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História Nindou - KakaSaku - Não mais à deriva


Escrita por: LoreyuKZ

Notas do Autor


DEMOREI????????

Falei pra vocês não se acostumarem com o ritmo de Líridas, porque eu sou lenta. Líridas foi <i>outra coisa</i> , aqui o ritmo é lento mesmo pelo teor narrativo que me exige certo clima pra escrever! MAS EU NÃO VOU ABANDONAR ESSA FANFIC, SEGURA NA MINHA MÃO E VEM COMIGO!

showtime

Capítulo 4 - Não mais à deriva


 

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— Ei, aquela ali não é aquela garota Inuzuka? – Ele disse estreitando os olhos para a cena que se seguia.

A mulher de cabelos cor-de-rosa, vestida numa blusa de malha preta grande demais, andava pelo centro junto à uma mulher de longos cabelos loiros. Estavam carregadas de sacolas marcadas com os nomes daquelas lojas de roupas que vendiam produtos da moda para mulheres. Não precisava ser nenhum grande observador para deduzir que foram às compras e agora estavam passando pela loja de especiarias mais famosa de Konoha.

— Hm? – A menina virou seu rosto na mesma direção para onde o garoto olhava. Encontrou a cena em questão continuando com a chegada de supetão de um novo elemento: Inuzuka Kiba.

Não respondeu de imediato, deixando seu olhar curioso pousar naqueles três que iniciavam uma conversa. Ela não era boa em ler lábios como o terceiro integrante do time, e também não tinha um sharingan para facilitar esse trabalho, mas Rin tinha a sensibilidade necessária para entender que os elementos daquele trio tinham um alto nível de intimidade.

O homem estava com um saco pardo nas mãos e entregou um manju para a loira, que pareceu deliciar-se com a primeira mordida ao colocar a mão no antebraço do homem e fechar os olhos com satisfação. Viu a mulher olhar para a outra, que logo virou para o homem estendendo sua mão, mas ao contrário do que aconteceu com a loira, o homem pareceu negar o doce.

— Talvez ela seja uma prima dele. – Obito disse quando o silêncio se prolongou, e tal como Rin, mantinha os olhos no que estava acontecendo, vendo, logo em seguida, o Inuzuka tirar um manju do saco pardo para levá-lo na direção da moça. — Ou algo mais... – Ele completou quando a viu morder o manju oferecido direto das mãos do homem, que logo em seguida mordeu o mesmo doce.

Talvez aquela mulher não fosse mesmo a namorada de Naruto, mas ainda não explicava o porquê de estarem os dois escondidos numa árvore para conversar enquanto seu time recebia a avaliação pessoal do sensei sobre a missão.

Algo nela não parecia certo aos olhos do Uchiha, que não precisava sequer ativar seu sharingan para entender que havia algo misteriosos sobre ela. Parte de ser ninja era sobre instinto, e o dele gritou violentamente quando a percebeu no campo de treinamento três, bisbilhotando com a autorização de Naruto.

— E se for, qual o problema? – Rin perguntou dando os ombros logo ao lado antes de virar-se para a vitrine de revistas, fingindo interesse naquele caça-palavras.

A verdade é que ela também estava curiosa, e seu instinto, assim como o de Obito, gritou quando a viu saltar daquela árvore a mais ou menos duas semanas. O cabelo cor-de-rosa foi o primeiro sinal e depois vieram os burburinhos no hospital sobre a volta de uma grande médica, que poderia até ser a Princesa das Lesmas, mas que também poderia ser One Punch Sakura, e Rin rezava para que fosse.

Ela ouvia as histórias no hospital de como Haruno Sakura havia derrotado inúmeros inimigos, salvando seus companheiros no campo de batalha não apenas com uma cura massiva, mas também enfrentando e finalizando seus inimigos com um único soco que era capaz de dizimar vilarejos inteiros; e tudo bem que talvez houvesse um possível exagero, mas também havia aquelas histórias sobre as cirurgias mais complicadas, sobre salvar pessoas beirando a morte, sobre praticamente ressuscitar pessoas.

Haruno Sakura era incrível.

E se a mulher de cabelo cor-de-rosa que vestia um haori dos Inuzuka fosse ela, então Rin não se importaria em implorar por um segundo de sua atenção, mas precisava ter absoluta certeza de que era a pessoa certa antes, e por isso fez algumas perguntas às enfermeiras, tendo encontrado algumas informações que a confundiram mais que tudo: Haruno Sakura era casada com um homem que definitivamente não era um Inuzuka, e seria no mínimo estranho encontrá-la por aí estampando o símbolo de um clã que não era de seu esposo.

Talvez aquela mulher não fosse a pessoa que queria que ela fosse.  

Ou talvez as coisas fossem mais complicadas do que pareciam.

— Nenhum – Obito respondeu emburrado — Melhor pra gente, que aí ela não tem nenhum motivo para ficar bisbilhotando nosso treino.

— Qual o problema de alguém assistir nosso treino?

— E se ela for uma espiã?

— O Naruto-sensei parece conhecer ela. – Rin retrucou virando-se para ele novamente, mas sua visão periférica captou o movimento do trio, que reiniciava sua caminhada rua acima. — Além disso, qual o interesse de um espião no nosso time?

— O meu sharingan, oras! – Obito disse ainda birrento e Rin soltou um riso abafado. — Eu estou falando sério! Meu clã pode não ser tão grande agora, mas meus olhos ainda são uma arma letal!

— Uma arma letal para você mesmo, que não sabe usá-lo.

A dupla girou seus rostos na direção da voz que se aproximava. Kakashi caminhavam com naturalidade, as mãos nos bolsos das calças largas e o rosto coberto com aquela máscara negra.

— Kakashi, seu...!!

— Não vamos começar uma briga, gente. – Rin choramingou.

— Foi ele quem começou! – Obito apontou para o outro de maneira exagerada, que apenas deu os ombros desinteressado — Bakashi!! Meu sharingan é tão incrível que tem até uma espiã de olho nele!

Kakashi arqueou apenas uma sobrancelha diante da declaração e olhou para Rin em seguida, como se buscasse uma explicação plausível para uma declaração tão afobada.

— Obito, para com isso. Ficar falando essas coisas pode trazer confusão para ela e para você. – A menina disse com um suspiro ao afinal, olhando para Kakashi com as sobrancelhas unidas numa desculpa — Obito cismou com a amiga do sensei.

— Ela tá me seguindo! – Obito disse quando o olhar de Kakashi girou de volta para ele — Tava aqui nesse instante e foi pra lá, ó!

Tão preguiçosos quanto sempre, Rin viu o olhar do homem seguir a indicação de Obito e mirar a larga rua pela qual a mulher tinha seguido junto com os outros dois. A menina também olhou percebendo que ainda podia enxergar bem longe a cabeleira rosa junto a loira e o homem à tiracolo. Voltou sua atenção à Kakashi, notando enfim, que aquele olhar preguiçoso parecia um pouco mais sério.

Franziu o cenho tentando medir aquela expressão que só via em algumas missões pontuais, questionando a si mesma se Kakashi estava tendo pensamentos parecidos com os de Obito.

— Nós devíamos seguir a intrometida – O Uchiha disse de repente como um diabo que sussurra no ouvido de outro. — Descobrir o que diabos ela quer aqui.

Normalmente, Rin interviria imediatamente naquela sugestão, ralhando com o amigo por ter ideias tão idiotas, porém, não podia negar a vontade de xeretar sobre aquela mulher e confirmar suas suspeitas. A proposta de Obito era tentadora em diversos sentidos, e mesmo que fosse pega, ainda assim valeria a pena, mas o que mais lhe impedia de ir contra a ideia era aquela expressão de Kakashi que perdurou por um momento mais longo antes de ele virar-se para o amigo.

— Se tem tanto tempo livre para perseguir pessoas, porque não usa para fazer algo útil e vai treinar esse teu taijutsu?

Rin maneou a cabeça sendo pega desprevenida pelo clássico Kakashi. Talvez fosse apenas impressão dela aquele olhar de mais cedo. Talvez estivesse tão ansiosa com a possibilidade de encontrar alguém que tanto admirava que as coisas começassem a se confundir, e por isso era bom estar perto de alguém tão centrado como Kakashi, que estava especialmente bonito naquela roupa preta sem mangas.

Se pegou corando ao perceber o rumo que seus pensamentos estavam tomando e logo tratou de voltar a realidade, encontrando Obito apontando um dedo na cara do outro enquanto gritava daquele jeito espalhafatoso. Ah, Obito... Ela deu uma risada discreta antes de decidir apartar aquela discussão sem futuro.

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Cruzou os braços ao lado do homem enquanto via a amiga ir na direção daquele guinche vago no térreo da Torre Hokage. A mulher já tinha uma aparência melhor, com as bochechas mais coradas e o peso tinha aumentado brevemente com o resultado de uma dieta regular. Sakura já se parecia mais como Sakura apesar de estar sempre naquelas roupas largas demais de Kiba.

Tinham saído naquela manhã para comprar algumas roupas porque Ino já não aguentava mais ver a amiga vestida como uma mendiga, e Sakura se recusava a pegar emprestado da loira alegando que só existiam croppeds em seu guarda-roupas. Bem, não era exatamente mentira, mas o problema de Sakura não eram os croppeds, mas sim a cicatriz grossa em seu torso.

O ofício ninja fazia com que cicatrizes fossem comuns em suas peles. Marcas das batalhas, provas da sobrevivência. A própria Ino tinha algumas aqui e acolá, Kiba tinha uma enorme na escápula e muitos outros amigos sustentavam, até mesmo com certo orgulho, os rastros das vitórias conseguidas; mas para Sakura, aquela sua cicatriz deformada no torso era apenas um lembrete de tudo o que ainda tinha para fazer.

Ino entendia e não julgava, então saíram para comprar roupas sabendo que havia uma bela casa no distrito Uchiha que tinha uma guarda-roupas cheio das roupas em tons de vermelho que a moça tanto usava anos antes. É, elas poderiam ter ido lá para pegar os pertences pessoais de Sakura, mas Ino não sugeriu e Sakura não levantou o assunto de maneira deliberada.

A vida de Sakura era cheia de traumas, sejam dos amigos que tentaram-na matar, ou dos amores que a deixaram quando ela mais precisava.

Olhou para a moça que conversava com a atendente naquele cubículo semi-reservado. Ela não se abria para qualquer um, e mais ainda, não deixava qualquer um entrar e talvez fosse reflexo da sua infância sem amor, ou talvez fosse apenas sua personalidade retraída, mas o fato era que quem conseguisse vencer suas defesas conheceria uma Sakura muito diferente daquela valente que derrotava seus inimigos com apenas um soco.

Sasuke foi um desses que conseguiu entrar. O Uchiha, assim como Ino, conhecia essa parte frágil de Sakura que era melancólica em sua essência, e de alguma forma, os dois se entendiam como se fossem duas faces da mesma moeda. Eles brigavam, discutiam, juravam barbaridades, mas no final das contas acabavam rindo daquele jeito discreto num gesto de respeito mútuo.

Como duas pessoas tão diferentes acabaram tendo uma relação tão próxima? Ino jamais saberia.

