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História Nas Profundezas do Desespero - Desconfiança


Escrita por: WilkensOficial

Capítulo 5 - Desconfiança


[Nando, o Mano]

 

Em 2011 tudo estava ruindo pelo mundo e agora já não tinha mais como esconder: uma doença mortal ameaçava a humanidade. Algumas pessoas a chamavam de A Praga do Século, outros de MLC. Era uma doença que atingia principalmente os impuros, nome dado ao grupo que mais tinha vítimas da doença: idosos, doentes mentais, homossexuais e curiosamente, uma boa parcela de pessoas negras, tal fato serviu para levar a humanidade de volta ao seu período mais sombrio, causando não só uma ruptura na sociedade, mas criando diversas lutas de classes.

Indo contra tudo isso, os governos tentavam manter as pessoas calmas e por um tempo até deu certo e embora muitas pessoas ainda vivessem como se nada estivesse acontecendo, a verdade e que o mundo já não era o mesmo e o medo imperava por todos os lugares.

Tudo isso motivou meus pais a quererem que eu me curasse a qualquer custo, afinal de contas, agora haviam postos de detecção para diminuir a proliferação do vírus e o fato de ser gay significava que eu morreria pela doença ou nas mãos de algum desconhecido que tivesse medo de mim.

Meus pais já haviam tentado de tudo: igrejas, campanhas de libertação, rezas na umbanda, mas como curar o incurável?

*

Foi em um sábado que tudo aconteceu.

Era aniversário da minha irmãzinha, Karina. Eu seria o palhaço da festa e por isso estava todo caracterizado e já tinha ensaiado as brincadeiras há semanas.

Aquela festinha seria um ar fresco diante da pressão que eu estava sofrendo, mas para a vizinhança seria só mais um dia, já que quase todos viviam como se fossem as pessoas mais sortudas do mundo por terem menos risco de ficarem doentes pelo vírus e por isso viviam como se tudo fosse um paraíso.

Minha mãe estava servindo refrigerante com um olhar tenso disfarçado naquele sorriso forçado.

- Tá tudo bem mãe?

- Sim, só que… teu pai tá bêbado de novo e… - sua voz era chorosa. Meu coração apertou. Há muito tempo eu não a via assim. Em uma fração de segundos, ela fez o que sempre fez de melhor: escondeu a tristeza com um sorriso – Bom, qual o nome do palhaço?

- Ah… eu queria me chamar Palhaço Sirigaito ou Palhaço Nandinho, o que acha?

- Palhaço Nandinho é um bom nome, filho! – disse ela beijando meu rosto.

*

Nunca vou esquecer do rostinho sorridente de Karina e das outras crianças quando me viram entrar com uma cesta cheia de guloseimas e uma risada engraçada. Devo dizer que todos gostaram de mim como palhaço, o que me surpreendeu, porque eu estava muito nervoso.

Eu brincava com a criançada, distribuía brinquedos e doces enquanto minha mãe assistia tudo sentada da mesa, sempre com um olhar pensativo.

Quase todas as vezes em que observei minha mãe, ela olhava fixamente para mim, como se quisesse dizer alguma coisa, mas não tivesse coragem.

- Porque não vem brincar com a gente? – falei estendendo minha mão para mamãe, que sorriu.

- Eu não sei. – dizia.

- Vem senão vou fazer cócegas em você! – falei com uma voz engraçada.

- Eu não quero, é sério… só quero que vocês se divirtam. – ela ficou séria de repente, me olhou nos olhos e completou – sabe… olhando você assim, Nando, você até que parece uma pessoa normal como todo mundo.

Fiquei calado por um tempo, absolvendo aquelas palavras.

- Eu nunca fui normal, na verdade eu sou louco… louquinho e é isso que me torna tão diferente de vocês… eu sou diferente! – falei dando um salto e voltando a divertir as crianças, como se nada tivesse acontecido, mas no fundo do meu ser eu chorava.

Alguns minutos se passaram quando ouvi um barulho vindo de dentro de casa (a festa era perto da piscina).

Minha mãe não demonstrou preocupação com o barulho, talvez ela soubesse do que se tratava, tanto que se levantou e me chamou.

- Droga! Acho que eles chegaram mais cedo do que eu imaginava. Será que podemos ir lá na sala, Nando?

- Mas as crianças…

- Elas vão ficar bem. Dê um beijo na sua irmã e venha comigo. – foi o que eu fiz. Abracei Karina e beijei seu rosto dizendo que logo voltaria.

Olhei uma segunda vez para a porta de vidro e vi meu pai surgir.

Cheguei na sala e meu pai, ainda que bêbado, agora estava de pé com os braços cruzados olhando para mim.

- Fernando, meu filho, você precisa saber de uma coisa! – dizia ele com uma expressão séria.

- O Fernando eu não sei cadê, mas se você quiser conversar, sou o Palhaço Nandinho! – falei com humor, jogando um balão pra ele, que se manteve inexpressivo – Fala alguma coisa… se anima!

- Não temos tempo para brincadeiras, garoto. E tira essa roupa ridícula!

- Pai eu… - tentei argumentar, mas ele me interrompeu.

- Você deve estar se realizando usando essa maquiagem né? Essas purpurinas… do jeito que você sempre quis.

- Pai, é só uma fantasia de palhaço…

Foi quando dois homens de branco apareceram. Estavam armados e usavam máscaras. Atrás deles havia um terceiro homem. Alto, olhos verdes e cabelos dourados. Seu nome era Erast.

- O que tá acontecendo aqui? Pai? Mãe? O que foi que eu fiz? O que é isso? – falei chorando e me debatendo.

