Eu e Cora nos conhecemos ainda muito jovens. Estudamos no mesmo internato católico na adolescência e criamos uma forte amizade, foi dali que nasceu o nosso amor. Considerado por muitos um pecado horroroso, mas que para a gente era uma forma celestial de nos conectarmos.
Entre encontros escondidos e beijos roubados, foi assim que vivemos durante muitos anos. Eu sabia, categoricamente, que nunca amaria alguém como amo até hoje Cora Mills. Quando chegamos a maioridade, nossas famílias começaram a nos pressionar para um casamento. Afinal, moças ricas deveriam se casar com homens ricos.
Dessa forma eu fui apresentada a David Swan, um jovem empresário que vinha fazendo seu nome no ramo imobiliário. Meus pais imediatamente acharam que David seria um excelente marido, e num intervalo de apenas um ano estávamos casados. O mesmo aconteceu com Cora naquela época, ela foi apresentada a Henry Buckley e eles logo se casaram.
Apesar de casadas e morando em diferentes estados, continuamos o nosso caso de amor secreto. Conscientes de que nunca seriamos aceitas por nossas famílias, esse foi o único modo que havíamos encontrado de permanecer juntas. Era desleal e sujo, mas eu faria tudo de novo para que não precisássemos nos separar.
Até dois anos atrás tudo estava correndo perfeitamente bem, de certa forma. Cora tinha me confidenciado meses antes que sua filha mais nova, Regina, estava grávida. Ela era só uma adolescente, e minha amada sabia que aquilo iria arruinar a vida da menina. Ela então fez de tudo para esconder a gravidez e evitar um escândalo, e quando o bebe estava prestes a nascer Cora pediu que eu levasse a criança até um orfanato em Nova York, pois dessa forma nada poderia ligar o bebe até a familia Buckley. Concordei de imediato, afinal era Cora quem estava pedindo, e convenci David a me ajudar.
Era uma quinta feira nublada quando desembarcamos em Nova York, Cora informou que Regina já estava no hospital em trabalho de parto, então fomos direto para lá com um carro alugado. O hospital não era muito longe, e o transito não era muito naquele horario do dia, então em poucos minutos nós chegamos. Perguntei a uma enfermeira onde estava a familia Buckley e ela me informou que Regina já estava no centro cirúrgico tendo o bebe, nos apontou a direção da sala de espera e eu sai na frente de meu marido.
Cora estava sentada em um dos bancos, a cabeça apoiada nos joelhos e pequenas lagrimas escapando de seus olhos. Minha vontade era abraça-la imediatamente e fazer o possível para aquela dor sumir, mas meu marido no vigiava atentamente. Eu achava que ele estava desconfiado de nós já algum tempo, mas nada disso sobre isso. Me aproximei dela e sentei ao seu lado, levando uma mão acolhedora até seu ombro e deixando que ela se encostasse em mim.
Aquela foi a única vez que eu vi Cora chorar. Ela sempre tinha uma postura impenetrável, como se nada pudesse atingi-la, mas naquele dia estava tao frágil como sua filha adolescente deveria estar. A abracei e deixei que suas lagrimas manchassem minha camisa de seda, não me importei de estar arruinando uma roupa de grife, aquele era o último dos meus problemas no momento. Passamos um longo tempo abraçadas, David tinha saído para tomar um café, o que nos deu um tempo sozinhas longe de seus olhares censuradores. Seus soluços ainda eram baixos, mas eu os escutava atentamente, passando as mãos em suas costas num gesto acolhedor.
— Ela é tao nova... Minha menina... – Cora resmungou.
— Regina é forte, vai superar isso. – Falei tentando passa confiança, mas era obvio que eu não tinha certeza do que estava falando.
— Ela vai me odiar. – Colocou as mãos no rosto e voltou a chorar. Eu sabia que ela estava se referindo a adoção do bebe, e era bem provável que Regina a odiasse, mas ainda assim era o melhor a ser feito.
— Ela vai compreender com o tempo. – Retirei suas mãos no rosto com delicadeza, mirei seus olhos castanhos inchados e limpei as lagrimas, em seguida depositei um beijo em sua boca. – Vai ficar tudo bem.
— Voce tem tudo organizado?
— Sim, não se preocupe com absolutamente nada. Estou com os papéis da agencia de adoção, e assim que o bebe nascer eu e David vamos leva-lo de carro. – Senti sua mão apertando a minha com força, ela me deu um sorriso tranquilo e aliviado.
— Obrigada por fazer tudo isso.