Mas ela sabia da própria relação com Sakura, que era muito diferente da dela com Sasuke, ou com Naruto, ou com Kiba... A relação delas era outra coisa. Talvez Ino fosse a única pessoa que tivesse entrado e nunca tivesse estragado nada ali dentro, e era por isso que Sakura não precisava falar que não estava pronta para pegar suas coisas naquela casa bonita que não era dela, porque estava na cara que mulher diante de seus olhos não conseguiria lidar com as memórias ali dentro.

Dentro da casa e dentro dela.

E tudo bem não querer lidar com essa parte de sua vida naquele momento, afinal, Sakura ainda estava no processo de vencer os sintomas da abstinência. Duas semanas haviam se passado desde que batera na porta de sua casa. Duas semanas de irritação, tremores, sudorese, febre, vômitos... Duas semanas que Ino mal abriu a floricultura, e que teve que mandar seu filho para a casa de Shikamaru em horários esquisitos.

Duas semanas de lágrimas, desculpas e olhares.

Mas nem tudo foi apenas a parte difícil, porque também houveram os sorrisos, as conversas, e Inojin ensinando Sakura a cozinhar foi uma das melhores coisas que ela já viu na vida porque nenhum dos dois sabiam cozinhar. Tê-la por perto era bom. Ino tinha outros amigos na vila, pessoas com quem podia conversar, mas só Sakura a entendia com apenas um olhar e essa compreensão mútua tornava aquela relação única de uma forma que a confiança cega imperava entre elas.

— Você devia ter falado comigo antes – Kiba disse passando a mão nos cabelos. Naquele dia quente, ele tinha deixado a hitaiate em casa e os fios insistiam em cair na sua testa. — Não se preocupa, vou pôr o Daimaru para andar com ela. Ele é pequenininho e vai ser um ótimo treino para ele.

— Obrigada, Kiba. – Ino suspirou — Eu preciso voltar a trabalhar direito, mas fico preocupada em deixá-la sozinha e ela acabar... você sabe.

— Não precisa agradece, eu tô aqui para o que você precisar. Eu tô de folga, aliás, podia ter me falado que eu ficava de babá.

— Ah, claro. A Sakura super ia gostar de você dando uma de babá dela. – Ino riu com deboche. — Você sabe que a Sakura odeia se sentir vigiada, então tenha certeza que o Daimaru é discreto o suficiente, hein?

— Deixa comigo, Ino. Ele vai monitorar ela pelo cheiro e nem vai precisar chegar tão perto, aí qualquer coisa ele avisa a quem tiver mais perto.

A loira concordou com a cabeça soltando um outro suspiro. Não ia na Torre Hokage com frequência, mas sempre que entrava uma parte de si se remexia dentro dela. A empolgação de uma nova missão, as pastas com informações, os relatórios, as complicações, o retorno... Seu trio era famoso na vila e as pessoas os olhavam com admiração quando encontravam os três juntos em algum lugar, todos vestidos naqueles uniformes de Konoha, ostentando as hiatiates polidas com o símbolo da folha.

Ino-Shika-Chō.

Soltou uma risada abafada virando-se para Kiba novamente.

— Onde foi sua última missão mesmo?

— Vila da Grama. – Ele respondeu percebendo aquele olhar dela. Sorriu de canto. — Eles ainda lembram de vocês.

A mulher maneou a cabeça brevemente lisonjeada, brevemente envergonhada.

— Foi minha última missão. – Disse revirando os olhos — Eu achei que tudo fosse dar errado, mas o desgraçado do Shikamaru já tinha planejado até mesmo aquele desastre.

— O Chouji já morrido nessa época, não é?

— Uhum. Nessa missão foi só eu e o Shikamaru, e foi bem arriscado da parte do Hokage nos mandar sozinhos, porque, bem... todo mundo sabe que a força física do nosso time vinha do Chouji.

— O cérebro do Shikamaru compensa – Kiba riu — E com um jutsu como o seu, quem precisa de taijutsu?

Ino maneou a cabeça divertida enquanto lembrava daqueles cinco que derrubou com apenas um jutsu. Treinar aqueles seis meses com Tsunade e Sakura lhe rendeu uma melhora significativa no controle do chakra que possibilitou milagres nunca vistos em seu clã. Ela era, sem sombra de dúvida, a melhor usuária de jutsus mentais do mundo e ninguém poderia tirar isso dela.

Nem mesmo os Hyuuga.

— Tempos que não voltam mais – Ela se permitiu deixar escapar com um sorriso gentil nos lábios antes de olhar para um Kiba satisfeito. Por mais que implicasse com o homem, ela tinha que admitir que ele tinha algo ali que faziam as pessoas se sentirem confortáveis, quase acolhidas. — Mas é bom saber que as coisas continuam bem lá na Grama, como eu deixei.

— Sim. Eu fui só pra uma escolta mesmo. Me encheram de comida, achei que iria voltar barrigudo. Queriam que eu trouxesse um polvo pra você.

Ino gargalhou.

— Céus! E por que você não trouxe?

— Sério, Ino? – Kiba retrucou — Imagina eu, o Akamaru e um polvo por três dias de viagem voltando pra Konoha.

— Tá me devendo um polvo, Kiba. – A mulher disse encarando-o apenas pelo humor.

— Te dou um se você me deixar provar do cozido. – O homem piscou sacana.

— Como você consegue fazer qualquer coisa soar pornográfica??? – A mulher perguntou rindo — Sério... Cozido?

Kiba abriu a boca para responder, e a loira podia apostar que seria algo mais ridículo ainda, mas naquele momento ouviram a voz de Sakura chamar seu nome. Viraram o rosto na direção dela, que movimentava a mão com um gesto para que se aproximassem e assim fizeram.

— Toma – Sakura passou uma caneta para Ino, que arqueou uma sobrancelha em confusão — Assina aqui e aqui.

— Pra quê?

— Pra você ter acesso aos meus rendimentos.

— E por que eu ia querer isso?

— Porque eu to morando com você e não quero ser uma parasita? – Sakura rebateu e viu Ino arquear uma sobrancelha — Olha, eu sei que você vai mandar eu tirar dinheiro e dar todo mês, mas você sabe que eu vou esquecer e faz muito tempo que eu não tenho noção de como tá o preço das coisas, então é melhor você só pegar o que precisa quando precisar e pronto.

— É verdade, né? – Kiba soltou aleatoriamente — Fazem sete anos que você não passa mais de um mês na vila, e sempre fica na casa da Ino. – O homem olhou para o papel brevemente como quem procura alguma coisa — Sete anos só acumulando, hein?

Ino estreitou os olhos pegando aquele papel da mesa para dar uma olhada no que estava escrito. Arregalou os olhos quando viu o saldo, olhando para Kiba logo em seguida, que pareceu tão surpreso quanto.

— Quanto que te pagam por missão na ANBU? – Ele perguntou divertido, sem esperar uma resposta de verdade — Carai, rosinha, bora gastar um pouquinho, né?

— Isso é muito injusto – Ino disse com uma mão na cintura — Um jounin regular não chega a fazer tanto em sete anos!

— Um jounin regular não tem que passar pelo que um ANBU passa – Sakura disse revirando os olhos — E parem de debater sobre o quanto dinheiro eu tenho! Apenas assine isso de uma vez e vamos pra casa!

Kiba viu Ino girar a caneta na mão num gesto velado de hesitação, e só por isso levou a boca ao ouvido dela, mantendo uma distância segura para não ter uma caneta enfiada no seu olho, sussurrando um breve se você não assinar, eu assino. A viu rir antes de finalmente desenhar aqueles caracteres bonitos no papel branco. A caligrafia de Ino dava inveja a qualquer um.

Finalizaram o atendimento e se viram livre para mais um dia quente em Konoha. Kiba foi convidado a almoçar com as meninas, que passaram na academia para pegar Inojin e irem naquele restaurante popular ali mesmo no centro. Ocuparam uma mesa no meio do salão, e mesmo com o burburinho das pessoas ao redor conversando animadas, os sons das vozes naquela mesa eram nítidos o suficiente para que o assunto em pauta chegasse aos ouvidos de todos.

O homem com presas vermelhas marcando suas bochechas ria alto dos resmungos da mulher de cabelo cor-de-rosa, que se deixava ir na onda da criança do grupo para pedir mais sobremesas do que podia comer de verdade. A adulta de verdade presente naquela mesa suspirava tendo sido derrotada em sua luta para diminuir o consumo de açúcar de seu filho, mas no final ela apenas estava feliz. Almoços como aquele a faziam querer parar o tempo e aproveitar a calma agitada que era ter tudo em harmonia.

— Que tal a gente tirar uma foto quando sairmos daqui? – Ino sugeriu de repente, pegando aquele último bolinho de feijão do prato do filho para pôr na própria boca — Comprei um porta-retrato novo e quero algo bonito para colocar nele.

— Kiba, ela tá te desconvidando, viu? – Sakura falou olhando para o homem com o canto do olho, que gargalhou com a declaração.

— Ela sugeriu isso agora justamente pela minha bela presença, rosinha. Ninguém resiste ao cachorrão.

Cringe. – Inojin resmungou baixo demais para os dois ouvirem, mas Ino era uma especialista no filho e se permitiu rir.

— Aí, parem com isso! Apenas vamos tirar uma boa foto pós-almoço para eu poder usar o diabo do porta-retrato que tá guardado a tempo demais.

— Eu topo! E aí passamos no mercado para reabastecer nosso estoque de suco de caixinha. – Sakura disse depois de levar uma cutucada de Inoji por baixo da mesa. – E aquele biscoito com recheio triplo.

Ino estreitou os olhos para os dois. Céus... duas crianças viciadas em açúcar.

— Kiba, me ajuda? Você sabe que aqueles sucos são só açúcar, né?

— Hm? Eu vou é comprar umas caixas pra mim também! A Sakura levou lá pra casa e eu adorei aquilo. Uma delícia. – Disse se levantando — Vamo nessa, bonde, que a foto não se tira sozinha e o suco não se compra só também!

... Três crianças viciadas em açúcar.

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Estava voltando para casa pelo caminho mais longo. As sacolas penduradas no antebraço batiam na lateral da coxa enquanto andava debaixo do sol quente, sentindo seu cabelo escuro absorver o calor do sol como uma espoja suga água. Fez uma lista das coisas que iria fazer quando chegasse, começando com guardar seus sucos de caixinha e biscoitos, continuando com alguns afazeres domésticos e, por fim, se sobrasse disposição, faria um remendo naquele casaco que rasgou durante sua missão na Vila da Grama.

Segundo Hana, o tal casaco deveria ser aposentado o mais breve possível, mas ele se recusava a fazê-lo porque, bem, ele gostava muito daquele casaco, e tudo bem que já tivesse sido remendado de novo e de novo durante esses anos, porque ele continuava cumprindo sua função de proteger seu corpo do frio e do sol também às vezes.

Talvez ele fosse apegado demais a certas coisas, mas e daí? Ele também sabia seguir em frente quando as coisas simplesmente não estão mais ao seu alcance. Esse era o seu lance.

