Passamos a cena duas vezes, e eu só tive que ajudá-lo uma vez.
— Você faz muito bem o papel de cara meio doido.
Ele inclinou a cabeça.
— Obrigado.
— Quem vai interpretar o Oscar?
— Outro aluno da turma.
— E ele é tão bom quanto você?
Ele me encarou e sorriu.
— Como vou responder? Se eu disser que não, vou parecer arrogante. Se disser que sim, você vai achar que eu não sou nada especial.
Girei a colher dentro do copo vazio.
— Eu queria poder assistir à cena.
— Seria chato para você.
— Não seria, não.
— Você gosta de teatro?
— Não sei. Nunca fui.
— Sério?
— Sério.
Jughead pôs a mão no peito.
— Estou chocado, Betty. Não sei se podemos ser amigos.
Quando eu me preparava para rir, ouvi uma voz atrás de mim que me paralisou.
— Betty?
Fechei os olhos por um instante, depois me virei para Midge.
— Oi.
Ela sorriu para Jughead.
— Archie, certo?
Eu me encolhi, respirei fundo e disse: — N...
Jughead ficou de pé e me interrompeu.
— Sim. E você é...?
Jughead sabia quem ela era. Mas a aparência inocente em seu rosto não revelava. Eu queria rir, mas me controlei.
— Midge. A gente se conheceu no baile... Você não lembra porque estava ocupado com... outras coisas. — Ela olhou para mim, depois para ele de novo. — Não sabia que estavam juntos de novo. A Betty falou sobre outro cara com quem estava saindo.
— Não, não estou saindo com outro cara — interferi depressa, temendo que Jughead pensasse que eu estava dizendo às pessoas que estávamos saindo. Apontei para ele. — E também não estamos juntos de novo. Estamos só conversando. — Ela queria me encrencar com o “Archie” contando que eu estava saindo com outra pessoa? Midge me mediu da cabeça aos pés.
— Acabou de sair da academia? Está com uma aparência tão... natural.
— Tem razão — disse Jughead. — Ela tem uma beleza natural. — Ele entrara no personagem. Até segurou minha mão, apesar de eu ter acabado de dizer a Midge que não estávamos juntos. Olhei para ele, mas não soltei sua mão. Midge viu o livreto em cima da mesa.
— De quem é o roteiro? A Betty disse que você fazia administração.
— Também faço um curso de teatro. É uma válvula de escape para mim.
— Que divertido. — Ela ajeitou a alça da bolsa sobre o ombro. — Usa óculos — comentou, quase como se fizesse uma lista.
— Quando não estou de lente de contato, sim.
— A Betty nunca mencionou que você usava óculos.
Franzi a testa.
— Por que deveria ter mencionado?
— Bom, parece uma dessas coisas que você mencionaria. Enfim, vim fazer umas compras para a minha mãe. Sabe como ela é. Liga para mim, Betty. A gente nunca ligava uma para a outra. Ela subiu a rua. Jughead ficou ali parado ao lado da minha cadeira, segurando minha mão e observando Midge.
— Não gosto dessa menina.
Afaguei a mão dele, depois a soltei. Teria continuado de mãos dadas pelo tempo que ele quisesse, mas seus olhos brilhavam daquele jeito, como se ele tivesse acabado de fazer uma apresentação excelente. Eu não queria mais ser só uma coadjuvante nessa encenação.
Jughead sentou, pegou o roteiro e o dobrou ao meio.
— Ela lembra de tudo o que você fala?
— Só para poder usar contra mim no futuro.
— Por que você anda com ela mesmo?
— Porque as minhas amigas gostam dela.
Ele olhou para a rua, onde Midge não era mais visível.
— Eu piorei a situação?
— Não acredito que possa ficar pior. Está tudo bem. — Mexi a colher no copo vazio novamente e mordi o lábio. — Mas eu ia contar a verdade a ela.
— Eu sei, mas acho que devia contar às outras amigas primeiro.
— Tem razão. Tenho que contar às outras primeiro. — Eu tentava negar esse fato. Tentava fingir que não precisava contar tudo a elas. Como se todas nós houvéssemos seguido adiante, superado. Mas não era assim que funcionava. Eu estava mentindo para elas, e não é isso que os amigos fazem. Eu precisava contar a verdade.
Alguns minutos mais tarde, vi Midge sair da cafeteria no fim da rua segurando um copo.
— Já volto.
As palavras de Toni ecoavam em minha cabeça. “Tenta ser legal com ela. A Midge tem passado por tanta coisa...” Eu disse a Cheryl que ia tentar. E não estava tentando.
— Midge!
Ela parou e se virou.
— Oi?
— Eu... — Não sabia nem como começar. Pensei nas coisas que ela falava quando estávamos todas juntas. Midge tinha um relacionamento horrível com a mãe. No começo pensei que ela reclamava dos pais como todo mundo faz, mas, obviamente, era pior do que eu havia percebido. — Está tudo bem? Com a sua mãe?
— A Cheryl te falou alguma coisa? — Ela parecia brava.
— Não. Da última vez que almoçamos juntas, você comentou que tinha brigado com ela. Ainda estão brigadas?
Ela olhou para o copo térmico em suas mãos.
— Estamos sempre brigadas.
— Por quê?
— Ela quer mudar... de novo. Só quero que ela espere até eu me formar, até ir para a faculdade, mas ela está fugindo do homem cinquenta e um ou setenta e cinco. Perdi as contas. E já empacotou metade da casa.
Uau. Devia ser horrível. Eu não conseguia imaginar minha mãe juntando tudo e mudando de casa cada vez que tinha um problema. Estava me sentindo mal por ela.
Lembrei que ela havia comentado alguma coisa sobre a mãe namorar demais. Homens horríveis, normalmente.
— Sinto muito.
Os olhos dela encontraram os meus e endureceram.
— Não é tão grave. A Cheryl disse que eu podia ir morar com ela por algumas semanas, se isso acontecesse.
— Ah. Bom, que legal. Isso vai ajudar. Só queria saber se você estava bem.
Ela olhou por cima do meu ombro, para onde Jughead continuava sentado.
— Está fingindo que se importa porque está preocupada comigo, ou porque tem medo do que eu sei?
— O quê?
Ela forçou um sorriso.
— Fica esperta, Betty. Estou quase descobrindo. — Ela começou a se afastar, então disse sobre o ombro: — Noventa dias.
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