(...)
Talvez fosse prudente se eu tivesse ficado um pouco mais de tempo dentro do carro, testando minha respiração e esperando que a vontade de vomitar melhorasse um pouco.
Infelizmente, o desespero em encontrar Nayeon de novo e falar com ela me fez estacionar o Porsche na rua de trás, já deserta àquela hora, e caminhar já com alguma pressa para a entrada principal do The Lux.
Talvez eu devesse ter dado um pouco mais de tempo a mim mesma para pensar em algo para falar. Estar cara a cara com ela outra vez, depois de mais de três meses, não seria trivial. Eu sabia que não teria reação alguma, então teria que esperar que ela começasse a me agredir para me mexer e finalmente dirigir a palavra a ela.
Eu estava orgulhosa de mim mesma, por ter conseguido ficar em casa por mais de 30 minutos antes de correr para procurá-la.
Tomei um banho e troquei de roupa, finalmente deixando de agir em um tipo de piloto automático. Estava bastante consciente de minha aparência quando me analisei no espelho, mostrando uma Dahyun bem mais magra e com olheiras. Então peguei meu estojo de maquiagem e fiz o meu melhor pra esconder minha palidez ao extremo e minhas olheiras.
Agora, caminhando nervosamente pela calçada vazia, podia sentir as batidas do meu coração mais rápidas a cada passo. Eu não sabia o que esperar, mas só a sensação de estar me aproximando dela me fazia mal e bem ao mesmo tempo.
Mal porque eu lembrava do que tinha feito a ela, e agora teria que encará-la.
Bem porque, independente de ser apedrejada, estar com ela curaria muitas das minhas feridas.
Ao entrar no lugar, meu enjoo conseguiu se intensificar ainda mais, porque havia algum tempo que eu não entrava lá, e estar ali agora me trazia muitas lembranças. Meu nervosismo, embora estivesse chegando a me fazer mal, não foi suficiente para me fazer desistir do que eu tinha em mente. Eu simplesmente precisava encontrá-la o mais rápido possível.
O lugar já estava cheio àquela hora.
Pelo que eu consegui me lembrar, nada havia mudado ali. A música ainda tocava suave no fundo, a iluminação ainda era fraca e aconchegante. Algumas meninas ainda andavam entre os homens servindo bebidas, e outras se divertiam nos colos dos clientes.
Mas nenhuma delas era a pessoa que eu procurava.
Andei sem tentar me esconder pelos cantos, enquanto procurava por ela no meio do salão. Não saberia dizer se alguém havia percebido minha presença ali, mas também não me importava. Ela não estava lá, e quando me dei conta disso, me concentrei em procurar outra pessoa: Irene.
Não foi difícil encontrá-la. Ela estava, como sempre, sendo bajulada por clientes antigos, que sempre rodeavam ela enquanto estavam sozinhos. Ela como de costume, tentava rir de suas piadas e parecer simpática e receptiva, enquanto discretamente escolhia a próxima companhia de cada um.
Por isso, notei que a peguei de surpresa quando cheguei até ela, abrindo caminho e interrompendo, sem nenhuma educação, o assunto.
- Onde ela está?
Irene me encarou um pouco surpresa pela minha aparição repentina, e vi o sorriso falso que ela mantinha no rosto se esvair aos poucos.
- Onde ela está? - Repeti, não querendo perder mais tempo.
Finalmente, ela pediu licença aos homens que a rodeavam e rumou para a cozinha, sem se dar ao trabalho de me chamar para acompanhá-la, já que ela sabia que eu iria.
Ao chegarmos no lugar um pouco mais silencioso, ela me encarou e falou.
- Ela foi embora.
Fiquei imóvel, sem reação alguma, enquanto aquela informação entrava na minha cabeça.
Ela havia ido embora? Simplesmente partido? Para onde? E por quê?
- Ela... - Comecei.
- Foi embora. - Irene completou, objetivamente - Não trabalha aqui há um mês, mais ou menos.
Fiquei em silêncio por um bom tempo, tentando lidar com aquele fato.
Eu não esperava por aquilo. Esperava encontrá-la irada comigo, talvez indiferente ou triste. Talvez trancada em seu quarto com algum cliente, mas não aquilo. Realmente não esperava por aquilo.
- Pra onde? - Finalmente falei, sentindo agora um crescente desespero me dominar rapidamente.
- Não sei. Ela não avisou. Simplesmente arrumou as malas e saiu.
Ela havia partido, e eu não sabia para onde. Ela estava em qualquer lugar agora, qualquer lugar do mundo.
- Como você não sabe pra onde ela foi? Como deixou que ela fosse embora sem saber pra onde ela iria? - O desespero fez com que minha voz soasse um pouco mais alta e autoritária do que o normal.
- Ela não é mais criança, Dahyun. Não precisa de uma babá.
- Mas você devia saber... - Gritei, já completamente desesperada.
Ela continuou me encarando com um semblante calmo, o que me deixou ainda mais irritada.
Não era possível que ela não entendesse a gravidade da situação! Não era possível que ela não sentisse aquele medo que eu estava sentindo agora. Ela podia estar em qualquer lugar do mundo! Onde eu a encontraria?
- O celular dela! - Falei, tendo um estalo de brilhantismo repentinamente - O número, me dá o numero dela!
- Não adianta. Depois que ela foi embora, eu e as outras meninas tentamos falar com ela pra saber onde ela estava, mas nunca conseguimos completar uma ligação. Está sempre desligado.
- Não me interessa! Me dá o celular dela!
Eu precisava encontrá-la. Tentar falar com ela, de alguma forma.
Irene parecia começar a entender meu estado de pânico agora, então tirou rapidamente o celular do bolso e me passou, com o numero dela no visor.
Como ela havia dito, o telefone estava desligado, o que fez com que meu coração acelerasse de tristeza ao ouvir o recado de caixa de mensagens dela.
Movida por um pânico crescente, repeti a ligação mais umas quatro vezes, mesmo sabendo que não adiantaria. Eu não sabia o que fazer, e continuava tentando pensar em algum plano - qualquer um - que me ajudasse a encontrá-la.
Fui tirada de meus devaneios pela batida brusca da porta se fechando atrás de mim. Virei-me e dei de cara com Jennie, que olhava para mim com uma expressão de nojo.
- O que está fazendo aqui?
- Você! - Explodi, sentindo um pouco de esperança ao vê-la diante de mim - Ela era sua amiga! Ela te disse pra onde ia!
- Ela não me disse nada. - Ela falou, muito calma, ainda parecendo completamente inconformada com minha presença ali - E se tivesse dito, eu não te contaria.
- É mentira! Onde ela está?
- Não é mentira, sua idiota. Ela sumiu. Só Deus sabe onde ela está, e eu só espero que esteja bem. Porque se ela não estiver, a culpa vai ser toda sua.
Eu sentia exatamente isso. Embora não conseguisse entender o motivo pelo qual me culpasse por ela ter partido, algo me dizia que a culpa de Nayeon não estar ali era toda minha. E se ela estivesse sofrendo agora, se estivesse passando por problemas, onde quer que ela estivesse, eu teria que viver com esse fato.
Essa certeza aumentou consideravelmente meu desespero.
Só notei que Jennie estava perto de mim quando ouvi sua voz muito perto do meu ouvido, falando de uma forma suave e fraca, mas que, ao mesmo tempo, carregava um tom de acusação que fez com que meu coração doesse.
- Você não sabe o que fez com ela. Não tem ideia de como a machucou.