Passou a mão nos cabelos novamente, sentindo o suor nos cantos da testa. Precisava de um banho, e talvez devesse dar um banho em Akamaru também, mas não naquela tarde. Não... Naquela tarde, Kiba sentia que queria andar por Konoha, ver as pessoas, comer comida de rua, dar umas risadas de algum velho conhecido, e remendar aquele seu casaco que tanto o acompanhou durante esses anos.

O vento soprou quente, porém refrescante, e ele se demorou um pouco mais para abrir os olhos naquela piscada vagarosa que deu. Estava com aquele haori que Sakura o devolveu dias atrás, que mesmo tendo sido entregue lavado, ainda exalava o cheiro dela. Era engraçado como a moça usava suas roupas sem nenhum pudor, e ele sabia que no fundo era para tentar provocar um certo alguém que já não se importava tanto assim com as mulheres que passavam pela sua cama, mas ainda assim, Sakura o fazia apenas pelo costume.

Olhou para a rua à sua direita e abaixou a cabeça com uma risada sem humor, porque seus pés sempre o levavam para aquele caminho independente da rua em que dobrasse, mas pudera, sua casa ficava tão perto do distrito Hyuuga que era até ridículo reclamar de sempre passar por aquele caminho. Mirou a rua sua frente pelo qual seguia com passos vagarosos, sem importar-se com o calor em sua testa. Passou novamente a mão nos cabelos enquanto se aproximava da pracinha do bairro, onde as crianças geralmente brincavam sem muita perspectiva.

Havia um coreto charmoso no centro da praça, decorado com arbustos minúsculos que produziam flores por quase todo ano. Haviam árvores bem podadas e uma fonte que jorrava água delicadamente num ciclo praticamente infinito, deixando tudo com cara de paisagem milimetricamente montada. A parte que ele mais gostava ali, no entanto, eram os banquinhos de madeira posicionados onde as árvores faziam sombra, e num desses banquinhos ele a viu, sentada com as pernas cruzadas e os cabelos negros flutuando com o vento fraco.

Sorriu em perceber enquanto suas pernas o levavam naquela direção, porque ela era a única daquele clã com quem ainda tinha contato, ainda que clandestino. Ela havia mudado muito com o tempo apesar de ainda parecer a mesma criança divertida que um dia conheceu. Sua pele ainda parecia porcelana e a delicadeza de todos os seus gestos demonstrava a superioridade de sua linhagem, apesar de soar frágil de alguma maneira.

— Fugir dos guardas vai te causar problemas um dia, Hime-sama. – Ele disse mantendo uma distância física entre eles. Não se permitia ficar muito perto, mas também não conseguia ficar muito longe.

— Kiba-kun. – A moça respondeu com um sorriso gentil, seu rosto virado para algum lugar que não era exatamente o local onde ele estava prostado — Falar comigo assim, um dia, vai te causar problemas também, mas você está aqui mesmo assim.

Kiba sorriu.

— Acho que a diferença está na nossa capacidade de lidar com eles. – O homem retrucou sem alterar seu tom de voz tranquilo — No meu caso, o máximo que eu levaria é uma repreensão verbal, mas você...

— No meu caso também seria uma repreensão verbal. – Ela riu — Talvez dobrassem o número de guardas também, mas se uma cega como eu consegue fugir de dois shinobis com byakugan, então talvez eles devessem mesmo aumentar minha guarda.

O homem maneou a cabeça com humor, porque Hanabi sempre tinha esse senso de humor diferente do esperado para um Hyuuga, ainda que obviamente a vista grossa dos dois guardas pudesse ser resultado de um pedido discreto de sua irmã, Hinata, para que a moça, no auge de seus vinte anos, tivesse um pouco de liberdade. Ela era cega, afinal, não uma incapaz.

— Como você está? – Ele perguntou depois de um momento, ainda de pé diante da Princesa Hyuuga mais nova, que exibia um lindo traje alaranjado.

— Irritada – Disse dando os ombros — Neji-sama começou a regular os livros que posso ou não ter acesso. Eu sou uma pobre cega tentando ter algum entretenimento, que já não é muito aqui na vila, e agora não posso nem ler meu mangá favorito – Ela disse com um bico — Disse que é muito violento.

As aventuras de Dioko. Um mangá de comédia em que um pseudoninja se aventura pelo mundo para conquistar a alcunha de O Deus Shinobi, mas suas habilidades estão bem longe de algo assim. Kiba também era leitor de tal grande obra, que lhe rendia boas risadas com os jutsus mais ridículos que eram inventados, e tudo bem que o mangá era gráfico demais e violento demais, mas Hanabi não os lia de verdade, alguém lia para ela e contava o que estava desenhado.

Era só suavizar.

E ela tinha 20 anos!

Kiba suspirou.

— Qual foi o último que você leu?

— Volume 17.

— Ah... Depois disso começa a saga da batalha culinária – Ele riu antes de passar a mão nos cabelos — O Dioko finalmente encontra o verdadeiro Deus Shinobi, mas é numa vila onde os conflitos são resolvidos num concurso de quem consegue comer mais.

— O quê? – Ela riu — Eu perdi esse encontro?????

— Sim, e eles até tem uma lutinha. O Deus Shinobi diz que ainda falta muito para o Dioko chegar aos pés dele, e diz também que estará esperando para o grande combate. No final, o Deus Shinobi parece ser um cara bem humilde, mas cheio de mistérios.

— Ah!!! Eu preciso ler!!! – A garota choramingou jogando sua cabeça para o lado — Kiba-kun, você tem que dar um jeito de ler para mim!!

— Se eu pudesse, certamente o faria, mass... Acho que esse resumo já serviu para matar um pouco da sua curiosidade, né?

— É o que temos para hoje. – Ela suspirou com um bico e Kiba sorriu numa expressão complacente antes de vê-la continuar. — Né, Kiba-kun, eu soube que a Sakura-chan está de volta na vila. É verdade?

Ele concordou com a cabeça, sorrindo para ela mesmo que tal imagem jamais fosse se projetar em sua mente. Era sempre bom falar com Hanabi que, apesar da postura ereta e movimentos delicadíssimos, falava sempre daquele jeito meio moleca, como se a estirpe por trás de seu nome não a influenciasse. Respondeu em voz alta depois de um momento que sim, Sakura estava na vila, e logo a viu sorrir animada, perguntando das aventuras da kunoichi.

As reações dela eram seu deleite, e ainda que seus olhos estivessem cobertos por aquela faixa branca, os lábios e nariz revelavam tudo o que ele precisava saber, pelo menos era assim que ele gostava de pensar, porque se houvesse algo escondido atrás daquele rosto, ele jamais descobriria. Hyuugas eram bons em fingir, ele sabia disso, mas confiava que Hanabi o considerava confiável o suficiente para revelar suas verdadeiras expressões.

A risada dela se projetou um pouco alta demais, algo não permitido para alguém de sua classe, mas ela não se desculpou. Kiba teve vontade de sentar ao lado dela e deixar a conversa fluir para onde quer que quisesse ir, mas não havia muito tempo para eles. Não lhe era permitido sequer olhar para ela, e por isso, nos poucos que lhe restava daquele momento, depois do silêncio breve que se fez, Kiba perguntou aquilo que sempre perguntava.

— E a Hinata? Como ela está?

Hanabi sorriu gentilmente, deitando sua cabeça sobre o ombro em uma imagem de pura leveza. Ele sorriu junto a ela, porque sabia que a moça podia sentir aquele clima que sempre se instaurava quando falava da antiga companheira de time, que nova demais, teve que assumir a responsabilidade de todo um clã.

Eles não se falavam mais. Não trocavam olhares. Não havia mais o companheirismo.

Nas assembleias, Hinata jamais lhe dirigia a palavra mesmo que ele falasse diretamente com ela. Seu rosto se mantinha impassível, nada parecido com a moça que gritava seu nome numa voz fina demais durante os treinos. O cabelo tinha crescido e agora ela não usava mais aquela roupa lilás um tanto folgada. A Hinata-sama usava um tom de preto perfeito.

— Nee-sama está como sempre. – Hanabi disse depois de um momento — Nada mudou no clã Hyuuga.

Kiba sorriu de maneira amarga, o tom de voz de Hanabi atravessando seus pensamentos como a mais afiada navalha, e era engraçado que ainda fosse essa a sensação depois de tanto tempo, porque para aquela pergunta, Hanabi sempre lhe dava a mesma resposta.

Coçou a barba no rosto antes de olhara para todos os lugares exceto o tecido branco sob os olhos de Hanabi. Se sentia inquieto de repente, as palavras ainda ali em algum lugar de sua mente, minando seu juízo. Riu nervoso tentando recuperar a compostura, mas a verdade é que nada mudou no clã Hyuuga era algo cruel demais para se ouvir para alguém que, como ele, sabia exatamente como a antiga Hinata se sentia sobre isso.

— Eu vou indo agora, Hime-sama. – Anunciou de repente, quase abrupto — Espero te encontrar novamente em breve.

— Eu também, Kiba-kun. É sempre bom falar com você.

Ele sorriu para ela e então, sem dizer uma palavra, Kiba fez seu caminho pela calçada de lajotas daquela pequena praça central sem perceber seus passos acelerados, como se fugisse, de repente, de algo que estava o perseguindo. Alcançou a rua aberta em poucos segundos, olhando para trás apenas para ver uma dupla de Hyuugas abordando a menina, que se levantou em seu movimento delicado, sem nenhuma pressa. 

Passou a mão nos cabelos quentes e percebeu o sol logo acima de si tão forte. Estreitou os olhos com um praguejar breve antes segurar mais firme suas sacolas e continuar o caminho até sua casa, cinco ruas a frente. Passo após passo, Kiba ia afastando lentamente aquele pensamento sobre os Hyuugas, sobre Hinata e sobre fugir. Não era ele quem estava fugindo afinal de contas.

Nunca foi ele.

Andou lembrando dos seus afazeres: Guardar as compras, dar um jeito na sala de estar, tomar um banho, jantar na Hana e remendar seu casaco favorito.

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Deitada na cama confortável de Yamanaka Ino, Sakura assistia a mulher verificar suas novas aquisições uma a uma. Tinham chegado em casa a pouco e Sakura correu para o banho antes que Ino a arrastasse para mais uma sessão de provas naquele dia; quando saiu, se deparou com a mulher analisando peça por peça, aprovando com acenos de cabeça que pareciam compor um diálogo interno bonitinho demais para não ser apreciado.

Aproveitou-se da bagunça para se vestir naquele blusão verde novinho, se enfiando em shorts de tecido leve que tinha uma estampa engraçada. Ino reprovou a peça, mas Sakura gostava das pequenas kunais prateadas que contrastavam com o azul predominante. Só levaram porque a kunoichi jurou por todos os deuses que jamais usaria fora de casa, mas sem muita intenção de cumprir a promessa.

Era inegável a satisfação no rosto da loira, que estava a dias determinada a fazer Sakura parar de usar as roupas de Kiba. Não que ela gostasse de usar aquele monte de roupas largas demais, mas também não era como se ela se importasse tanto. Eram confortáveis acima de tudo, e desde que o Inuzuka não ligasse de ter algumas peças faltando, Sakura não via aquilo como uma questão.