— Não tem problema, meu amor. Eu faria qualquer coisa por voce, sabe disso. – A puxei ainda mais para meus braços, juntando nossas bocas num beijo cheio de saudade. Senti seus dedos entrelaçando nos meus cabelos curtos, mergulhando ainda mais sua boca na minha. Nossas línguas se enroscaram uma na outra. Levei minhas mãos até sua cintura fina e apertei. Cora estava tremendo, não sei se de frio ou da adrenalina de estarmos nos beijando onde qualquer um poderia ver, mas eu não me intimidei.
Estava com tanta saudade dela que me perdi naquele momento. Me perdi tanto que não escutei o barulho de copo caindo no chão e café sendo esparramado pelo piso encerado. Cora deu um salto com o susto e olhou para a entrada, seus olhos se arregalaram e sua boca travou. Olhei para trás e vi David, meu marido, parado boquiaberto nos encarando. Meu corpo pareceu ter congelado, não consegui nem me mover e nem dizer nada. Apenas o encarei de volta com uma expressão de panico.
— David... – Disse depois de vários minutos me silencio, mas meu marido apenas me deus as costas e saiu em passos largos. Olhei para Cora e ela fez um gesto com a mão, me mandando segui-lo. Sai apressada atrás dele, mas David já estava dobrando no corredor. – David, espera! Eu posso explicar!
Usei a famosa frase clichê, mas o que havia mesmo para explicar? Que eu estava o traindo durante todo o nosso casamento? Que Cora era e sempre foi o grande amor da minha vida? Que eu não me arrependia nem sequer um segundo de tudo que havia feito? Porque era exatamente assim que eu me sentia.
Enquanto eu corria atrás de meu marido, uma ideia louca me ocorreu. E se essa fosse a chance que Cora e eu esperamos para ser felizes? Nossas vidas inteiras foram mentiras, casamos apenas para agradar nossas famílias, mas o marido dela estava morto e o meu nos pegado no flagra. Talvez o destino estivesse sorrindo e dizendo “pare de ir atrás dele e volte para ela”. Mas mesmo cada fibra de meu corpo gritando para que eu desse meia volta, continuei em frente. Pensei em Emma, Elsa e Graham. Pensei em meus filhos e no que eles pensariam de mim caso soubessem dessa traição. Cora estava disposta a tudo para proteger Regina, e eu faria o mesmo pelos meus filhos, mesmo que custasse a minha felicidade.
Alcancei David e o puxei pelo braço, ele tinha lagrimas descendo por seus olhos esverdeados. Aquele dia estava mesmo cheio de choro. Tentei abraça-lo, mas o mesmo me repeliu, como se sentisse nojo de mim.
— Me perdoe... – Sussurrei, mas sabia que David jamais me perdoaria.
— Quanto tempo? – Ele perguntou.
— David, por favor. Vamos conversar sobre isso numa outra hora. Sei que voce deve odiar nós duas nesse momento, mas Regina também precisa de nossa ajuda.
— Eu vou ajudar, mas não por voce e nem por... aquela mulher. Mas sim porque tem uma adolescente que precisa de todo o suporte nesse momento. Porque se fosse uma de minhas filhas nessa situação, eu iria querer que alguém as ajudasse. – Ele disse tudo num tom raivoso e saiu pisando firme de volta para a sala de espera.
Nos sentamos os tres em lados opostos da sala. Fiquei quieta num canto fingindo folhear uma revista de moda, mas na verdade eu estava espiando Cora de um lado da sala e David encostado numa pilastra do lado oposto. Uma hora de silencio mortal tinha se passado quando uma enfermeira adentrou o local e nos informou que Regina já estava no quarto com o bebe.
Fomos os tres em direção ao quarto, mas apenas eu e Cora entramos. Regina sorriu e segurava o pequeno em seus braços. Ela ainda estava meio desajeitada, mas tomava todo o cuidado possível. Percebi naquele momento que ela daria uma ótima mae, se fosse mais velha não teria problema nenhum.
— Mamãe, Tia Mary. Olhem como ele é lindo. – Regina disse apontando para o pacotinho embrulhado em vários cobertores. Ela tinha essa mania de me chamar de tia, mesmo que não fossemos parentes. Se devia ao fato das minhas viagens constantes até sua casa e de eu ter acompanho sua infância toda. Ela era uma parte de Cora, e eu também amava aquela menina.
— Sim, Regina. Ele é lindo. – Respondi. Cora nada disse, apenas fungou baixinho e segurou uma lágrima.
— Quero chama-lo de Henry, igual a papai. – Ela sorria olhando para o menino. Comecei a sentir pena, ela não fazia ideia do que viria a seguir.
— Minha filha, precisamos conversar. – Cora se aproximou da cama, passou os dedos no rosto da filha e sorriu. – Voce é tao jovem.