Aquelas palavras acabaram comigo. A dor de passar três meses sem ela era quase fraca, se comparada com a dor que eu sentia agora. Eu havia a machucado de uma forma que eu desconhecia, meu comportamento rude foi a última coisa que ela pôde ter de mim, e pensar que ela sofreu por minha causa - tanto quanto Jennie deu a entender - era tão horrível que eu desejei por um momento, deixar de existir.
Fiquei imóvel por muito tempo, sentindo toda a força daquelas palavras, daquela confissão, me nocautear. Depois de muito tempo, só Deus poderia saber quanto, me dei conta de que Jennie não estava mais na cozinha.
Depositei o celular devagar em cima da mesa e me virei para ir embora. Foi então que notei que não estava sozinha: Irene continuava ali, de pé, me encarando.
Retribuí o olhar, quase curvada pelo peso da culpa em minhas costas e pela dor dilacerante que rasgava meu peito. Eu queria chorar, mas não conseguia. A crescente desesperança em encontrá-la novamente me esmagava aos poucos, e fazia com que eu sentisse a cada segundo mais ódio da minha atitude covarde e egoísta.
Irene me olhava com uma pena que eu sabia não merecer. Eu era uma filha da puta, o máximo que as pessoas deveriam sentir por mim era raiva ou nojo. Mas ela não parecia pensar assim. Quando finalmente caminhou em direção à mesa, pegando ali um papel de um pequeno bloco com caneta e rabiscando algo, não me importei. Foi só quando ela me entregou o papel que dei alguma atenção à sua atitude.
- Você conhece? - Ela perguntou, apontando para o nome escrito.
- Não. - Respondi, mais baixo que o normal.
- É o bairro onde a encontrei antes que viesse trabalhar aqui. Ela estava em uma rua, mas eu não lembro o nome. Isso é tudo que posso fazer por você.
Foi discreta, mas a sensação de esperança que surgiu em mim outra vez fez com que eu me sentisse levemente mais viva.
Saí às pressas do The Lux, desviando de algumas meninas que queriam me manter lá dentro, enquanto agarrava com desespero a única pista escrita no pedaço de papel que poderia me levar a ela.
Dirigi rápido, com muito pouco cuidado, e foi apenas quando lembrei das recomendações de Momo- o que foi um milagre, dadas as circunstâncias - que tentei ser um pouco mais responsável na direção.
Parei várias vezes em lugares distantes, pedindo por informações a pedestres. Aos poucos, fui me direcionando para o lugar que Irene havia me dado, e uma hora depois eu havia chegado.
As ruas eram muito escuras e os prédios antigos. Era visível que o bairro abrigava pessoas de renda baixa, e só de pensar nos perigos que habitavam cada esquina, estremeci ao pensar em Nayeon sozinha, à noite, andando por elas.
Entrei em ruas menores, sem saber para onde ir, e foi então que me deparei com um dilema pessoal. Eu queria encontrá-la, desesperadamente. Mas era simples: Eu não poderia encontrá-la se ela estivesse em algum apartamento, sã e salva, enquanto assistia tv. Ela tinha que estar na rua, e se isso acontecesse, eu sabia o que ela estava fazendo.
Ela estaria se oferendo para qualquer um, em qualquer esquina, por qualquer quantia.
Aquilo despertou tantas sensações em mim que eu tive que apertar os dedos no volante para me estabilizar. Eu estava irritada. Irada. Puta. Com tanto ódio que fazia meu corpo tremer. Ao mesmo tempo, estava desesperada para encontrá-la de uma vez. E com medo de que algum filho da puta já tivesse....
- Pelo amor de Deus, cadê você...
Passei por várias ruas mais de uma vez, porque eu não conhecida nada ali, e todos os lugares em que eu entrava eram escuros e desertos. Depois de um tempo cheguei a uma rua um pouco mais larga do que as demais, com pilastras largas e altas segurando os prédios antigos, muito comprida, com pouca movimentação, escura.
Nas calçadas, muitas mulheres se espalhavam ao longo da rua, usando saltos e roupas excessivamente curtas e vulgares.
Aquilo era horrível. Em todo tempo em que paguei por garotas de programas, fiz questão de frequentar apenas casas noturnas de '' porte. '' Eu nunca havia pego prostitutas de rua, então estar naquela situação estava me fazendo mal.
Primeiro porque eu não estava passando casualmente por ali. Eu estava naquele lugar propositalmente, encarando e analisando cada uma das mulheres pela janela do meu carro. Segundo porque, agora, eu via exatamente o que era aquela realidade, e o quão degradante e humilhante aquilo podia ser. E terceiro, porque era naquela situação repugnante que eu esperava encontrar a mulher que não saía da minha cabeça.
Eu não queria vê-la ali, daquela forma humilhante, se prestando a isso. Mas ao mesmo tempo, eu precisava encontrá-la.
Toquei o acelerador com suavidade, deixando que o veículo andasse muito devagar, me dando tempo para buscar, em cada uma daquelas mulheres, algum traço que me fizesse pensar que poderia ser Nayeon.
Então eu a vi.
A última silhueta antes da esquina, encostada em uma das pilastras, enquanto os cabelos cobriam seu rosto. Aquele corpo parecia ser dela. Aquele jeito de parecer não pertencer àquele lugar parecia ser dela. Mas ela não se vestia daquela forma vulgar...
Finalmente parei o carro imediatamente à sua frente, e esperei. A mulher misteriosa parecia se decidir se viria até mim ou não, e eu tentava lutar com minha falta de ar e com as marteladas violentas do meu coração contra o peito.
Como se tivesse sido dominada por algum tipo de sexto sentido, meu corpo reagiu de forma estranha, tremendo com tanta força que foi preciso quase toda a concentração que havia em mim para me manter parada.
Eu conhecia bem aquela sensação, aquele nervosismo, aquela fraqueza e total entrega. Eram sensações que apenas a presença de um certa pessoa conseguia despertar em mim.
Por isso, antes que a silhueta abaixasse na janela do carona para me encarar de frente, eu sabia que era ela.
Lá estavam eles.
Por debaixo de uma maquiagem pesada em um semblante indiferente, aqueles conhecidos olhos cor de chocolate que eu simplesmente não conseguia esquecer.
Aquela não parecia ser a garota pela qual eu procurava com tanto desespero, a garota que ultimamente habitava todos os meus sonhos e lembranças. Não parecia ser a garota pela qual eu havia me apaixonado acidentalmente, porque não havia traços de Nayeon que eu conheci ali. Não havia resquícios dela, a não ser por uma exceção: aqueles olhos. Eu os reconheceria em qualquer lugar, em qualquer situação.
Era ela. Com alguns quilos a menos, uma maquiagem escura extremamente inapropriada para seu tom de pele, o que tirava bastante de sua beleza natural. Além disso, trajava um vestido incrivelmente curto e justo, seguindo o padrão de todas as mulheres naquela rua, e saltos altos que a deixavam com muitos centímetros a mais. Sua expressão parecia ser vazia enquanto ela abaixava na janela do carona, mas ao realmente me enxergar ali, sua máscara de indiferença pareceu quebrar imediatamente.
Eu fiquei muda e imóvel, porque não sabia como agir. Vê-la daquele jeito, naquela situação, despertou em mim uma fúria inexplicável, então eu tive que me forçar a manter a calma. Era de alguma forma irracional, mas não havia como evitar a raiva que eu sentia agora. Raiva de tudo e de todos. Raiva dela.
