1. Spirit Fanfics >
  2. Notas Amarelas >
  3. Encontros (des)agradáveis

História Notas Amarelas - Encontros (des)agradáveis


Escrita por: VickdeNariz

Notas do Autor


Adivinhem qm apareceu depois de duas sema... tá, parei
Demorou, mas chegou mais um cap (o primeiro do ano), e isso graças ao meu querido papi q jogou a conta da internet fora e me deixou sem wifi por 4 longos e agonizantes dias, oq me poupou de distrações pra escrever :)
Sem mais delongas, espero q aproveitem bastante esse cap pq vcs já sabem, né? Cronograma de postagem da autora é uma bagunça

Boa leitura

Capítulo 4 - Encontros (des)agradáveis


Fanfic / Fanfiction Notas Amarelas - Encontros (des)agradáveis

Não muito antigamente, após os vizinhos Patterson terminarem de se instalar na vizinhança e Sophia ter um primeiro contato desconfortável com a filha dos Coleman, os pais criaram um dia especial para que ambas não tivessem somente séries de brigas e gritos escandalosos. Semana sim, semana não, toda sexta-feira era focada na diversão entre as famílias e na variedade de "porcarias". Primeiro na casa de Alice e depois na de Sophia, seguindo nessa ordem desde então, quando menos perceberam, as duas se encontravam menos brigadas e mais animadamente próximas para comentar da sexta que se aproximava, quando jogariam jogos de tabuleiro até tarde e comeriam a ponto de quase – ou realmente – vomitar.

Contudo, havia uma condição: "se brigarmos alguma vez, na próxima sexta teremos xadrez"; algo totalmente entediante.

Depois de anos, as duas lembravam daquele tempo com uma nostalgia esquisita, em parte porque brigar se tornou algo extremamente raro e estranho, e em parte porque tudo que se tornaram havia sido com base em uma amizade forçada entre crianças com interesses em comum. De qualquer forma, não havia do quê reclamar daquilo que se tornaram; o importante naquele momento, longe dos pais e do sentimento de "obrigação", era a "anulação" daquele juramento de criança: podiam comer o que quisessem estivessem brigadas ou não, e dane-se aquela ser uma segunda-feira.

Com as mãos ansiosas para abrir a caixa quente de pizza, Sophia chegou a saltitar de animação enquanto avisava do jantar, quase derrubando-o ao bater o pé no sofá. Sua única reação foi soltar um grito e segurar a caixa com firmeza para não cair, e Alice, quem viu a cena ao sair da cozinha abraçada a uma garrafa de refrigerante e dois copos entre os dedos, também acabou gritando de surpresa.

— Porra, Sophi! Eu quero uma pizza em bom estado depois de desfazer as malas!

— Se calar a boca a pizza vai ter o mesmo gosto.

Alice emitiu um som de desagrado com a resposta, mas preferiu o silêncio enquanto a ruiva voltava ao mal-humor que vinha apresentando desde o término das aulas.

As duas continuaram afastadas até colocarem tudo na pequena mesa de centro e se acomodarem no sofá, Alice com a tarefa de servir o refrigerante e Sophia de espalhar o ketchup e separar as fatias. Depois de tudo pronto, ainda tiraram o que pareceu um minuto para admirar a modesta "mesa de jantar", e então, passado o momento de orgulho pela primeira refeição independente, serviram-se.

Gemidos satisfeitos escaparam ao provarem da comida e elas trocaram um olhar cúmplice, felizes por finalmente poderem escolher quando dedicariam a refeição às porcarias que seus pais faziam vista grossa de permitir.

Sophia ainda permaneceu calada alguns minutos durante suas mordidas, provavelmente irritada, pensativa, ou talvez ambos, Alice imaginava. Somente no final da primeira fatia sua boca abriu-se para algo que não fosse comer ou grosseria:

— Eu vou engordar muito se morar com você. Você é uma péssima influência — reclamou de boca cheia, conseguindo um riso por isso, mas principalmente por seu rosto sujo de ketchup e a expressão mais leve, com os olhos brilhando de satisfação.

— Podemos pedir yakisoba de vegetais ou fazer um lanche com frutas na próxima vez. — Alice sugeriu, vendo-a acenar positivamente com a cabeça.

— Pode ser.

Alguns segundos de incômodo silêncio, esperando algo mais a ser dito, Alice finalmente cedeu:

— Quando vai me contar o porquê de estar irritada desde que voltamos para casa?

— Não acho que isso vá te interessar. Essa seria a segunda vez em vinte e quatro horas que te conto alguma merda que aconteceu comigo, e estou começando a achar que vou passar o resto do ano na merda. — Deu de ombros. — Conta você do seu dia.

— Suas histórias são mil vezes mais interessantes que as minhas, então sim, me interessa.

— Imaginei que diria isso.

Os olhos lilases encararam o teto por um momento, divagando por onde começar. De repente a pizza ficou com um gosto estranho de queimado, e a ruiva teve de beber um pouco de refrigerante para molhar a garganta antes de responder:

— Fizemos um exercício em sala para nos conhecermos e tal, a professora é legal e respondeu um monte de perguntas pessoais. Disse que é bom termos alguma intimidade. Só foi uma pena me encontrar com a Harumi e o Jackson depois da aula.

A tosse engasgada que veio em seguida era no mínimo merecida, Sophia pensava, abrindo um sorriso irônico ao ver o desespero de Alice em se esticar até o copo de refrigerante sobre a mesa.

