1. Spirit Fanfics >
  2. Não confie no Deadpool >
  3. Noite do filme

História Não confie no Deadpool - Noite do filme


Escrita por: boaswain

Notas do Autor


mds pq parece que agora cada capítulo é mais triste que o anterior? eu to fazendo vcs sofrerem demais?

Capítulo 21 - Noite do filme


Acordei desse sonho louco onde eu e Wade éramos rivais na Idade Média. Outra vez, não acredito nesse lance de significado de sonhos, mas isso com certeza significa alguma coisa. Meus olhos mal continuam fechados, temendo a luz de fora, mas quando finalmente os abro, ainda está tudo escuro. Ergo a cabeça apenas o suficiente para enxergar Nova York dormindo pela janela, com as luzes apagadas e o céu noturno. Alcanço meu celular, checando o horário. Madrugada. Resmungo, descontente e me obrigo a levantar e trocar minha roupas, fazendo de tudo para que o tempo passasse e eu não tivesse que encarar meus pensamentos outra vez, deitado na cama.

No entanto, não consigo prolongar mais quando me vejo sem tarefas a fazer e sem mais distrações para inventar. Volto a me cobrir nos cobertores e aproveito o silêncio e o gelado ali antes que me deixar levar mais uma vez. Felizmente, pelo sono e não por mais tristeza.

Quando acordo é pelo barulho e as luzes fortes da cidade, o que é muito mais satisfatório, e mais real do que eu achei que fosse. Me levanto da cama e rumo ao banheiro, escovando os dentes. Tento ao máximo não focar no meu reflexo, mas minha aparência prende a minha atenção. Queria poder me achar pelo menos apresentável nesse momento, mas eu estou horrível. Assim como eu me sinto. Depois de horas de estresse, luta e exaustão emocional, eu estou completamente destruído, não apenas espiritualmente. Meus olhos estão fundos e sem cor, cansados, exaustos, meu rosto está pálido e ainda com arranhões da batalha e cortes pequenos, minha boca parece seca e desidratada. Eu me sinto doente. Decido abandonar a tortura do reflexo e me aproximo da janela para visualizar o dia que já tinha começado sem mim, em Nova York. Os carros e pessoas agitados e rápidos, confiando suas vidas aos heróis que protegem essa cidade, e eu sou um deles. Mesmo mal conseguindo proteger minha própria tia.

— Não foi sua culpa — alguém diz e eu me viro para encontrar Jess parada na porta. — Meu Deus, você está horrível!

Faço uma careta, dando de ombros quando o susto e a surpresa passam.

— Quanto tempo está aí?

— Tempo o bastante para ler seus pensamentos — ela brinca, se aproximando e me estende uma caixa. — Tony deu um super café da manhã lá embaixo, mas imaginei que não fosse aparecer então trouxe seus donuts favoritos do Delmar. Com recheio extra de leite condensado.

Sorrio de canto, encantando pelo carinho gratuito, e recebo de bom grado a caixa, mesmo sem abri-la de imediato.

— Não foi sua culpa, Peter — Jessica fala novamente, me observando sentar no parapeito da janela.

— Eu sei — respondo. — Você interrompeu meus pensamentos, mas eu estava prestes a dizer isso para mim mesmo. Eu só... Eu me sinto mal por isso, Jess, porque mesmo que eu esteja no centro disso tudo, não há nada que eu possa fazer, nem culpar a mim mesmo.

Jessica suspira, indo até a cama e se jogando nela. Ela também parecia cansada e eu imagino que realmente estivesse (mais do que o humor habitual ressaca/tédio dela), só ontem interrogamos uma mutante super poderosa, descobrimos mais sobre o Gagarish, fomos até o Harlem para prender uma gangue de mutantes que tinham uma estratégia bizarra de dominação, e ela ainda teve que lutar contra Luke — o que, pra ser sincero, eu imagino que seja o de menos pois ela deve fazer isso todos os dias.

 — Soube da Felicia?

— É... — resmungo. — Algo novo?

— Não, e nem acho que deva ter — ela diz. — A mulher é uma diva dos disfarces, mas sabe o quê? Eu acho que você devia dar um tempo de estar ligado dessas coisas, já acabou mesmo.

— E os mutantes?

— Eles estão bem — ela me tranquiliza, se levantando outra vez. — Stark está acompanhando eles, os familiares já foram contatados mas acho que Xavier vai dar um jeito de... Você sabe, ficar com eles.