— Por favor, mamãe. Eu sei que voce não está feliz com isso, mas eu prometo que vou tomar conta dele. Eu vou dar banho, alimentar, educar e ser a melhor mae do mundo para o Henry. Eu prometo mamãe, só não me separe dele. – Regina choramingou, implorando para a mae que a permitisse ficar com o filho. Me virei de costas e respirei fundo, aquilo tudo era tristeza demais para aguentar. E olha que eu era apenas uma expectadora, não podia fazer ideia do que Cora ou Regina estavam sentindo naquele momento.
— Voce sabe que eu não posso fazer isso. – Escutei Cora falar, me virei mais uma vez e encarei as duas. – Eu sou sua mae e devo fazer o que é melhor para ti, e nesse momento não é uma criança.
— Mamãe... – Regina disse uma última vez, mas Cora já tinha tomado a criança e deus braços e me entregou. Peguei o menino com cuidado, apoiando sua cabeça em meu braço esquerdo, enquanto o direito dava suporte as suas costas. Olhei mais uma vez para Regina e seu rosto estava banhado em lagrimas. Cora a agarrou e a segurou na cama, pois a menina estava determinada a se levantar e vir atrás da criança. – Por favor tia, não deixa ela tirar meu filho. Por favor, por favor, por favor.
Ainda pude ouvir os gritos de Regina implorando para que eu voltasse com seu filho quando cheguei ao fim do corredor. Uma sensação de mal-estar se apossou do meu corpo, fazendo com que eu cambaleasse e me encostasse na parede. David se aproximou e pegou o pequeno Henry nos braços.
— Está tudo certo com os médicos? – Perguntou.
— Sim, Cora já deixou tudo acertado. Só temos que leva-lo até a agencia de adoção. – David começou a caminhar com Henry em seu colo, eu apenas o segui e deixei que tomasse comando da situação. Um milhão de coisas tinha acontecido naquele dia. Eu iria apenas fazer um favor para Cora de levar o menino embora de vez, mas minha vida acabou dando uma reviravolta inesperada. Chegamos até o carro, ajudei David a ajeitar Henry numa pequena cadeira de bebe que havia sido instalada quando alugamos o carro, sentei no banco do passageiro e esperei meu marido dar partida. – Obrigada por ainda concordar em fazer isso.
— Como eu disse não é por voce e muito menos por Cora. – Meu marido deu partida no carro e saímos do hospital. Mais uma vez nos encontramos naquele silencio constrangedor.
— O que voce quer saber? – Perguntei baixinho. Olhei para o banco de trás e Henry ressonava dormindo, uma touca branca protegia sua cabeça junto com os cobertores que o livravam do frio. Era um bebe lindo.
— Quando foi que começou? – David perguntou com uma falsa calma, eu sabia que por dentro ele estava explodindo de raiva.
— Isso é mesmo necessário?
— Quando começou, Mary? – Ele gritou batendo a mão no volante.
— Fale baixo. – O repreendi e em seguida chequei Henry que ainda dormia tranquilamente. – Desde muito antes de eu te conhecer.
— Então nosso casamento inteiro voce me traiu? Eu sempre fui o corno da história? – Ele me olhou com raiva.
— Voce bem sabe que nosso casamento foi uma farsa arquitetada pelos nossos pais, uma transação de negócios. – Respondi tranquilamente. Era melhor contar a verdade de uma vez e depois começar a reparar os danos.
— É isso que pensa dos nossos filhos também?
— Não meta Emma, Elsa e Graham no meio disso, eles são a única alegria durante esses anos que estivemos juntos. – Agora eu havia me irritado mesmo. Ele poderia xingar, humilhar e dizer o que quisesse sobre mim, mas que não metesse meus filhos no meio.
— Voce é uma vadia. – David acelerou o carro acima do que era permitido naquela avenida da cidade embora estivesse praticamente vazia devido ao anoitecer ainda assim era perigoso.
— Bem, voce se casou com essa vadia. O que isso diz a seu respeito então? E dirija com cuidado, não estou afim de morrer hoje. – Revirei os olhos, mas meu marido ignorou meu aviso acelerando o carro mais ainda. O sinal de transito a nossa frente piscava em vermelho, avisando que deveríamos parar. David ignorou aquele aviso e acelerou mais um pouco, no segundo em que passamos o semáforo um caminhão em alta velocidade se chocou com o lado esquerdo do carro nos fazendo rodopiar na rua. Eu apaguei logo em seguida.
Acordei depois com uma forte dor de cabeça, abri os olhos devagar focalizei onde estava. Um quarto de hospital com as paredes brancas, uma pequena televisão acoplada na parede e várias maquinas hospitalares ao meu lado. Pisquei mais algumas vezes, tinha um intravenoso na minha veia depositando o que parecia ser soro, um curativo na cabeça e alguns arranhões nos braços. Parecia que eu tinha saído muito bem daquele acidente.