Ainda assim, foi difícil conciliar essa ira com a sensação de alívio que me assolou. Eu realmente havia conseguido encontrá-la, contra todas as chances. Fosse por milagre ou por sorte, ela estava ali, a poucos centímetros de mim, e se não fosse pela raiva que pulava dentro de mim, eu poderia até sorrir.
- Cem dólares.
Minha surpresa em ouvir o som da sua voz, me certificando de que não fazia parte de mais um dos meu inúmeros sonhos com ela, foi substituída imediatamente pelo choque do significado daquela frase. Ela estava cobrando cem dólares pelo programa. Cem míseros dólares para se vender a mim, ou o que era pior, a qualquer um que estivesse no meu lugar. Esse era o preço que ela cobrava para deixar uma pessoa qualquer tocá-la e tê-la da forma que quisesse: Cem dólares.
Não sei o tamanho do choque que deixei transparecer em meu rosto, mas não me importei. Aquelas duas palavras haviam me ferido com uma intensidade que eu não imaginava, e me senti ainda pior quando achei ver um sorriso quase imperceptível no canto de sua boca, como se ela quisesse me ferir de verdade com aquilo.
Eu não sabia o que responder. Minha vontade era de gritar com ela, de sacudi-la e perguntar o que diabos ela estava fazendo, e quando abri a boca pra falar qualquer coisa, fui interrompida por outra voz, que soava ao meu lado, na janela do motorista. Eu não sabia quem era a mulher próxima a mim, porque não me dei o trabalho de checar se a conhecia ou não, mas parecia que ela agora falava algo diretamente para mim. O que quer que tenha sido, eu não saberia dizer ao certo, porque o choque das palavras de Nayeon ainda estavam me machucando.
Quando finalmente notei que a pessoa não nos deixaria a sós outra vez, me forcei a desviar os olhos dela, com medo de que simplesmente evaporasse, e me dirigi à mulher ao meu lado.
- Você, cala a boca!
Ela pareceu se indignar com as minhas palavras, mas eu não dei a menor importância a isso, porque havia outra pessoa ali - a única pessoa que importa - então imediatamente virei-me outra vez para ela, e ainda com o mesmo tom na voz, falei outra vez.
- E você, entra no carro!
Me arrependi imediatamente por falar com ela daquela forma, mas naquele momento a única coisa que eu pensava era tirá-la dali o quanto antes, e mantê-la perto de mim em qualquer lugar longe dos outros. Por isso, nada pude fazer a não ser pisar no acelerador assim que vi Nayeon bater a porta do carona ao meu lado.
Pov Nayeon
Não sabia em que momento eu havia deixado de sonhar e finalmente entrei na zona confusa e nebulosa que antecede a consciência. Meus olhos mantiveram-se fechados. Estava me permitindo sentir a realidade outra vez, talvez um pouco mudada pelo sonho que ainda lampejava dentro da minha cabeça.
- Eu te amo. - Ela disse, e então um milhão de borboletas começaram a voar dentro do meu estômago. Fiquei muito quieta, saboreando a sensação de bater asas, querendo mais do que tudo acreditar na vericidade daquelas palavras. A alegria começava a me preencher totalmente, mas então tudo ficou estranho de repente, porque em seus olhos eu pude ver um traço de confusão e dúvida.
Engoli o sorriso enquanto a encarava, minha cabeça pesando agora algumas toneladas. Ela me encarava de volta, parecendo querer manter-se estável e sustentar suas palavras, mas seus olhos simplesmente não eram convincentes.
- Você tem certeza?
Ouvi uma voz formular em algo e bom som a pergunta que me machucava, e me surpreendi ao constatar que aquela era a minha própria voz, emitida sem que eu sequer movesse os lábios. Mesmo assim, esperei por sua resposta. Por um momento. Por alguns segundos. Por muitos segundos.
Ela não respondeu, e ao invés disso, continuou me encarando com olhos incertos.
Senti uma dor aguda ao constatar que agora, além da dúvida, havia um inconfundível traço de pena naquele verde perfeito. Nós duas ficamos em silêncio. Ela sem saber como dizer a verdade - que havia se enganado, que não era amor que ela sentia - e eu tentando lidar com a dor insuportável no peito por ter a rápida e quase inexistente esperança arrancada de mim em um piscar de olhos.
A dor era muito forte. Insuportável.
Então, eu acordei.
Agora, de olhos fechados, eu inspirava profundamente, sentindo a angústia dilacerante deixando minha alma aos poucos. Tinha sido apenas um pesadelo, e embora isso não quisesse necessariamente dizer que aquilo era apenas minha imaginação, e eu podia me sentir um pouco mais viva.
De repente, fui atingida em cheio pela dúvida sobre quando exatamente meu sonho e minha realidade se separavam. Eu estava acordada, mas desde quando estivera sonhando com Dahyun? Há poucos minutos? Desde que havia deixado meu apartamento? Desde a noite em que havia voltado para a rua? Talvez ela tivesse surgido apenas em meus sonhos, e então nosso reencontro não fora real. Talvez agora eu tivesse que voltar para minha antiga vida, na qual dia após dia eu reunia forças simplesmente para continuar vivendo um pouco mais.
Com um pouco mais de medo do que eu queria admitir, abri lentamente os olhos, aos poucos me acostumando com a pouca claridade do lugar e com a disposição dos objetos e móveis à minha volta. Era o mesmo quarto presente no sonho que eu havia tido com Dahyun, onde ela havia me achado, eu havia resolvido confessar a ela meus sentimentos, nós dormimos juntas, ela me levou para morar em sua casa e, finalmente, havia se declarado também.
Então, talvez, tudo tenha mesmo acontecido.
Minha mão pesava livremente ao lado direito do meu corpo, o que me fazia pensar que talvez eu estivesse no limite da cama, a centímetros de cair dela. Olhei para baixo e constatei que estava certa.
Virei-me devagar para o lado oposto e dei de cara com Dahyun, ainda inconsciente, tão próxima a mim que apenas minha metade da cama era ocupada por nós duas, sua cabeça em meu próprio travesseiro, o dela completamente esquecido no enorme espaço desocupado do colchão. Nossos narizes não se tocavam por uma distância mínima.
Ela dormia tranquilamente, seu exercício de expiração e inspiração era perfeito, profundo e hipnótico. Sua expressão era serena, um de seus braços relaxado em cima da minha barriga. Encarei-a por algum tempo, não querendo pensar no que já estava pensando.
Eu estava convicta de que meu sonho não havia sido incoerente. Não que eu não quisesse criar esperanças, apenas estava convencida de que sua declaração da noite anterior não podia ser levada a sério.
Não que ela tivesse mentido. Eu pude ver de perto a intenção de cada palavra que ela havia pronunciado.
Mas não havia como deixar de pensar que, ao invés de mentindo, ela estivesse apenas confusa.
Para a minha própria saúde mental, eu tinha que colocar alguns pontos em ordens: Dahyun NÃO me amava. Embora ela parecesse ter sido sincera, cedo ou tarde sua razão voltaria e ela enxergaria que se enganou. Ela NÃO sentia por mim o que eu sentia por ela. No máximo, algum interesse carnal misturado com um sentimento de culpa um pouco deturpado e com certos exageros. NÃO fazia sentido ela se apaixonar por mim.
Dahyun poderia ter qualquer pessoa que quisesse, em qualquer momento. Talvez todas elas ao mesmo tempo.
Quando finalmente ela se desse conta desses fatos, eu acabaria na merda outra vez, tendo apenas um "sinto muito" para me consolar.
