontrar uma torta, hmmmmm torta de cereja!
Rapidamente sacou uma faca de uma das gavetas escancaradas e cortou um pedaço — gigantesco — de torta, e em poucas mordidas o comeu. Aquela torta era divina!
— Não sabia que os trouxas conseguiam fazer tortas tão magníficas sem utilizar magia. — comentou impressionada, era tão estranho ter que andar por aí com pessoas que não compartilhavam de seus talentos.
Hmmm, estava muito cedo para voltar os braços calorosos daquela estranha amorosa, então era a hora perfeita para perambular por aí. A humana era bem organizada, tinha de admitir, mas mal esperava para fazer uma pequena bagunça em sua vida.
E com tal pensamento, sorriu de maneira genuína. Já correndo suas mãos por seus fios negros e vestes escuras, ajeitando-as para sua pequena escapada de hoje. Lentamente, caminhou até a mais próxima janela, buscando o objeto que havia deixado ali mais cedo, e ao encontrá-lo, sorriu. Já sacudindo o mesmo e buscando o que iria fazer.
— Uma voltinha por aí não mataria ninguém, não é? — brincou com o objeto em suas mãos. Poderia fazer aquilo da maneira mais... Tenebrosa. Mas sabia que se transformar numa nuvem de fumaça iria chamar atenção dos outros. Então com um balançar da varinha que segurava, murmurou um simples: — Accio Nimbus!
E quando terminou, sentou e esperou. E esperou por longos minutos até que finalmente a viu, cruzando os céus obscuros como um míssel em alta velocidade, e virou na direção da casa da tal trouxa. Vindo tão rápido quanto uma bala, na verdade, vinha rápida demais.
— Oh não! Não não não não.... — murmurou nervosa já forçando a janela de vidro a abrir, mas aquele maldito negócio havia emperrado no comecinho. E quando já se deu conta, sua Nimbus havia atravessado o vidro da janela! — Céus!
O estrondo da vassoura contra o fino vidro daquela maldita janela emperrada fora majestoso. E se pudesse, apostaria dez galeões que aquele barulho forá capaz de acordar a vizinhança inteira. E pra piorar sua situação mais ainda, a mesma podia ouvir os passos da mulher no andar de cima.
— Droga, droga, droga! — rosnou irritada, usando agora sua magia pra abrir aquela droga de janela, e saltou pra fora num pulo, já montando na vassoura e voando o mais alto possível.
E enquanto a culpada pela destruição da janela fugia, nossa protagonista saltou de sua cama confortável, já com um objeto pesado e pontiagudo na mão para atacar o invasor, já havia ligado para a polícia e agora só restava confrontá-lo.
Desceu as escadas em silêncio, se deparando com a geladeira aberta, facas sujas e um pedaço de torta faltando na forma. O que diabos o invasor havia feito, um lanchinho da madrugada?!
— Saía de onde estiver! — bradou alto enquanto segurava seu objeto nas mãos. Correu pela casa com os olhos e encontrou sua janela inteiramente despedaçada! Que ousadia, nem abrir a porcaria da janela o ladrão tiverá coragem. — A polícia já está a caminho!
Avisou educadamente, mas mal sabia Selena que o culpado já havia sumido. Não, ela não havia corrido — ou voado — para longe. Ela só estava a uns bons metros daquela janela, escondida entre as nuvens, somente lhe observando com um sorriso ladino.
— Parece que minha hora de bagunçar sua vida começou. — sorriu a mulher enquanto apertava os dedos contra o lustroso cabo de sua Nimbus. Iria ficar ali até que a polícia chegasse, mas porque faria isso? Oras, não havia nada melhor que ver um bando de trouxas buscando por algo que nunca achariam.
A mulher sorriu mais ainda quando viu a viatura se aproximando, e os homens lhe adentraram a casa em busca de um bandido de meia-tigela, mas como previu, não encontraram nada. E isso havia sido entretenimento o suficiente para a mulher nas nuvens, que caia na gargalhada enquanto observava a cara de tacho da dona de casa, talvez voltaria a sua forma felina só para lhe encher o saco. Pois não havia nada melhor que irritar a tal da Gomez.
— Maldição! — berrou Selena ao ver os polícias virando a esquina da Rua dos Alfeneiros, e marchou irritada para dentro de casa. Se não havia sido um ladrão, o que diabos havia quebrado sua janela.
Selena pensou no gato, afinal o bichano não estava presente. Mas isso seria idiotice, é claro. Afinal, gatos não quebravam janelas! E com tal pensamento e com a irritação nas veias, se retirou da sala de estar e voltou ao quarto, dessa vez trancando a porta e empurrando uma poltrona na frente, assegurando-se que nada mais iria quebrar enquanto dormia.
E deitou-se na cama, tentando não pensar sobre o acontecido, enquanto a culpada pela algazarra sem necessidade estava rindo igual idiota.
— Descanse bem, Gomez. Pois vai precisar quando eu virar sua vida de cabeça para baixo.
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