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História Nothing - 12


Escrita por: myblacktea

Capítulo 12 - 12


Dançar com Dinah deveria ser considerado uma categoria nas Olimpíadas – Camila pensou. Mas, conhecendo seu estado, a caminhada da sala até o quarto também deveria ser motivo de medalha.

Fechou os olhos, sentindo a água bater nos cabelos e escorrer pelo corpo.

O aniversário era uma das datas mais importantes do calendário de Camila, tanto o seu quanto o dos outros. Era o dia que marcava muito mais que um numero – numero esse que parecia valer muito mais que o conteúdo mental dos indivíduos. Era o dia que marcava fisicamente a transição que acontecia continuamente. Não se acorda outra pessoa do dia para o outro, mas comemorar seu nascimento era uma forma de colocar um nome nesse dia de reflexão de si sobre si mesmo. E o salto evolutivo de Camila era tão nítido quanto o infinito caminho ainda a percorrer.

Desligou o chuveiro, enrolando-se na tolha para sair do banheiro.

A conversa na sala era alta e alegre, a fazendo sorrir ao trancar a porta do quarto.

O abraço carinhoso de cada uma das mulheres da casa ainda a aquecia. Era nesses momentos que agradecia por ter uma mãe disposta a ficar perto. O beijo na testa e olhos lagrimejados de orgulho de Sinuhe foi o presente mais importante da noite.

Tanta coisa havia acontecido tão rápido. Seu presente do ano passado foi a audição que resultou no presente, que ainda era surreal demais para pensar sem considerar a possibilidade de estar dormindo um de seus sonhos impossíveis e extremamente reais.

Deixou os cabelos ainda meio úmidos e vestiu a calça do pijama com a blusa do Bob Esponja.

- Camila! – ouviu a voz irritada ao entrar na sala. – Vem controlar tua amiga!

Lauren estava deitada no sofá, um livro aberto nas mãos e os pés no peito de Dinah, tentando afastá-la.

Camila riu alto da cena, apalpando o bolso fundo e não encontrando o celular para fotografar.

- Lauren – a Hansen arrastou o nome da amiga. –, me dê atenção!

- Eu quero ler!

- Mas hoje é o aniversário da Mila – justificou. –, não é dia de ler.

- Não vou ler a noite toda. – respondeu, colocando mais força no empurrão. – Me deixa em paz, por favor. Isso não é engraçado.

- Meio que é sim. – Normani passou por trás de Camila, acariciando seus ombros.

Dinah riu e Lauren fechou os olhos com o som alto. O sorriso de Camila vacilou ao entender que aquilo não poderia ser um bom sinal.

Assistiu a Jauregui fechar o livro sem marcar a página e se controlar para não mirar na cabeça de Dinah ao acertar o ombro. A mais alta soltou outro grito alto e a outra aproveitou a guarda baixa para empurrá-la do sofá.

Camila riu, correndo para ajudar a amiga levantar.

- Ah, que ótimo. – Lauren ironizou, esticando as pernas ainda deitada. – Ela ganha ajuda.

- Ela me deu presente, você não. – Camila brincou.

- Você disse que não se importava! – contrapôs e Camila desviou da tentativa de bater em sua perna.

Aquilo era um sinal bom.

- Mila – o sotaque de sua mãe soou da cozinha. –, Andrea chegou com o sorvete.

- Vem, chata. – Lauren aceitou a mão que Dinah ofereceu. – Ou vai querer que cantemos parabéns aqui, pra continuar confortável.

- Dinah, deixe-a em paz. – Camila sorriu.

- Sabe que te amo – Lauren deixou claro antes de continuar. –, mas, ás vezes, te odeio muito. Várias vezes, na verdade.

- Essa foi sua maior demonstração de carinho. – Dinah fingiu conter o choro. – Realmente estou emocionada.

Lauren gargalhou ao abraçar o pescoço da mais alta.

Os olhos de Camila descerem pelas costas coberta pela camiseta lisa até pararem na faixa de pele exposta que o movimento gerou.

Lembrou-se da ultima vez que mergulhou as mãos por baixo da camiseta de Lauren. Foi uma ação sem segundas intenções e não pensada, mas o brilho nos olhos verdes ao pausar o beijo não foi nada inocente e gritava no silencio da casa adormecida.

Camila já havia sentido aquela tensão no ventre, mas o pedido nas esmeraldas dilatadas era impossível de se negar.