Seu sono tranquilo foi interrompido por um suspiro profundo. Seu braço abandonou minha barriga e ela se virou de lado, agora ocupando todo o espaço vazio do seu lado da cama. Continuei encarando-a, tentando imaginar como eu deveria agir, o que exatamente eu deveria fazer. Não pude chegar a conclusão alguma, porque enquanto meu lado racional - e sensato - dizia para que eu saísse de lá o quanto antes e retomasse minha vida antiga, a única coisa que me dava alguma garantia sobre alguma coisa, meu lado completamente apaixonado e ingênuo me mantinha ali, dizendo que de alguma forma as coisas se resolveriam sem que eu tivesse que deixá-la outra vez.
Mas como essa situação poderia se resolver? As coisas acabariam mal, assim como a primeira vez em que nossas vidas se encontraram.
E assim como na primeira vez, eu me via atada, não me restando mais nada a não ser esperar que tudo ruísse outra vez.
(...)
Me levantei com cuidado, não querendo que Dahyun sentisse alguma mudança e acordasse.
Eu não queria ter que lidar com a misteriosa relação que surgiria entre nós a partir daquele dia. Não queria ter que ver em seus olhos a dúvida que eu sabia que, cedo ou tarde, surgiria. Não queria ter que encará-la outra vez e sentir medo de perder o que, na verdade, nunca tive.
Recolhi do chão a calcinha e o casaco que estiveram no meu corpo pelo menos por alguns minutos na noite anterior. Dando uma última olhada para verificar se ela ainda estava dormindo, saí e fechei a porta atrás de mim.
Rumei para o quarto onde estavam meus pertences, ainda empacotados. Procurei por um short confortável e uma calcinha limpa, descartando a que trazia na mão na mochila com as roupas sujas. Peguei também minha escova de dentes e caminhei para o banheiro daquele quarto, feliz por não ter que usar o do quarto onde Dahyun dormia e correndo o risco de acordá-la.
Tomei um banho demorado, sentindo o aroma agradável do sabonete e dos shampoo's caros que estavam ali. Escovei os dentes e me penteei, tentando ignorar meus hematomas hoje mais visíveis. Ainda assim, sabia que aquela vez tinha sido mais sutil que a anterior, porque eu sentia menos dores e não via nenhuma nova marca no corpo. Todas que estavam lá tinham sido feitas por Dahyun na noite do nosso reencontro.
Saí do banheiro muito atenta a qualquer barulho que pudesse identificar que eu não era a única pessoa acordada naquela casa. Não escutando nada, segui para cozinha.
Não queria parecer mal educada ou abusada de alguma forma, mas o fato era que eu estava absurdamente faminta. Durante muito tempo, minha alimentação foi prejudicada pelo meu estado vegetativo, mas eram as últimas horas praticamente em jejum que faziam com que meu estômago estivesse quase se auto-digerindo.
Tentando não mexer em muita coisa, apenas me servi de um copo de leite e fiz um sanduíche que consistia em pão, manteiga e peito de peru. Ao terminar o café da manhã, notei que nem metade da minha fome havia sido saciada, mas pelo menos eu não desmaiaria por falta de sais minerais no corpo.
Lavei a louça usada e voltei ao quarto de hóspedes, por fim planejando o que eu faria, pelo menos por hora. Depositei todas as malas e bolsas em cima da cama e as abri, revelando todo tipo de coisa que trouxera comigo.
Comecei com a mala maior, tirando de lá algumas roupas dobradas e separando uma a uma em duas pilhas: As roupas que eu continuaria usando, e as que não usaria mais. Não que eu soubesse o que aconteceria comigo a partir daquele momento, mas me deixei aproveitar a opção de talvez não precisar mais usar algumas daquelas peças, as quais muitas vezes tiver que vestir para o trabalho.
Dahyun havia me dito que eu moraria ali, com ela. O problema era que eu esperava pelo dia em que ela fosse se arrepender e resolvesse se dar conta de que na verdade, aquela não havia sido uma boa ideia por isso, aquelas roupas que agora formavam uma pilha de vestes vulgares e inapropriadas, incluindo lingeries, não seriam exatamente descartadas.
Apenas ficariam guardadas no fundo de alguma bolsa.
Outra vez, me lembrei da noite anterior. Suas palavras tão sinceras, suas declarações aparentavam ser tão verdadeiras, que meu coração se encheu de uma discreta alegria novamente. Mas eu estava cética quando áquilo, mesmo que desacreditar em suas palavras me machucasse, então além de esperar, eu começava a nutrir uma quase certeza de que um dia ela voltaria a ver que eu nunca havia deixado de ser apenas uma garota de programa.
Eu havia acabado minha tarefa. Não foi difícil separar tudo que um dia eu odiei das minhas roupas casuais, e no fundo eu sentia um discreto mas inegável alívio em deixar o que não me servia mais no canto mais escuro e esquecido do quarto de hóspedes. O pedido de Dahyun para que eu não usasse mais nada daquilo foi apenas o gatilho para que eu mesma tivesse a atitude de tentar esquecer de tudo que fez parte da parte mais nojenta da minha vida.
Não havia como não ver aquelas coisas como um tipo de uniforme, então era óbvio que nós duas concordávamos com a escolha de deixar no passado tudo que pertencia a ele.
Agora, sem saber o que fazer, eu fitava o teto do quarto sem interesse, deitada de costas na cama, enquanto tentava pôr meus pensamentos em ordem. Me perguntei até quando ficaríamos em silêncio uma com a outra, evitando olhares e toques, como se isso pudesse cancelar a carga de sensações que viajava entre nós. Até quando ficaríamos em cômodos diferentes para evitar a presença uma da outra, até quando aquele relacionamento - fosse ele o que fosse, eu não saberia dizer - se sustentaria sem nenhum conforto entre as partes.
Eu deveria ir embora... Essa situação não vai ficar melhor... Tudo está muito estranho entre nós, talvez nunca mude...
- Licença...
Olhei de imediato para a porta ao meu lado, que agora estava aberta revelando um pouco do corredor por trás do corpo de Dahyun.
Fitei-a, meu coração repentinamente saltando de nervosismo, esperando pelo que ela tinha a dizer.
- Eu preparei o café da manhã pra gente.
Ah. Isso.
- Eu já comi... - Tive que confessar, sem saber se a fitava nos olhos ou desviava o olhar - Acordei com muita fome, então procurei algo pra comer. Desculpe por fazer isso sem seu consentimento...
- Não peça desculpas. Você é livre para fazer o que quiser nessa casa.
- A casa é sua, eu não tinha o direito de mex...
- A casa é sua também! Você pode mexer no que quiser!
Ela parecia irritada com minhas desculpas, o que não fazia o menor sentido para mim. Mesmo assim, achei melhor não contrariá-la, porque Dahyun parecia estar a ponto de gritar para provar seu argumento.
Era como se minhas palavras a tivessem incomodado, e eu sequer sabia o que estava fazendo de errado.
Fiquei em silêncio, esperando que ela falasse primeiro.
- O que você comeu?
- Um sanduíche.
Ela suspirou, passando as mãos pelos cabelos e despenteando-os mais. Relaxei um pouco ao ver que ela agora estava mais calma.
- Você não comeu praticamente nada nas últimas horas. Eu queria que você provasse o que eu preparei.
Continuei encarando-a, ainda hipnotizada pela mudança do tom da sua voz. Eu não sabia se ela era mesmo bipolar ou se apenas perdia a paciência em certo momento para, no momento seguinte, tentar parecer gentil.
- Por favor? - Ela falou, e eu poderia estar ficando louca, mas jurava que havia visto um biquinho.