Mas Ino via.

— Finalmente vou ver você em roupas decentes! – A mulher disse com um sorriso — Tudo bem que não são aquelas blusas vermelhas bonitinhas que você usava, mas são tão lindas! Eu adoro como certos tons de azul combinam com você.

— Acho que a gente podia comprar um guarda-roupas separado amanhã, pra não abarrotar o seu. – A outra sugeriu ainda em sua pose tranquila na cama.

— Eu vou arrumar o quartinho da bagunça pra você se instalar melhor. Ter privacidade. Então espere alguns dias para comprarmos móveis novos.

— Pensei que iriamos dormir juntas para sempre – Sakura choramingou com um bico e Ino deu uma risada.

Poderia parecer algo como dengo, mas a verdade é que dormir na mesma cama que Ino lhe trazia uma segurança que jamais teria dormindo sozinha. Tê-la do seu lado quando acordava de madrugada suando frio era o que precisava para saber que, mesmo em meio ao caos da abstinência, jamais estaria sozinha. E era a visão de Ino que a impedia de simplesmente dar um fim naquilo e voltar para o vício que tanto a sustentou durante os últimos anos.

Sim, o vício a sustentou, e talvez estivesse parando pelos motivos errados, colocando muito dessa responsabilidade em Ino para tirar o peso de si, mas a amiga não parecia se importar em ser a pessoas que ela precisava que fosse. Aquelas duas semanas limpa, definitivamente, eram de Ino.

Tá, e de Kiba também.

— Você ter um quarto não significa que não possa dormir aqui, e sim que tem opções. – Retrucou começando a dobrar todas aquelas roupas espalhadas em cima da cama. — A gente ainda tem que comprar um colete ninja para você, já que vai voltar a ativa. Talvez uma hitaiate nova.

Ah, sim... O uniforme da firma.

Ela tinha usado o de Ino quando compareceu à Torre Hokage, que ficou apertado demais na bunda, folgado demais nos peitos, e faltavam aqueles detalhes mínimos que faziam do seu uniforme seu. Ino estava certa quando dizia que tinham que comprar alguns camisões azuis, folgados demais, as calças largas que se afunilavam nos tornozelos, talvez completando com uma cartucheira nova, e uma hitaiate.

O problema é que Sakura já tinha tudo isso, e pelo que lembrava, todas as peças estavam muito bem conservadas no armário daquela casa onde se recusava a ir.

Estalou a língua e Ino arqueou sua sobrancelha loira na direção da amiga numa obvia questão.

— Eu troquei o tecido da minha hitaiate antes de sair pra ANBU. – Sakura respondeu olhando para a amiga com uma expressão cansada — A deixei como nova. Tava até polida.

— É só uma hitaiate.

— ...Você sabe que não é assim.

Não, não era.

A hitaiate de um ninja carregava a sua história como um símbolo. O acessório os identificava como ninjas orgulhosos de Konoha, e mais ainda, servia como um lembrete da Vontade de Fogo que queimava dentro de cada um deles. Uma hitaiate era muito mais que apenas uma placa de metal presa num pano colorido, mas sim a representação da história do shinobi, ambas sabiam bem.

Ino fez silêncio enquanto olhava para a mulher que parecia irritada por um momento, soltando um bufar sarcástico antes de continuar sua fala.

— E você sabe também que tem uma parte do meu uniforme que não pode ser comprada.

Ah, é... Todos eles tinham um legado, e Sakura tinha herdado o dela não apenas na forma de jutsus, mas também na forma de adereços.

— Sakura, ainda faltam duas semanas para vocês se tornar capitã de um time efetivamente. Não precisamos nos preocupar em pegar essas coisas ainda. – Ino disse colocando uma mão na cintura enquanto olhava o conflito no rosto da mulher — Você não tem que se forçar a ir naquela casa agora.

A loira esperou uma resposta para sua declaração, mas a amiga apenas desviou o olhar e se manteve em silêncio com uma expressão que beirava preocupação. Ficaram em silêncio por um longo momento, Ino dobrando cada peça de roupa naquela pilha em cima da cama enquanto notava, pouco a pouco, a expressão da mulher de cabelos cor-de-rosa se transformar em algo cada vez mais distante.

Os olhos verdes estavam perdidos não apenas em algum canto do quarto, mas também em algum canto de sua mente, revivendo memórias que poderiam ir de felizes a tristes em instantes, e essa parte de sua vida talvez fosse até mais complicada para se lidar do que aquela que se resumia à Sasuke, afinal, nem todos os traumas de sua vida estavam centrados apenas naquele Uchiha.

Tirou a pilha de roupas dobradas de cima da cama, colocando-as numa superfície vaga qualquer antes de dar a volta na cama e sentar-se ao lado da moça, que a olhou com honestidade transparente de seus belos olhos verdes. Ino sorriu colocando uma mão na coxa exposta vendo Sakura manear a cabeça como se não houvesse chegado a nenhum lugar no meio daquelas memórias.

— Você não precisa lidar com isso agora, entendeu? Cada coisa no seu tempo, Sakura. – Ino disse com aquele tom de voz gentil, passando a mão pela pele macia da mulher que assentiu com a cabeça, de repente, resignada. Ficaram um breve momento trocando olhares antes que finalmente Ino sorrisse como um sinal que tudo bem não querer conversar, mas que ela estaria ali para quando o quisesse fazer.

Informou, ainda naquela voz suave, que iria passar na floricultura para arrumar umas encomendas de buquês e perguntou se a moça ficaria bem apenas com Inojin. Sakura concordou com a cabeça, dizendo logo em seguida que Ino fizesse o que tivesse que fazer, e após uma troca de sorrisos agridoces, a loira saiu pela porta, deixando Sakura sozinha com seus demônios.

E eram muitos.

Se afundou nos travesseiros de Ino, todos com o cheiro cítrico do shampoo da moça, e fechou os olhos com intensidade. Puxou o cobertor para cima de seu corpo, porque de repente, sentiu frio. Talvez fosse uma das crises de abstinência, mas estranhamente não sentiu vontade de comer suas tão deliciosas pílulas. Não... O que Sakura sentiu foi saudades de uma época que não voltaria mais.

Ele já era uma lenda quando o conheceu aos doze anos. Todo mundo falava dele com orgulho e as histórias de seus feitos se espalhavam animadas nas salas de aula da Academia Ninja, assim como seu nome se tornava cada vez mais forte. O Canino Branco de Konoha era maior até mesmo que os três sannins lendários, e quando o viu entrar naquela sala chamando pelo time 7, Sakura teve que segurar a respiração ou começaria a ofegar.

Quem diria que o homem que ela tanto admirava era alguém tão resiliente. Descobriu algumas características que nunca pensou que ele pudesse possuir, como um estranho embaraço toda vez que alguém o elogiava, e o olhar cansado era sempre gentil até mesmo na hora de repreender um de seus três alunos. Também descobriu que o tom de voz dele raramente se alterava, parecia um santo, porque nem maldoso conseguia ser.

Sakumo era um exemplo, não apenas como ninja, mas como individuo numa sociedade cada vez mais cruel; e Sakura descobriu gostar de suas histórias acompanhadas daqueles bolinhos de umebushi que a esposa dele preparava para os treinos individuais que tinham. Sakumo tinha sido a primeira pessoa que confiou no seu potencial enquanto ninja, ensinando para ela aquilo que lhe trouxe a fama.

O manejo da tantō.

Sorriu com amargura ao lembrar daquele pacote mal embrulhado nas mãos de Naruto, que apareceu de repente na porta de sua casa pouco depois do funeral. A herança de Sakumo, para ela, na forma daquilo sempre o acompanhava em suas missões. Um símbolo de que talvez ela fosse mesmo a favorita dele naquele trio de palermas. Não havia nome no embrulho ou identificação, mas todos sabiam que aquilo tinha sido feito especialmente para ela, e Sakura jurou carregar aquilo para sempre.

Ela era a discipula de Sakumo, droga! Ela era parte do legado dele! E estava colocando isso em standy-by por não conseguir entrar numa casa que um dia chamou de sua? Por medo de lembranças antigas que já não significavam muita coisa?

Por que estava se segurando quando não havia mais nada significativo naquelas paredes? Depois de tantos anos, ainda havia alguma coisa naquela casa que podia lhe ferir mais do que já fora? Quando se tornou tão covarde a ponto de deixar a única coisa que mantinha a memória de seu mestre viva longe de si? Por que estava deixando que ele atrapalhasse uma vida que não era mais compartilhada?

Ele nem na vila estava mais.

Soltou uma risada sarcástica quando percebeu estar agindo feito a garotinha assustada que era. Era como se Sasuke tivesse saído da vila ainda naquela semana e ela não soubesse muito bem o que fazer, ou por onde começar; mas ali ela já não era aquela Sakura hesitante que se deixou levar por alguém parecia compreendê-la. Não. Essa Sakura não existia mais, e ele quem tratou de dar um fim definitivo a ela.

Tanto se enganou naqueles anos... Tanto se deixou iludir quando tudo era tão evidente...

E diante de toda aquela raiva que sentia de si mesma, Sakura se perguntou o porquê de sentir tanto medo quando nada mais podia lhe machucar. Ele não tinha mais esse poder. Na verdade, ele nunca teve. Tudo o que aconteceu foi culpa da fraqueza dela, a mesma que a impedia de ir até aquela casa e pegar as suas preciosas coisas.

Olhou para a janela aberta com o fim de tarde diante de si, quase como um convite traiçoeiro pintado em laranja.

Era sua deixa.

.

.

.

Apoiou a cabeça na mão com desleixo, fechando seus olhos quase como quem suspira entediado. Escutava as palavras da senhora mais velha a sua frente sem prestar muita atenção nos significados das palavras, sabendo que o discurso sobre evitar o distrito Hyuuga ainda era o mesmo. Abriu os olhos brevemente para ver a xícara de chá solene com apenas um dedo do líquido amarelado em seu interior. O cheiro da erva já tinha se esvaído, e àquela altura, o resto de chá já deveria estar gelado ainda que fosse verão.

Fazia calor, por isso amarrou o casaco azul na cintura e se permitiu usar aquela malha mais fina como sua roupa principal. Tinha pegado pesado no treino do dia, e não sabia porque seu companheiro de time tinha ficado tão mal humorado de repente, mas Kakashi lhe acertou um soco tão forte que nem os socorros de Rin aliviaram o latejar. Talvez ele precisasse, de verdade, treinar mais o seu taijutsu, mas não importava naquele momento.

O bico em seus lábios soava amuado, mas ele sequer estava prestando muita atenção. E dai que ele tinha passado naquela loja de doces no distrito Hyuuga? Era perto da pracinha, e a pracinha era território neutro até onde ele sabia. Sua avó, no entanto, não achava o mesmo, e continuou com seu longo discurso sobre como o melhor para ele, um dos últimos Uchihas, ficar longe do distrito dos ceguetas.

A velha bateu na mesa de repente, fazendo o garoto ter um sobressalto. A olhou assustado e então percebeu que ela lhe tinha feito uma pergunta. Suspirou, resmungando um tá bom em concordância, sem dar-se o trabalho de pedir para que a mulher repetisse a pergunta. Tanto faz. Provavelmente ela só queria que ele se mostrasse atento às velhas palavras que ele tão bem conhecia.

