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História O Ato de Ser (shiita) - Capítulo Único


Escrita por: leattan

Notas do Autor


AVISO: a fanfic aborda a transexualidade e a assexualidade. pode haver gatilhos para alguns.

Dedicada a @AlexCheroso.

Boa leitura <3

Capítulo 1 - Capítulo Único


Dia 24 de setembro foi o pior dia da minha vida. 

A tenebrosa data caiu em uma sexta-feira, mesmo que isso pouco importasse. Não para me vitimizar, mas a minha vida era composta por mais baixos do que altos, por constantes momentos sombrios pelos quais eu passei para me tornar quem sou agora. É triste, eu sei. Shisui diz que essas merdas todas me ajudaram a evoluir e fazem parte de mim.

Shisui é especial, só que não começou assim. Antes ele era meu primo distante. Era um familiar tão remoto que nunca tinha ouvido aquele seu nome exótico antes, "Shisui". Seus pais tinham acabado de morrer quando ele veio morar conosco, eu e minha família. Eles tinham sido assassinados, deixando um menino de dez anos para trás, completamente perdido para ser cuidado por outros. Não vou ser hipócrita e dizer que a chegada daquele intruso não foi incômoda, porque foi. Já não bastava que, há dois anos, eu havia perdido meu posto de filho único para o meu irmão, Sasuke, agora eu teria que dividir o meu espaço com um garoto três anos mais velho. Eu me sentia completamente abandonado.

Em contrapartida, nada aconteceu como o esperado por mim. Meus pais não deram atenção ao recém-chegadocontinuavam a encher Sasuke com aqueles carrinhos de brinquedo, enquanto a mim eram dados vestidos e laços—, ele estava sempre à margem, assistindo a tudo como se não pertencesse àquela família, nem a lugar algum.

Nos primeiros meses que se passaram, eu me senti muito bem, embora ainda receoso com relação a Sasuke— não estava disposto a abandonar o meu posto de filho destaque. Entretanto, com o tempo, uma sensação estranha demais para um pequeno corpo de somente sete anos tomou conta de mim. Na época, era difícil explicar. E ainda é. Só sei que aquele medo à rejeição me fez criar uma espécie de vínculo com Shisui. Não gostava de me sentir sozinho, nem queria que ele se sentisse também. Mais tarde descobri que isso se chamava empatia. Até hoje não entendo por que motivo meus pais, com toda aquela idade e anos de estudo, não descobriram sobre essa curiosa palavra.

Ainda envergonhado por todos os dias em que o ignorei, me aproximei dele:

— Pode me ajudar a preparar um chocolate quente?  

Era mentira minha. Não estava com fome, porém era um motivo para que nos falássemos. Queria de alguma forma criar uma proximidade entre nós.

— Certo, pirralha — andou até o armário da cozinha. — E eu sei que está aprontando. O que você quer? 

Como uma criança, eu fui simples. Disse que queria que ele fosse meu amigo. 

Ele também foi direto. Disse que gostaria que eu fosse sua amiga.

Crianças não são complicadas. Para elas, meias palavras bastam para criar um mundo inteiro em suas cabeças. 

Eu me impressionei com as habilidades na cozinha que ele possuía. Certo que não era uma coisa lá muito difícil de se fazer, mas o gosto era maravilhoso. Depois disso, acabei por pedir que ele me ensinasse um pouco daquilo e fizesse mais daqueles doces.

Encontrávamo-nos de noite ou quando meus pais estavam fora para tentarmos uma nova receita. Em uma dessas maluquices de achar a fórmula do doce perfeito, aprendemos a fazer o que apelidamos carinhosamente de "dangos". Eram bolinhas macias e gostosas compostas por arroz com sabores que nós mesmos escolhíamos. Meus favoritos eram os de morango. Até hoje são.

— Ei, não joga isso na minha cara — exclamei irritado quando ele arrastou o dedo coberto de chocolate pelo meu nariz.