Então, pela primeira vez, e eu não sabia por que exatamente havia demorado tanto para notar isso, reparei que a boca dela era simplesmente linda.
Muito linda.
Eu ainda estou morrendo de fome. Dahyun está fazendo manha para mim, me pedindo por favor que eu prover o que quer que ela tenha preparado.
Levantei-me devagar, no processo penteando com os dedos os cabelos ainda úmidos. Ela suspirou audivelmente, então sorriu, ainda me encarando, um sorriso tímido mas sincero. Era como se cada pequena coisa que ela me convencesse a fazer fosse uma vitória épica, digna de um troféu ou coisa assim. Então eu quase, quase retribuí o sorriso, mas me mantive séria ao lembrar que, embora ela parecesse querer nos convencer do contrário, não estava tudo bem.
Minha seriedade não fui suficiente para abalar seu repentino bom humor, então pude notar que ela continuou me encarando e sorrindo enquanto abria caminho para que eu fosse na frente.
Caminhamos até a cozinha, então me sentei na cadeira da mesa quadrada sem esperar por um convite. Ela não pareceu se importar, indo para atrás do balcão e preparando os pratos.
Quando voltou, trazia em uma das mãos uma jarra com suco de morango e na outra um prato com ovos mexidos, torradas, salsicha, queijo e, ao que tudo indicava, molho de ervas.
O cheiro maravilhoso de toda aquela mistura fez com que eu sentisse o peso da fome em meu estômago mais uma vez, mas ainda assim tentei parecer indiferente.
Ela sentou à minha frente, e então me encarou. Isso fez com que um arrepio varresse meu corpo de cima a baixo, então imaginei o quão bom seria quando finalmente eu me acostumasse ao seu olhar e deixasse de ter esse tipo de reação.
- Onde está o seu prato? - Falei, querendo cortar o silêncio, talvez para despistar meu nervosismo.
- Eu já comi. Enquanto estava preparando seu café. - Ela falou, com muita naturalidade - Belisquei algumas coisas.
Continuei encarando-a, querendo dizer que ela devia comer direito, porque estava muito mais magra do que costumava ser. Mesmo assim, continuei calada, tentando sustentar seu olhar. Imaginei que talvez ela estivesse esperando que eu me servisse de alguma coisa no prato à minha frente, mas eu definitivamente não queria que ela ficasse me assistindo enquanto eu devorava feito uma troglodita faminta tudo o que ela havia preparado para mim.
- Eu preciso de uma opinião. Nunca cozinhei pra ninguém, então talvez você possa me dizer se eu faço isso direito...
Dahyun era o tipo de pessoa que parecia saber fazer qualquer coisa direito, desde a comida a números de acrobacia. Se isso não fosse o suficiente, contava também o fato de que o cheiro do café da manhã que ela havia preparado estava simplesmente divino. Além disso, como amante de uma boa culinária, eu tinha minhas convicções de que se ela havia se proposto a cozinhar, então era porque sabia. Por isso, sequer precisava de uma garfada nos ovos ou na salsicha para dizer que aquilo estava muito bom.
Mas, por algum motivo, aquilo parecia ser importante para ela. Então, mesmo não gostando de ter que fazer aquilo enquanto ela me assistia, levei a boca uma boa quantidade do que havia em meu prato, enquanto ela me encarava como quem espera o resultado de um exame de gravidez. Encarei-a de volta, mastigando com uma lentidão exagerada, e de certa forma me divertindo com sua preocupação e seu ar tenso. Eu nunca havia visto esse lado dependente e ironicamente inseguro de Dahyun.
- Uma delícia. - Enfim falei, decidindo que já era hora de parar de torturá-la.
Ela sorriu, um sorriso largo e absurdamente lindo, um sorriso de alívio e alegria.
Fiquei um pouco distraída olhando com a luz que aquele sorriso trouxe ao ambiente de repente, e eu mesma senti vontade de retribuí-lo. Mas outra vez, assim como antes, me forcei a continuar séria.
Uma garfada após a outra, fui terminando meu enorme café da manhã com Dahyun à minha frente, analisando cada movimento meu com um meio sorriso no rosto. Eu tentava ignorar sua presença ali, mas ela não deixava, sempre me servindo de mais suco quando meu copo esvaziava ou, quando só podia olhar, suspirava sem motivo.
- Quer que eu faça mais? - Ela perguntou no momento em que coloquei o último pedaço de salsicha na boca.
- Não. Estou muito satisfeita, obrigada.
Ela continuou me encarando, sorrindo de uma forma discreta, e então me perguntei onde toda aquela postura fria dos dois dias anteriores estava.
Dahyun agora parecia quase inofensiva, alguém exatamente doce e bondosa que só fazia sorrir de uma forma tão singela para mim. E então, eu não estava entendendo mais nada.
- Nós vamos sair hoje. Tudo bem?
Encarei-a por um momento, me perguntando mentalmente onde ela queria me levar.
- Bom... Pensei em almoçar em algum lugar, e depois sairmos pra fazer umas compras.
Não respondi, tentando entender que tipo de compras Dahyun gostaria de fazer comigo. Como se entendesse minha dúvida, ela se apressou em explicar.
- Você precisa de um novo guarda-roupas.
Roupas. Era isso. Ela queria sair pra comprar roupas para mim.
Talvez isso fosse normal na relação de um casal - e aqui eu me forcei a pensar dessa forma, apenas para concluir o pensamento - mas eu deixaria que ela fizesse isso, então? Deixaria que ela comprasse tudo para mim a partir de agora? Que ela me sustentasse?
- Eu não quero que você compre essas coisas pra mim. - Falei antes de me dar conta de que tinha formulado uma frase.
Vi seu sorriso discreto deixar seu rosto lentamente, transformando-se em uma expressão contrariada.
- Por quê?
- Por que não quero que você fique me sustentando. Isso faz com que eu me sinta mal e inútil.
Encarei agora o prato vazio, evitando seu olhar. Ela ficou um tempo em silêncio, até falar outra vez.
- Não estou te sustentando.
- E do que chama isso, então? Me fazer morar de favor aqui, comprar roupas pra mim, me levar pra almoçar e pagar todas as despesas que eu dou?
Voltei a encará-la, então vi em seus olhos aquela intensidade que só podia notar quando ela estava carregada de alguma emoção. Sua postura voltava a ser firme, mas não fria. Ela parecia, ao invés de irritada, apenas triste pelas minhas palavras.
- Eu estou fazendo o que uma pessoa faz quando gosta da outra. Estou fazendo o que seu pai fazia com sua mãe. Não estou sustentando você. Estou cuidando de você.
Pensei em alguma resposta inteligente, mas não obtive sucesso. Ela usou um exemplo impossível de refutar, porque era a mais absoluta verdade.
Meu pai não sustentava minha mãe, jamais havia sido assim. Ele cuidava dela, ele a protegia, e estava claro que aquilo não era algo que ele tomava como obrigação, mas fazia simplesmente porque a amava. E se o que Dahyun estava fazendo fosse, de alguma forma, remotamente comparável áquilo, não havia como reprimi-la.
Talvez eu até devesse me sentir lisonjeada, feliz, protegida. Mas, de alguma forma, eu ainda me sentia mal. Provavelmente porque o que nós tínhamos não era um relacionamento dentro dos padrões, como o de meus pais. O que nós tínhamos era diferente, e o fato desse relacionamento sempre ter sido baseado em Dahyun pagando pra ter minha companhia talvez contribuísse para que eu me sentisse sendo comprada em cada pequeno detalhe.