A ruiva deu fim ao espaço entre suas costas e a almofada do sofá. Começou contando pelo momento que conheceu alguém tão louco por cinema quanto ela – e por incrível que pareça, pois sua sala era composta principalmente por rapazes, não era um garoto.

— Parecia que estávamos em uma roda de apoio emocional, com todo mundo contando o motivo de estarmos ali, nossos sonhos e medos. Fiquei surpresa por não ser a única a visitar a Broadway — contou, com as imagens vivas e brilhantes formando a sala de aula e o pequeno palco improvisado. — A Maddie diz querer fazer parte de histórias empolgantes, e eu super entendo ela. Quem não queria estudar em Hogwarts?

— Não discordo. — Riu.

— Ela é muito parecida comigo. Você já sabe o motivo de eu querer ser atriz.

Alice acenou com a cabeça, lembrando-se vagamente do rosto choroso da ruiva quando criança, mas lembrando principalmente da voz quebrada de Sophia quando contou sobre sua visita ao musical da Broadway com os pais, pouco antes do divórcio. Era uma das últimas lembranças felizes que a ruiva tinha com os dois e ela ainda se lembrava do quanto ficou encantada com a encenação e o ambiente lotado e silencioso em que estava, lembrava da poltrona macia e da sensação de ter suas curtas perninhas balançando ansiosamente na poltrona; mágico, encantador e nostálgico.

Na verdade, Alice desconfiava que não era por ser uma memória feliz que Sophia estudava encenação. Olhando o rosto falante da garota, Alice tinha um pouco mais de certeza de que embora nunca tenha o admitido para si mesma, fazer parte de outras histórias era melhor do que encarar a realidade.

— A professora fez um discurso todo sentimental, disse que não quer muitas intrigas entre alunos e que somos todos uma equipe de teatro, seja em palco ou atrás das cortinas. 

— Bem dramática — voltou a comentar, fingindo prestar total atenção na história.

— Ossos do ofício, minha cara — brincou, porém não tardou para sua expressão risonha se fechar em uma careta raivosa. — Mas agora vamos falar de quando eu te mandei mensagem para a gente almoçar juntas e você me abandonou.

— É esse o motivo de estar brava comigo?

Depois de respirar fundo para não extravasar sua raiva com o tom despreocupado da última frase, Sophi conseguiu prosseguir:

— Era para sermos eu, você e a Maddie no almoço, mas não, você não quis ir e eu acabei presa com a cobra japonesa amiga da Maddie.

Alice piscou, aturdida, com as engrenagens processando lentamente o significado daquelas palavras.

Meio surpresa e meio rindo, incrédula, disse:

— Se aconteceu o que estou pensando que aconteceu, ou você é muito azarada ou isso é um sinal do universo.

— Um sinal de que você é uma má amiga, só se for! Você sempre me abandona em situações constrangedoras — praguejou entredentes.

— Me desculpa por não prever suas vergonhas. Também lamento não ter visto seus encontros do destino com essa menina.

Um chute moderado na canela não bastou para que as risadas parassem.

— Saco, essa não é hora para você tentar me colocar para cima fazendo a situação parecer pior. Eu estou tensa, você não sabe o que aconteceu depois que nos encontramos! A Harumi foi uma verdadeira cobra fazendo indiretas na frente da Maddie sobre o nosso beijo. E me chamou de bipolar!

— Por que você não recusou o almoço? Era só inventar qualquer desculpa, você é expert nisso.

As sobrancelhas escuras da ruiva se franziram, seguidas de um movimento ofendido de mão, como se tivesse sido atingida por uma acusação totalmente fora de cogitação.

— Fiquei muito amiga da Maddie para recusar, ela não fez muitos amigos na aula. Já a Harumi, pra variar, me irritou até o fim, só esperou a Maddie virar as costas para falar mal de mim na minha cara. E ainda criticou o meu beijo! Quem diabos é a bipolar?

— O que ela disse? Ela gostou?

Sophia corou com a pergunta, sendo golpeada quase instantaneamente pela lembrança da discussão com Harumi pouco antes de Madison voltar:

"Não te conheço muito bem, mas deu para perceber que você é esquentada" dissera a japonesa num tom totalmente detestável.

"Você não sabe nada sobre mim", rebateu já completamente impaciente.

"Ah, eu não teria tanta certeza disso", continuou a asiática, chamando a atenção de Sophia ao se aproximar um passo. "Sei que você não gosta de mim, que ninguém te segura quando está bêbada e, não menos importante…" mais um passo largo. O coração da ruiva disparou pela proximidade. "...sei que beija bem, mesmo fora de si."

— Quem se importa se ela gostou? Eu não gostei.

— Queria saber por que sempre perco esses momentos de tensão sexual.

Sophia franziu as sobrancelhas com desgosto, prestes a dizer palavras feias, mas Alice foi mais rápida em continuar:

— E quando o Jackson apareceu?

— Na pior hora possível — bufou. — A Cobra Harumi estava me abraçando para me provocar e ele apareceu igual um idiota atrás dela.

Um idiota lindo, recordou pesarosa, quase esquecendo-se do silêncio gritante no momento em que se olharam; o louco e desesperador silêncio que preenchia o espaço que as palavras não puderam ocupar entre os três.

