– Ele ficará bem? – Pergunto para o paramédico que está aplicando algo em sua veia. – Ele não morreu, né? – Soltou uma risada nasal.
– Ele não morreu, sua respiração só está muito fraca.
– O seu caso é muito grave? – Olho para o seu corpo, que agora, com a ajuda da iluminação da ambulância é possível visualizar vários hematomas em seu rosto.
– Ele está bem machucado e deve ter fraturado alguma coisa, mas precisamos de um raio-x para ter certeza, e só o médico pode dizer o que ele realmente tem. – Assenti.
Fomos levados para o hospital em menos de quinze minutos, espero que minha mãe não esteja ai, seria difícil explicar a situação, mas acho que não está de plantão hoje, senão teria me avisado, mesmo que não moramos mais juntas, ela sempre me liga avisando.
O rapaz foi levado direto para a sala de radiografia, como sou sua única acompanhante, fiquei na recepção fazendo sua ficha, mas eu não sabia de nada da sua vida, então coloquei alguns dados meus, e acompanhei o enfermeiro até a sala de espera.
– O médico irá vir falar com a senhorita daqui a pouco. – Informa o enfermeiro.
– Obrigada. – Reverencio e me sento em um dos bancos.
Não gosto muito de hospitais, eles me deixam um pouco nervosa, minha mãe é pediatra há vários anos, mas a visito super pouco em seu local de trabalho, muitas vezes nos encontramos em um café aqui perto em seu horário de almoço.
Olho para o relógio e vejo que falta meia hora para as quatro da manhã, agradeço por amanhã ser domingo, não aguentaria ir para a faculdade nesse estado, estou exausta.
Por que essas coisas têm que acontecer comigo?
Eu só queria jogar o lixo fora e do nada esse homem aparece em minha frente, essas coisas não acontece com a Rihanna, mas minha vida nunca foi lá muito normal para que isso não acontecesse.
Eu deveria mandar uma mensagem para a Jennie, caso ela acorde e eu não esteja lá, mas acho melhor não, se eu falar que estou no hospital terei que contar o que aconteceu e não quero ninguém envolvido nisso.
Vou apenas esperar o médico, perguntar como ele está e ir embora, esse homem deve ter alguém que irá vir atrás dele, irmão, mãe, namorada, ou sei lá. E ele também já parece ser alguém maior de idade, pelo seu rosto ele aparentava estar nas casas dos vinte, assim como eu.
Falando em seu rosto, posso não ter reparado antes, mas lembrando melhor agora, sua fisionomia não me parecia estranha, não me lembro da onde já o vi, mas me parece familiar.
Enquanto tento me lembrar da onde já vi aquele rosto recebo alguns toques em meu ombro, nem percebi que havia ficado distraída com esse assunto. Direciono meu olhar para cima e vejo que é o médico.
Me levanto e faço uma reverência.
– Olá... – Olho para o seu crachá. – ...Doutor Kim. Ele está bem?
– Sim, agora sim.
– O que ele teve?
– Bem, ele estava bastante machucado e alguns hematomas não pareciam recentes. – Assenti para ele perceber que estou prestando atenção. – Fraturou uma costela e deslocou o ombro esquerdo, mas já o colocamos no lugar. Tivemos que levá-lo para fazer uma tomografia, porque achamos que ele pudesse ter batido a cabeça e vimos que ele tem uma contusão no cérebro, o que pode resultar em várias sequelas. Mas, claro, só saberemos disso quando o rapaz acordar.
– Ok, obrigada.
– A senhorita não gostaria de ir vê-lo? – Eu quero muito dizer não, porque estou cansada, suja de sangue e nem conheço o cara, mas sei que ficarei com a consciência pesada se não fazer isso.
– Sim, por favor. – Será uma visita rápida, só irei vê-lo e ir embora.
O médico me fala em que quarto ele está e se oferece para me acompanhar, mas dispenso agradecendo sua ajuda. Antes de ir para o corredor passo na loja do hospital e compro alguns lírios, não passei muito tempo escolhendo, todas as flores aqui tem o mesmo cheiro de produtos químicos. Se a ajumma estivesse aqui ela iria xingar esse estabelecimento de todos os nomes.