Assenti, compreendendo. E voltei a olhar para a Nova York estampada na minha frente, me deixando levar pela paisagem e cores, pelo que mantinha minha mente longe de onde ela não deveria estar. Por um lado, eu estava feliz de ter conseguido salvar aquelas crianças,

— Você deveria mesmo comer — ela pontua, e eu me viro novamente, a vendo se afastar em direção a porta. — Sei que já deve ter dito isso pra esse robô, mas vou reforçar o recado e falar pro Stark não te incomodar. Você merece um tempo sozinho, Pete.

— Obrigado, Jess — sorrio, agradecido. — Jess! Que dia é hoje?

— Quarta, 18. Por quê?

— Não vou ficar sozinho — rio sozinho, e a morena me encara desentendida. — É noite do filme.

Minha amiga parece orgulhosa de mim quando fecha a porta e eu aumento o sorriso, preciso respirar fora da vida de herói, preciso dos meus amigos normais. Com uma mensagem simples, contato MJ e Ned, pedindo para eles me visitarem na Torre. É claro que os dois surtam de felicidade e ansiedade pois nunca tinham estado lá e nem conhecido os Vingadores, mas logo MJ saca que coisa boa não deve ser, mas a explico que a história é longa.

Aviso a Jarvis para deixar que eles entrem no prédio e no meu quarto sem precisar de mais autorização e em seguida sigo o conselho de Jessica, abrindo a caixa de donuts. Eles estão realmente deliciosos, quase conseguem me fazer não pensar nos últimos acontecimentos. Eu disse quase. Coloco meus fones e dou play na playlist, que começa com Beautiful Mess. Sinto vontade de jogar o celular longe apenas por me provocar, mas tento aguentar. Falho. Quando o cantor chega no refrão meus olhos já estão cheios de lágrimas e decido não me doar a essa tortura.

Meu amor com Wade não era intocável, como eu um dia acreditei. Nem sei porque acreditei nisso, ele me fazia se sentir tão especial, um equilíbrio entre o Peter e o Homem-Aranha. Merda, por que eu continuo trazendo isso para minha mente? Deveria apenas esquecer e deixar para lá, já aconteceu, eu já tive o coração quebrado, preciso superar. Mas de alguma forma quase mágica, não consigo, é como se meu cérebro quisesse saber o momento perfeito onde tudo passou a ser uma mentira. Onde eu me deixei enganar.

Todo mundo sempre disse que o amor era como um fogo, e agora eu entendia, porque meu coração estava só as cinzas, não sobrava um pedacinho para contar história.

A paisagem me tomou e me deixou horas pensativos sobre coisas vulgares e o tempo se arrastou por mim sem que eu percebesse, o que foi bom porque há um tempo eu já não tinha esse sentimento de dispersão sobre a lentidão do tempo, e por uma única vez em meses, eu gostei disso, de desacelerar um pouco.

Para minha sorte, os Vingadores estavam indo bem com a ordem de não me perturbar e isso foi um fator importante para que eu esquece a noção de tempo ali dentro. Via as viaturas da polícia indo e voltando o dia todo e incrivelmente não sentia a vontade de fazer algo sobre, naquela cena eu precisava de ajuda, por mais que tentasse negar. A verdade é que eu não conseguiria lidar com isso sozinho, não dessa vez. Horas e horas de reflexão me levaram a esse veredito. Um coração quebrado nunca se cura sozinho, eu aprendi isso com séries da Netflix e livros obrigatórios da aula de Literatura Inglesa. Tem sempre alguém ali, um suporte, um remédio, uma distração.

E sabe quem estava lá quando eu estava questionando minha sexualidade? É, MJ e Ned. Um frio percorre a minha espinha apenas pelo medo de perdê-los agora que o ensino médio está oficialmente acabado e cada um de nós vai ter que tomar seu rumo. Felizmente o rumo que eles escolheram tomar esta noite foi até a Torre, e logo a minha porta se abre automaticamente, revelando o Leeds e a Jones lado a lado.

— Ai meu Deus! — Michelle gritou entrando no quarto. — Tudo aqui é tão grande e luxuoso quase me dá vontade de apoiar o capitalismo.

— A gente pode passar as férias aqui? A piscina do 39° andar é tudo! — Ned completa.

— Não que a gente queira se aproveitar do seu momento vulnerável para conseguir ter acesso a todas as maravilhas dessa torre e da tecnologia Stark — MJ ressalva.

— E a gente viu o Thor! O Thor!

Sorrio, animado com a animação do casal, falando rápido e rodeando o quarto inteiro com os olhos. Pareciam duas crianças num parque de diversão.

— Peter, você nunca disse que era aqui que passava as noites como herói — Ned continua. — Sempre imaginei você dormindo de tanto estudar num laboratório ou coisa assim.