- Mesmo assim - Comecei, um pouco sem graça, voltando a evitar seu olhar - eu preferiria pagar minhas coisas...
- Eu quero te dar de presente.
Fechei os olhos, tentando manter nossa conversa em um nível tranquilo, sem gritos ou palavras rudes.
Minha concentração foi abalada pelo toque do celular dela.
Quando abri os olhos outra vez, ela já havia se levantado, falando na sala com alguém. Não pude ouvir o que ela dizia, apenas palavras avulsas, mas pela forma como falava, parecia ser com uma mulher.
Quando finalmente desligou e voltou à cozinha encarei-a novamente.
- Você vai conhecer uma amiga minha. Ela está vindo pra cá daqui a pouco.
Então, eu conheceria Momo.
Pelo pouco que ouvira falar, ela parecia ser uma mulher boa. Essencialmente boa. Ao que me lembrava, havia sido ela que, na época da crise de Dahyun, se dispôs a ajudá-la. Por causa dela, ela havia saído de uma depressão profunda, e com a ajuda dela Dahyun havia se reerguido. De certa forma, eu já gostava dela simplesmente por ajudá-la e por se preocupar com ela. Ironicamente, era justamente por se preocupar com Dahyun que Momo provavelmente já não gostava de mim.
Ela havia contado tudo a Momo, e tudo se resumia no fato de que eu era uma prostituta pela qual ela pagava algumas noites. Era óbvio que Momo devia achá-la uma idiota por me colocar morando ali, e era igualmente óbvio que me julgaria assim que colocasse os olhos em mim. O pior disso tudo era que eu sequer poderia culpá-la.
Eu também julgaria qualquer prostituta caso ela estivesse se aproveitando de um momento de confusão da minha melhor amiga. Também a odiaria por continuar ao seu lado, porque afinal de contas minha melhor amiga merecia alguém melhor. Torceria para que ela simplesmente sumisse da vida dela, fazendo o grande favor de deixá-la viver sua vida com que ela merecesse.
Não ainda.
Por isso, teria que enfrentar aquela situação, teria que enfrentar a forma como Momo lidaria comigo. Eu era uma intrusa ali, então nada mais normal do que ser julgada sob todos os aspectos. Isso não melhorava em nada meu nervosismo, então, pela terceira vez, eu lavava meu rosto no banheiro do quarto de hóspedes, encarando-me no espelho como quem busca por alguma força, algum ânimo. Mas a expectativa de lidar com uma melhor amiga furiosa não estava nos meus planos para aquele dia, e ser pega de surpresa também não era minha especialidade.
Enxuguei o rosto e optei por vestir um vestido vermelho simples, com mangas longas que eu tinha, e coloquei um conjunto de brincos e pulseiras de pérolas que eram obviamente falsas. Coloquei também um salto preto, mas não era alto.
Sem saber direito como proceder naquela situação, fechei a porta atrás de mim e me dirigi para a sala. Dahyun disse que ela chegaria dentro de minutos, e que apenas queria que nós nos conhecêssemos. Me perguntei em silêncio se, em uma situação hipotética onde Momo partiria para cima de mim com insultos e verdades inconveniente, Dahyun me defenderia, se colocando contra uma pessoa que ela conhecia há muito mais tempo. Um pouco mais do que isso, algo de egoísta e mesquinho dentro de mim fez com que eu me perguntasse a quem ela escolheria, se tivesse que fazê-lo: Momo ou eu?
De qualquer forma, constatar a triste resposta para essa pergunta fez com que eu pagasse o preço do meu egoísmo.
Cheguei à sala e imediatamente notei que não poderia me dar ao luxo de qualquer tipo de preparação, porque já sentada, com um copo de água nas mãos, estava uma mulher merena, com cabelos lisos e enrolados nas pontas e olhos castanhos escuros beirando a cor preta, uma brilhante aura angelical e excepcionalmente bonita.
Ao seu lado, de pé, Dahyun parecia não saber direito se caminhava ou ficava parada no mesmo lugar.
Momo me olhava com uma expressão indecifrável. Não era uma postura confortante ou amigável de nenhuma forma, mas tampouco era acusatória ou hostil. Ela simplesmente estava aceitando minha presença ali, por hora sem fazer pré-julgamentos.
Seria bastante agradável se nosso encontro se resumisse a isso, mas infelizmente ela pareceu, depois de alguns segundos, se dar conta dos meus hematomas, então vi sua expressão de choque quase disfarçada sob um semblante bondoso. Isso não tirou de forma alguma, sua beleza.
- Muito prazer... - Minha recente mania em falar simplesmente para tentar diminuir o tempo de um silencioso mal-estar estava fugindo do meu controle, mas não me importei.
Agora, eu estendi a mão para ela e esperava que ela a tomasse.
Momo se levantou com calma, estendendo a mão em resposta segurando a minha, sacudindo com suavidade. O aperto não era forte, mas sim firme. A atitude de uma dama, de uma mulher definitivamente segura.
- Olá.
Eu não esperava que ela dissesse que sentia algum prazer em me ver. Momo não parecia ser o tipo de mulher falsa ou que mentia sem nenhum motivo aparente, então era exatamente esse tipo de resposta que eu esperava dela.
O que eu não esperava era me sentir tão incrivelmente intimidade por ela, e ela ainda era mais baixa do que eu. Talvez fosse por sua postura firme ou por sua beleza, que fazia com que minha auto-estima quisesse cometer suicídio.
- Você é linda.
O som de minha própria voz ecoava de novo, e pelo riso baixo que Dahyun deu, havia ecoado fora da minha cabeça. Então eu havia dito aquilo em voz alta, sem nenhum motivo aparente, sem nenhuma explicação. Sequer se encaixava no momento, mas por alguma razão que só Deus saberia dizer, eu pronunciei aquelas palavras, e me perguntei se ela me acharia forçadamente simpática ou algum tipo de puxa-saco.
Tudo nela parecia ser forte, e eu tive a impressão principalmente pelo olhar que ela sustentava enquanto me encarava. Seus olhos eram firmes, mantinham uma ligação direta com os meus, e seu eu fosse um pouco mais paranóica poderia dizer que Momo estava tentando me ler, desvendar minhas supostas mentiras e me analisar, certificando-se do quão boa ou ruim eu era para estar por perto de Dahyun.
- Obrigada. - Ela enfim falou, e como se tivessem terminado a leitura, seus olhos pareceram se suavizar um pouco, quase imperceptivelmente, mas se mantendo diretamente ligados aos meus. - Eu me chamo Momo. Você é Nayeon, não é?
- Nay - Apressei-me em corrigi-la - Me chame de Nay.
- Ei!
Dahyun finalmente deu algum sinal de vida, interagindo conosco pela primeira vez. Momo e eu olhamos ao mesmo tempo para ela, tentando entender o motivo da exclamação. Ela parecia indignada comigo, me encarando com um olhar de "como você pôde?"
- Pensei que só as pessoas mais próximas a você, podiam te chamar assim!
Momo rolou os olhos quase que teatralmente.
- Ela se apresentou pra mim como Nayeon. Eu tive que pedir pra chamá-la de outra forma!
Encarei-a em silêncio, não sabendo como responder áquilo. Se meus olhos conseguissem transmitir a ela o que eu queria, Dahyun se lembraria da ocasião em que nos conhecemos, entendendo que eu não poderia ter me apresentado de outra forma, e se calaria instantaneamente, evitando um constrangimento maior entre nós duas. Não sei se obtive sucesso, mas ela pareceu deixar o assunto momentaneamente de lado, enquanto ainda me encarava com uma expressão genuinamente ofendida no rosto.