Se levantou da mesa sem muita paciência, mas fora respeitoso o suficiente com sua guardiã que só queria o seu bem. A verdade é que no auge dos seus dezessete anos, Obito já se sentia um pouco dono de si mesmo, como se suas decisões fossem mais maduras. Ele não era mais uma criança e odiava que sua avó ainda o tratava com tanto cuidado quando, na verdade, ele quem deveria cuidar dela.

Levou a louça para a pia ainda com a senhora-sua-avó tagarelando sobre como era importante não provocar os Hyuugas, porque aparentemente eram eles que comandavam a Vila da Folha, e não o Hokage ou os Senhores Feudais. Era melhor ofender um dos últimos a ofender o clã heroico que compôs a resistência contra os vilões.

Os Uchiha.

Caiu de ele nascer justamente no clã problemático, mas nunca foi uma questão para ele. Tudo bem que sequer lembrava do que tinha acontecido quando tinha apenas 5 anos e Fugako e sua prole resolveram dominar Konoha. Tudo eram flashes confusos na sua mente infantil, sendo que agora, anos depois, ele mal se lembrava como era a vida antes de se tornar o vilão da história por tabela.

Teve que lidar com olhares tortos na academia quando ainda processava o luto pelos pais, assassinados por um dos idealistas de Fugaku, também cansou de ser xingado pelos moradores adjacentes, os civis que habitavam a vila, porque na cabeça deles, a criança de cinco anos que era na época tivera culpa de tudo o que aconteceu, e como se não bastasse, acabou caindo no mesmo time que o filho do herói da vila, Hatake Sakumo.

Achou que o garoto iria tentar matá-lo e fazer parecer um acidente durante um treino qualquer, mas a verdade é que o menino se mostrou estranhamente legal ao seu modo. Kakashi era incrivelmente habilidoso, e apesar de implicarem um com o outro o tempo todo, eles se davam bem quando colocavam a competitividade ninja de lado. Sim... Obito podia não ser o melhor ninja da sua geração, mas ele certamente competia com o melhor. Ele se inspirava em Kakashi, e em Sakumo também. Queria muito ser tão focado quanto o seu companheiro de time, mas a vida também era aceitar as diferenças e tudo bem não incrível como Kakashi, porque Obito era incrível como ele mesmo, e quando seu sharingan atingisse o terceiro tomoe, então Kakashi ficaria no chinelo diante de seu poder nato.

Não só ele, mas todos os Hyuugas também. E ele iria conquistar todo o respeito que merecia naquela vila de pessoas preconceituosas que o julgavam pelo símbolo que carregava nas costas. Iria recuperar o nome do seu clã para que as gerações futuras pudessem exibir com orgulho o leque que domina o fogo em suas costas.

E ficaria com a garota.

A garota, Nohara Rin.

Mas não porque ele era forte, mas sim porque o poder dele faria com que a moça conseguisse perceber que ele sempre foi o amor da vida dela. Ou algo assim.

Não importava como ou quando, mas nos planos de Obito, Rin se apaixonaria por ele em algum momento, eles se casariam e teriam três filhos lindos que usariam aquela pintura lilás charmosa que ela exibia nas bochechas. Deixaria Kakashi ser padrinho só para ele assistir de camarote a sua felicidade se concretizando, e aceitaria de bom grado a parabenização do amigo, juntamente a uma declaração de Obito tinha se tornado o membro mais forte do time.

Era isso.

Seus pensamentos flutuavam nos sonhos mais doces enquanto ele se sentava frente aquela janela estreita da sala para olhar as pessoas voltando para suas casas. A rua onde morava era uma principal, e dali ele conseguia ver o mercadinho novo que alguém tinha aberto na esquina de baixo, algo normal para o Distrito Uchiha, que havia se tornado um bairro qualquer já que não haviam mais tantos Uchihas para habitar todo aquele espaço.

Os terrenos haviam sido desvalorizados, restando aos moradores que sobraram alugarem suas casas ao menor preço possível ou continuarem vivendo na terra manchada pela desonra de seus antigos líderes. Obito e sua avó faziam parte do segundo grupo. No ano que se passou, Obito viu treze pessoas se mudarem de sua rua, e outras treze ocuparem seus lugares; e a criminalidade só não crescia porque ainda havia o estigma de que os impiedosos Uchihas não perdoavam fácil.

Mas não era nisso que ele estava pensando.

Obito estava pensando sobre fortalecer o seu taijutsu e, quem sabe, conquistar Nohara Rin depois de salvá-la de algum brutamontes. Isso se Kakashi o deixasse brilhar por um segundo. Fez uma careta para a rua enquanto o sol se escondia atrás dos prédios no horizonte logo a frente, e antes de finalmente escurecer, Obito estreitou os olhos quando viu alguém novo na rua. Alguém que nunca tinha visto por ali.

Se levantou apressado e saiu de casa sem sequer avisar, subindo nos telhados antes que fosse percebido pela figura que avançava rua abaixo, dobrando a esquina dos casarões abandonados. Por ali moraram Uchiha Fugaku e sua família, e ao redor da casa principal existiam as residências dos antigos conselheiros. Fez uma careta quando a mulher parou de frente a mais modéstia, encarando a porta por tempo demais.

Deveria abordá-la? Ele não tinha tanta certeza.

Algo parecia errado com ela, e talvez fosse muita presunção assumir isso quando ele apenas tinha a visão parcial de seu rosto endurecido frente a porta de madeira. Obito aguardou em sua posição privilegiada, e depois de um longo momento, a viu arrombar a porta e entrar quase como se estivesse indo na direção de uma difícil missão. Estreitou os olhos ainda em sua posição enquanto decidia o que fazer.

Talvez ele devesse entrar lá e fazê-la falar. Talvez ele devesse continuar espiando apenas. Talvez ele devesse chamar alguém melhor preparado. Talvez... Haviam muitas possibilidades, mas Obito não fez absolutamente nada. Na verdade, o garoto meio que sentiu que não deveria fazer absolutamente nada sobre aquilo, como se a aura envolta na mulher lhe dissesse que era algo que não deveria ser interrompido.

A noite chegava ao céu escurecendo o bairro que teimava em manter o mínimo de visibilidade através das lâmpadas amareladas que acendiam nos postes. Ele não sabia muito bem quanto tempo ela iria demorar ali, ou se iria passar a noite. Talvez estivesse de mudança, mas ele duvidava desde que precisou arrombar a porta para entrar. Quem sabe não brigou com o namorado, afinal, Inuzuka Kiba tinha certa fama de galinha, e agora precisava de um lugar para dormir.

Fez uma careta enquanto se decidia sobre ficar ali ou ir embora, mas acabou se dando por vencido quando lembrou que tinha saído sem avisar pouco depois de levar um sermão sobre ter ido ao Distrito Hyuuga. Deu as costas para a tal casa, mas não partiu antes de dar uma última olhada sobre o ombro. Sua intuição lhe dizia que aquela mulher, muito em breve, seria alguém que fosse lidar, mas naquele momento, Obito decidiu que não iria bisbilhotar.

Voltou para casa o mais rápido que conseguiu, sua vó ralhando assim que o viu cruzar a porta. Onde você foi?! Ela perguntou com a mão na cintura e o olhar severo. Puts... Ele já tinha dezessete anos! Não deveria ter que dar tantas satisfações, mas mesmo assim acabou respondendo daquele jeito meio vago, meio como quem não quer nada.

— Tava olhando os casarões antigos – Disse dando os ombros — A senhora sabe se alguém vai se mudar pra lá?

A mulher arqueou a sobrancelha mudando sua expressão para algo como surpresa.

— Obito, ninguém alugaria aquelas casas. Há muita história ali, e algumas ainda tem donos vivos – explicou novamente, porque se lembrava de ter dito isso uma ou duas vezes para o rapaz, que parecia não prestar atenção em nada. — Você viu alguém ali?

— Ah, bem... Uma mulher de cabelo rosa tava indo naquela menorzinha. – Respondeu sem demonstrar muito interesse, mas a velha sabia que o garoto não dizia coisas atoa — Eu nunca a vi por aqui, então...

Não terminou a frase, tirando o casaco azul da cintura para jogá-lo em cima do sofá.

— Coloque isso pra lavar, Obito. – A idosa ralhou antes que esquecesse, vendo o rapaz tirar dali de novo com um resmungo de que era um local temporário — E você disse cabelo rosa? Hm... – Sorriu de repente, maneando a cabeça como quem resgada alguma memória — Deve ser a Sakura-chan, é claro. Faz muito tempo que não a vejo.

Sakura-chan? – Ele perguntou com uma careta — Quem é essa Sakura-chan que eu não conheço?

A velha riu com o tom de voz abusado do menino, que era metido a sabichão, mas não sabia de metade da história do clã. Se conhecia alguma coisa, era tudo das conversas que escutava dos outros, entretanto, se tivesse prestado mais atenção no que dizia, saberia quem era One Punch Sakura antes mesmo de conhecê-la.

— É a kunoichi que foi treinada por Lady Tsunade, a Sannin das Lesmas. – A mulher falou se deleitando com a expressão finalmente interessada de seu neto, que era uma criança fofa e gentil, mas tinha se tornado um adolescente resmungão e desleixado — Ela morou aqui por um ou dois anos quando juntou os trapos com o Shisui.

— Shisui???? – O menino repetiu quase berrando numa surpresa descabida — Mas... Não faz sentido! Quando foi isso? Eu pensei que ele morava mais pra baixo e não nos casarões!

— É, querido, ele morava mais para baixo, mas resolveu pegar o barraco dos pais quando se juntou com a moça. Era mais espaçoso do que o lugarzinho em que ele se escondia.

— Mas eu não lembro dela! Não lembro dessa garota de cabelo rosa aqui!

Ele também não lembrava direito de Shisui, mas isso não era relevante.

— Você só tinha oito anos na época, Obito. E a Sakura-chan sempre foi bastante ocupada com as coisas no hospital e nas missões difíceis. – A velha disse com um ar nostálgico sem perceber a expressão confusa de Obito — Mas eles faziam um casal bonitinho. Achei que ia durar, mas a vida ninja é avessa a esse tipo de sentimentalismo.

— O que aconteceu com eles?

— Ah, o Shisui, você sabe, foi embora; e aí.... Aí a Sakura-chan foi embora também.

.

.

.

Deslizou os dedos pela superfície reta do tampo de madeira sentindo os grânulos finos da poeira se acumularem em sua pele. Não tinha energia nenhuma, mas a iluminação que adentrava pela janela era suficiente para que a mulher conseguisse preencher as lacunas. Conseguia ver a cor clara das paredes com nitidez, e as cortinas coloridas pareciam menos alegres diante do sofá empoeirado que jazia na sala de estar. O vaso de flores na mesa baixa de centro continuava intacto, com as pétalas secas produzindo um cheiro desagradável, mas Sakura não se importou.

Nada ali importava.

