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História Nas Profundezas do Desespero - Algum dia


Escrita por: WilkensOficial

Capítulo 11 - Algum dia


[André, o Tartaruga]

 

O incêndio do Reformatório Trinta a Seis atraiu a atenção da mídia, que tentava desvendar as causas do incêndio e os mistérios que cercavam aquele lugar.

Infelizmente, a perda não foi total, mantendo o Complexo Quatro inteiro e parte do Complexo Um em excelentes condições, diante disto, eu e os outros rapazes da cela 216 fomos transferidos para uma pequena cela temporária e César fora punido em prisão domiciliar, pelo menos foi isso que o novo oficial nos disse.

O oficial temporário chamava-se Milo e apesar de trabalhar para eles, era a pessoa mais gentil que conhecíamos e por isso podíamos viver tranquilamente desde que havíamos chegado. Foi uma pequena trégua.

Desmascarado, que agora tinha trocado os óculos, finalmente podia aproveitar seu tempo para ler os livros cedidos por Milo.

Valente e Portilho passavam quase o dia treinando o corpo.

Gigante só dormia enquanto Golfinho treinava a voz para um dia ser um cantor de sucesso.

Já eu, quando não estava treinando, estava conversando com o oficial Milo. Ele era admirável. Quando eu me tornasse um militar, seria justo e gentil igualmente a ele.

- Vejo que estão se divertindo hoje. – disse Milo exibindo seus olhos pretos pela única brecha da cela.

- Eu tô meio entediado. – falei fazendo muxoxo enquanto me encostava na porta – Porque não ajuda a gente a sair daqui?

- Você sabe que eu não posso. Faço o que está ao meu alcance pra que vivam com um pouco da dignidade que merecem.

- Não entendo porque sempre nos trata tão bem. Você não parece nada com os outros oficiais. – perguntou Gigante aos bocejos.

- Porque meu filho está no Reformatório Dezessete e todos os dias isso dói em mim, mas tenho princípios, por isso trato vocês da maneira que desejo que tratem meu filho. Independente de quem vocês sejam ou o que tenham feito no passado, vocês também são seres humanos.

Todos ficaram em silêncio com aquela informação, mas logo o silêncio deu espaço a outras perguntas.

- O que são vocês exatamente? Quer dizer, para quem trabalham? – perguntou Valente entre uma abdominal e outra.

- Vocês são muito curiosos, hein? Pois bem. As Forças da Autodefesa são comandadas por órgãos públicos e por um grupo chamado A Ordem para quem juramos abdicação e dedicação por um bem maior, mas, como podem ver, meu ponto fraco ainda são os jovens como vocês, que, de certa forma, me fazem lembrar de meu filho.

- Mas… ao jurar abdicação, você de certa forma vende sua alma para eles, não é mesmo? Não seria errado você se importar conosco ou mesmo com seus filhos?

- De certa forma, você tem razão, Valente, mas eu sou um ser humano e ainda tenho um coração. Tenho um filho e uma irmã lá fora que estão acima de meu juramento. Sabe, às vezes, sobreviver requer sacrifícios, mesmo que isso signifique mergulhar nas trevas e se aliar ao inimigo.

- E o que é A Ordem? – perguntei.

Antes que ele respondesse, outro oficial surgiu chamando sua atenção.

- Oficial Milo, o que está fazendo? Não pode ficar conversando com os encarcerados.

- Eu sei disso, Washington. – respondeu Milo alterando o semblante para sério e então fechando a janelinha da porta da cela.

As horas que se seguiram naquele dia foram tranquilas. Desejei que sempre fosse assim até que completássemos dois anos, mas no fundo, era evidente o fato de que a calmaria uma hora chegaria ao fim.

 

[William, o Valente]

 

Um mês havia se passado desde aquele maldito incêndio. Eu ainda não sabia o que significava aquele microchip, mas Mano havia dito que teria grande importância quando conseguíssemos nossa liberdade, por isso o mantive em segurança dentro de uma pequena caixa de fósforos sobre uma barra superior da cela. Embora o oficial Milo fosse um homem gentil, eu sabia que não podia confiar em um estranho, principalmente quando havia muito em jogo. Eu entendia que por mais que ele fosse legal conosco, seu juramento sempre iria prevalecer e isso sempre foi deixado bem claro por ele.

Milo não era nosso amigo.

*

Era finalzinho da tarde quando a porta da cela abriu e Mano entrou ainda com curativos pelo corpo.

- Mano! – dissemos todos ao mesmo tempo.

- Pensei que fosse ficar mais alguma semanas por lá.

- Eu não sou tão molenga assim. – disse entre risos e abraços enquanto entrava – Você está mais forte, Valente. – disse tocando meu ombro. Sorri em resposta.