Os olhos de MJ se cruzam com os meus e ela suspira, me vendo ali parado, na sacada da janela, entornado pelas luzes da tarde de NY. Não sei se é isso ou minha cara mesmo, ou isso que dizem de “aura da melhor amiga” mas ela muda a expressão para uma de pena. Pena, não. Compaixão. Ela cutuca o braço de Ned e os dois caminham até mim rapidamente para me dar um abraço apertado e caloroso.

Confio neles, eles estão ali por mim. Meus amigos. Aperto os olhos com força para conseguir chorar, mas meu corpo me nega isso outra vez então suspiro, derrotado. Mas essa derrota é diferente, porque Ned e Michelle me seguram em seus braços e me impedem de cair. Vou ser, pra sempre, grato a eles por isso.

 

—★—

 

— Nós trouxemos Pulp Fiction, De Volta Para o Futuro, Uma Linda Mulher, 10 Coisas Que Eu Odeio em Você e Era do Gelo 2 — Michelle anuncia.

Nós fechamos a janela para que o quarto ficasse mais escuro e apesar de Jarvis ter um projetor embutido, preferi não dizer nada para não estragar o barato de Michelle que tinha trago um mini na maior alegria por ter custado apenas 9 doláres, então juntamos os lençóis e almofadas no centro do quarto para poder alcançar bem a comida e ter uma boa visão do filme sendo estampado na parede. As luzes estavam diminuídas e num tom de lilás o que deixava o ambiente mais gostosinho. Ned e Michelle brigaram por quinze minutos se preferiam o quarto aquecido ou frio, mas a morena ganhou e o ar-condicionado estava deixando o clima quase congelante, mas nada que não pudesse aguentar embaixo de três cobertores.

Depois do abraço as coisas fluíram bem, com Ned fazendo piadas inconvenientes e MJ o interceptando sempre. Mesmo que sentisse que estava precisando contar para eles tudo o que tinha acontecido, eu me contive, não sabendo como colocar em palavras toda aquela reviravolta, e me deixei ser levado pelas palhaçadas e brincadeiras.

— Trouxeram? — questionei, não vendo nada de DVD’s por perto.

— Meu Deus, Peter, é 2019 — MJ revira os olhos, sentando-se entre mim e seu namorado. — Tudo tá na Netflix.

A morena balançou o celular na minha frente, em seguida o conectando com o projetor e se aconchegando nos braços de Ned.

— Então por que você...?

— Shh — ela me cala. — O filme já começou.

Levo alguns segundos para assimilar que naquela noite eu estaria longe de toda a bagunça sobre Wade e os mutantes, e finalmente me entrego ao primeiro filme da lista, descansando a cabeça no ombro de MJ.

Certo, Vincent Vega, o que você tem para me distrair?

 

—★—

 

Me espreguicei ao final do segundo filme, quando a trilha sonora começou e os créditos apareceram bem depois do carro do Dr. Emmett sair voando pela tela. Meus músculos estavam doloridos de ficar sempre na mesma posição (nessa altura eu já estava deitado entre Ned e Michelle, mas na direção contrária, com a cabeça entre os pés deles e o queixo apoiado nas minhas mãos), olhando diretamente para a tela projetada. Tentei mudar de lugar um pouco, mas alguns barulhos atrás de mim me impediram.

— Gente, vocês não estão — comecei, me virando apenas para constatar que eles estavam sim, mas se separaram rapidamente.

— Não — Ned negou o óbvio.

— Não estamos — MJ completou.

— Vocês nem estavam assistindo o filme! — acusei, mas pelo silêncio dos dois preferi deixar para lá, me sentando sobre o lençol. — Quer saber? Hora da pausa!

— Ótimo, preciso ir no banheiro — Ned diz, correndo para a porta do toalete. — Não comecem a falar mal do Deadpool sem mim!

MJ arregala os olhos e fica congelada, desconfortável por uns instantes, mas vira-se devagar para mim com um olhar quase de misericórdia e rendição que me faz sorrir.

— Eu juro que tive uma conversa longa e detalhada com ele sobre não tocar nesse assunto e esperar seu tempo, mas você conhece o Ned. Entra por um ouvido, saí pelo outro, é sério, isso me deixa descontrolada, outro dia ele ignorou completamente as ordens da minha mãe e... Fugi do assunto, desculpa, o que eu quero dizer é que... Não precisa falar nada, Pete — ela finaliza, colocando a mão sobre meu ombro e me confortando com o olhar. — Estamos com você nessa.

Fungo meu nariz, sentindo as lágrimas no seu caminho para meus olhos outros vez, mas escolho imediatamente recuar, sem me dar as esperanças de chorar outra vez. Desvio o olhar e Michelle e dou de ombros, sorrindo sem graça.