Tamborilou os dedos naquele aparador reto que sustentava um relógio de mesa pomposo, presente de Ino. Os ponteiros marcavam oito e vinte três de maneira eterna no cristal coberto por uma crosta de poeira, evidenciando o tempo que passou e o tempo que parou ao mesmo tempo. A mulher encarou o objeto por tempo demais, sentindo suas costas coçarem, mas foi incapaz de mover um dedo para sanar aquela necessidade súbita.

Sua mente estava vazia naquele momento, tão vazia quanto aquela sala de poucos móveis e muitas memórias. Shisui sempre a esperava no sofá, não importava se estivesse num plantão noturno, o homem simplesmente ocupava um assento e esperava como se não tivesse nada melhor para fazer. Como se a volta dela fosse sempre digna de uma recepção adequada. Às vezes ele estava dormindo, e ela acabava apenas se aconchegando nele como dava, mas na maior parte das vezes, Shisui estava muito bem acordado para lhe receber com um caloroso okaeri.

Foi natural se aproximar dele depois que tudo ruiu em sua vida. Eles tinham os mesmos objetivos, ou quase isso. Seus caminhos sempre se cruzavam fosse numa das ruas de Konoha ou numa reunião previamente agendada. Mesmo em suas missões acabavam se esbarrando, como se o acaso estivesse querendo mostrar alguma coisa, e foi mais natural ainda se deixar levar pelo jeito bondoso com que ele sorria, pela segurança que ele exalava.

Essa era a palavra.

Shisui lhe fazia sentir-se segura.

Deu mais alguns passos vagarosos, ciente demais do contato da sola de suas sandálias emborrachadas com o chão sujo. Na verdade, ciente era algo que a definia naquele momento, porque era como se conseguisse sentir a poeira tocando cada milímetro de sua pele, e sentia também o clima ameno apesar da sensação de frio a dominar. Ela conseguia, inclusive, ouvir os fios de seu cabelo se movendo em sua cabeça na mesma medida que seu coração bombeava sangue por todas as vias que existiam.

Parou de frente a prateleira com fotos antigas demais de uma Sakura diferente. Aqueles sorrisos e olhares, os abraços... As cores desbotadas combinavam bem com todas as mentiras que viveu naqueles dias. Vivendo a felicidade que nunca lhe fora permitida, e por isso não era a verdadeira felicidade. Na verdade, enquanto olhava para aquela foto do homem de cabelos bagunçados ao lado da moça de longos cabelos cor-de-rosa, Sakura se perguntava como pôde ser tão idiota em achar que, no meio de toda aquela bagunça, poderia ser feliz.

Shisui tinha um claro objetivo desde que atuou ao lado do Hokage e dos Hyuugas para a resolução do golpe: Ele iria rastrear todos os Uchihas e garantir a segurança da vila como esperado de um verdadeiro shinobi de Konoha, que queima dentro de si a Vontade de Fogo em sua chama mais genuína. Mesmo sem ser um grande orador, Shisui inspirava as pessoas ao seu redor, e ela era a prova de que não precisava de palavras muito elaboradas para iludir alguém.

Bastava um coração frágil e qualquer um poderia acreditar no primeiro que lhe estendesse a mão.

Abaixou o porta-retrato, cansada da visão daqueles dois apaixonados. Cansada da visão de um futuro. Entretanto, ao invés de dar as costas e continuar seu caminho entre o vão das lembranças, Sakura se manteve parada, encarando aquele pé levantado do objeto que tinha acabado de mover para lembra daquele dia tão distante em sua memória, quase como se estivesse esquecendo totalmente daquilo e, de repente, viesse à tona com tanta nitidez que a paralisou.

Tudo por conta de um bilhete preso no verso daquela foto. ´

O frio lhe atingiu com força naquele momento, com um tremor abrupto que invadiu seu corpo. Ela quis esfregar o rosto, quis passar a mão nos cabelos de maneira exasperada, queria arranhar sua própria pele, chutar aquela mesa, e queimar aquela casa, mas ao invés disso, Sakura se manteve incapaz de mover um dedo sequer, paralisada pela sua mente sorrateira, que teimou em parecer tão vazia quanto aquela sala de poucos móveis, mas que guardava tantas ou mais memórias.

Memórias que a confortavam.

Memórias que a feriam.

Memórias que queria esquecer.

Memórias que não podia esquecer.  

Ofegou sem perceber, segurando o bilhete destacado da foto com sua mão tremula em uma crise que poderia ser qualquer coisa. Apreciou a caligrafia bonita de Shisui, exatamente do jeito que se lembrava, com aquele te um pouco mais puxado do que deveria ser, uma característica que soava tão dele. Ela deixou uma risada escapar, uma dessas gentis que dizia você não tem jeito, e foi horrível perceber que o afeto ainda existia, mesmo depois de tanto se magoarem, mas a quem ela queria enganar? Quem se deixou iludir foi ela.

Ele sempre foi sincero quando dizia que faria de tudo para manter a vila à salvo. Nada ficaria no meio desse objetivo, nem mesmo Sakura que, definitivamente, não queria prejudicar Konohagakure. Não. Sakura só queria cumprir uma promessa naquela época, e tal promessa se cruzava com o objetivo de manter a vila à salvo. Rastrear Uchihas, monitorar suas atividades, confrontá-los, neutralizá-los, garantir que os segredos do sharingan não caíssem em mãos erradas... E resgatar Sasuke.

Porque tudo resultava nesse encontro fatídico onde ela veria o antigo companheiro de time e daria tudo de si para salvá-lo. Essa era a diferença principal entre deles. Shisui salvaria a vila e Sakura salvaria Sasuke. Os objetivos de cruzavam, mas não eram os mesmos ainda que também não fossem opostos.

Devolveu o papel ao seu lugar como se fosse perigoso demais manter aquilo em mãos por muito tempo. Se esforçou para que parecesse intocado desde aquela época, como se nunca tivesse tocado naquilo depois de saiu dali. Como se nunca tivesse existido, e seus olhos penderam para seus dedos empoeirados cheiros de calos entre as pequenas cicatrizes, aquelas de alguém que estava sempre lutando.

Mas não com ele.

Com ele, Sakura nunca precisou lutar, e talvez isso tivesse sido seu maior erro.

Ela se esforçava o tempo todo para ser alguém digno num mundo cheio de Hyuugas, Uchihas, Yamanakas, Inuzukas, Uzumakis... O tempo todo era uma luta para poder estar ao lado deles, com o nível de respeito que apenas alguém com tal estirpe teria. Ela lutava pelas suas amizades, pelos seus laços tão preciosos, pelas pessoas que tanto importavam em sua vida, mas com ele...

Sakura nunca precisou lutar.

Viu um tremor correr pelo seu corpo e atingir seus dedos gélidos. Não percebeu o entreabrir de seus lábios, nem o jeito que suas sobrancelhas deformaram em seu rosto, numa expressão de angústia. Novamente, viu todo o sangue entre os dedos, e a poeira era a sujeira que nunca conseguia se livrar. Nunca saia, não importava o quanto lavasse ou quanto tempo passasse, o sangue ainda estava lá, e a solidão também.

Aquela mesma solidão que parecia não existir quando se deixou iludir com a ideia de que a vida não precisava ser uma eterna luta. A solidão que, ao lado dele, jamais mostrava sua face. A solidão que ela verdadeiramente achou que tinha ido embora, mas isso nunca a deixou.

Foi quando se sentiu tão urgente, inútil, boba e inquieta. Tão idiota em ter acreditado que poderia lutar ao lado dele quando na verdade sua luta sempre foi e sempre seria solitária. Ele não tinha como entender o que a partida dele significou para ela, porque ele sempre teve todos ao redor dele, no entanto Shisui sabia que quando resolvesse fazer o que precisava de fato fazer, então tudo ruiria.

Na casa cheia de fantasmas, ela jurou sentir a presença dele às suas costas. Virou-se depressa para encontrar tudo na mais perfeita calma melancólica de um lugar que guardava as esperanças que tinha de uma vida possivelmente melhor. Viu um filme correr diante de seus olhos, viu Shisui e seu sorriso iluminado, viu o detalhe discreto da dobrinha no canto do olho, os cílios longos, o brilho surpreendente de seus olhos negros, e então... Então... Ele não estava mais lá.

De repente, tudo era o mesmo vazio de anos atrás quando o viu colocar a máscara de pássaro sem sequer hesitar e sair de sua vida exatamente como entrara. Num salto. De repente, tudo era o mesmo vazio de sempre. Tudo era a mesma luta que sempre teve que lutar, e no final das contas, ela nunca esteve segura com ele. Na verdade, ela nunca esteve tão vulnerável em toda a sua vida.

Se afastou com alguns passos da prateleira com movimentos débeis. Girou o corpo atordoada enquanto tudo começava a girar. A casa parecia maior e depois menor, e os portais a levavam para cantos tão distantes de sua memória ao passo que seu peito parecia não conseguir aguentar conter a visão quebrada de tudo que tentou construir ali, e mais uma vez fracassou.

Ela fracassava com todos.

Sasuke, Naruto, Sakumo, Ino, Kiba....

Não importava o quanto lutasse, não importava o quanto se empenhasse, em todos esses anos, Sakura apenas falhou e isso continuava dentro de si, corroendo tudo o que podia haver de puro. Se apoiou no balcão da cozinha vendo o sangue de suas mãos manchar as memórias felizes que um dia tiver ali, quando achou que a luta ficaria um pouco mais fácil se fosse compartilhada, mas nunca ficava.

E agora Naruto estava nesse caminho, e mais uma vez ela sentia que estava no limite, porque a imagem de seu amigo tendo que entrar em combate porque ela não era suficiente para cumprir uma promessa sequer. Ela nunca foi suficiente. Sete anos se passaram e ela não pôde fazer nada por ele, por Ino, por... Todos eles.

Ela era um fardo. Um peso.

Mas se esforçou tanto.

Tanto.....

Caiu de joelhos no chão, tombando no armário frágil que havia sido empestado de cupins e outros insetos. A pequena porta cedeu ao impacto, pendendo para o chão com sua dobradiça enferrujada. Um barulho se fez e lá dentro, como o mais gostoso dos venenos, estava aquela caixa solitária que continha aquilo que faria tudo sumir.

É claro...

Shisui era ANBU assim como ela, e foi ali, naquela cozinha, que a moça provou, pela primeira vez, uma pílula do soldado, quando o homem voltou com aquela caixa lacrada e a esqueceu no fundo do armário. Será que ainda estavam boas? Será que ainda prestavam? Ela puxou aquilo como se sua vida dependesse disso, e de fato, dependia. Dependia da coragem que não tinha em apenas abrir e perceber que estava tudo tão... Velho. Definitivamente não serviria para consumo, mas a mente dela não se importou.

Não...

Normalmente, pílulas do soldado não emitiam odor, mas aquelas fediam, mas Sakura sequer notou. Ela não notou o mofo e as formigas andando por ali, nem as manchas ou... Ela não notou. Ela não se importou. A única coisa que importava era fazer aquilo desaparecer de dentro de si, e a única coisa que faria isso acontecer eram aquelas pequenas bolinhas especiais.

As bolinhas que ele deu pra ela.