- Você está sendo mandado pra um reformatório Nando! Você vai ser curado dessa doença, meu filho. – disse minha mãe aos prantos.

- Mas não tem nada errado comigo pai… por favor… mãe, não deixa eles me levarem, por favor! Eu não quero ir. Eu não tô doente! Eu não tô doente!

- O mundo diz que você está! – disse um dos homens enquanto me algemava – nós somos o antídoto. Ou você se une a nós, ou cairá com os outros.

- Filho, eu só quero que você fique bem, senão eles vão tirar você de nós pra sempre, lá você vai ser bem cuidado. Eu prometo que logo, logo você estará de volta! – dizia minha mãe tentando me acalmar.

- EU ODEIO VOCÊS! SEUS MONSTROS! COMO PODEM FAZER ISSO COM UM FILHO? ODEIO VOCÊS! ODEIO!

Quando dei por mim, haviam injetado algo em meu pescoço. Aos poucos fui me sentindo sonolento e perdendo as forças. Tudo o que lembrei no momento foi a forma como meu melhor amigo, Otávio, havia morrido: ele tinha se envenenado por se culpar. Sua mãe tinha colocado em sua cabeça que ele era uma aberração, e assim ele acreditou que era, até que se matou, sem saída. Talvez eu estivesse caminhando para um destino bem pior que a morte.

Caí inconsciente, mas eu ainda podia ouvir alguns sons de gritos e choros.

Não demorou muito e acabei apagando completamente.

*

Erast estava diante de mim. O homem que convenceu meus pais a me mandarem para esse inferno.

- O que fazem perambulando por aqui? – disse uma segunda voz surgindo na escuridão. Era o oficial César segurando seu bastão vermelho com ira nos olhos que se suavizava à medida em que notava a presença de Erast conosco – Que surpresa vê-lo fora dos laboratórios senhor. Vejo que encontrou os três fugitivos. Não se preocupe, eles serão punidos e…

- Eu os libertei! – disse Erast de repente. Meu olhar de espanto foi tanto que por pouco aquela mentira não foi descoberta.

- Como assim libertou? Eles são a escória! São todos delinquentes e impuros! O seu papel aqui não é…

- Não queira dizer a mim qual o meu papel, César, ou esqueceu da hierarquia?

- Seu irmão não vai gostar de saber disso.

- Deixa que do Iziel cuido eu, seu miserável repugnante! – Erast acertou César com um golpe e lhe deu alguns chutes antes de cuspir em sua direção – Aprenda a obedecer aos seus superiores! Se eu os libertei, eu tive um propósito estritamente científico, agora leve-os antes que eu te coloque em um tanque de água fervente!

- Sim senhor. Venham comigo, vermes.

*

César nos levou de volta à cela 216 do Complexo 02 sem dizer absolutamente nenhuma palavra.

Depois que nos trancou, fomos recebidos pelos outros rapazes e, para a nossa surpresa, Golfinho estava lá, encolhido em um canto, machucado, triste.

- Jonas! – falei com a voz embargada – Eles te capturaram. Como?

- Calma, calma, calma! Antes de tudo, como o Erast te conhecia e porque ele nos defendeu? – questionou Desmascarado aos berros – O que você está escondendo da gente Nando?

- Pra ser sincero, tudo o que sei é que ele foi quem me trouxe pra cá. – falei sentando-me ao lado de Golfinho e olhando para os ferimentos em minhas mãos causados pelos socos dados na tampa de vidro do tanque d’água – Mas também não sei porque ele não nos entregou. Mas nos diga, Golfinho, o que aconteceu com você?

- Rapazes eu… sinto muito.

- Você conseguiu ver sua irmã? – perguntou Gigante ignorando o fato de Golfinho estar todo açoitado e sujo de sangue.

- Eu a vi, mas… eu não deveria ter me dado o trabalho de sair daqui.

- Você está todo sujo. – falei tocando seu ombro cuidadosamente – Vamos melhorar isso! Desmascarado, pegue uma toalha molhada pra mim.

- Rum! Não quero! Isso é ridículo! No final das contas, fui castigado por nada.  – disse Desmascarado dando de ombros com os braços cruzados.

- Desmascarado! – exclamou Tartaruga.

- É só a verdade.

- O resultado não importa. – falei – Para pessoas como nós, a chance só aparece uma vez na vida. Jonas agarrou a dele e fez o que pôde. Não diga que foi em vão.

Desmascarado torceu o nariz para mim e se calor.

- Somos o lixo da sociedade. Se não arriscarmos nossas vidas por qualquer chance que conseguirmos, não seremos nada além de maus perdedores, por isso, a coragem é a nossa única esperança. – completou Valente.

Todos se calaram por um instante, talvez as palavras de Valente estivessem sendo absolvidas por suas almas.

- E-Eu vou pegar a toalha molhada. – respondeu Valente quebrando o silêncio.

- Mano… eu sinto muito! – foi nesse momento que ele desabou em prantos e eu tive a certeza do tamanho de sua dor.

Enquanto ele chorava, todos ficaram em silêncio, até mesmo Desmascarado pareceu sensibilizado e abaixou o olhar, pois a dor de um, inevitavelmente, era a dor de todos naquele lugar.

As lágrimas de Golfinho, naquele momento, tocaram o coração de todos na cela, até o duro coração de Desmascarado.

Golfinho me olhou com seus olhos azuis marejados e suspirou profundamente antes de começar a relatar sua desventura.


Notas Finais


Esta história estará completa na AMAZON dia 22.11.


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Laços de Sangue e Pecado >>>>>> https://www.spiritfanfiction.com/historia/lacos-de-sangue-e-pecado-21807120


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