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História Nove Meses - Strange


Escrita por: julietamlx

Capítulo 57 - Strange


Fanfic / Fanfiction Nove Meses - Strange

Ana recebeu as duas cestas de rosas com um sorriso grato e deslumbrado. Julieta havia cultivado na estufa duas novas espécies, em um experimento quase intuitivo.

- São incríveis – Ana exclamou.

Depois de uma caminhada breve, Julieta alcançou a casa de chá. Sentia-se cansada e achou que uma xícara de café a daria forças para a caminhada de volta para o sítio.

A tarde caía ainda com um sol tímido escondendo-se entre as nuvens. Era primavera, mas já fazia calor. Algumas vezes, ia até a cidade a cavalo, o que a agradava muito. Outras, preferia a caminhada. Mesmo que o caminho fosse longo, havia se habituado. Gostava da paisagem e o exercício lhe fazia bem.

Limpando o rosto suado com as mãos, ela se acomodou na mesa ao fundo, onde costumava sentar-se. Era uma mesa mais distante e discreta e Julieta prezava pela discrição. Apesar de se sentir confiante e certa de que já não poderia ser reconhecida, havia adotado certos comportamentos. Calculava mentalmente toda sua rota e os riscos que ela trazia antes de qualquer movimento.

- Uma xícara de café, senhora Sampaio? – Laura perguntou.

Julieta assentiu, com um sorriso e a menina se afastou. Laura trabalhava na casa de chá fazia pouco mais de um ano. Ela era uma jovem simpática e sorridente, que sempre a tratou com cortesia, apesar de ter tentado manter um relacionamento distante com qualquer pessoa na cidade. Quando, algum tempo atrás, Laura perguntou seu nome, dizendo que Julieta havia se tornado uma cliente especial por aparecer ao menos uma vez na semana e tomar sempre o mesmo café, na mesma mesa, ela sentiu-se invadida. Sabia que seu nome não significaria nada para aquela menina, mas decidiu não arriscar e apresentou-se apenas como senhora Sampaio. Laura achou graça na formalidade, mas não discutiu, contente de que aquela mulher tão distante e vaga lhe oferecesse aquela pequena abertura.

- Aqui está – Laura disse ao se aproximar carregando uma bandeja polida que trazia uma xícara de café e um pedaço de bolo, que Julieta nunca pedia, mas que a menina fazia questão.

- Obrigada, Laura – Julieta disse, sorrindo.

Depois de tomar o café e comer o bolo, Julieta suspirou, esticando-se discretamente na cadeira, se preparando para a caminhada de volta para a casa. Sentia-se cansada, mas contente pela liberdade que abraçava. Num impulso se levantou, agarrando as cestas com a mão e caminhando até o balcão com um sorriso distraído pela constatação tão súbita sobre aquela mudança.

Ao se aproximar de uma bancada, onde bolos enfeitados eram estampados, juntos com outros doces e potes com café ainda sem moer, esbarrou em uma mulher que também se aproximava. Um tanto aérea, Julieta deixou as cestas caírem e só se deu conta de que havia tropeçado em alguém, quando um suspiro alto e irritado a fez encarar os dois olhos vermelhos e enraivecidos que se reviravam.

- Não olha por onde anda? – a mulher perguntou. Seu semblante estava franzido pela fúria desproporcional que a tomava.

- Sinto muito – Julieta disse, ainda confusa, abaixando-se para pegar as cestas. Ao se levantar e voltar a encarar a mulher, tentou sorrir. – Eu não a vi. Acho que estava distraída.

- É claro que estava – a mulher bufou, fazendo o sorriso de Julieta morrer em seus lábios. – Irresponsável. Mas o que esperar das pessoas dessa cidade, afinal?

Ela saiu, com passos fortes e barulhentos, que ressoaram por toda a casa de chá. Ainda sem reação, Julieta a observou se afastar, sentindo-se zonza demais para reagir.

- Não ligue, senhora Sampaio – Laura disse.

Despertando, Julieta desviou o olhar da mulher que caminhava apressada pela rua, para olhar para Laura, atrás do balcão. Voltando a si, sentiu-se consumir por uma raiva que a fez franzir a testa.

- Que mulher louca – Julieta disse, sem se conter. – Eu me desculpei. E nem tenho certeza se a culpa foi minha. Ela também sequer olhava por onde andava.

Laura suspirou, balançando a cabeça.