— Foi completamente desastroso, se quer saber. Tudo o que eu esperava e mais um pouco. Ele me viu em uma situação realmente estranha com aquela sádica.

— Foi só um abraço. Não é possível que ele veja isso como algo a mais.

— Um abraço depois de um beijo! Ahhh, você não entende mesmo! — queixou-se, conseguindo um olhar mais sério por isso. — Não é só o Jackson, todo mundo está com a ideia errada de mim.

Tão nervosa enquanto se inclinava para pegar mais uma fatia de pizza, não percebeu quando Alice moveu a perna até o assento e desviou o olhar para as bolhas do próprio refrigerante.

— Desculpa. Imagino que não entendo mesmo.

Sophia ergueu o olhar, confusa com seu tom de voz baixo, e não precisou de um minuto para ver a mágoa refletida nos seus olhos dourados.

— Eu não quis… desculpa. Não é como se você pudesse prever o que estava acontecendo naquela hora. Quer falar sobre seu dia agora? Legal visitar o Alex no hospital?

— Ugh, não quero falar sobre isso — grunhiu, usando uma mão para tapar parte do rosto.

— Foi tão ruim assim? — Riu.

— Muito.

Alice virou o restante do refrigerante de uma vez, apertando os olhos por conta do gás, mas se recompôs rapidamente e voltou a se esticar sobre a mesa, atrás de mais refrigerante. Enquanto isso, Sophia deu uma grande mordida na pizza, ansiosa, e se não fosse pelo quão distraída a loira se mostrava, jurava que se engasgaria se ela a olhasse naquele momento.

Ela vai surtar quando souber!

Ainda com o nervosismo à flor da pele, Sophia engoliu a pizza que tinha na boca e tomou um grande gole de refrigerante, como que tomando coragem para prosseguir. Quase lamentou não ter um copo da maldita bebida que a deixou louca de socar a japonesa; realmente precisava de um gole cheio daquilo.

— Precisamos conversar sobre a casa.

Direcionando os olhos amarelos para a ruiva, estranhou imediatamente as palavras e a anormal expressão séria que a outra mostrava, prova de que o assunto poderia ou não (dado seu histórico de dramas) ser sério. Ainda assim, mesmo sem paciência para mais uma tempestade em copo d'água àquela hora, torcia por mais um drama se isso significasse que não precisaria se preocupar com algo além dos dois rapazes que viu naquela manhã.

— O que tem a casa?

Sem nada dizer, Sophia se levantou e desapareceu escada acima, deixando uma Alice confusa e curiosa para trás. Tão logo subiu e seus passos voltaram a ecoar no andar de baixo, hesitantes enquanto rumavam de volta seu lugar no sofá, suas mãos ocupadas por um notebook que Alice não deixou de notar.

— Minha mãe mandou a cópia de um documento que assinou com meu tio quando herdaram a casa.

Sem entender direito, Alice aceitou hesitantemente o notebook que era estendido e começou a passar os olhos vagamente pelas palavras complicadas na tela; valor estipulado… bens materiais… metade…

— Na época que saiu o testamento, meu tio e minha mãe concordaram em dividir a casa usando um valor à parte, assim a casa continuaria na família e eles poderiam se ajudar financeiramente quando precisassem. Era como se fizessem empréstimos entre si…

— Não entendo muito, mas podemos perder a casa? — Alice a interrompeu, com a voz engasgada de medo.

— Visto se uma das partes apresentar urgência financeira — leu, apontando o segundo parágrafo na tela. — Minha mãe me explicou que foi um acordo que fizeram para se proteger. Sabe como são os irmãos, brigam até pelo controle da tv.

— Podemos perder a casa — repetiu preocupada, segurando a vontade de estapear a cara risonha da ruiva por sua própria piada. — Você não disse que a casa era sua?!

— Sim e não, tecnicamente a metade é do meu tio. Minha mãe não pensou que meu tio fosse pedir a parte dele, porque da última vez ele começou um negócio no exterior e não falou mais nada, mas depois de anos ele está com alguns problemas financeiros.

No instante em que Sophia terminou de falar, Alice sentiu o chão se abrir sob seus pés, como se um grande peso fosse jogado sobre si de tal forma que o afundasse. Parecia que todas as suas promessas direcionadas ao pai pouco antes da mudança fossem esmagadas, desde a parte de aparar a grama, até a de consertar o portão quando ele fosse visitá-la, pois era esse o trato por desistir do quarto individual no dormitório do campus: mostrar que podia administrar a própria casa. Mas a pergunta agora era: que casa?

Quando Alice menos percebeu, a ideia de sua privacidade e liberdade começaram a se distanciar, tomadas pelo medo da obrigação de se alojar no dormitório da universidade, partilhando o quarto com três garotas estranhas e indo para o quarto pontualmente às dez da noite. 

E os seus olhos! O que faria para escondê-los depois da venda da casa?

— É apenas uma possibilidade que ele peça a casa. — Sophia rapidamente completou para acalmar a garota, abanando as mãos sujas de pizza. — Mas achei melhor nos prepararmos. Não sei o que acontece dentro das empresas que de repente elas estão falindo e dispensando funcionários.

— O quê faremos então? — finalmente conseguiu perguntar depois de respirar fundo, com suas unhas curtas batucando nervosamente a lateral do eletrônico. — Já não devem ter apartamentos para alugar perto da universidade. Vamos acabar na rua.

— Temos duas opções: alugar um quarto no dormitório ou comprar a outra metade da casa.