O próximo beijo cheio foi carregado de um desejo que a Cabello não pensou ser capaz de sentir, mas sentiu os dedos puxarem sua nuca do toque e o contato visual que a mais velha evitou já indicou que nada aconteceria.

Nem agora, nem nunca – foi o que Camila sentiu no selinho demorado de despedida, cada uma entrando em seu quarto.

Virou a cabeça ao ouvir o som baixo da televisão ligada no escuro da sala.

Depois do bolo com sorvete, não demorou muito para Ally e as mães deitarem. Percebeu estar profundamente dentro da conversa descontraída quando não viu Lauren ao seu lado. Continuou a comer o resto de sorvete direto do pote com as duas amigas, controlando o volume da voz e risadas.

- Quem é? – Camila perguntou, apontando para a televisão.

- Lauren. – Normani respondeu depois de engolir. – Não a viu passando?

- Não. – deu uma ultima olhada para trás, não conseguindo ver o corpo provavelmente deitado no sofá. – Pensei que tinha ido dormir.

- De vez em quando ela vem pra televisão, quando não consegue.

- É. – Dinah concordou. – Já a acordei varias vezes para ir para cama. Ela fica assistindo desenho.

- Vocês andam meio distantes esses dias. – Normani comentou e quase não viu a hesitação que tentou mascarar. – Tudo bem?

- O normal. – deu de ombros.

Admitir que o sofrimento da distancia silenciosa era normal, fazia a sensação de errado ainda mais pesada em seus ombros.

- Ela ta assim desde aquele tweet da Alexa. – Camila continuou. – Antes estávamos bem.

- E o que é “estar bem”, se tratando de vocês duas? – Dinah questionou.

Camila riu pelo nariz, os olhos pesados de sono. Provavelmente já não era mais seu aniversário, mas permitir a mudança de assunto seria o maior presente que as amigas lhe dariam.

- Acho que vou dormir. – levantou, colocando a colher suja dentro da pia. – Deveriam ir também.

- Vamos sim. – a Kordei cortou o fôlego que Dinah preparou para continuar.

Os gritos de Lauren no telefone com Alexa foram ouvidos no momento em que abriram a porta da frente e o dia seguinte foi difícil, mas Camila estava aprendendo a lidar.

Espaço era o tópico mais importante para o bem estar de ambas. Entendeu que o melhor a fazer era se afastar, por mais que sua verdadeira vontade fosse abraçá-la e perguntar o que estava acontecendo.

A cabeça de Lauren era um mistério. As contradições no comportamento não podiam simplesmente ser fruto de um humor confuso.

Camila chegou a pesquisar sobre bipolaridade e descobriu que Sinuhe se mantinha atualidade sobre seu histórico de navegação quando quis saber o porquê. Encolher os ombros e justificar como apenas curiosidade nunca foi tão difícil.

Sabia que a mãe não era cega e, se não admitisse o mais rápido possível, logo estaria questionando sua relação com Lauren. Mas o problema maior era que não saberia responder, caso a mãe perguntasse. Explicar sua sexualidade – ainda em processo de nomeação – provavelmente já seria um caos para a família tradicional que não poderia se dar o luxo de somar com a situação de “beijar fora de um relacionamento”. Mas não pararia mesmo assim. Continuaria indo quando Lauren chamasse.

Apoiou as mãos nas costas do sofá, inclinando-se para enxergar a garota deitada.

- Laur? – Camila chamou, deixando Normani e Dinah passarem para o corredor.

- Hm. – virou o rosto para cima, encontrando o olhar escuro de Camila.

A luz viva do desenho animado colorido batia na pele a deixando ainda mais pálida, os olhos um pouco sonolentos mas ainda acordados demais para a hora marcada no relógio e os cabelos castanhos esparramados pelo estofado.

- Dorme na cama. – aconselhou. – Vai ficar com dor das costas.

Lauren puxou o canto dos lábios em um dos sorrisos favoritos de Camila.

- Não to com sono. – respondeu parecendo sinceramente agradecida pela preocupação. – Deita comigo.

- O que ta assistindo?

- Não faço ideia. – voltou o olhar para a tela. – Não to prestando atenção.

- Não? – Camila riu pelo nariz, dando a volta no sofá. – Por quê?

Lauren puxou-se contra as costas do sofá, dando espaço para a mais nova.

Jogou os olhos para o teto quando Camila deitou de lado, sentindo o encarar macio das íris chocolate. Quando Camila estava longe, só conseguia pensar naqueles olhos cruzando com os seus, mas agora, a centímetros de distancia, não chegava a considerar outra opção que não fosse desviar.