— Obrigado por terem vindo — murmuro. — Eu precisava disso, de vocês.

— Aproveite enquanto ainda estamos em Nova York — ela ri.

— O quê? Como assim?

— Ned e eu decidimos ir para Califórnia, eu meio que já passei em Stanford, mas ele vai definitivamente se mudar. Foi uma decisão mútua, ele não quer me perder porque acha que não vai achar outra e eu não quero deixar ele aqui sozinho na mira de “outras”, então... Se ele não passar em Stanford, ainda temos a UCLA, ele com certeza vai passar em uma das duas, meu bebê é tão inteligente — ela diz essa última parte como uma mãe orgulhosa. Continuo a encarando, sem saber como reagir, ainda processando a informação. — E você? Ideias para a faculdade?

Abro a boca para falar mas a ideia e minha voz se perdem no meio do caminho.

— Eu... Não sei o que fazer — suspiro pesado, olhando para qualquer canto do quarto. Ned saí do banheiro falando algo sobre a tecnologia da privada, mas logo nota o clima e se cala. Talvez sobre o olhar ameaçador da namorada, não sei dizer. — Não tinha planejado até aqui. Até a parte que tudo desmorona sobre minha cabeça. — Engulo em seco, dessa vez os pensamentos ganhando voz e sendo ditos, fazendo com que meus amigos fiquem em silêncio, esperando o resto da confissão. — Wade estava ajudando as pessoas por trás dos sequestros daqueles adolescentes, que eram mutantes, aliás, que seriam usados num plano para controlar os humanos e que, por consequência, acabou resultando no sequestro da Tia May, que foi como eu descobri tudo. Na verdade ele estava sendo controlado porque estavam ameaçando a filha dele também, mas eu consegui salvar a Tia May e os mutantes e agora as responsáveis estão presas, pelo menos dois terços delas. Girl power, uhu! É, foi um bom resumo, eu acho. Só... eu imaginei tudo com Wade, na minha cabeça tudo de ruim já tinha passado e com ele era meu final feliz, mas... Essa coisa não existe de verdade, o amor que ele sentia por mim, não existia de verdade. Me sinto um idiota de vez em quando, mas é tanto pra lidar, eu esqueço de me sentir mal, pelo menos fiz a coisa certa.

— Sinto muito, cara — Ned diz, e sua voz transparece sinceridade.

— Tanto faz, já passou — digo pra mim mesmo.

— Vocês dois já tiveram a oportunidade de conversar ou... Não quer nem olhar pra cara dele?

— Segunda opção — pisco, rindo sem nenhum pingo de humor. É trágico. — Podemos colocar os outros filmes logo?

— Claro — Michelle responde rápido, logo selecionando Uma Linda Mulher e dando o play para o assunto morrer ali.

No final do filme eu já estava chorando, porra Julia Roberts. Não sabia se meu coração quebrado ia aguentar até  final de 10 Coisas Que Odeio em Você. Ned e MJ também, me acompanhando na emoção do romance. Eles se apoiaram um no outro e eu mordi o lábio, querendo ter aquilo de volta, poder me apoiar em alguém quando estivesse triste ou só choramingando com um final feliz de um filme clássico de romance dos anos 90. Minha inveja branca dos meus melhores amigos foi interrompida com uma singela batida na porta.

— O Sr. Stark deseja entrar, Peter, mas ele quer te dar liberdade o suficiente para decidir — Jarvis anuncia.

Faço uma careta. Tony não tinha ido contra minha vontade até agora, e eu só lhe pedi para que me chamasse caso...

— Deixe ele entrar — digo em alto e bom som.

Um instante depois a porta se abre e Ned e Michelle também abrem a boca, surpresos por ver Tony. Vestido em um de seus ternos e com algo na mão com que ele brinca distraidamente, ele diz:

— Você pediu para que eu avisasse caso ela acordasse — explica.

Mais rápido do que seria educado, me despido dos meus amigos, nós três arrumando rápido da bagunça no quarto e mais uma vez eles me confortando para que em seguida fôssemos para dois caminhos diferentes. Eles, pra casa, eu, pra enfermaria do prédio. Corri com o coração na mão e pulsando rapidamente, eufórico, a adrenalina novamente nas minhas veias, minha mente ligada na maior voltagem, repetindo “espero que ela esteja bem espero que ela esteja bem espero que ela esteja bem”.

Porque se ela não estiver, eu nunca vou me perdoar, nem nunca vou ser capaz de perdoar Wade. Não que eu pense em aceitá-lo de volta, mas não quero viver a vida inteira com a mágoa guardada no peito me apodrecendo dia após dia.

Bruce está na porta da enfermaria, me esperando.