- Ela é assim mesmo – a menina tentou remediar, dando de ombros. – Vive com um humor dos diabos. Todos fogem ao vê-la se aproximando.

- Quem ela pensa que é para tratar os outros dessa forma? Que mulher mais arrogante.

Fechando a cara, Julieta soltou o ar, enquanto pagava à Laura o que havia consumido.

- Ela é, ninguém mais, ninguém menos, que a senhora Bittencourt – Laura explicou.

Ao ouvir aquele nome, Julieta deixou as cestas caírem novamente. A cor de seu rosto desapareceu e Laura se preocupou.

- A senhora está bem?

Engolindo em seco, Julieta tentou assentir.

- Como disse que ela se chamava?

- Helena Bittencourt – Laura disse. – Ela é casada com o senhor Bittencourt. Bem, a senhora não deve conhecê-lo. Ele é um fazendeiro muito rico aqui da região.

Sentindo que suas pernas começavam a tremer, Julieta fechou os olhos, tentando recuperar o ar, que pareceu ficar escasso. Enquanto massageava as próprias têmporas, abaixou-se para pegas as cestas.

- Senhor Bittencourt... – ela repetiu, num sussurro.

Laura, alheia àquela confusão e ao tremor que tomou conta das mãos de Julieta, voltou a falar:

- Ele é da pecuária – ela continuou. – É um homem muito rico, de posses. Nunca o vi pessoalmente, mas aqui se ouve falar muito a seu respeito. Helena é casada com ele. Digo, eles são amasiados – abaixando o tom de voz, Laura aproximou-se, debruçando-se sobre o balcão. – Acontece que ele já é casado, mas a esposa sumiu.

Julieta empalideceu e precisou segurar-se na bancada, com as mãos geladas, para se equilibrar sobre as pernas amolecidas.

- De qualquer forma, Helena agora é tratada como a senhora Bittencourt. É assim que ela se apresenta.

Tentando controlar os batimentos que se aceleraram insuportavelmente, Julieta lambeu os lábios secos e voltou a encarar Laura.

- Ela... Ela me pareceu uma mulher bastante...

- Esnobe – Laura completou, decidindo que Julieta não havia encontrado a palavra certa. – Ela é. Parece que tem o rei na barriga ou coisa assim.

- Ou talvez ela esteja só... Cansada – Julieta arriscou.

- Ela deve ter tudo a seu alcance – Laura disse, rindo. – Não há motivos para cansaço. Helena Bittencourt tem a vida que todas desejaríamos ter.

 

Ao fechar a porta atrás de si, Julieta soltou o ar. Seu rosto estava vermelho, mas duvidava que fosse pela caminhada. Sua mente estava tão agitada, que uma súbita dor de cabeça a atingiu.

- Julieta? – Aurélio a chamou, aproximando-se.

Despertando do transe, ela o encarou. Tentou sorrir.

- Está tudo bem? – ele insistiu, segurando em suas mãos.

Ela assentiu, mas seu semblante estava desconcertado.

- Estou cansada, preciso de um banho. Onde está Camilo?

Aurélio beijou sua face delicadamente.

- Já foi dormir. Ema o levou.

Julieta suspirou, agradecendo silenciosamente, enquanto aproximava-se para apoiar a cabeça no peito de Aurélio, que a amparou e alisou suas costas.

A noite havia caído e, mesmo que durante todo o dia tivesse feito calor, agora uma friagem agradável os cobria.

- Você demorou – ele comentou, tentando esconder a preocupação.

- Parei para tomar um café e acho que perdi a hora – Julieta disse, mas sabia que não era verdade. Havia caminhado mais lentamente do que o normal e obrigou-se a demorar para chegar em casa, na esperança de que seus pensamentos estivessem menos agitados. No entanto, eles continuavam a tirar-lhe toda a concentração.

- Julieta?

Ela se separou para encará-lo. Aurélio alisou suas bochechas.

- Perguntei se está com fome.

Ela negou, passando a língua pelos lábios.

- Só quero tomar um banho e descansar.

Aurélio assentiu e a puxou pela mão até o corredor. Com um sorriso malicioso, enquanto massageava os ombros duros da mulher, ele se ofereceu para acompanhá-la no banho. Mesmo que sentisse o corpo estremecer, Julieta negou, beijando-o para consolá-lo, explicando que se sentia cansada demais. Aurélio entendeu e a esperou no quarto, já deitado. Quando ela apareceu, vestindo o roupão branco por cima da camisola, Aurélio, que estava concentrado em uma leitura, fechou o livro e o colocou sobre o criado-mudo, esticando o braço e encorajando Julieta a se deitar. Depois de tirar o roupão e pendurá-lo, ela se aproximou, aconchegando-se ao lado de Aurélio e abraçando sua barriga. Ele beijou seus cabelos.