Será que ela realmente estava chateada comigo por causa disso?
- Okay. Discuta seus termos de exclusividade depois, porque dentro de uma hora eu tenho que estar de volta para a minha família.
- Certo. - Ela falou, desviando seu olhar de mim para Momo - Eu a chamo de Bunny...ou senhorita Nayeon. Então não tem problema você chamar ela de Nay, fim. - Ela disse com um sorriso satisfeito.
- Tudo bem Dahyun. - Momo falou revirando os olhos.
- Então, o que você sugere? - Dahyun falou mudando de assunto.
- Como eu sei que você vai acabar pagando, mesmo que eu te ameace de morte, fica à sua escolha.
- Perfeito! - Finalizou Dahyun, já pegando suas chaves e colocando-as em sua bolsa, enquanto Momo colocava nos ombros a bolsa que trouxera consigo. Quando ela veio até mim, parando alguns centímetros à minha frente e falando baixo e pausadamente, como quem fala com um doente em estado terminal, por um momento voltei a lembrar da nossa atual dificuldade de comunicação.
- Nós vamos almoçar. Preciso conversar com Momo sobre algumas coisas da empresa. Sei que faz pouco tempo desde seu café da manhã, mas vou pedir que você venha com a gente.
Senti o toque suave de sua mão na minha, e instantaneamente fui atingida pela corrente elétrica que se estabeleceu entre nossas peles. Se não fosse a mulher parada à porta, esperando por nós duas, eu já estaria entregue a Dahyun, assim, fácil desse jeito. Por isso, era mais um motivo pelo qual eu era grata à Momo.
A viagem até o restaurante foi silenciosa. Por um momento, cheguei a pensar que Dahyun me perguntaria o que eu havia achado de minha nova conhecida, que nos seguia em seu carro logo atrás, mas ela não o fez. Assim, a curta viagem foi como as tradicionais viagens que nós costumávamos fazer: Sem qualquer tipo de comunicação, o que mais uma vez fez com que eu lembrasse da nossa atual situação, como "casal."
Um casal de desconhecidas. De desconhecidas, talvez. Nada mais do que isso.
Chegamos ao restaurante ao qual não dei muita atenção até que tivesse entrado. No momento em que atravessei a porta, me dei conta de que estava em um lugar provavelmente muito, muito caro, tanto pelo ambiente em si como pelas pessoas ali presentes. Me senti estúpida e completamente deslocada, lembrando que minha roupa era apropriada para, no máximo, um passeio no shopping, e sentindo minha cabeça ferver aos poucos, enquanto me dirigia à mesa tentando me esconder atrás de Dahyun.
Senti raiva de sua atitude, primeiro por sequer cogitar a possibilidade em me informar que iríamos a um lugar daquele tipo. Depois, por não me alertar sobre a minha aparência.
O fato de me sentir completamente fora de lugar era culpa unicamente dela, mas Dahyun não parecia se importar.
Depois de muito tempo, escolhemos os pratos sugerido pelo maitre e, a partir daí, ela e Momo passaram a conversar entre si, ambas se esquecendo completamente da minha presença.
Ao invés de me incomodar, esse fato serviu para que eu ficasse um pouco mais à vontade, completamente sozinha em meu espaço enquanto, calada, observava o uso correto dos muitos talheres por parte das minhas acompanhantes, tentando imediatamente repetir as ações de forma certa e memorizá-las para uma próxima ocasião.
Momo falou sobre novos contratos, empregados da empresa, festas de praxe e algo relacionado a arranjos de viagem.
Dahyun parecia entretida, respondendo com vivacidade a qualquer comentário, enquanto eu me mantinha calada e ignorante a qualquer assunto que elas discutiam. Algumas vezes, pude ver pela minha visão periférica que Dahyun olhava para mim, mas depois voltava-se para Momo, apenas como se quisesse checar se eu ainda estava viva.
Por aquele momento, me permiti simplesmente viver o pouco do que estava acontecendo. Então éramos só nós três, eu, Dahyun e sua melhor amiga, sentadas em uma mesa de enquanto elas conversavam sobre trabalho, e simplesmente me deixei levar pela simplicidade da situação.
Como um expectador, eu assistia à minha própria vida, ao menos naquele momento, sem complicações ou pendências, e por mais que essa paz me enganasse sobre o que eu realmente eu tinha que enfrentar, era bom estar daquela forma.
E então, a presença de Dahyun ao meu lado, sua postura firme e protetora, seu calor e sua voz me faziam bem. Era como se eu tivesse que estar ali, como se não houvesse outro lugar no mundo em que eu devesse estar. Mesmo que tudo fosse mais complicado do que isso.
Por isso, me permiti prestar atenção apenas nela, mesmo sem realmente escutar suas palavras, mesmo sem tocá-la, mesmo sem olhar pra ela.
Sua presença agia sobre mim, sem a menor necessidade de interação.
- Vamos?
Com o susto, meu corpo pulou discretamente no assento, agora encarando Dahyun como se ela tivesse acabado de aparecer ali.
- Você já pagou? - Perguntei, confusa.
- Acabei de pagar. Você não viu? - Ela me respondeu olhando preocupada, como se eu estivesse verde.
- Estava distraída. - Murmurei, e dando uma rápida olhada em Momo, me aproximei de Dahyun para falar em seu ouvido. Como o ambiente era excessivamente silencioso, talvez por causa da maldita educação de toda aquela gente rica em quase não falar, eu duvidava que minhas palavras tivessem saído em um volume audível apenas para Dahyun - Pode me dizer quanto foi?
Ela se afastou de mim, outra vez com expressão de quem acabara de ser agredida verbalmente. Seu rosto, antes suave, agora se contorcia em uma careta de raiva. Por fim, falou em um tom extremamente rude.
- É falta de educação perguntar isso.
Senti meu rosto ferver imediatamente pelas suas palavras, então tive a certeza de que eu agora parecia uma pimenta. Extremamente envergonhada, dei mais uma vez uma rápida olhada em Momo, que nos encarava com um curiosidade genuína.
- Desculpe. - Comecei, encarando-a outra vez - Não queria soar grosseira, só queria saber quanto eu te devo.
- Nada. - Ela respondeu, ficando de pé, Momo imitando seu ato - Não me deve nada.
Como se quisesse compensar sua atitude um pouco ofensiva, Dahyun estendeu a mão para que eu a pegasse, me ajudando a levantar. Olhei para seu gesto por algum tempo, pensando na sua simplicidade e, ao mesmo tempo, no tamanho de seu significado.
- Podemos conversar sobre isso depois? - Falei, agora encarando seus olhos castanhos.
Ela não se mexeu, sua mão ainda estendida para que eu a tomasse. De alguma forma, entendi que aquilo não era um '' não, '' então aceitei sua ajuda, segurando firme sua palma. Mais uma vez, a pequena corrente elétrica percorreu minha pele no lugar onde estava encostada a pele dela, e então me permiti aproveitar e me acostumar com aquela sensação.
Quando Momo deixou a mesa, antes de nós duas, senti os dedos dela se fecharem e apertarem minha mão com força, não me machucando, mas sim passando algum tipo de mensagem como '' não, não quero soltar. '' E então esse pequeno gesto fez com que meu coração começasse a bater freneticamente, como se eu fosse uma pré adolescente descobrindo que eu crush na verdade era correspondido.