— Como ela está? — pergunto, ofegante, chegando perto dele.

— Ela está bem, Peter, não precisa se preocupar — Banner responde. — Ela não tem sequelas e não lembra de ter sido agredida, então possivelmente Emma não a machucou.

Concordo com um meneio de cabeça mas por dentro eu xingo a mutante. Não machucar minha tia era o mínimo que ela podia fazer depois de ter a sequestrado e a colocado num transe. Vadia.

— Ela sabe?

— Não sei o quanto Tony contou pra ela, mas ela sabe porque está aqui — ele explica.

Ótimo, porque não faço ideia do que dizer, ter que explicar para MJ e Ned já foi doloroso e complicado o suficiente. Bruce percebe meu desespero e preocupação pelo olhar e ele finalmente cede sob meus olhos, tocando meu ombro singelamente e saindo da frente da porta. Respiro fundo, encarando meu reflexo no vidro, assim como também o corpo relaxado de May, observando tudo que está conectado a ela. Por um momento penso em dar meia volta e preparar algo melhor, trazer o doce favorito dela, limpar o rosto, ela me mata com um sermão se me ver nesse estado, mas meu corpo se move involuntariamente, empurrando a porta. A morena olha na minha direção e um sorriso grande ao me ver, mas tudo o que eu sinto é uma tontura enorme e apesar de hesitar um pouco, deixo meu corpo relaxar assim que toda a frustração e dor saem de mim e eu começo a chorar descontroladamente, soluçando.

Corro até May e a abraço, deixando minha cabeça no seu peito e conseguindo no seu abraço, um conforto. Eu amo ela, mais que tudo. Sinto meus músculos mais leves e meu coração parece voltar a bater normalmente enquanto choro, não me importo com os barulhos estranhos que faço, eu só preciso disso. Preciso botar tudo pra fora.

— Desculpa — sussurro entre soluços.

— Você não fez nada de errado, querido — ela murmura de volta no meu ouvido, me apertando ainda mais.

Porra, como eu amo ela. Como eu pude a deixar em perigo? Como eu pude confiar em Wade?

— Desculpa, May.

Ela parece desistir de me provar que eu não deveria estar me desculpando e só passa a acarinhar meu cabelo enquanto os minutos se passam. E meu choro se prolonga... Nessa altura eu nem sinto mais tanto, ou lembro de cada coisa que me fez chorar, mas a memória do meu corpo ainda é quente, fresca, e ele não me deixa parar até que se liberte dessa prisão emocional. É como se cada coisinha que eu tivesse aguentado por todo esse tempo tivesse me levado até ali, até aquela explosão de sentimentos.

— Me desculpa, por favor — tento novamente dizer, a voz embargada quase incompreensível. — Eu não queria te pôr em perigo.

Agora eu estava parecendo um bebê chorão, não conseguindo dizer mais que duas palavras sem fungar ou começar a chorar de novo.

— Awn, Peter — May suspira. — Eu estou bem, estou bem. Viu?

— É tudo minha culpa — reafirmo, a soltando por uns segundos.

— Nada disso é sua culpa, Peter — ela me responde com um sorriso doce, limpando as lágrimas do meu rosto com seus dedões. — Você é o melhor sobrinho do mundo! Pare de chorar, meu bem.

Meneio com a cabeça ao seu conselho e tento estabilizar minha respiração depois do surto emocional, me concentrando apenas em relaxar o corpo depois que as lágrimas parecem ter se esgotado. Então nessa hora eu encaro profundamente nos olhos brilhosos e castanhos da minha Tia May, a mulher forte que me criou e nunca falhou em me ensinar apenas o certo mesmo depois de tudo ter se desmoronado sobre nossas cabeças e aqui está ela de novo... Sorrindo em um momento de tormenta.

— Vou me aposentar de ser o Homem-Aranha — digo rápido chegando nessa conclusão naquele exato momento.

— Peter, você não pode. Essas pessoas precisam de você!

— Não, elas não precisam! — argumento contra. — Elas tem os Vingadores, os Defensores, os X-Men. Você precisa de mim, May, e eu preciso de você.

A morena suspira, não sei se a deixei sem palavras ou se ela sabe exatamente o que dizer e só está esperando o momento certo. Mais provável que a segunda opção. May solta minha mão e se recosta na cama com suavidade, me pergunto se algo no seu corpo dói.

— Peter, eu sei que você está magoado com o que Wade fez...

— Isso não é sobre o Wade — a interrompo, tendo ali a prova de que ela sabia tudo sobre a situação. Stark linguarudo. — É sobre você, May. Não posso te perder, não posso aguentar o peso que seria viver sabendo que eu sou o culpado de qualquer coisa que possa acontecer com você.