- O que foi? – ele perguntou. A conhecia bem o suficiente para saber que havia algo que a perturbava e Julieta abafou um sorriso com a constatação e gratidão por saber que ele não havia insistido.

Lentamente, ergueu-se para encará-lo. Seus olhos tensos evidenciavam uma preocupação que ela mantinha em segredo até aquele momento.

- Enquanto estive na cidade hoje... – ela começou a dizer, mas hesitou, puxando o ar para tomar coragem. Curioso, Aurélio estreitou os olhos. – Esbarrei com uma mulher.

- Uma mulher?

Julieta suspirou e se sentou, deixando o corpo ereto e as pernas curvadas.

- Ela foi muito grosseira e... – Fechando os olhos, decidiu que não fazia sentido prolongar o que tinha para dizer. – A moça que trabalha na casa de chá me contou que ela se chama Helena. Helena Bittencourt, e é a nova esposa de Osório.

A expressão de Aurélio se modificou rapidamente. Seus lábios se entreabrira com surpresa e seus olhos ficaram tão nublados, que Julieta apressou-se em explicar:

- Ela não sabe quem eu sou – ela disse, tocando o rosto vermelho do homem. – Como poderia? Eu só... Fiquei surpresa.

- De que ele tenha se casado novamente? – Aurélio perguntou.

- Também. É estranho não saber nada sobre sua vida.

- É melhor assim, querida – ele disse. – É melhor que Catarina já não esteja naquela casa e não nos conte sobre o que acontece lá. Assim, podemos seguir em frente.

- Mas não podemos nos adiantar sobre seus movimentos.

- Não há movimentos, Julieta. Você mesmo disse. Se ele se casou novamente, ele também seguiu em frente e entendeu que essa busca não faz o menor sentido.

Julieta deu de ombros.

- O que mais me surpreendeu foi o fato de sua nova esposa parecer tão agressiva.

Aurélio soltou o ar, puxando-a para si.

- Sua decisão de continuar indo à cidade é um erro – ele disse, abraçando-a contra seu peito e apertando-a com os dedos e as mãos. Um desespero quase gritante o tomou e ele precisou senti-la, tanto quanto possível, ali, segura. – Chega, Julieta. Você não pode continuar se expondo dessa forma.

Ela o permitiu abraçá-la por um momento, antes de se separar para encará-lo.

- Você sabe que não abrirei mão disso.

Aurélio fechou os olhos com força, balançando a cabeça.

- Você precisa pensar na sua segurança – ele insistiu, fazendo pausas entre as palavras. Sua voz ficou rouca e baixa e ela se comoveu com a preocupação que nunca o abandonava.

Tocando a face dele suavemente, Julieta suspirou, aproximando-se.

- Está tudo bem, Aurélio. Eu estou bem.

Aurélio prendeu o ar, assustado, e Julieta sorriu para acalmá-lo. Alisando os cabelos louros com mechas grisalhas do homem, ela suspirou.

- Não se preocupe, sim?

Ele assentiu, ainda que seus lábios estivessem pálidos.

- Essa mulher a desconcertou – ele concluiu, ainda sério.

- Sim – Julieta confessou, com certo pesar. – Mas não por medo de que eu pudesse ser encontrada. – Fazendo uma pausa, abaixou o olhar. – Por ela, Aurélio.

- Como? – ele perguntou, sem entender.

Levantando o olhar, ela suspirou.

- Essa mulher... – ela começou a dizer, mas parou, encarando um ponto vazio no quarto. – Ela me pareceu tão furiosa. Me pergunto se essa fúria seja para esconder o quanto, na verdade, ela se sente assustada.

Entreabrindo os lábios, Aurélio balançou a cabeça, com reprovação.

- Não, não, Julieta. Esse problema não é seu. Não mais. Por favor, não pense nisso.

- Ele sempre foi um monstro – ela sussurrou, com amargura. – Seria improvável que seu comportamento tenha mudado...

Aurélio segurou o rosto da mulher entre as mãos e ela sentiu-se queimar por aquele olhar.