Vou até seu quarto que fica na ala particular, eu não queria que o rapaz ficasse dividindo um quarto, porque achei que seu estado era muito grave, tive que pagar com o meu cartão que minha mãe me deu só para emergências, espero que ela não descubra.
Entro sem bater, porque o médico disse que ele irá ficar desacordado por alguns dias, deixo as flores em uma cômoda ao lado da maca e me aproximo dele.
Seu rosto está com curativos, gazes cobrem sua cabeça e seu braço possui uma tala, tirando tudo isso até que ele é bonito. Seu corpo está magro e também está pálido, nunca o vi antes, mas para a sua altura esse não é o seu porte.
A coberta está cobrindo até sua cintura e sua camiseta está um pouco para cima, não dá para ver muito bem o seu abdômen, mas reparo que tem umas manchas roxas ali também, o que me faz engoli em seco.
– O que aconteceu com você? – Pergunto e recebo o silêncio como resposta. Arrumo sua roupa hospitalar e o cubro até o peitoral. – Eu sinceramente espero que você fique bem e que alguém da sua família venha logo ver você. Eu sei que você não vai escutar, mas me chamo Kang Mirae, muito prazer. – Não fico muito tempo, logo saio.
Quando chego em casa depois de pegar um taxi e subir para pegar o dinheiro, – porque o taxista não aceitou cartão – descer e subir novamente, tomar um banho para tirar o sangue e finalmente deitar em minha cama são quase seis da manhã.
Não consigo dormir de imediato, mesmo estando muito cansada, a cena embasada que vi, não sai da minha mente, eu não consigo entender o que está acontecendo, mas ela me causa um calafrio e um sentimento estranho, o que faz meio peito doer.
Levanto e vou até o meu banheiro, já faz um tempo que não tomo, mas como não estou conseguindo dormir, pego um remédio que eu tomava quando mais nova.
– Finalmente poderei dormir. – Deito novamente e em poucos segundos já estou presa em um sono profundo.
DUAS SEMANAS DEPOIS...
Saio apresada do campus da faculdade, esqueci que havia marcado de encontrar minha mãe e fiquei estudando na biblioteca, só me toquei quando ela me mandou uma mensagem. Pego o primeiro táxi que vejo e falo o endereço.
A cafeteria onde sempre nos encontramos é ao lado do hospital e não deixo de olhar para ele quando desço do carro. Não voltei mais lá, não tinha porque, eu já tinha feito minha parte e também nem o conhecia, não poderia fazer muita coisa estando ao seu lado, espero que algum familiar dele tenha ido o ver.
Chego ao estabelecimento que possui um sino, que toca toda vez que alguém entra, muitas pessoas odeiam, mas eu gosto, acho meio retrô. Avisto minha mãe na nossa mesa, chamo assim porque sentamos ali desde a primeira vez que viemos aqui, a mesa fica perto da enorme janela que tem uma vista para algumas lojas de conveniências.
– Desculpa o atraso mãe. – Beijo o topo da sua cabeça e me sento de frente para ela. Minha mãe sorri mostrando aquelas covinhas que amo tanto. Seu cabelo está preso em uma trança lateral e seu rosto parece mais rosado também, ela deve ter passado maquiagem, estranho, Sunhye nunca foi de usar muita maquiagem, principalmente quando está trabalhando, normalmente ela passa alguns cremes para o rosto e protetor labial, nada demais. Sua roupa como sempre se resume em calças, blusas de mangas longas e seu jaleco médico.
– Tudo bem, minha filha, mas porque demorou tanto?
– Acabei me esquecendo e fiquei estudando na biblioteca de faculdade. – Não reparei antes, mas na mesa tem duas xícaras de café, uma do lado da minha mãe e outra onde estou sentada. Suspendo a sobrancelha e olho para minha mãe. – A senhora estava com alguém?
– Ah... O Seokjin ficou conversando comigo enquanto eu te esperava. – Ao citar o nome do dono da cafeteria as bochechas dela ficaram ainda mais rosadas.