Alice riu, soprando de descrença ao se jogar para trás no sofá.

— Comprar uma casa?

— Sim, e não faça essa cara de que é impossível. Por sorte a minha mãe adiantou algum dinheiro que tinha no banco e…

Números, números, números. Sou péssima em matemática, Alice lembrou, recordando abruptamente das inúmeras recuperações e apertos com a matéria, só não piores quando se tratava de química. Depois voltou a olhar para a ruiva. A Sophia é pior que eu em matemática. Do que ela está falando?

— Sendo assim só precisamos pagar os outros 40%. Tenho certeza que percebeu que a casa não está exatamente no melhor estado, então isso reduz um pouco o preço inicial. Começamos no lucro! — comemorou, sua alegria não condizente com a expressão cansada de Alice.

— Sophi… 

— Não, só escuta! Se alugarmos o quarto que sobrou e cada uma conseguir um emprego, levando em conta que as despesas serão por três, isso deve nos dar dinheiro suficiente para pagar o restante. Eu já fiz o acordo; temos um ano para pagar tudo e seis meses caso o dinheiro da mamãe não for suficiente para meu tio se estabilizar. No pior dos casos, pedimos dinheiro emprestado.

— Porque vamos conseguir trabalho bem rápido, não é? No pior dos casos, viramos prostitutas — zombou.

Sophia cobriu a boca com a mão, segurando a risada, porém logo se recompôs quando percebeu que não havia humor no rosto alheio.

— As coisas só parecem complicadas agora porque ficamos acomodadas. É só pensar: viemos para uma cidade nova, com um carro e uma casa "própria" mobiliada. — Fez aspas. — Temos mais do que muita gente aí fora, e ainda sim reclamamos.

Vendo que conseguiu obter alguma razão, a ruiva sorriu gentilmente.

 — Podemos checar se há vagas de dormitório no campus, se quiser, mas os quartos duplos devem estar ocupados e os individuais são caros. Se não, não me importo de alugar um quarto econômico e dividir ele com gente estranha, mas você…

Para Alice seria um incômodo, era o que Sophia queria dizer, mas não precisou fazê-lo: as duas sabiam bem o que aconteceria caso dividissem um quarto econômico com garotas estranhas.

Alugar um dormitório, considerando que dificilmente conseguiriam um trabalho que bancasse o alto custo estudantil, seria apenas uma solução a curto prazo. Por outro lado, considerando a possibilidade de haver quartos baratos, seria mais seguro esconder os olhos em uma casa do que em um cômodo compartilhado com outras pessoas. Não havia muita opção, Alice pesadamente percebeu.

— Nesse caso, acho melhor escrever um anúncio de aluguel e colar no mural da universidade.

O sorriso de Sophia se alargou em satisfação quase instantaneamente após a resposta.

Dado o assunto por encerrado, Alice deixou os vestígios do jantar para trás e subiu para o quarto. Assim que se acomodou na cama com o notebook, respirou fundo, repassando mentalmente as características e a localização da casa, e rapidamente os detalhes importantes surgiram no espaço vazio da tela, acompanhados de singelas modificações visuais para deixá-lo atrativo entre os tantos papéis pregados no mural universitário. Feito isso, Alice usou o pendrive conectado para mover o arquivo recém-salvo.

Estava feito.

Preço negociável parecia bom, tinha certeza de que não demoraria até aparecer alguém.

Deixado o notebook de lado e o pendrive sobre a cômoda, Alice rolou de lado na cama e encarou a parede cor-de-rosa enquanto era envolvida pela preocupação da casa e do novo inquilino – ou seria ameaça?

Deveria começar a procurar emprego. A dúvida era: que tipo de emprego? Sua única experiência – se é que podia considerar uma – havia sido quando começou a cuidar do escritório e da agenda do pai em troca de uma mesada mais gorda no fim do mês, mas não podia constar algo tão filhinho de papai no currículo, não. Isso só lhe serviu para ficar desejosa do tempo em que era criança e sua única preocupação era acordar a tempo de assistir desenho.

Com um suspiro, Alice decidiu deixar os pensamentos de lado e se dirigiu à pilha de três caixas, frente a maior e mais pesada daquela com a marcação à mão "Cadernos". Foi preciso alguns segundos para reunir força suficiente para erguê-la, e apenas dois para ceder o peso de uma só vez sobre o colchão, mas o mais difícil vinha a seguir: desenterrar os cadernos necessários do dia seguinte.

Tão concentrada enquanto alcançava vez ou outra a aba do horário na caixa – para não citar a bagunça que fazia ao fuxicar o papelão de cadernos –, quase não percebeu quando Sophia entrou com a cabeça no quarto para desejar boa noite.

O gato preto que pulara a janela para dentro do quarto, porém, fora furtivo demais para ser notado.

As patas peludas eram leves e silenciosas como as de um príncipe; calmo e orgulhoso, uma imagem que logo fora destruída ao focar os grandes olhos amarelos nas duas caixas de papelão. Espreguiçando o corpo esguio, sua boca cheia de pequenos e afiados dentes se abriu com um bocejo miado e suas unhas emitiram um ruído desregulado ao marcar o assoalho.

— Ei, pspsps, está perdido?

O felino virou a cabeça na direção de Alice e mexeu a orelha à medida que a garota se abaixava e continuava a chamá-lo, insistente, enquanto ele, por outro lado e não surpreendentemente, não pareceu se importar com nada além de caminhar até a cama e pular ao seu lado no colchão.