— Querido, como acha que eu me sinto? De ser a pessoa que apoia você a se vestir num uniforme coladinho e sair todas as noites pulando de prédio em prédio sabendo que você pode não voltar? Dói, Peter, dói mesmo, mas eu não posso fazer nada, porque o que você faz quando veste seu uniforme é bom, você é bom e ajuda pessoas boas a melhorarem o mundo. Eu entendo isso, por isso não posso pedir mais nada a você a não ser que continue. E você não pode recair sobre meus ombros a culpa de essas pessoas perderem a esperança, perderem você.

— May, eu...

— Eu estou bem, eu vou ficar bem, mas antes disso eu preciso que você fique bem — ela intima, arqueando as sobrancelhas e me dando aquele olhar que sei exatamente o que quer dizer. — Como você está... lidando com isso?

— Não quero falar sobre Wade, Tia May — deixo claro.

— Ok, e eu respeito isso, mas não tem como se ter um desfecho sem que tenha dito que terminou.

— O que isso significa?

— Precisa deixar claro, não agora, no seu tempo, o que isso causou, ou então nunca vai ser um assunto encerrado.

Desvio o olhar por um segundo, tentando trazer sentimentos à tona depois de os reprimir por algum tempo, mas tudo o que tem dentro de mim é um vazio. Como se depois de ter chorado e a tristeza e exaustão terem desaparecido, não sobrou nada, como se tivessem roubado de mim o resto. As coisas boas.

— Já é um assunto encerrado — respondo finalmente.

— Lembra do tio Ben? — May diz de repente, com um sorriso doce pairando os lábios, aproveitando a memória. — Meu Deus, como eu amava aquele homem. Lembra de como ele olhava para mim? Me fazia sentir a mulher mais especial do mundo. — Assinto em concordância várias vezes, querendo entender onde minha tia queria chegar. — Eu nunca vou esquecer. Era desse exato mesmo jeito que Wade olhava para você naquele jantar. E se eu tenho certeza de uma coisa na vida é que Ben era meu e me amava.

Ela aperta minha mão de forma sorrateira, ainda sorrindo. Engulo em seco, sem saber o que dizer, então só a abraço novamente e a deixo fazer cafuné em mim.

 

—★—

 

Volto para o meu quarto em passos lentos e distraídos, ainda pensando sobre minha conversa com Tia May, sobre a maneira como meu tio olhava para ela. Era apaixonante e entregue e emocionante e muito, muito perceptível mesmo, eles viviam no mundinho dos dois o tempo todo, era romance de verdade. Mas esse não era o caso agora.

Tio Ben não era um super-herói lutando contra super vilões, o mundo que ele conhecia não era esse. Mas esse é o meu mundo, e não tem espaço para romances, não quando a forma que eu olhei para Wade não tinha nada de apaixonante nem entregue. Eu perdi ele no meu olhar apavorado quando percebi tudo, eu perdi a mim mesmo e toda a confiança que tínhamos construído um no outro, e até a que eu tinha em mim mesmo. De volta àquele momento, eu estava destruído, completamente, e a única coisa que eu precisava era ter apoio de alguém que me amasse, era ter recebido o olhar que meu tio lançava em direção a minha tia, mas o que recebi foi aquele semblante de medo no rosto de Wade, seu silêncio e sua imobilidade.

Tranco a porta e suspiro forte. Precisava fazer valer as minhas palavras, precisava encerrar aquele assunto dentro de mim principalmente. Eu não era mais de Wade, ele não era mais meu. Aquele era o desfecho, é aqui onde tudo termina.

Enxuguei as lágrimas do rosto e me direcionei ao banheiro, levando o lixo restante da ida de Ned e MJ até a lixeira no cômodo. Lavei minhas mãos, molhei o rosto, escovei os dentes. Foi entre essas atividades que percebi um barulho persistente e abafado vindo do quarto. Terminei rápido minha higiene e logo rumei na direção do som, procurando algo visível no cômodo que eu pudesse identificar como a causa.

— Jarvis, você está escutando isso? — pergunto em voz alta, considerando estar ficando maluco.

— O barulho está sendo causado por uma interferência humana na parte externa do prédio. — A AI revela, me fazendo mudar o semblante, não entendendo o que poderia ser. — Gostaria que alterasse do modo “Noturno” para “Visão Externa” para que possa visualizar o causador do barulho, Peter?

— Sim, sim — respondo, mesmo que incerto.

As paletas longas que cobrem a janela de vidro de uma extremidade à outra do quarto se viram lentamente, separando-se umas das outras e sendo puxadas para cima, tornando o céu noturno de Nova York claro e limpo aos olhos e iluminando o quarto o suficiente com a luz externa da Lua e da cidade. E então... Wade.