Sakura comeu a primeira sem sequer mastigar, e depois mais uma quando o efeito não apareceu, e depois outra, e mais outra, e outra...

As mãos sujas com as migalhas em meio ao sangue negro, e a escuridão lhe cobria a visão com a claridade latente das suas visões. De repente, Sakura não estava mais naquela cozinha, nem mesmo naquela casa. Era outro lugar. Um lugar novo. Um lugar desconhecido. E havia tanta dor. Ela chorava enquanto Sasuke partia. Ela acordava num banco de praça, sozinha de novo. Ela viu as costas de Naruto se afastarem pelo portão leste da vila. Viu suas mãos doerem e seu corpo cansar. Se viu duvidar de si mesma. Se incapaz de protege-los. Se viu apanhar numa floresta densa e precisar ser salva por sua fraqueza.

O corpo convulsionava com intensidade, a cabeça batendo no chão assim como todas as partes de seu corpo, produzindo um barulho violento que ecoava na solidão da casa. A saliva grossa escorria pela lateral de sua boca numa espécie de vômito estranho, mas ela não sentia nada disso. Ela não percebia tais coisas.

Sakura não percebeu o barulho alto da janela sendo quebrada, nem ouviu o grito assustado que se projetou na voz esganiçada do homem que entrou. Não sentiu suas mãos lhe erguerem numa espécie de abraço. Não viu os olhos assustados ou o jeito com que ele gritou desesperado para que os cães fossem atrás de alguém que pudesse ajudar, porque...

— Sakura! Sakura! Fica comigo! Sakura!

Não sentiu ser erguida. Não sentiu o vento frio da noite escura atingir sua pele quando ele saltou para fora. Não sentiu a velocidade desesperada de seu correr pelos telhados. Não sentiu o calor que ele emitia.

Sakura não sentiu.

Ao invés disso, ela viu a luz da lua tão serena... Ela viu os fios da barba balançarem... Viu os fios de alta tensão... Viu...

Viu o quê?

O que havia para ver?

Estava à deriva no ciclo infinito da dor, se deixando levar por aquilo que entorpecia seus sentidos em busca de um segundo longe dos seus demônios. E nem suas coisas conseguiu recuperar... Ela riria se pudesse, mas seu corpo estava tão... Confuso. Tudo estava tão confuso. Haviam pessoas ao seu redor, mas eram reais? Ela os ouvia chamar seu nome, mas... Deveria responder? Onde estava? O que estavam fazendo? O que era aquele tubo? O que era...?

Não importava.

Nada importava.

Estava à deriva.

...

Havia esse campo de batalha e todos os ninjas do mundo estavam reunidos. Naruto brilhava em dourado como um sol poderoso que atraia todos para si. Ele a olhou com entusiasmo, e depois olharam para Sasuke, que sério, encarava o inimigo. Eles estavam de volta. O time 7. Lutaram juntos e ela salvou todos eles. Sasuke se desculpou e ela chorou ao som da risada discreta de Naruto.

Viu Kiba, de repente, ao seu lado com Akamaru. Ele a olhava dentro daquele casaco de couro enquanto parecia não acreditar em uma só palavra do que dizia. Ela era tão transparente para ele assim? Ele sabia tanto que ela jamais conseguiria completar a missão que estava se propondo a fazer? Evitou olhar para ele sabendo que no fundo ele estava certo em não a deixar ir sozinha.

E então estava dentro de um banho termal. A água era relaxante. Estava entediada, mas logo Ino apareceu tagarela como sempre, e Hinata estava toda tímida tentando cobrir o corpo sem nenhuma necessidade. Estavam entre garotas, e era um dia de folga. Ela não se preocupou com Sasuke ou com sua luta. Naquele dia, elas resolveram relaxar, e Sakura riu de algo que Ino lhe disse antes de ver Hinata constrangida à breve menção de Naruto.

O deserto surgiu e Chouji estava enorme no campo de batalha. Eles lutaram lado-a-lado. Ino era a melhor sensor que conhecia e a vitória foi graças a ela. Com certeza foi. Sorriu enquanto comiam escondidos naquele oásis, e mesmo na dificuldade, eles conseguiam ter um momento feliz.

Naquela realidade, Sakura nunca conheceu Shisui e parecia ter sofrido como o diabo em algum momento. Ela se viu tão nova, tão ingênua, segurando uma kunai na tentativa de proteger o construtor da ponte. Sasuke se jogou na sua frente, mas foi Sakumo-sensei que os salvou.

Aquele era Sakumo, não é? Ela não conseguia ver seu rosto.

E antes disso, muito antes, naquela que parecia ser o mais fundo que poderia ir no sonho estranho que estava tendo, Sakura se viu solitária num campo de relva verdosa. Ainda havia dor. Estava sozinha. Triste. Nada parecia muito bom ou feliz, mas aí... Aí a viu. Ela riu de sua situação, mas não em escárnio. Jamais em escárnio. Fez um elogio estranho e então tocou seus cabelos. Quando percebeu, o vermelho em suas mãos era um lindo tecido sedoso que logo envolveu seus cabelos. Elas se olharam e naquele momento, Sakura sentiu que sua vida estava começando.

Sua história começava ali.

Abriu os olhos e sentiu.

Ela sentiu.

Os dedos longos entre seus cabelos e o calor morno do alvorecer suave. Sentiu seu corpo reclamar, sentiu a cabeça doer, sentiu a boca seca e os olhos inchados. Sentiu as lágrimas quentes nos cantos dos olhos e deixou que elas escorressem pelo rosto deitado frente a mulher de olhos azuis que estava ali, com seu nariz avermelhado, a face manchada pelas lágrimas, os lábios em uma linha rígida de preocupação e alivio.

— Sakura...

Ela disse naquele fio de voz como uma súplica e a outra só pode chorar diante daquilo, envergonhada por tudo; mas os braços da mulher a envolveram como sempre faziam, porém, dessa vez, era muito mais apertado, muito mais intenso num implorar mútuo de tantas coisas.

A voz dela sussurrava um vai ficar tudo bem enquanto seus olhos derramavam aquelas lágrimas pesadas que Sakura odiou causar, e os dedos se enroscavam nos fios róseos lhe fazendo um carinho que doeu mais que qualquer outro golpe. O choro intensificou e os soluços faziam seu corpo doer. Ela se agarrou na amiga como se sua vida dependesse disso, e no pedido de desculpas que escapava de seus lábios, Sakura soube que Ino jamais a culparia por nada.

Não precisava pedir desculpas. Nunca.

Se afastaram brevemente apenas para que Ino pudesse olhá-la melhor. Sorriu daquele jeito fraco enquanto enxugava o rosto manchado com suas mãos tão macias. O toque dela era como um tecido sedoso escorrendo em sua pele, e Sakura precisou fechar os olhos para sentir aquilo mais intensamente. Sim. Não era mais seu sonho estranho, e sim a realidade.

— Ino... eu... – Disse naquele soluço estranho, vencendo a vergonha em sua voz embargada que não conseguia se manter como um sussurro — Eu...

— Shh... – A mulher balançou a cabeça, escorrendo sua mão pelo pescoço da outra e deslizando pelo ombro nu. — Não tem pressa, tá? Temos o tempo do mundo.

Sakura confirmou com a cabeça, se afundando de novo nos braços da mulher em busca de algum afeto. Ela precisava sentir aquela conexão. O laçou que as unia. Ela sentia. Ela finalmente sentia.

— Ino, eu... eu... eu não tô bem.

Era a primeira vez que Ino ouviu algo assim vindo de Sakura, e talvez a mulher tenha sentido seu passar de mão hesitar, mas apenas por um segundo brevíssimo antes de abraçá-la ainda mais forte, e Sakura nunca se sentiu tão estranhamente leve em verbalizar alguma coisa. Ela nunca pensou que admitir sua fraqueza fosse tão... recompensador, mas uma vez que entendeu, Sakura não pôde mais voltar atrás.

Não quando se sentia tão quente naquele abraço.

— Eu não tô bem a muito tempo, e... e... eu... eu quero parar. Eu quero parar. Eu quero ficar bem.

Em todos aqueles anos, desde a primeira vez que colocou uma pílula do soldado na boca, Sakura nunca pensou em realmente parar. Uma vez na vila, Sakura pegava leve, mas jamais parou de verdade. Nunca. Como poderia pensar em parar quando se sentia tão desesperada só de entrar numa casa velha? Como podia pensar em abdicar da única coisa que a fazia sã naquele mundo de promessas perdidas? Como podia vencer quando tudo a sua frente era um mar de perdas?

Mas havia algo que de alguma forma ela nunca perdeu, e ela ainda não sabia bem o que era, mas era por causa dessa coisa que Ino ainda estava ali, não é? Era por isso que Ino jamais desistiu dela. Não só Ino, mas Kiba também. Era por essa coisa que Naruto ainda tinha fé, e ela precisava encontrar isso desesperadamente dentro de si, sem se esconder mais atrás de pílulas.

Ela queria encontrar.

Ela queria ficar bem.

E no sorriso de Ino ela viu que finalmente conseguiria.

— Vai ficar tudo bem. Você vai ficar bem. Agora eu sei que vai, com certeza. – Disse passando as mãos no próprio rosto numa tentativa de se recompor — Mas me deixa te ajudar, tá? Você não precisa fazer isso sozinha.

— Eu não conseguiria sozinha.

Ino riu pega de surpresa e Sakura desviou o olhar para além dela antes de fechar os olhos novamente, com uma sensação estranha de uma lembrança que não era de fato uma lembrança. Como um sonho distante que aconteceu a muito tempo, mas que jamais tinha acontecido de verdade e então abriu os olhos para a realidade diante de si.

Ficaram em silêncio por um longo momento ate finalmente Sakura reparar onde estava. Era um quarto muito conhecido, com uma cama mais conhecida ainda, e aquela calça que Ino usava...

— Isso é a calça do Kiba?

Ino olhou para o tecido azulado e depois para Sakura de novo, dando os ombros.

— Você vomitou na minha saia.

Foi mal...

— Tudo bem. – A moça disse despreocupada — Você sabia que a máquina de lavar do Kiba também seca?

— Uhum. Ele fez duas rank A para pagar isso.

— Vou usar o teu dinheiro e comprar uma para gente.

— Fique à vontade.

Elas riram e Sakura soltou um ruido de dor.

— O que você tá sentindo? – A loira perguntou, de repente, mais urgente — A Hana cuidou de você ontem a noite, mas precisou ir por conta do filho. Ela deixou uns remédios para...

— Eu não quero tomar nenhum remédio – Sakura resmungou com um bico — Eu só preciso de um banho e água.

Sakura...

— Tá tudo bem, Ino. De verdade. Eu não quero tomar mais nada. – Disse mais séria — E preciso me desculpar com a Hana mais tarde. Céus...

— Precisa mesmo. A coitada tava tão agoniada... O Kiba nem conseguiu assistir.

— Onde ele tá?

— Lá fora.

Sakura concordou com a cabeça e Ino não fez tentou pará-la quando ela se levantou cambaleante. Fraca demais, mas teimosa demais. A viu cambalear brevemente, dando passos pequenos pelo quarto largo até sumir pela porta, então suspirou olhando pela janela do quarto o sol aparecer naquele céu tão claro. Fechou os olhos sentindo os raios de sol atingirem seu rosto e sorriu.