— Finalmente. – Uma voz rouca, mas ainda assim fraquejada se fez presente. Olhei para o lado e encontrei Cora estava sentada numa poltrona, um pequeno sorriso em seus lábios. – Como se sente?
— Como se acabasse de sair de um acidente. – Brinquei. Ela também riu e se aproximou de mim, segurando minha mão. – O que aconteceu?
— Voce e David sofreram um acidente a alguns dias. Voce só teve alguns ferimentos, mas David... – A olhei com apreensão, esperando que completasse a frase. – Sinto muito, querida. Ele não sobreviveu.
Engoli em seco, senti como se meu coração estivesse encolhendo. David era um bom homem e um excelente pai. Eu podia não ama-lo como merecia, mas certamente não lhe desejava mal nenhum.
— E Henry? Regina? – Perguntei ansiando para mudar de assunto. Se continuasse a falar de David provavelmente derramaria algumas lagrimas.
— Henry está bem, ele surpreendentemente não sofreu nada com o acidente. Eu decidi mante-lo por perto. – Estranhei aquela decisão na mesma hora. Cora estava decidida a mandar o menino para adoção o mais rápido possível, e alguns dias tinha sido o suficiente para faze-la mudar de ideia?
— O que aconteceu? Eu sei que voce não mudaria de ideia assim tao facil. – Assim que perguntei uma lagrima desceu por sua bochecha, mas ela logo tratou de limpa-la.
— Minha filha fugiu. – Cora sussurrou. – Ela disse que me odiava e nunca me perdoaria, depois fugiu do hospital com apenas a roupa do corpo. No fim das constas eu estava certa, Regina me odeia. Talvez com Henry por perto eu tenha um pedacinho dela comigo.
Uma coisa que voces precisam saber sobre Cora Mills Buckley é que ela é uma mulher de aço, mas isso não a impede de ter emoções. Elas só são muito bem escondidas. Eu sabia que Regina era seu bem mais precioso, e perde-la dessa forma devia ser o golpe mais forte que minha amante já tomou. Puxei ela para mais um abraço, aquela semana tinha se tornado um inferno para nós duas.
— Sua filha está aí. Emma. – Ela disse depois que nós duas nos recuperamos. – Me desculpe, mas eu contei a verdade para ela. Acho que a menina merecia isso depois de perder o pai desse jeito.
— Tudo bem, eu sei ligar com a minha primogênita. – Nos despedimos e Cora saiu do quarto. Não demorou muito e uma cabeleira loira com um par de olhos verdes entrou. Emma era tao parecida com David, em todos os aspectos. Tanto sua aparência quanto sua personalidade teimosa eram completamente puxadas para o lado paterno da familia. Isso a tornava quase impossível de controlar, mas eu havia conseguida manejar perfeitamente bem durante quase sua vida toda. Só não sei se isso seria suficiente naquele momento.
— Voce é uma mentirosa e uma assassina. – Emma falou. Seu tom era baixo, mas carregado de raiva.
— Emma, fale direito comigo. Eu ainda sou a sua mae.
— Eu não me importo. – Emma se aproximou da cama e pegou no meu pulso. – Nós vamos embora hoje à noite, mae. E se algum dia voce ousar falar com aquela mulher novamente, eu vou tirar tudo de voce. A empresa, sua casa, meus irmãos. Eu vou fazer todos ficarem contra voce, entendeu? Voce não respeitou meu pai em vida, mas vai respeita-lo em morte.
Ela saiu do quarto logo depois de dizer isso. Eu sabia que estaria com raiva e que me odiaria naquele instante. Emma precisava de tempo para se recuperar de tudo o que havia acontecido, e tempo eu daria a ela. Mesmo minha filha me ameaçando, eu sabia que aquilo foi só o calor do momento. Uma mae nunca desiste de sua cria, eu não desistiria da minha.
Dois anos depois e a memória daquela semana ainda assombrava a minha familia. Elsa e Graham não sabiam de toda a verdade, apenas que seu pai sofreram um acidente e falecerá. Emma ainda se ressentia de mim, mas isso não a impediu de correr ao meu encontro e chorar os dramas de seu casamento. Que surpresa eu tive quando escutava a história de sua traição e liguei o nome da prostituta com a filha de minha amante. Era uma tremenda coincidência, e como toda boa cética eu não acreditava em coincidências. Sabia que Regina era ainda aquela garota frágil e inocente fazendo papel de gente grande. Eu não sabia qual era seu grande plano, mas não podia ser acaso o fato de que tinha se envolvido com Emma.
Não contei a minha filha esse pequeno detalhe. Deixei que ela ficasse de luto pelo fim de seu casamento com Zelena e a rejeição de Regina. Mas aquilo teria de ser investigado. Uma garota procurando vingança poderia ser algo muito perigoso.
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