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História Nove Meses - O Estranho


Escrita por: julietamlx

Capítulo 5 - O Estranho


Fanfic / Fanfiction Nove Meses - O Estranho

Com passos lentos e contidos, Julieta se aproximou do estábulo, sentindo o ar fresco entrar em seus pulmões com alegria. Um sorriso quase involuntário formou-se em seus lábios ao caminhar pelo corredor estreito onde as baias se distribuíam. Aumentando os passos, aproximou-se do pequeno cercado de Soberano, que, ao notar sua presença, relinchou. Com cuidado e segurando o ventre, Julieta entrou e, tomando uma escova velha, perdida entre os outros objetos, passou a escovar o pelo do animal, que pareceu gostar do cuidado. Sentindo-se leve e satisfeita, ela suspirou, fazendo movimentos lentos com uma mão, enquanto com a outra, acariciava a cabeça de Soberano com carinho.

Quando ouviu passos se aproximando, ficou, rapidamente, em alerta. Soltando a escova, que caiu ao chão, assustando o cavalo, segurou a barriga, amedrontada. Aproximando-se da pequena porta para espiar, seu corpo se chocou contra o corpo de Aurélio, que, com os olhos arregalados, precisou segurar na cintura da patroa para se apoiar.

Ao sentir aquelas mãos, próximas de seu ventre, de forma quase involuntária e defensiva, ela o empurrou. Seu sangue ferveu de uma raiva quase incontrolável pelo susto que, mesmo que não tivesse sido a intenção de Aurélio, a fez tremer.

- O senhor está louco?

- Me desculpe. – Aurélio coçou o pescoço, desconfortável. Havia chegado muito próximo da patroa e, por dois segundos, o cheiro doce de seu perfume o deixou embriagado. – Eu ouvi um barulho, achei que pudesse ser alguém.

- Jorge me garantiu que você faria rondas longe do meu estábulo.

Recuperando a postura firme, Aurélio cruzou os braços, encarando-a com olhos sérios. Incomodada por ter se sentido levemente intimidada, Julieta o imitou cruzando os braços em frente ao peito.

- Minha função nessa fazenda, dona Julieta, é garantir que não haja nenhuma invasão. Se ouço um barulho suspeito, devo averiguar.

Engolindo um insulto, Julieta se virou. Irritada com aquele argumento que não poderia rebater, se abaixou para pegar a escova. Aurélio, atento, adiantou-se até ela e, com uma cortesia exagerada, agarrou a escova antes que ela pudesse fazê-lo. Suas mãos, no entanto, se tocaram e, tensa com aquele contato inesperado e inapropriado, Julieta se levantou com rapidez. Sem entender porque seu rosto corava, mas irritada com a própria reação diante daquele empregado atrevido, fechou a cara.

- A senhora não deveria se esforçar tanto – Aurélio disse, com calma, estendendo-lhe a escova.

Com fúria, ela a tomou e, aproximando-se do cavalo, voltou a escovar seu pelo com força.

- O senhor não deveria me dizer o que devo fazer.

- É claro que não – Aurélio respondeu, dando de ombros. Continuava dividindo o espaço do cubículo apertado com Julieta e o cavalo, que se mexia desconfortável com a forma como Julieta o escovava. – Eu ouvi que o médico pediu que repousasse. Por causa do bebê.

Julieta prendeu o ar, numa mistura de irritação e surpresa. Irritação porque não lhe agradava que um empregado soubesse de detalhes sobre seu estado e surpresa pelo tom de preocupação que sentiu na voz daquele homem, que a encarava com culpa e receio.

- O médico disse que deveria descansar por alguns dias – Julieta disse, com uma voz baixa. Se odiou por ter dado algum tipo de satisfação sobre a própria vida para um empregado, mas, talvez por se sentir ligeiramente comovida pelo tom cuidadoso, se viu inclinada a explicar. – Eu estive de repouso nessa última semana, mas precisava de ar.

- Talvez se abrisse um pouco aquelas janelas... – Aurélio comentou.

- O senhor é muito impertinente – Julieta rebateu, sentindo-se atacada pela forma como o funcionário parecia ter observado o ambiente da casa. Voltando a cruzar os braços, bufou. – Agora que já viu que não se trata de nenhum intruso, deveria retomar o trabalho, não?

Aurélio sorriu contidamente, divertindo-se com o tom da mulher, que se transformou drasticamente em segundos. Assentindo, ele se preparou para sair, mas antes fitou o ventre de Julieta com demora. Ela, notando aquele olhar insiste, sentiu-se levemente incomodada.

- Algum problema? – ela perguntou.

- Ainda não dá para notar – Aurélio comentou, com um meio sorriso. – A gravidez, quero dizer.

Sentindo uma nova onda de irritação avermelhar seu rosto, Julieta levou uma das mãos até a própria barriga.

- Com quanto tempo está? – Aurélio perguntou.

Pensando em não responder e colocá-lo em seu lugar, ela se virou, dando-lhe as costas. No entanto, sua respiração, insistente e tão próxima, a tocou e fez com que engolisse em seco. Sem se virar, respondeu:

- Um mês.

Aurélio sorriu, pensativo.

- Deve ser assustador e incrível saber que, nesse momento, há uma vida se formando dentro de você.

Julieta abafou um sorriso com aquela constatação. Ainda de costas e alisando o pelo do cavalo, agora com as mãos, tentou soar indiferente.