– Mãe, quer me contar alguma coisa? – Pergunto sorrindo maliciosamente. Não é de hoje que a senhora Kang e o senhor Kim conversam, eles ficaram muito próximos, já que eu e ela praticamente adotamos esse lugar como nosso café.
– Posso saber que sorriso é esse, Kang Mirae? Eu e ele somos apenas bons amigos.
Eu ia falar algo mais, mas Seokjin aparece bem na hora, para não deixar minha mãe mais envergonhada, prefiro ficar quieta.
– Olá, Mirae. – Ele diz sempre sorridente.
– Oi, Jin, obrigada por fazer companhia para minha mãe enquanto eu não chegava. – Recebo um leve chute da minha mãe por debaixo da mesa.
– Não foi nada, gosto de ouvir a Sunhye, ela tem uma voz bonita. – Dou uma risada baixa ao ver minha mãe ficar vermelha dos pés à cabeça.
– Obrigada, Seokjin, mas não precisava me elogiar. – Ele sorri e dá uma piscadela antes de pegar as xícaras e se retirar, entrando na cozinha. Minha mãe acompanha todos os seus passos e eu fico a encarando. – O que foi?
– Nada. – Dou de ombros.
– Vamos? – Pergunta se levantando e pegando sua bolsa.
– Mas já, eu nem comi ou tomei nada.
– Você se atrasou e daqui a pouco preciso estar no hospital, você come algo em sua casa. – Suspiro fazendo um bico para ver se ela muda de ideia, mas ela não liga e caminha até o caixa.
Levanto e me arrasto até ela, ouço mais um papo bobinho sobre ela querer pagar a conta e Seokjin recusar e dizer que é por conta da casa, depois de muita insistência por parte dele ela aceita e guarda a carteira. Antes de irmos ele ainda dá um saquinho de cookies para ela e para mim, agradecemos e saímos.
– Então... – Solto no ar.
– Então o que? – Ela parece realmente não saber do que estou tentando saber.
– Você e o Seokjin, vocês estão namorando? – Pergunto na lata o que faz minha mãe tampar a boca com a mão e me puxar até a porta do hospital.
– Mas que pergunta você faz para a sua mãe, menina. – Sempre tivemos essa relação de sermos mais liberais uma com a outra, só que minha mãe sempre fica envergonhada.
– É só uma pergunta, estão ou não namorando?
– Não estamos, eu já te disse que somos amigos e agora pare com essas perguntas. Preciso entrar. – Beija minha testa. – Vá para casa e me ligue se algo acontecer.
– Pode deixar. – Espero ela entrar e quando olho para seus pés, lá estão algo característico de Kang Sunhye, suas meias, sempre tão coloridas, hoje é uma rosa fluorescente, gosto desse seu estilo, porque é único, e isso a torna uma pessoa única e pessoas únicas são as minhas preferidas. Antes ela usava as meias porque isso distraia as crianças quando iam levar alguma vacina, e até hoje funciona, mas agora ela não se vê sem meias quando vai trabalhar.
Não demoro muito para chegar em casa, me aproximo do hall de entrada do prédio e percebo uma movimentação estranha, o senhor Lee, porteiro do prédio, está discutindo com alguém, não sei quem é a pessoa, porque está de costas, mas é visivelmente um homem, alto, ombros largos e cabelos negros.
– Está tudo bem aqui, senhor Lee? – Chego perto dos dois ficando ao lado do porteiro e quando vejo a pessoa em minha frente arregalo os olhos. – Você... – Não consigo completar a frase, já que estou muito surpresa, eu não o esperava vê-lo nunca mais.
– Kang Mirae, é você, não é? – Como é que ele sabe meu nome, nem conversamos direito, ele ficou desmaiado a maioria do tempo em que ficamos juntos.
– Sim, sou eu, mas o que faz aqui?
– Você se lembra de mim? – Pergunta desesperado e ignorando minha pergunta, eu digo que sim com a cabeça, logo seu olhar vai em direção ao porteiro. – Eu falei que ela me conhecia, por favor, não me expulsa daqui, eu preciso da ajuda dela, preciso das minhas memórias de volta. – Estranho o que esse homem diz.