Por um momento eu penso que estou mesmo alucinando, devo ter dormindo no cafuné da Tia May e isso só pode ser um sonho, mas sei que da última vez que pensei isso, tudo ficou mais real do que nunca, então travo minha mandíbula. Ele está vestido informalmente, conheço esse jeans, conheço essa camiseta e conheço esse capuz, mas não conheço esse homem. Ao me ver, ele para de bater contra o vidro da janela e seus olhos se acalmam me mirando, por um momento ele fica quieto. Meus olhos se enchem de lágrimas, mas eu as seguro. Já chega de chorar por hoje.

O mercenário então começa a gesticular febrilmente para mim, não consigo o escutar, mas não é por causa do vidro nos separando, e sim pela tontura que o tsunami de pensamentos me causa, me paralisando naquele momento.

O que ele está fazendo aqui? O que ele vai dizer? O que devo fazer? O que Wade quer? O que eu preciso dizer?

Minha cabeça dói por um instante e meu corpo treme, incerto, mas preciso fazer algo.

— Abra as janelas, Jarvis — ordeno e imediatamente, ao som da minha voz, os vidros se recolhem um por um.

A brisa gelada invade o quarto, se choca contra minha pele, seca minhas lágrimas e me faz ficar ainda mais tensionado, porque agora nada mais me separa do Wilson. Ele também percebe isso, mas não se move, apenas me olha. Franzo as sobrancelhas, estudando seu olhar, mas não reconheço nenhum traço de amor ou paixão nele, não é como Tio Ben, Tia May se enganou. Wade não me ama.

Ando até ele lentamente, cuidadosamente, com cautela. O clima parece estar sendo segurado por uma corda tensionada, vibrando no ar e nos deixando desconfortáveis, estáticos, mas parece que apenas pelo meu olhar, ao me aproximar dele, digo tudo pois como um “click” Wade começa a se agitar, mas sem encontrar as palavras certas.

— Me. Escuta. — ele pede, pausadamente, nervoso.

Só consigo sentir raiva.

— O que está fazendo aqui? — rebato sem o dar chances.

— Vim trazer Ellie, o Homem de Lata me ligou. Obrigado por isso, Peter.

— Não me agradeça, fiz isso por ela, não por você — confesso, desviando meu olhar. — Ellie não merece ser machucada pelos erros do pai dela.

Wade fecha a boca, como se desistisse de falar o que pretendia, e assim é melhor. Eu quase não consigo suportar sua voz.

— Eu nunca quis machucar você — ele tenta.

— Até quando vai repetir isso? — grito, furioso. — Até quando vai acreditar nisso? Vilãs malucas tentando dominar o mundo e machucar as pessoas? Wade, eu lido com isso todos os dias! A ameaça dos vilões não me preocupa, eu já me acostumei. Não foi Emma que me machucou mais e você sabe disso. Não foi Monet ou Felicia. Você me machucou, você quis me machucar, você podia escolher!

— Eu não podia, Peter. Eu... Não sabia que eles iam pegar May, não sabia que iam envolver você — continuou.

— Você poderia ter confiado em mim — solto em um suspiro de raiva. — Eu teria ajudado você, Ellie e os mutantes. Tudo teria dado certo. Como pode ser tão estúpido?

Recupero o fôlego, o olhando distante. Eu não consigo, não consigo suportar esse olhar no rosto dele como se ele realmente estivesse arrependido, como se lamentasse, sabendo que nada impedia Wade de ter feito o certo, de ter confiado em mim e evitado tudo isso.

— Peter, eu amo você — Wade diz.

A brisa noturna rodeia a confissão e eu fecho os olhos, fechando os punhos, sentindo meu interior se revirar de ódio e repulsa.

— Sei que te machuquei, eu te magoei e não confiei em você e ferrei tudo, eu sei, eu sei. Mas você é a única coisa boa em mim, você foi a única pessoa com quem eu verdadeiramente quis estar pra toda a minha vida. Eu amo você, Peter Benjamin Parker.

— Cala a boca, Wade.

— Eu sinto muito, eu preciso de você. Eu posso fazer qualquer coisa pra você entender isso, qualquer coisa. Este sou eu.

— Cala a boca.

— Sendo completamente 100% honesto porque eu vou ficar louco. É tudo culpa minha, mas eu não queria que nada disso estivesse acontecendo. Eu queria o nosso amanhã, o que você prometeu. Era mentira?

— Cala a merda da sua boca, Wade — continuei gritando.