Alice riu.

— Só não me chateio porque você é muito fofo e parecido com um gato que eu cuidava quando pequena — lembrou sorridente, esticando o braço sobre o pequeno folgado recolhido em cima dos cadernos. —  Vocês são  realmente bonitos e folgados.

E de repente não havia mais a atenção no horário, embora isso não impedisse Alice de não notar – mais uma vez – o corvo que a observava do cano fino colado próximo à janela.

A ave se encontrava parada, com os olhos fixos em cada mínima ação da garota: sua conversa boba com o animal enquanto o acariciava, o singelo sorriso que se alargava e, não menos importante, se é que não estava louco, observou as lágrimas inquietas brilharem no amarelo dos seus olhos; brilhantes como as luzes da cidade detrás uma janela molhada.

Tão incomum e hipnotizante…

— Mas ele morreu. Eu fiquei muito triste quando aconteceu, principalmente por não ter conseguido ajudar, por isso fico toda sentimental quando vejo um gato preto — desabafou, correndo a ponta dos dedos pelos olhos úmidos. — Amo gatos.

Foi naquele momento que Dylan sentiu, ao ver pela última vez seus olhos cintilando de lágrimas, uma estranha familiaridade, como se a conhecesse além da festa desastrosa, mas não se lembrava de onde ou quando antes disso.

"Fala sério, você não ficou nenhum pouco curioso para saber quem ela é ou por que ela nos vê?" As palavras de Nate retornaram à mente.

É verdade, Dylan pensou.

Não tinha mais como negar a curiosidade, porque no fundo de sua mente ele reconhecera a energia daquele olhar de algum lugar. Martirizou-se por esquecer algo que aparentava ser marcante, mas não por simplesmente deixá-lo visível quando, sem dúvidas, estava invisível aos olhos mortais, e sim porque o fez sentir algo que não pensava poder voltar a experimentar.

Aquela garota não era normal, ao menos não uma simples humana, e Dylan sentia que tudo de misterioso sobre ela – inclusive a sensação estranha que acabara de sentir – girava em torno dos seus olhos, como havia sido desde o primeiro momento em que se olharam.

Ele temia, mas ao mesmo tempo afirmava precisar saber mais sobre ela.



-- ❈ --



— Acabei de colar o anúncio no mural e imprimir meus currículos. — Alice avisou, dando as costas para o mural grande demais para os papéis ali colocados. Levava a mochila nas costas, uma pasta roxa em um braço e o celular junto à orelha na mão livre. — Agora só falta distribuir.

E já sabe em quais lugares distribuir? Isso é muito excitante! — exclamou Sophia com a voz afinada de empolgação, sendo o motivo das risadas da loira. — Não sei você, mas estou confiante sobre isso.

— Eu queria estar tão confiante quanto você. Enfim, deixei um currículo com a bibliotecária. Parece que têm vagas de auxiliar bibliotecário. Acho que combina comigo.

Você realmente tem TOC para isso. Vai reorganizar todos os livros da biblioteca.

Alice ajeitou o braço com a pasta, negando para Sophia que não era extremamente obsessiva com arrumação, mas que apenas nutria afeição por organização como qualquer pessoa, especialmente o tipo que também acha inaceitável colocar livros pequenos entre os mais altos. "Uma fila organizada por tamanho, do maior para o menor, como na escolinha, é muito lindo de ver", dizia ela.

Passando pela trilha da universidade, Alice caminhou alguns minutos em direção ao estacionamento, contando como fora vergonhoso se enrolar com a impressora e ter sido ajudada por uma mulher no mínimo 20 anos mais velha que si. Havia sido uma boa experiência a sua primeira ida à biblioteca, principalmente por saber que as pessoas dali eram gentis e pacientes, como observou nos primeiros minutos no local – teria sorte se fosse contratada ali.

Aconteceu mais alguma coisa interessante? Nenhum menino bonito te observando etrás de um livro ou de uma estante?

— Não que eu saiba, e eu espero que não porque isso seria assustador. — Riu, voltando a ajeitar a pasta ao avistar seu carro estacionado. — Aliás, se tudo correr como previsto, terei aula no laboratório na próxima semana.

Tão animada enquanto falava sobre o quanto estava ansiosa para usar jaleco e luvas, não deu importância para o volume de sua voz quando passou pelos carros e pessoas que faziam hora na frente dos carros por ali. A única coisa que lhe atraiu a atenção naquele momento foi o rapaz de preto perto do seu carro, com as mãos nos bolsos do moletom e os olhos fixos no chão, quase como se a esperasse.

Na verdade, depois do que aconteceu na festa e no hospital, seria difícil que alguém totalmente de preto – se excluísse seu tênis – evitasse atrair a atenção dos seus olhos dourados, porém escondidos pelas lentes.

E aquela pessoa em especial…

— Vou desligar agora, ok? Nos falamos daqui a pouco.

Ok, te espero no refeitório — foi a resposta do outro lado da linha.

Aquela pessoa em especial ainda deixava seus cabelos loiros em pé, e se ela estava em frente seu carro depois de ser acusada de ceifadora, não, pior: se ela estava ali depois de anunciado o falecimento de Alex, depois de apontada como assassina, definitivamente por coisa boa não era. Talvez um acerto de contas?