- Você seguiu em frente, querida. Isso fez com que deixasse esse homem para trás, com todas as consequências desse relacionamento. Para que possamos viver plenamente, precisamos não olhar para trás.

Julieta sorriu com tristeza.

- Eu sei. Mas me pergunto se... – Ela parou. Prendendo o ar, mordeu o lábio inferior com força, deixando-o esbranquiçado. – Você me ajudou, Aurélio. Você me fez enxergar que eu merecia mais do que aquele inferno. Me pergunto se essa mulher também não precisa de alguma ajuda.

Aurélio balançou a cabeça, apertando os ombros de Julieta.

- Você está supondo tudo isso – ele disse, com firmeza. – Você sequer a conhece. Vocês mesmo disse. Vocês esbarram, tão rapidamente, que seria impossível que soubesse sobre a vida que ela leva. É natural que se veja inclinada a pensar dessa forma, por tudo o que viveu. Mas é provável que ela esteja bem, que tenha uma vida normal. Osório não poderia se casar novamente no papel, portanto essa mulher não tem um vínculo tão concreto que a proibisse de sair de um relacionamento que fosse ruim.

- Papeis nem sempre são o que prendem as mulheres em relacionamentos abusivos.

- Sei disso – ele disse. – Mas pense que seria mais fácil para ela se afastar, se vivesse sob a mesma violência que... – Silenciando-se, Aurélio suspirou. Não queria trazer à tona aquelas lembranças que ainda a assombravam, mesmo que mais sutilmente. Balançando a cabeça, ele a trouxe para si e beijou as bochechas frias de Julieta, que entendeu. – Deixe essa história para lá, sim?

Ela se aconchegou no peito amoroso do agora marido, mesmo que nenhum papel pudesse comprovar tal união, e nem precisasse, afinal, e afundou seus dedos nos braços que a envolviam e a apertavam com carinho. Engolindo em seco, fechou os olhos, enquanto, silenciosamente, concordava. Sua mente havia estado tão inquieta desde aquele encontro inesperado, que se sentia incapaz de continuar ruminando possibilidades que sequer sabia se faziam sentido.

- Você tem razão – ela murmurou. – Quando Catarina resolveu se mudar do estado para morar com o filho e Jorge foi demitido, tive medo de não saber mais sobre o que acontecia naquela casa. Mas foi muito melhor assim...

Ele beijou seus cabelos, suspirando fortemente.

- Então esqueça esse encontro. Não pense mais nisso.

Julieta concordou, apertando os olhos com força.

Sabia que, racionalmente, faria de tudo para apagar esse encontro de sua cabeça. Mas duvidava que conseguiria parar de pensar nisso. Havia sido sincera ao afirmar que o afastamento de Catarina, mesmo que doloroso, havia trazido a paz da ausência de notícias da fazenda. Osório se tornara um fantasma nos últimos anos. Seu nome nunca era mencionado e ela nunca escutara na cidade rumores sobre a vida daquele homem. Não havia ficado surpresa, porque ele sempre prezara por levar uma vida alheia aos cochichos das pessoas e punia os empregados que suspeitava que pudessem compartilhar detalhes da intimidade e dos hábitos familiares. Esse silêncio absoluto foi reconfortante. Desconfiava que ele continuava vivo, porque uma morte seria um ruído que ninguém conseguiria conter, mas não sabia como vivia, se ainda a procurava com o afinco dos primeiros anos, se conservava os mesmos empregados, se mantinha os mesmos hábitos cruéis de antes. Esses detalhes poderiam fazê-la desviar-se de encontrar para si possibilidades novas, melhores. Assim, o silêncio não a perturbava e gostaria de ter continuado com ele. Agora que conhecia algo de sua vida, os pensamentos que se aquietaram, voltaram a borbulhar incansavelmente e não conseguia, mesmo que tentasse, apagar o olhar daquela mulher. Poderiam aqueles olhos carregarem o mesmo terror que a havia dilacerado? Essa pergunta ia e vinha, como um disco arranhado, que sempre volta ao mesmo ponto. Como seguiria agora que não vivia mais alheia àquela vida que tentou apagar por tanto tempo de suas lembranças?, ela se perguntou. 


Notas Finais


Oi, queridos! Obrigada por continuarem aqui. Quero saber o que vocês estão achando do rumo da história... :) Espero que estejam todos bem e seguros. Esse momento difícil vai passar. Muita fé e esperança para todos nós. Um beijo grande!


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