Só voltei a notar outra vez o mundo à nossa volta quando Momo se manifestou. Já estávamos na rua, na outra calçada, e eu não me lembrava de como fomos parar lá. Instintivamente, quando ela se virou, me forcei a soltar a mão de Dahyun, que pareceu irritada com a minha atitude.
- Vai trabalhar amanhã? - Momo a encarou, interrogativa.
Ela pareceu ponderar por algum tempo, e eu me perguntei o motivo da dúvida dela. '' Amanhã '' era segunda-feira, por que Dahyun não iria trabalhar?
- Vou. - Ela respondeu, e Momo pareceu se iluminar com sua simples resposta.
- Vou estar esperando.
Então tive a impressão que Momo não se despediu adequadamente de Dahyun porque, se fizesse, teria que se despedir de mim também. Por isso, um "até logo" pontuou sua frase direcionada para nós duas, e a última coisa que pude ver foi ela entrando em seu carro, dando partida e sumindo pelo final da rua pouco movimentada.
- Por que soltou minha mão? - Ela quebrou o silêncio, me encarando com um olhar acusatório.
- Porque Momo não ia gostar de nos ver... - Comecei, mas fui logo interrompida.
- E por que você se importa com o que ela gosta ou deixa de gostar?
- Não quero que ela goste menos de mim.
Ela recebeu minha explicação calada, e depois de me encarar por algum tempo, o que constatei ser mais uma profunda e minuciosa análise, finalmente acionou o segredo do carro e abriu a porta do carona para que eu entrasse.
- Onde vamos? - Perguntei com o carro já em movimento, grata a mim mesma por notar que estava desenvolvendo a capacidade de quebrar o silêncio entre nós duas com mais facilidade a cada dia.
- Comprar algumas roupas pra você. Como hoje é domingo, a maioria das lojas que eu queria dar uma olhada estão fechadas, então vamos ter que ir no shopping.
Me senti contrariada outra vez com a lembrança da ideia de Dahyun.
Tossi para que minha voz soasse mais convincente e mais segura.
- Eu não quero...
Dahyun parou em um sinal vermelho e me encarou outra vez, com uma expressão de "me escute" que me fez parar de falar para ouvir o que ela iria dizer.
- Você se dá conta de que sobraram poucas roupas... "usáveis" na sua mala?
- Sim...
- E que, cedo ou tarde, vai precisar de mais roupas além daquelas?
- Eu sei...
- Eu poderia até te emprestar algumas roupas minhas, mas meu número é maior que o seu. Então isso significa que se não comprarmos mais peças, algum dia você vai ter que acabar tendo que andar pelada dentro de casa.
Outra vez, senti meu rosto ferver instantaneamente com os milhares de significados ocultos que eu sabia que ela havia, propositalmente, empregado naquela frase.
- Eu só não quero que você gaste ainda mais comigo! - Me apressei em falar, tentando sentir menos vergonha.
- Quer que eu banque a esnobe e fique te falando o tempo todo que eu posso gastar a quantidade que eu quiser?
- Não, só quero pagar as minhas coisas.
- Por mim você podia queimar todo aquele seu dinheiro, não te faria falta alguma. - Ela começou, empregando veneno à sua voz, e pude notar que não havia sido de propósito, não para me atingir: Dahyun só lembrava onde vinha o pouco dinheiro que eu tinha guardado, e simplesmente odiava isso - Além do mais, sou eu que quero te dar uns presentes. Portanto, sou eu que devo pagar.
- Você não deve pagar nada pra mim. - Comecei, um pouco mais exaltada que o normal.
- Qual o seu problema com isso? Por que não aceita?
- Porque eu odeio o fato de que, desde o primeiro momento em que nos conhecemos, tudo o que você fez foi gastar dinheiro comigo.
Pontuei a frase já sentindo o peso que ela deixaria em cima das nossas cabeças. Essa era a mais pura verdade, mas talvez fosse razoável considerar a possibilidade de não mencioná-la daquela forma. Infelizmente, as palavras saíram mais rápido do que meu bom senso, e então todo aquele significado pairava no ar entre nós, tornando o silêncio bastante desagradável.
Ela ficou quieta por muito tempo, apenas olhando para frente e evitando bater contra um poste. Eu sabia que ela devia estar puta agora, e desejei que ela soubesse que minhas palavras não foram propositais. Ainda assim, me mantive calada, recolhida no meu canto, esperando por sua reação.
- Eu não estou querendo te comprar, Nayeon. Estou fazendo isso porque me sinto responsável pelo seu bem estar. E se você não entende isso, então nós temos um problema bastante sério aqui.
Continuei calada, absorvendo sua fúria disfarçada pela suavidade de sua voz, mas depois de algum tempo, o que parecia suficiente para que ela já estivesse menos irritada, voltei a falar, em voz baixa.
- Só queria que você me deixasse participar disso também. Nem que fosse só um pouco. Nem que fosse pra me sentir um pouco melhor.
Ela suspirou, e então tive novamente a sensação de que aquilo não havia sido um "não." Me senti um pouco mais animada com a ideia de que Dahyun parecia ficar cada vez mais maleável com a relação às suas decisões, e então deixei que o resto da viagem fosse preenchido pela musica do meu grupo favorito Blackpink - Kiss and make up que tocava no rádio do carro.
Nossa ida ao shopping poderia ter sido considerada um pequeno pesadelo se ela não estivesse lá.
A primeira coisa com a qual tive que me preocupar eram as pessoas.
Tomada por um pânico crescente à medida que caminhava pelos corredores, eu mantinha a cabeça sempre abaixada e os olhos no chão, com receio de que no momento em que olhasse para algum rosto, o reconheceria como um antigo cliente. Para piorar as coisas, nós estávamos em um shopping daquela região, onde todos eram da classe alta, aumentando minhas chances de ser identificada.
E uma coisa era ser reconhecida como puta estando sozinha. Outra coisa era ser reconhecida com uma puta com Kim Dahyun ao meu lado, o que provavelmente faria com que eu desejasse morrer de forma rápida e indolor.
Felizmente, isso não aconteceu.
No início, Dahyun fez menção de entrar em determinadas lojas que eu sabia serem absurdamente caras, só de olhar para a vitrine e para as caras das atendentes, que me olhavam de cima a baixo como se eu fosse algum animal de esgoto. Para cada uma das lojas, eu tentava dar uma desculpa e desviá-la de seu caminho, mas foi quando eu disse, na sua terceira tentativa, que não queria entrar porque parecia frio lá dentro, ela entendeu minha tática.
Pedi pelo amor de todos os deuses para que fôssemos em uma simples loja de departamentos, e obviamente ouvi reclamações de Dahyun. Ela parecia decidida a comprar coisas com preços exorbitantes, então quando notei que meus pedidos não estavam surtindo efeito, garanti a ela que algum dia poderíamos voltar e escolher as lojas que ela quisesse, contanto que aquele dia fosse meu.
Ela acabou aceitando, a contragosto, então fomos parar em uma Macy's. Como queria ir embora logo, escolhi aleatoriamente peças de roupas de diferentes estilos e cores. Não experimentei nada, alegando que qualquer coisa do tamanho P serviria em mim. Por vezes, tentei me separar dela para poder pesquisar preços, mas quando ela me encontrava, já nervosa com o receio de que eu pudesse ter fugido dela, ficava mais furiosa ainda quando me via olhando as etiquetas.
Quando decidi que já havia coisas demais, informei-a de minhas escolhas, mas ela não reagiu como o esperado. Parecendo decidida, Dahyun me avisou de que não sairíamos dali sem, no mínimo, o triplo de peças que eu havia escolhido, e então eu quase quis agredi-la.
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