- Você não se sentiu sozinho sem nós? – perguntou Gigante como um grande abobalhado, pra variar.

- De jeito nenhum! – respondeu Mano abrindo uma grande gargalhada em seguida.

Naquela noite, atualizamos Mano sobre todos os acontecimentos e embora ainda estivéssemos presos em uma cela, nunca nos sentimos tão livres.

*

Os dias foram passando e assim como no reformatório, tivemos que ajudar com serviço bruto.

Naquela manhã carregávamos pedras e escombros de um lado para o outro com o objetivo de criar uma represa que impedisse a passagem de água quando chegasse o período de cheia.

O oficial Milo, que estava nos supervisionando, parecia o tempo todo preocupado, pedindo que Mano não se excedesse tanto, mas teimoso do jeito que era, Mano dava as costas e continuava a trabalhar.

- Certo! Acho que vocês merecem quinze minutos de descanso. – disse o oficial Milo, causando assombro nos soldados que sempre se surpreendiam com suas atitudes cheias de gentileza, mas nada podiam falar, uma vez que eram subordinados.

Mano olhou para mim e então para os outros rapazes e caminhou para o alto de um pequeno monte, onda havia uma árvore robusta que balançava com o vento que vinha do rio.

Sentamos no gramado e sentimos a natureza nos pulmões. Era quase tão magnífico quanto os olhos de Golfinho.

- Que lugar lindo! É um crime ter essa árvore e esse rio tão lindo perto desse inferno que é o reformatório. – disse Nomoto respirando fundo o ar puro.

- Da próxima vez, espero que todo o prédio queime. – disse Portilho aos risos com Gigante.

- Mano, você vai ser liberado daqui a um mês, não é mesmo? – perguntou Tartaruga que estava de olhos fechados, relaxando com a cabeça sobre uma pedra.

- Sim. – disse ele com satisfação.

Olhei para Mano e o admirei como fazia quase todos os dias desde que ele havia retornado.

- Mano, quando você estiver lá fora, o que pretende fazer?

- Vou voltar para o boxe e ficar muito forte, depois vou ganhar dinheiro e morar com minha irmã em Braga. Talvez eu vá atrás do Leandro ou consiga resgatar o Caio quando eu cumprir a missão que o Erast me deu.

- Que missão? – perguntou Gigante, confuso.

- Revelar os segredos e as podridões dos reformatórios. Nunca vou desistir desse objetivo. – Mano disse isso olhando para mim e me fazendo lembrar do microchip com todos os segredos escondidos da humanidade – Mas e vocês, o que vão fazer quando saírem?

- Eu vou cair no colo das mulheres. Todo dia uma diferente da outra. – disse Portilho quase babando – Elas devem se sentir solitárias sem mim.

- Lá vai você de novo, nanico! – retrucou Desmascarado com risadinhas – Eu quero escrever livros e ficar muito rico. Tenho muitas ideias na cabeça para desenvolver. E você, Gigante?

- Eu? Quero comer muita comida boa!

- Já era de se esperar. – disse Mano abrindo um raro sorriso belo e relaxado. Todos rimos da ingenuidade do nosso amigo grandão. – William, e você? – Perguntou Mano me chamando pelo nome propositalmente.

- Bom eu ainda não pense direito. Às vezes penso em lutar boxe igual você, mas não sei se daria certo.

- Você tem potencial. Deveria tentar. Você tem uma boa estrutura física, acho até que somos parecidos, só que você é careca e eu tenho um pouquinho de cabelo.

Fiquei pensando naquelas palavras. Era uma honra Mano me achar parecido com ele, quando na verdade, eu estava longe de ter toda a coragem que ele sempre demonstrou ter.

- E você, Tartaruga? – perguntou Golfinho ao ruivo que atendia pelo nome de André.

- Antigamente eu sonhava em ser aviador, mas agora eu quero ser como o oficial Milo. Quero ser um oficial das Forças de Autodefesa para ajudar pessoas como nós.

- Que incrível os sonhos de vocês, mas espero que isso não os atrapalhe de ir no meu concerto de estreia, afinal, vou ser cantor profissional. – disse Golfinho piscando para mim. Meu coração acelerou. Se ele ao menos soubesse o que eu sinto por ele.

- Não vejo a hora. – disse Gigante empolgado.

Enquanto todos sorriam alegremente com seus sonhos, Mano levantou-se sorrindo.

- Pessoal, saibam que no próximo mês eu estarei lá fora, esperando por cada um de vocês. É melhor se esforçarem para que todos esses sonhos se realizem.

Naquele momento, não éramos apenas sete jovens sonhadores, mas sete jovens cheios de esperanças para um futuro melhor, uma vida diferente da maldade que conhecíamos.