- É um fardo que só nós mulheres conhecemos – ela disse. Não entendeu porque desejou que sua réplica soasse fria, mas se sentiu culpada assim que a soltou. Ouviu Aurélio suspirar e se perguntou porque ele ainda não havia se afastado, incrédulo e escandalizado.

- Diria que é um privilégio. – Sua voz soou amena e calma e Julieta engoliu em seco. – Sei que o mundo é mais cruel com vocês, em muitos sentidos. Mas ao menos nisso vocês são privilegiadas. Vocês fazem a vida acontecer. Vocês florescem. Como aquelas rosas lindas do jardim.

Comovida, Julieta demorou para voltar a encará-lo. Precisou respirar fundo para que seus olhos não delatassem o quanto havia sido tocada por aquela observação cuidadosa.

- Você tem razão – ela disse, suavemente, ao encará-lo.

Aurélio sorriu. Uma súbita falta de ar a fez sentir um calafrio passear pelo seu corpo e, assustada, se perguntou se os mal-estares haviam voltado. Tentando acalmar-se, apertou os punhos até que seus dedos ficassem brancos e, quando se sentiu mais calma, levantou o queixo.

- Você deveria estar cuidando da fazenda.

- Sim, a senhora tem razão – Aurélio respondeu. – Cuide-se.

Com um novo sorriso, Aurélio se afastou.

Julieta, intrigada com a sensação que voltou a assolar seu corpo, esfregou o rosto.

- Será que terei de voltar a ser examinada por Rômulo? – ela se perguntou, sentindo que suas mãos ficavam úmidas de repente.

 

Caminhando até o jardim, Julieta sentiu-se tomada por uma disposição que há semanas parecia tê-la abandonado. Seu rosto havia recuperado a cor que perdera nas primeiras semanas da gravidez e já se sentia forte o bastante para não precisar se esforçar tanto para realizar as atividades diárias mais simples. Animada, decidiu que visitaria Elisa, uma velha amiga, que há muito não via. Elisa vivia em uma fazenda consideravelmente próxima, mas, como o marido não gostava que saísse, acabou abandonando as visitas. Elisa, que não gostava de Osório, se recusava a visitá-la e Julieta, que era orgulhosa demais para insistir que a amiga aparecesse, não fez questão de questionar sua ausência. Não via Elisa fazia anos e decidiu que aquele era um bom momento para reatar os laços perdidos.

Depois de se arrumar com muito cuidado, Julieta saiu. No jardim, se demorou apreciando as rosas, recém-abertas, que plantara semanas antes. Com um sorriso contido, apressou o passo até a enorme porteira de madeira. Quando ia abri-la, porém, uma voz a parou.

- Dona Julieta?

Virando-se, encarou Aurélio, que, com as duas mãos nos bolsos da calça, a encarava com seriedade.

- Sim? – ela respondeu, longos segundos depois, quando seu olhar se desviou da postura firme do empregado, que usava uma calça escura e velha e uma camisa branca molhada de suor. O primeiro botão, que estava aberto, revelava uma parte do peito do homem que tinha os dois olhos azuis estreitos e desconfiados. Sem entender a leve palpitação que sentiu, ela tentou se endireitar, arrumando a barra do vestido que, inevitavelmente, se sujou pelo caminho de terra e grama.

- A senhora precisa de alguma coisa?

- Não. Estou de saída. – Esforçando-se para parecer indiferente, voltou a tentar abrir a porteira, mas, o peso da madeira dificultou o serviço. Quando quase conseguia, sentiu que Aurélio se aproximava.

- Tenho ordens de não deixá-la sair por essas terras sozinha.

Com lentidão, ela se virou. Seus olhos, que se escureceram com uma raiva quase cega, a fez apertar os lábios.

- Como é?

- Seu marido teme pela sua segurança.

Aturdida e raivosa, Julieta balançou a cabeça, soltando o ar.

- E o que o senhor pretende fazer? Me impedir?

- Bem, essa foi a ordem que recebi. Mas eu não seria capaz de impedir uma mulher grávida de qualquer coisa – ele disse, com calma e um sorriso que Julieta considerou irritante. – Posso acompanhá-la.

- De forma alguma – Julieta bradou.

- Então, realmente não vejo outra alternativa...

Julieta abriu a boca para protestar, mas, cheia de uma raiva inexplicável e insuportável, não conseguiu encontrar as palavras adequadas. Seu rosto ficou vermelho pela fúria e sua boca tremeu, de forma que Aurélio precisou conter um sorriso estranhamente encantado.

- O senhor não sabe com quem está se metendo – Julieta disse, entre os dentes.

- O meu trabalho é apenas protegê-la, senhora.

- Em pouco tempo o senhor não terá trabalho algum.

- Só quem pode me mandar embora é o seu marido, que foi quem me contratou.

- O senhor é mesmo muito abusado.

- Estou apenas...

- Fazendo o seu trabalho – Julieta completou a frase, furiosa. – Pois o senhor não perde por esperar. Acaba de fazer uma inimiga que não gostaria de ter.

Com um sorriso provocativo e ousado, Aurélio ergueu uma sobrancelha.

- Achei que fôssemos amigos.

- O senhor é mesmo muito petulante – Julieta disse, antes de sair a passos firmes em direção à fazenda.



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