Ás vezes, o cérebro realmente precisa de mais tempo para aceitar coisas que o coração já sabe. Sempre sentia que devia desculpas à Camila, mas agir nessa sensação seria admitir em voz alta coisas que não estava preparada.

Lauren era uma pessoa extremamente sensitiva, mas seus sentidos pareciam ampliar na madrugada. Sentiu o leve toque do corpo no seu lado, o olhar escuro de sono e o silencio da respiração que ainda esperava uma resposta.

- Pensando. – respondeu com simplicidade.

- Sobre o que?

Perguntava-se o quão ingênua Camila poderia ser. Se suspeitava de algo.

A dúvida era o cimento que juntava os tijolos das paredes – cada vez mais altas – que guardavam seu jardim secreto. A sensação de estar sendo óbvia demais a mutilava por dentro e se apavorava com a simples ideia de confiar suas confissões a alguém.

- Alienígenas. – não mentiu totalmente. – E morte.

- Hm. – Camila considerou. – Esses assuntos vão eventualmente explodir sua mente. Cuidado.

Lauren se calou na fala inesperada, forçando-se a relaxar antes de tencionar os músculos por completo.

Camila estava certa.

Sempre identificava aquele grito desesperado, existente somente em sua cabeça, mas parecia tão distante que facilitava a conclusão de não fazer parte de si.

Não conseguia lembrar-se da época que ainda não tinha medo de viver. A palavra era medo. Tinha problemas para respirar causado por essa emoção terrível, onde procurava o ar que nunca parecia suficiente. Acordava no meio da noite buscando por algo que acalmasse o coração acelerado por conspirações ansiosas. Empurrava com força a mascara do inalador contra o rosto na tentativa de forçar a entrada do vapor, mas sentia que, o pouco que conseguia de fato entrar, saia em lágrimas ao pensar no único remédio eficaz para seu estado.

Remédio era a palavra; pois consertava seu momento consigo mesmo e também causava efeitos colaterais igualmente ruins.

Checava se Ally realmente dormia antes de se enfiar debaixo das cobertas da Cabello. Abria os pulmões e concentrava todas as forças no cheiro do cabelo, ás vezes ainda molhado, para sua satisfação física ser maior que a dor.

As palavras sem som pronunciadas por sua consciência eram óbvias nesse momento e precisava ser forte o suficiente em sua fraqueza para se fazer de cega e surda.

Não está se apaixonando. – dizia sua cabeça, na manhã seguinte. – É só uma fase estúpida.

Sabia que Camila não era a solução para seus problemas, mas a acalmava. O silencio a deixava segura. Não era necessariamente confortável, mas isso era culpa de sua própria mente, não de Camila.

- É tudo tão grande. – Lauren ouviu-se dizer.

- Como assim? – Camila pareceu presa entre confusão e surpresa.

- É tudo tão grande – repetiu. –, mas tão pequeno ao mesmo tempo.

- O que quer dizer?

- Sabe aquele momento em que você olha pro céu e se sente... simplesmente... insignificante? – perguntou retórica. – Saber que um grão de poeira cósmica pode ser maior que você dentro desse universo, porque você é tão pequeno nesse... lugar – encaixou a palavra por falta de outra. – tão grande. Mas, ao mesmo tempo, sua mente em si é algo tão extraordinário e ilimitado que se sente tão grande nesse lugar tão pequeno. Perceber que você é tão subjetivamente infinito quanto o universo, mas tão materialmente finito quanto uma flor... é... assustador.

Impotência. A incerteza era o fantasma que acompanhava seu eterno medo do tempo.

Lauren conversava com palavras e Camila a olhava com sentimentos. Assistia os olhos verdes moverem-se como se lesse o teto. As falas articuladas, o tom eloqüente e as linhas cheias de conteúdo.

- E um dia acaba. – Camila finalizou. – Pelo menos é o que dizem.

- É. – concordou. – Depende da teoria. Depende da verdade.

Verdade.

Os paradoxos, suposições e valores morais. Essas discussões rondavam sua mente e a deixavam pesada. Pregavam seus olhos abertos em uma tortura entre o sono que não conseguia obedecer e o pico de energia onde ficar parada era impossível.