Um bolo se formou em sua garganta com a possibilidade. Seja o que for, é melhor eu tomar a iniciativa de me desculpar e evitar uma cena na frente dessa gente.

Foi preciso inspirar longamente para juntar força suficiente para as pernas não tremerem tanto conforme aproximava-se do rapaz.

Se pelo menos ele não tivesse feito menção de levantar o olhar para si enquanto tentava conter a tremedeira, talvez ela não teria tropeçado no próprio pé e cambaleado em sua direção. Fora tão rápido quanto um piscar de olhos: num momento, Alice soltou uma exclamação surpresa, levantando os braços para se equilibrar, e, no outro, o rapaz deu um passo para o lado, permitindo que as mãos alheias caíssem diretamente ao encontro do capô. Por muito pouco, havia conseguido parar em pé, com as pernas tortas e a pasta quase escapando pelos dedos trêmulos.

— Q-quase — suspirou ela, aliviada ao passo que se recompôs e virou-se com um sorriso sem graça para Dylan. — Nossa, é vergonhoso ser vista assim… caindo igual uma idiota.

Dylan piscou, atordoado, e olhou para o chão por impulso, para os cadarços sujos do All Star amarelo. Então ele se forçou a falar, ignorando a voz rouca e esquisita aos próprios ouvidos:

— Não, eu… desculpe não tê-la segurado. Não consegui reagir rápido.

Mas você bem que conseguiu sair da minha frente a tempo de eu te derrubar no capô junto comigo, Alice observou, mas limitou-se a abrir outro sorriso amarelo.

— Mas ainda bem que você está aqui. Eu queria falar com você sobre uma coisa. Imagino que você também estava me esperando, certo?

— Ah… sim.

A resposta de Dylan saiu atrasada e hesitante, como se ainda pensasse se realmente tinha coragem o bastante para continuar com aquilo. E a resposta era óbvia: ele começava a tremer antecipadamente.

— Ótimo, eu estava mesmo querendo tomar um café — disse simplesmente, virando-se para a porta do carona.

Dylan acenou positivamente, embora sua mente não tivesse reagido tão rápido com ao… convite? Ainda questionava o que era. Humanos soavam muito confusos, e as pessoas no estacionamento que riam sem motivo aparente e olhavam na direção deles não eram diferentes. Se ele estivesse visível, definitivamente entraria em pânico com aquela atenção, mas estava tudo bem, não era ele o foco dos cochichos, apesar daquela estranha deixá-lo nervoso com sua presença.

— Você vem? — Ela perguntou, tirando todas as dúvidas daquilo não ser um convite.

Era tudo ou nada, aceitar ou continuar na dúvida, não tinha muito o que fazer. Essa era a oportunidade perfeita de se aproximar e saber mais sobre ela, mesmo que a situação o deixasse cem vezes mais ansioso que o habitual.

Humanos eram criaturas curiosas.

— Estou indo.

Após guardar a pasta no carro e trancá-lo, Alice sinalizou para ele a seguir e assim começaram a caminhar lado a lado, pois a cafeteria ficava a apenas duas quadras de distância, o suficiente para andar em uma conversa tranquila. Porém ao contrário do esperado, dado principalmente Dylan não saber manter uma conversa, os quinze minutos de caminhada foram reduzidos a uma constrangedora e breve troca de palavras que só lhes serviu para se distanciar em pensamento.

Por um momento, Alice quase se viu arrependida do convite, porém rapidamente soltou um suspiro aliviado ao avistar o letreiro simples e sofisticado da cafeteria tão famosa entre os universitários: "Coffe with Milk".

O casal atravessou a porta dupla do estabelecimento e ziguezagueou entre as mesas redondas de madeira clara. Eles ignoraram as pessoas que conversavam em seus assentos – a maioria estudantes com suas mochilas – e se sentaram de frente um para o outro em uma mesa no fundo, próxima à janela.

Por ser a primeira vez de ambos no lugar, não hesitaram em primeiramente olhar ao redor e apreciar o cheiro de café e bolo que os rodeava, além da atmosfera acolhedora do lugar. As paredes decoradas pelo papel de parede bege com detalhes em marrom davam um ar extremamente fofo, e pela aparência limpa que tinha, Alice não duvidava que o lugar havia sido recentemente reformado.

— Agora entendo porque esse lugar é tão popular — comentou Alice, voltando a olhar o rapaz. — Então, o que vai querer? Vou fazer o pedido.

— Estou bem assim, obrigado.

— É por minha conta. Tem certeza?

— Sim, não estou com sede — garantiu-lhe, mantendo os olhos na mesa.

— Então está bem... volto em um minuto.

Dylan concordou levemente com a cabeça, esperando a loira se distanciar para só então suspirar de alívio por se encontrar sozinho novamente.

Esticando os braços sobre a mesa, ele deitou o rosto sobre os braços e olhou em volta mais uma vez, percebendo como as pessoas dali conversavam e davam risada com facilidade, provavelmente felizes por mais um começo de estudos. Isso lhe trazia lembranças.

Não costumava frequentar lugares cheios, mas não negava que cafeterias e outros estabelecimentos do tipo eram interessantes, especialmente as pessoas que as frequentavam. Um lugar diversificado de pessoas o fascinava tanto quanto possível. Às vezes, raramente, chegava inclusive a se perguntar como seria se entrasse em um lugar assim por conta própria, pedindo um latte e um pedaço de bolo – perguntava-se o que seria se fizesse diferente do costume.