– Como assim,”minhas memórias de volta”? – Sussurro para mim mesma.
– Você conhece esse homem, Mirae? – Agora estou em uma encruzilhada. Porque sinceramente eu não faço ideia nem do primeiro nome desse cara em minha frente, mas eu sinto que ele está querendo me contar algo importante e eu sempre ouço minha intuição.
– Sim, ele é um colega da faculdade. – Minto na maior cara de pau que Deus me deu.
– Podemos conversar? – O rapaz alto pergunta para mim.
– Sim, vamos aqui em frente. Não precisa se preocupar senhor Lee. – Sorrio para o senhor e saio do prédio acompanhada do estranho.
Vamos até uma loja de conveniência perto do meu apartamento, deixo ele sentado em uma cadeira que fica do lado de fora e entro para comprar duas garrafas de água, assim que saio me sento a sua frente e coloco as garrafas em cima da mesa junto com dois copos.
– Muito obrigado. – Ele agradece pegando uma garrafa.
– Não foi nada.
– Não por isso. Mas pelo que você fez há duas semanas, quando me salvou. – Deu um sorriso quadrado deixando amostra sua pinta no lado esquerdo de seu lábio inferior. Ele também tem outra pinta em seu nariz, além de um dos seus olhos ser levemente menor que o outro, isso não tira seu charme.
Por que estou o encarando tanto? Talvez só seja, porque ele me lembra alguém, deve ser isso.
– Não foi nada também, você também faria isso com alguém, certo? – Balança a cabeça afirmando o que faz seu cabelo balançar, parece que está o deixando crescer, o que parece errado é que seu cabelo está mal pintado.
– Mesmo assim, obrigada. – Tomou um gole da água.
– Posso te fazer uma pergunta? – Eu achei que nunca mais o veria, então não ficava preocupando minha cabeça para entender o que havia acontecido, mas agora com ele na minha frente não posso perder a chance.
– Claro.
– O que aconteceu com você? O médico havia dito que você estava muito machucado e alguns hematomas não eram recentes e outra coisa, o que vai totalizar como duas perguntas, como assim você quer suas memórias de volta?
– Eu não me lembro de nada. – Seu rosto pode não demonstrar, mas é perceptível seu medo quando diz isso, suas mãos não param de tremer.
– Não se lembra do acidente?
– Não me lembro da minha vida, não consigo lembrar do meu passado. Quem eu sou, quem são meus pais, da onde vim e isso me deixa muito assustado. Quando acordei no hospital eu só vi enfermeiras e nada mais, sem parentes.
– Como descobriu meu nome e onde moro? – Por mais que eu queira não consigo acreditar cem por cento nessa história, e se ele só estiver mentindo para mim? Como posso acreditar em sua história?
– Você colocou quando preencheu a ficha, pedi para dar uma olhada e quando vi seu endereço achei que pudesse me ajudar, eu não tinha carteira e nem celular comigo. O médico que me atendeu era bem legal, ele me deu essa camisa que estou usando e o dinheiro para o táxi e foi como vim parar aqui.
– Olha cara, foi uma história e tanto, mas eu não consigo acreditar. Como posso ter certeza de que não está mentindo para mim? Eu nem te conheço, nem sei seu nome.
– As enfermeiras disseram que eu tinha cara de um alguém ai chamado Kim Taehyung e passaram a me chamar assim durante o tempo que fiquei em observação. Olha, eu sei que parece loucura...
– E é mesmo. – O interrompo.
– Eu sei, mas se quiser pode falar com o médico, ele me disse que eu tive uma contusão em um lado do cérebro e isso pode ter afetado minha memória, ele falou também que elas podem voltar com um tempo, mas não sabe quanto tempo.
– E por que eu tenho que te ajudar? Eu já falei e irei repetir, eu não te conheço. – Falo me levantando. – Melhor eu ir embora. – Antes que eu saia ele segura meu pulso, acabo encarando seus olhos e ele os meus.
– Porque eu sinto que te conheço de algum lugar.
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