Um dia acordou ainda de noite, colocou as roupas de ginástica e foi andar na praia, na tentativa de limpar a cabeça com a meditação recomendada pela avó. Conseguiu assistir o nascer do sol, mas os sussurros do mar ficaram tão altos que precisou se afastar o mais rápido possível. Era como se ouvisse as ondas zombando de sua insignificância, gabando-se de sua superioridade ao jogar em sua cara que, não importa quantas pessoas passassem pela Terra, seu movimento continuaria até depois da extinção da raça humana.

Um dia morreria e sua memória seria esquecida. Seus filhos terão sua foto pendurada na parede, seus netos a guardará numa caixa e seus bisnetos já não se preocuparam em saber seu nome. Acabou. E seu propósito se perdia na ideia de viver alguns milésimos de segundo da vida total do planeta para nada.

- Desculpa se estou falando muito. – Lauren pediu. – Talvez nem esteja fazendo sentido.

Camila franziu o cenho.

Desculpar-se por falar demais não cabia no silencio do ambiente, afinal, Lauren nem havia respondido suas perguntas direito.

Foi ai que percebeu o tamanho do barulho dentro da cabeça da mais velha. Provavelmente tão alto que seu senso de realidade se perdeu por alguns segundos. Tinha cede das falas que queria ter ouvido. Queria saber o que falou tanto que precisou se desculpar, mas sabia que explicar o que de fato aconteceu poderia estragar toda a construção até agora.

Percebeu que seus próprios olhos tinham caído para a clavícula exposta pela blusa larga ao sentir as esmeraldas a encarar.

Puxou o olhar para aquele verde quase azul, pela luz artificial que se movia com o ritmo frenético da animação.

Não era a primeira vez que Lauren pedia desculpa por falar demais, mas Camila tinha esperança de que entendesse todas as vezes que respondia não se importar. Poderia ouvi-la conversar consigo mesmo por horas, mudando de assunto até acabar cantarolando uma musica qualquer. As palavras de Lauren tampavam buracos de ar que Camila nem sabia existir, e sentia-se cheia. Cheia de esperança no amanhã e, portanto, mais disposta a tentar.

Lauren se aproximou sugestivamente, mas Camila não se moveu até perceber que nada aconteceria se não fosse a responsável.

Assistiu as orbitas verdes desaparecerem por trás das pálpebras, esperando.

A mais nova colou as bocas e o coração disparou em alivio.

A mera lembrança do sonho de dois dias atrás a deixava totalmente tensa. Confidenciou à Ally, que assegurou não precisar se preocupar, mas não evitou os olhares que era obrigada por si mesmo a roubar quando Lauren sorria para o celular enquanto digitava.

O sentimento na cena tão real da Jauregui beijando outra pessoa não se categorizava em ciúmes, propriamente. Era uma mistura de pavor com inveja. Inveja desde os toques até o lindo cabelo loiro da bela figura desconhecida criada pelo seu cérebro. A garota era mais velha, rosto desenhado com ossos da bochecha saltados e uma tatuagem na coxa exposta pelo curto short de cintura alta. A mulher que, em sua mente, roubaria Lauren sem esforço algum.

Sentiu a boca deixar a sua.

- Camila? – ouviu e abriu os olhos. – Qual a graça?

Puxou o pensamento de volta para o corpo e sentiu o leve sorriso inconsciente nos próprios lábios. Ela estava deitada ao lado de Lauren e aquilo foi um simples sonho. Aquela mulher não tinha um nome e o seu estava nos lábios de Lauren agora.

- Dorme comigo hoje. – pediu sem a interrogação, deixando o sorriso ampliar.

Lauren ainda parecia confusa, tentando interpretar a falta de resposta concreta.

- Não sei, Camz. – enfeitou o não.

- Lern. – tentou novamente. – É meu aniversário.

- Já passou da meia noite, então – começou e Camila revirou os olhos, sabendo o argumento. –, tecnicamente, seu aniversário foi ontem.

- Mas você não me deu presente. – lembrou, aproximando-se mais.

Lauren riu baixo, encostando a testa na da mais nova.

- E você não cansa de jogar isso contra mim.

- Só estou tentando conseguir o que quero.

A cubana sentiu a mão ligeiramente gelada contra seu pescoço quente e as cócegas pararam de incomodar quando as pontas dos dedos começaram a roçar no mesmo lugar por mais tempo que o necessário, em uma caricia pensativa.

- Ok. – a mais velha concordou, selando o acordo com um selinho rápido. – Mas vamos ficar aqui mais um pouco.

- Ok. – foi o que a sorridente Camila conseguiu dizer.


Notas Finais




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