— Eu queria nossas panquecas e nossas brincadeiras e cuidar da Ellie juntos, eu queria ser normal com você e um bom namorado pra você pra gente poder esfregar na cara desses Vingadores que eles não podem separar a gente.

— Eles não podem — gritei, no meu limitei. — Por todo esse tempo, eu nunca duvidei que ninguém podia separa a gente. Mas você pôde! Você está certo, é tudo culpa sua! Não consigo voltar atrás porque eu odeio você, Wade. Eu odeio muito você agora, eu não consigo nem encarar você de tanto nojo e raiva que eu sinto, porque eu sei que não posso confiar em você, mas que diferença faz? Eu nem acredito nas coisas que você diz.

Wade hesita e recua por um instante, transtornado. E outro Peter, de dias atrás, teria recuado também, achando que pegou pesado demais, mas eu sei que falei o que tinha no peito e estou sendo sincero. Esse homem, na minha frente, que eu não reconheço, eu não amo ele. Eu amo outro, um que eu idealizei na minha cabeça ingênua e alimentada de fantasias de romances.

Sou pego de surpresa quando o maior avança em passos largos até mim e tira o capuz na minha frente, bem próximo, respirando ofegante.

— Eu amo você, Peter Benjamin Parker — diz.

Eu me lembro da noite do meu baile. Lembro da decoração da festa, lembro das luzes neon e da música ruim que estava tocando, lembro da minha euforia ao esperar o meu príncipe encantado passar pela porta. Tudo naquela noite era nítido na minha mente, cada pequeno detalhe, o que só tornou minha raiva maior. Eu perdi aquilo, aquele encanto, aquela memória, aquele dia.

Tomado pela fúria, eu dou um soco no estômago de Wade, o jogando longe. E não me sinto nenhum pouco arrependido, na verdade me sinto ótimo. O mercenário se arrasta pelo chão e se levanta rapidamente, mas ainda parece aturdido pelo golpe.

— Não se aproxime — aviso. — Não quero você perto de mim.

— Peter...

— Eu estou te avisando, Wade — alerto novamente. — Esqueça o que tivemos porque eu tenho certeza que você não lembrou quando me traiu.

— Não é verdade — ele ignora minha fala e se aproxima, com as mãos na frente como se eu fosse um animal que ele tenta acalmar antes de capturar. — Por favor, me escuta, me entende.

— Não vai rolar — digo, partindo para cima dele com outro soco, que ele se esquiva, mas me abaixo e passo a perna, o fazendo cair. Pulo por cima do seu corpo, o segurando no lugar. — É a última vez, vai embora.

O Wilson engole em seco, tremendo sobre meu olhar. Eu não consigo me reconhecer também, mas sei que meu comportamento é compreensível depois de tudo que eu passei. Eu só quero a paz que me tiraram.

— Não posso, Peter. Eu sou teimoso, você sabe, não vou parar até você perceber que eu... — Não o deixo terminar, o socando novamente. — Baby boy, você realmente me odeia?

Ergo meu punho, pronto para dar mais um golpe, mas hesito e desvio o olhar do seu, não consigo explicar o porquê. Qualquer sentimento que eu nutria por Wade antes, sumiu, então não entendo o motivo de não seguir em frente, mas o agarro ao meu corpo e rolo com ele pelo chão, o empurrando para longe com meus pés, o que o faz rolar até a beirada do prédio. O mercenário é rápido e se segura com ambas as mãos antes de cair em uma queda livre com destino ao asfalto.

— Peter, por favor...

— Eu estou falando sério, Wade Wilson — grito para que ele me ouça na ventania. — Eu poderia te ver cair daqui e sangrar no chão e aproveitaria a visão, mas não chegaria nem aos pés do quanto você me machucou, então acho que não faz sentido ter uma revanche que não seja o suficiente.

Estendo minha mão e ele hesita alguns segundos, mas a segura firme e eu o ajudo a subir novamente. Dessa vez, felizmente, Wade não diz nada. Começo a apreciar essa versão calada dele.

— Eu sei que você não me ama, mas se ama e quer me ver feliz, me esquece, Wade — digo, me afastando. — Minha felicidade não é mais você.

Entro no quarto, fecho as janelas, ativo o modo Noturno e deixo a escuridão me engolir na cama enquanto caio no sono, chorando.


Notas Finais


gente aaaaa, desculpem por isso. wade e peter brigando quebrou meu coração mesmo, mas o que vcs acham? de que lado vcs estão? POR FAVOR COMENTEM O QUE ESTAO ACHANDO QUALQUER COISA, comentários me motivam muuuito!!!

e tipo ainda vai ter uma pequena reviravolta e eu já deixei pistas... será que vcs já sabem o que é?? atentah#


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...