- Ei, caras! Já que estamos aqui, porque não eternizamos uma lembrança? – disse Golfinho todo empolgado.

- Isso parece legal. – Portilho deu um salto e correu para perto do tronco da árvore – Deveríamos gravar nossos sonhos nessa árvore, assim estaremos motivando outros jovens que precisarem de esperanças. – quando Portilho disse isso, um brilho diferente emanou do olhar de todos. Era um momento único para cada um de nós – Daqui a dois anos, no dia 06 de julho de 2018, quando todos estiverem livres, nos encontraremos aqui, debaixo dessa mesma árvore, e repetiremos isso ano após ano.

- Então vamos guardar essa promessa de nos encontrar aqui, custe o que custar, aconteça o que acontecer. Essa será nossa Árvore dos Sonhos. – disse Mano com um olhar sereno.

 

Com uma lasca de pedra, Portilho foi o primeiro a gravar seu sonho e todos os outros fizeram o mesmo.

- Você é tão burro Gales, escreveu errado!  E você, Tartaruga, escreveu militar com uma letra muito grande, seu lerdo!

- E qual o problema em ter grandes sonhos? – disse Tartaruga aos risos.

- Pessoal! O Desmascarado usou apelidos! Acho que seu coração não é tão duro assim, não é mesmo? – Golfinho provocava Desmascarado porque sabia da sua facilidade em se irritar.

Dados os quinze minutos, Milo logo nos chamou com um sinal de apito, anunciando o fim do descanso.

- Vamos. – disse Mano para mim.

- Vamos, mano. – falei olhando uma última vez para o tronco daquela árvore e então vendo um arco-íris se formando do outro lado do rio. Sorri.

*

Éramos como seis pássaros engaiolados, sonhando com a liberdade, sonhando com dias melhores.

Nossos sonhos iriam se realizar? Viveríamos o suficiente para isso?

Eu não tinha as respostas, mas sabia que mesmo com as tempestades, mesmo com a fome e a miséria, estaríamos preparados e quem sabe, com um pouco de determinação, coragem e sorte, nossos sonhos se tornariam reais.

 

[César, a Serpente]

 

- Você retorna às suas atividades hoje, oficial César. – disse Doutor Iziel de costas para mim.

- Sim, senhor.

- A propósito, Fernando saiu do hospital. Agora é só uma questão de tempo até que ele tenha o direito da liberdade. Com a pressão da mídia, não temos escolha, o problema é que ele sabe demais.

- Não se preocupe, doutor, sei como silenciá-lo. – falei estralando os dedos de modo a deixa subentendido as minhas intenções.

- Não seja tão burro! – disse o médico virando-se de frente para mim com um olhar frio – Precisamos ser discretos e ficar dentro da legalidade, ainda mais depois do incêndio que fez todos os olhos se voltarem para o reformatório. – Iziel Vaneli então sorriu e coçou o saco sem discrição – Semana passada chegaram oito novos encarcerados. Alguns são bastante violentos, outros bem interessantes… você sabe que eu adoro me divertir com esses rapazes indefesos, não é mesmo?

- Eu sei, sim senhor, mas o que está sugerindo?

- Embora eu sinta falta do meu irmão Erast, devo admitir que ele era uma pedra no meu caminho. Sempre correto, sempre me impedindo de me divertir com essas adoráveis crianças. Afinal de conas, eu só dou a elas o que elas gostam. Sem Erast pra me dar lição de moral, existe alguém que eu quero, mas na hora certa.

- Q-quem?

- Quero que o Jonas da antiga cela 216 seja meu novo brinquedinho, mas não agora, temos outras prioridades. Pense nos novatos mais violentos. Talvez isso te dê algumas ideias sobre o que fazer. – Iziel me lançou um sorris diabólico que logo se desfez e deu lugar a um olhar vazio e enigmático.

- Farei tudo o que eu puder.

- Faça o que precisa ser feito. Precisamos de motivos para que Fernando fique mais tempo conosco.

- Porque simplesmente não o prendemos aqui como fizemos com Pedro Henrique durante todos esses anos?

- Porque Fernando não foi sequestrado como Pedro Henrique! Sem contar que ainda existem leis e autoridades, forças opositoras a fim de nos derrubar e não podemos dar motivos. Os encarcerados possuem registros, até uma simples troca de cela precisa ser justificada e ainda temos as muitas especulações da mídia. – O médico olhava pela janela, pensativo e preocupado – Vá, faça o que precisa ser feito, começando por Milo. Ele tem sido compassivo e isso me preocupa. Cuide para que ele aprenda quem é que manda por aqui.

- Sim, senhor.

Dei meia volta e então me retirei daquela sala, pronto para entrar em ação.

 


Notas Finais




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