Algo tão bobo e comum não deveria parecer tão grandioso. Francamente, qual era a dificuldade?

Humanos, é claro. Não precisou pensar muito quando levantou o rosto para a dupla de rapazes que havia acabado de chegar em sua mesa. Humanos sempre me lembram da ideia boba que isso é.

Dylan abriu a boca, prestes a pedir para que a dupla se sentasse em outra mesa, mas calou-se ao dar-se conta de que não estava disposto a falar com tanta gente, além do outro motivo óbvio. Aquilo não era para ele afinal, não no momento. Nada pôde fazer além de arredar para junto da janela e esperar, já que não poderia simplesmente sair dali, principalmente frente a loira que se aproximava depois de ter um macchiato em mãos.

— Licença, mas eu estava sentada aqui — comunicou Alice, chamando a atenção dos rapazes ao apontar para a mochila que havia deixado encostada na mesa.

— Ah, desculpa. Como não vimos ninguém, pensamos que alguém tinha esquecido a mochila — explicou um deles, se levantando com o colega.

As sobrancelhas loiras se franziram em confusão com a resposta, mas os dois amigos não lhe deram importância enquanto caminhavam rumo a outra mesa e ela voltava a se acomodar no seu assento, não sabendo se perguntava ou não o que lhe ocorreu abruptamente com a cena recente. Decidiu arriscar:

— Desculpa perguntar, mas você é tímido ou... excluído?

Dylan piscou, confuso.

— Excluído?

— Percebi que eles não olharam para você, ignorando a sua presença, e você a deles. Parecia que você nem estava aqui — explicou, deixando a carteira de lado para se concentrar na bebida. — Desculpe a indelicadeza, não precisa responder.

— Está tudo bem. — Pausou um momento, pensando. — Eu diria que tímido e ignorado me definem bem.

— Entendo. Aliás, acho que não nos apresentamos apropriadamente, certo? Sou Alice Coleman — apresentou-se, estendendo a mão enquanto lutava para não desviar o olhar, o que não foi difícil, pois ele estava com os olhos focados na sua mão estendida. Se isso não soasse estranho, poderia sugerir que o olhar dele em si era como se sua mão tivesse uma quantidade de dedos incomum, tamanha intensidade no gesto.

— Prazer... Dylan Miller…

Ignorando o tremor que quase se assemelhava a de um velho, Dylan reprimiu a vontade de sair correndo e apertou a mão de Alice, tão concentrado em olhar as mãos juntas que não percebeu quando ela mordeu a parte interna da bochecha, praguejando o arrepio que lhe ocorreu após o contato da mão fria e sem firmeza do rapaz. Mas uma coisa ele percebeu: a quentura e a maciez dela; quase sentiu-se bobo por esquecer como era a sensação de uma mão junto a sua. A forma como suas temperaturas batiam havia lhe causado um estranho formigamento, mas conseguiu disfarçar.

— O prazer é meu — Alice encerrou com um sorriso. Soltou a mão ligeiramente ossuda e fingiu interesse no canudo do copo. — Mas não o convidei para vir aqui simplesmente para tomar café. Me senti mal pela piada que fiz no hospital e queria me desculpar sinceramente por ontem. Mas parece que não posso me desculpar te pagando um café, não é?

Essa é a hora de eu perguntar sobre seus olhos, lembrou ele, olhando nervosamente para as mãos subitamente inquietas sobre o colo.

— Não me importo com isso…

Agora, Dylan!

— Na verdade, eu não aceitei vir por causa do café.

— Isso eu percebi. — Riu. Um segundo depois, entretanto, seus olhos se arregalaram em surpresa ao pensar melhor nas suas ações, desde o convite até sua oferta em lhe pagar um café – por que isso de repente parece um encontro?!

Alice desviou o olhar envergonhado e balançou as mãos freneticamente em frente o rosto ruborizado, chamando a atenção das pessoas ao disparar palavras sem parar para respirar:

— Juro que não te chamei aqui com segundas intenções, sério, não é isso! Eu juro que não tem como eu me interessar tão rápido por alguém e, ainda por cima, ser tão descarada em... desculpe se te fiz entender mal o meu convite!

— Q-quê? Não foi nisso que pensei quando aceitei vir aqui — afirmou, tão envergonhado que os olhos se desviaram para ainda mais longe, para o outro lado da rua, especificamente. — Foi por causa dos seus olhos.

— Meus olhos? — O coração de Alice de repente acelerou. — O que tem meus olhos?

As palavras pareceram morrer naquele momento. Os olhos de Dylan ainda estavam direcionados ao outro lado da rua, fixos pela apreensão, mas não havia chegado até ali para desistir no final. 

Ele inspirou fundo para conseguir encará-la.

— Eles são...

Castanhos, completou em pensamento, só então percebendo que não eram os amarelos que pensou ter visto na noite passada; os amarelos que o fez se sentir diferente. Mas… como? Por quê? Onde eles estavam? Não poderia ter sido tudo coisa da sua cabeça… podia? Sua cabeça não aguentava tantas dúvidas e possibilidades, dentre as quais acentuava-se principalmente a ideia de que estava sendo manipulado pelos olhos da garota, como da vez em que se distraiu e errou o local do beijo pela primeira vez.

Nada mais fazia sentido! Porém desta vez parecia pior: de primeira, Alice provocara sua atenção e curiosidade, mas agora era com algo adormecido há 16 anos que ela resolvera mexer, e isso era assustador.