Ia ficar tudo bem...

Continuou andando pela casa, passando pela porta dos fundos para chegar naquele quintal enorme. Kiba morava perto dos muros, e o terreno da casa era grande o suficiente para que treinasse dez cães de sua só vez, no entanto, em meio ao orvalho da grama baixa, o homem estava sentado perto de uma árvore encarando o horizonte a sua frente.

Sakura parou por um momento, vendo a cena pacifica lhe soar melancólica. O vento soprou morno e ela fechou os olhos com uma sensação tão nova em sua pele, como se nunca tivesse sentindo uma brisa na vida. Inspirou o cheiro gostoso que vinha de algum lugar e então abriu seus olhos para ver os cabelos escuros balançarem com o vento fraco. Ela se aproximou com passos calmos e agachou-se ao lado dele em silêncio.

Não disseram uma palavra. Kiba atirou uma pedrinha minúscula na direção de um arbusto maltratado e Sakura finalmente olhou para o seu rosto, que parecia tão cansado com as pesadas olheiras sustentadas em sua face. Deixou o olhar cair quando ele não a olhou de volta, tão sério que mal parecia o Kiba que conhecia. Ele atirou outra pedra depois de um momento, e então, quando Sakura menos esperou, o homem passou um braço sobre seus ombros, puxando-a para perto.

Nem sabia que ainda tinha lágrimas para chorar, mas ali estavam elas brotando novamente quando a cabeça dele encostou na dela.

— Eu to puto contigo. – Ele disse naquela voz contida, grave demais para o cachorrão que andava rindo de tudo, e Sakura pôde apenas confirmar com a cabeça, incapaz de dizer qualquer coisa — Eu tô com tanta raiva, Sakura.

— Eu vou tomar jeito. — Sakura respondeu deixando sua mão se agarrar a roupa dele enquanto sentia o aperto dele em seu braço, tão firme, tão solido.

— É melhor você tá falando bem sério. Droga, Sakura... Droga! – O homem praguejou de repente, numa explosão honesta de preocupação e alívio, virando-se em fim para olhá-la com as írises de fenda que faziam jus a sua linhagem. Os olhos se encontraram profundos em reflexo de duas pessoas tão diferentes que de alguma forma se encontraram — Para de fazer merda!

E então ele a abraçou do jeito certo, fazendo-a sentir todo o alívio de seu coração e a inquietude das últimas horas se dissipando. Ela fechou os olhos num misto de vergonha e agradecimento, deixando que Kiba tivesse o tempo que precisava para entender que agora, de verdade, ela iria tomar jeito na vida. Ela tinha que ter fé nela mesma assim como os outros tinham nela.

Não saiba quanto tempo ficou naquele abraço, mas quando ele se desfez, Kiba parecia um pouco melhor. Ele esfregou o nariz com as costas da mão antes de simplesmente se levantar erguendo Sakura consigo. A mulher soltou um ruído de surpresa se agarrando no pescoço dele enquanto o homem iniciava uma caminhada na direção da casa.

— Você tá fedendo – Ele disse com os olhos focados a sua frente — Vou te jogar no chuveiro antes que meu nariz caia.

— Deve ser sua boca de bafo que tá aí logo abaixo do seu nariz.

— Olha quem fala, bafo de vômito.

Ela começou a rir quando ele a olhou divertido, cruzando a porta com ela nos braços para encontrar Ino na cozinha torcendo o nariz para tudo o que ele tinha na geladeira.

— Não tem nada saudável pra comer nessa casa? – A loira reclamou virando-se para ver a cena — Eu devo perguntar?

— A bafo de vômito vai tomar banho. – Kiba respondeu dando os ombros, seu humor parecendo retornar — E pra comer, de saudável, tem...

— Se você disser leitinho quente eu vou apagar você por três dias. – Ino alertou colocando a mão na cintura numa pose de desafio — Agora, o que você ia dizendo?

— Tem... chá.

Sakura gargalhou nos braços de Kiba diante do sorriso satisfeito que a loira lançou em vitória, e tudo tinha uma sensação nova de renovação, como se finalmente, depois de muito tempo, estivesse não mais à deriva.

.

.

.

O sol tinha acabado de sair detrás das árvores e o calor reconfortante da manhã suave atingia suas peles. Rin estava sentada numa pedra mais larga enquanto que Kakashi estava com a bunda na grama logo ao seu lado falando sobre o jeito certo de temperar um peixe. Ele era todo metódico e gesticulava pouco em sua fala num reflexo de sua personalidade discreta. A voz dele era meio grossa, e ela gostava de como ele sempre parecia se empolgar quando falava de comida, por isso sempre lhe pedia dicas culinárias.

Kakashi amava cozinhar.

Ela sabia disso desde mais nova quando esbarrava com ele no mercado. Lembrava dele às vezes sozinho, às vezes acompanhado de Naruto-sensei ou do outro cara mais velho, o tal do Yamato, ou Tenzō-senpai, como Kakashi chamava, e toda vez que essas memórias lhe invadiam, era Kakashi quem estava escolhendo o alimento com um cuidado em excesso. Parecia tão fanático em ter certeza da qualidade do que estava comendo que Rin se sentia meio boba com a expressão dele.

Tudo bem que ele sempre estava de máscara, mas os olhos de Kakashi eram reveladores e ela havia aprendido a reconhecer os sinais de seu olhar, que tinha um charme contido, quase como se guardasse mil segredos, mas ao mesmo tempo tão.. blasé. Kakashi sustentava uma dualidade estranha, como se uma hora fosse um adolescente metido e na outra fosse um alguém muito mais... mais.

E ela adorava todas as facetas dele, até as que não conhecia.

Pena que, aparentemente, ele não gostava dela como ela gostava. Podiam formar um belo casal na mais honesta opinião que tinha, mas Kakashi era meio alheio a relacionamentos. Não era só ela que gostava dele, mesmo assim, Kakashi nunca parecia notar os olhares que recebia, nem as tentativas de aproximação. Talvez fosse gay, Kurenai lhe disse outro dia dando os ombros, completando com Sempre tá com o Gai por aí... Mas não é porque um rapaz tem um grande amigo que eles são gays.

Né?

Rin sempre chegava cedo nos treinos porque sabia que Kakashi também chegava, e era uma oportunidade para ficarem juntos com um pouco de privacidade. Conversavam sobre comida, sobre os amigos, as missões e algum mangá em comum que acompanhavam. Naquele momento, falavam de Asuma, que não dava notícias desde que tinha se unido aos Doze Guardiões Ninja, um grupo que servia diretamente ao Daimyō do Fogo. Kurenai estava preocupada com o crush que não pisava na vila a meses, mas ninguém podia fazer nada desde que o grupo não respondia ao Hokage.

— Desculpa, desculpa!!

Viraram as cabeças na direção do ninja mais atrapalhado da folha e Rin se permitiu rir quando viu Kakashi bufar. Uma hora de atraso era algo normal para Obito, mas três horas era quase uma afronta.

— É por isso que você só atrapalha nas missões!

— Oe, Bakashi!! Eu tava tirando um gato de uma árvore!

— Certo. Eu era o gato.

— Eu tô falando a verdade!!!

— Meninos, a essa hora da manhã não né? – Rin choramingou quando Kakashi pareceu estar disposto a responder. — Vamos só começar o treino??

Kakashi revirou os olhos com exagero, freando seus impulsos de acusar o outro por conta de Rin, que sempre parecia numa saia justa entre eles. Custava acordar cedo????

— Tá – Resmungou com empáfia, puxando a camisa pela cabeça para ficar vestido apenas naquela malha negra que se ligava à sua máscara. — Vamos tornar esse seu sharingan algo útil.

Esse Kakashi... – Obito resmungou se livrando do casaco azul.

— Que tal um treino com shurikens e bomba de fumaça? – Rin sugeriu enfiando a mão na bolsa traseira para verificar se tinha trazido o pergaminho com múltiplas shurikens.

— Ótima ideia, assim quando o idiota se ferir, você vai ter alguém em quem treinar seu ninjutsu médico.

Obito gritou um xingamento e, de repente, os dois estavam lutando feito loucos. Rin suspirou com um dar de ombros cansado, porque não adiantava nada combinar um treino com os dois se eles sempre acabavam lutando aleatoriamente até cansarem. A batalha daquele dia nem foi tão longa quanto esperava, e Kakashi saiu vitorioso mais uma vez, mas pudera, seu companheiro de time de cabelos prateados era cotado para jounin desde os treze, então era de se esperar que suas habilidades estivessem muito além das de Obito.

E assim, Rin acabou tratando de hematomas simples, mas que poderiam marcar a pele do garoto de cabelo escuro por tempo demais, enquanto Kakashi sentou novamente, com as penas abertas, enquanto lia aquele a edição nova daquele mangá de comédia. Depois de um momento, Obito e Kakashi estavam conversando como se fossem entusiastas, formulando teorias sobre os poderes misteriosos do Deus Shinobi, e por quê? Rin não sabia dizer, já que obviamente ele era inspirado em Senju Hashirama, e provavelmente teria mokuton como seu arsenal principal.

Mas ela não disse nada, deixando que eles confraternizassem num raro momento de paz em seu time. O tempo passou e quando percebeu, já era hora de voltar para casa. Rin se despediu dos outros dois deixando que eles voltassem sozinhos pela trilha, afinal, o caminho dela a levaria direto para o hospital, onde ajudaria seus senpais com alguns procedimentos enquanto aprendia mais sobre o ofício médico.

Uma vez sem Rin, Kakashi e Obito se tornavam muito mais amigáveis um com o outro, porque na opinião de Kakashi, Obito ficava menos lesado quando estava longe de Rin, e na opinião de Obito, Kakashi ficava menos exibido quando Rin ia embora.

Vai saber.

— Oe, Kakashi – O Uchiha começou enquanto amarrava o casaco na cintura — Sabe a intrusa de cabelo rosa do treino do outro dia?

— O que tem ela?

— Eu descobri umas coisas interessantes sobre a falsa Inuzuka – Ele deu uma risadinha, como se estivesse prestes a revelar todos os segredos descobertos depois de uma longa investigação, quando na verdade, tudo o que sabia vinha da boca de sua vó.

— Deixa eu adivinhar: Ela não tá atrás do seu sharingan.

— Vai te catar! Eu tô falando algo sério! Parece que essa mulher é muito mais do que aparenta! Ela morou uns anos lá no distrito com o Shisui, um cara foda do meu clã! Ela não é qualquer uma! O Shisui não ficaria com qualquer uma!

É claro que ela não é qualquer uma.

— O que você disse? Eu não ouvi.

— Eu pedi pra você falar um pouco mais sobre esse tal de Shisui.

.

.

.

 


Notas Finais


E aí? Gostaram?

Agora sim a fic vai começar.
CONTINUEM COMIGO!
O PRÓXIMO CAPÍTULO VEM COM MUITO PAPO, MAS É NOS PAPO QUE A GENTE DESCOBRE AS COISAS <3


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