Que coisas mais ela poderia fazer com si? Quão bagunçado o deixaria? Sua respiração começara a acelerar com esses questionamentos – culpa dela, talvez?

— Você está bem? Dylan?

Sentiu vontade de bater em si mesmo por correr atrás dela. Justamente dela.

— Eu não deveria estar aqui… — murmurou, levantando-se num rompante e caminhando com pressa para a saída, ignorando os chamados preocupados de Alice.

A sorte de Dylan foi que uma pessoa havia acabado de abrir a porta para entrar, e ele, apressando o passo, se aproveitou disso para sair sem estranhezas, deixando a loira confusa em meio suas perguntas e os olhares estranhos da cafeteria. Alice o observou até sumir na curva da rua pelo qual vieram.

Aquilo foi bem… estranho.

Sem mais o que fazer sozinha no estabelecimento, Alice preparou-se para levantar também, todavia foi interrompida por uma notificação de mensagem vinda do bolso menor da mochila.

Era um número desconhecido:

"Olá. Vi seu anúncio no mural e fiquei interessada."



-- ❈ --



— A lasanha está pronta?

— Sabe que não entendo nada de cozinha, nunca cheguei perto do fogão.

Alice revirou os olhos, tomando a dianteira para conferir o forno.

— Este jantar tem que ser perfeito.

— Até parece que é um homem quem vai se mudar pra cá — brincou, observando a amiga desligar o fogo, abrir o forno e espetar o garfo na massa, antes de se distanciar e acenar com a cabeça, satisfeita com o resultado da receita que pegou da internet. — Também não precisa exagerar, somos nós quem dizemos se ela vai ou não morar com a gente. Quem tem que causar uma boa impressão é ela.

— Quanto mais rápido alugarmos o quarto, mais rápido juntamos dinheiro para comprar a parte do seu tio — explicou, largando o garfo na pia e pegando as luvas de cozinha. — Além disso, ela me pareceu simpática no telefone. Vai ser bom para nos conhecermos, fora que o fato dela estudar na mesma universidade que nós irá nos aproximar.

— Ou distanciar — completou, atraindo um olhar confuso por isso. — Ela estuda no mesmo período que nós e só há um banheiro. Temos altas chances de brigarmos pelo tempo no chuveiro. Sem contar que ela cursa comunicação e mídia, ou seja: uma provável fofoqueira, nenhum pouco confiável. Não pense que vamos ser todas amiguinhas.

— Vou ignorar o que você disse. Além disso, pensei que você ia gostar da notícia. Não era você que queria alugar o quarto rápido?

— E quero, mas temos que ser mais seletivas com quem entra aqui.

Alice colocou a lasanha para esfriar na pia e retirou as luvas, fingindo não escutar a ruiva enquanto conferia pela terceira vez a mesa perfeitamente arrumada.

— Estou tentando te proteger — insistiu. — Você não pode usar lentes o tempo todo, e eu sei que não vai contar para ela dos seus olhos. O que vai acontecer se ela vê-los? Porque você é bem paranoica quando se trata disso.

Após sua fala, ouviu-se o som de alguém batendo na porta da sala – pois a campainha era outro problema na casa.

— Ela chegou. Eu atendo e você coloca a travessa no centro da mesa — disse, dando as costas para a ruiva, ação que a fez bufar de raiva. — E não deixa cair!

— Não deixa cair, não deixa cair — repetiu, fazendo caretas enquanto colocava as luvas de cozinha e movia o prato principal da noite.

Ao colocar a travessa na mesa, Sophia pegou o celular que deixara na ponta dela e conferiu as horas, pensando se colocar uma música relaxante em um volume moderado deixaria o clima leve, mascarando a dor de cabeça que era firmar um acordo de colegas de casa – detestava burocracia.

Tão logo o som de passos começou a se aproximar, e a tela do celular de Sophia exibiu: "Senha incorreta inserida".

— Adivinha quem trouxe bebida e fez a sobremesa — Alice foi a primeira a falar, segurando uma garrafa de vinho e parando na entrada da cozinha ao lado da convidada, a qual tinha uma vasilha média em mãos.

— O Coelho da Páscoa? — rebateu sarcasticamente a ruiva, desistindo de colocar a música e recolocando o celular na mesa. Lentamente começou a se virar. — Prazer…

Ah, não, isso não. Não, não, não, Sophia martirizou-se loucamente, com os olhos arregalados colados no rosto surpreso e irritantemente sorridente da possível residente.

— Uau, isso é uma baita coincidência — comentou a garota, alargando o sorriso.

Que desagradável!

— Vocês já se conhecem? — Alice perguntou, olhando de uma para outra com confusão.

— Ôh se nos conhecemos. Não é, So?

Haviam coisas demais passando pela cabeça de Sophia naquele momento; palavrões, pensamentos homicidas, formas de esconder um corpo… talvez tenha sido por isso que o nome saiu de seus lábios com tanta amargura:

— Harumi.


Notas Finais


Amo encontros desagradáveis (só nas histórias, obviamente)
Ñ sei vcs, mas tô gostando muito de fazer a Sophia e a Harumi interagirem, essa relação de amor e ódio mexe muito cmg e de repente me veio a imagem delas como casal secundário. Qm sabe posso pensar?

Nos vemos daqui um tempo :)


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...