— Para de gritar. Vai acabar acordando seu pai — seu tom era mais baixo e calmo, enquanto analisava a porta para ver se ninguém viria nos checar.

Aproveitei a distração para melar sua bochecha.

— Estamos iguais — eu tinha um sorriso travesso no rosto.

— Sim, estamos.

Infelizmente, não fui pequeno para sempre. Eu cresci fisicamente, mas minha mente insistia em ficar naquele passado.

Gosto de me lembrar da época em que Shisui me levava para comprar salgadinhos depois da aula e dividia seus brinquedos comigo. Gosto dos fragmentos de memória que me vêm à cabeça em tardes-quase-noites como esta, comigo andando junto a ele pela praia, catando conchinhas coloridas pela areia, enquanto aquela sensação macia acariciava nossos pés. Porém a adolescência chegou junto a todos os medos e inseguranças da vida adulta próxima. Foi então que a linda flor da vida que crescia em mim começou a murchar.

Minha adolescência foi uma bagunça. Aspectos que antes não me incomodavam agora estavam ali de forma vibrante, pedindo para que os olhasse e sentisse a mais pura repulsa. Alguns lugares tinham de mais, outros, de menos. Era uma confusão tão grande que eu não conseguia explicar. 

Passava dias sem querer sair do quarto, quando estava mal demais para encarar qualquer um, mas também não anulava a existência de outros momentos em que eu estava tão repleto de vida que queria passar noites em claro, conversando com Shisui. 

Às vezes, andávamos até o farol na costa marítima e sentávamos sobre as pedras. Lá, contávamos as estrelas, dizíamos o nome de todas as constelações que podíamos, inventávamos estórias nunca antes contadas ou ficávamos só em silêncio. Era confortável estar com ele. Mostrava que estávamos bem com aquelas nossas existências ingênuas de pessoas do interior.

Essas memórias carregavam um "quê" da conexão profunda entre nós. Nunca vou conseguir sentir a mesma emoção e o mesmo frio na barriga que eu sentia naqueles pequenos instantes com ele. O único favor o qual podia me fazer era guardar aqueles nossos instantes como preciosidades e sentir aquela saudade que vinha de vez em quando para me lembrar de que era possível ser feliz. 

Lógico que naquele tempo eu não levava tanto para o pessoal. Para mim, aquilo era só estar com ele. Apesar de ser isso mesmo, um comum passar do tempo com alguém, nesse "apenas estar" estavam muito mais do que simples segundos, havia uma infinitude toda. Era estar completamente cheio de uma alegria imensurável. 

Ao seu lado, eu conseguia ser eu mesmo sem me preocupar com os comentários maldosos— que eu nem sabia o motivo de me incomodarem tanto— da minha família ou de colegas de classe. Era somente bom estar com ele. 

Quando paro para pensar naquelas tardes em que assistíamos ao pôr do Sol, penso que Shisui estava tão solitário quanto eu. Seu olhar era vazio, mas, ainda assim, tão obscuro que parecia guardar todos os segredos do universo. Ele devia sofrer muito com a morte da família e também com o fato de viver com estranhos, mesmo depois de oito anos conosco.

— Ei, estrelame chamou. — Lembra que eu te falei que sonho em ser marinheiro?

— Sim. É impossível esquecer.

Era impossível mesmo.

Só aprendi o nome daquelas coleções de astros que iluminavam o céu naquele noite por conta do fascínio dele pelos mares. Nunca cansava de me dizer como as estrelas podiam ser usadas para navegação. Quando os navegantes se encontravam perdidos, sempre tinham a possibilidade de olhar para aquela imensidão escura capaz de os guiar para casa. Ele era tão apaixonado por isso que acabei me envolvendo. Desse jeito, nós dois podíamos compartilhar aquela afeição pelos brilhos no céu.

— O que tem isso? — depois de todo aquele silêncio, indaguei.

— Eu vou embora. Vou seguir meu sonho.

Minha mente se esvaziou.

O pior dia da minha vida: 24 de setembro. 

O dia em que Shisui foi embora.

— Como assim vai embora? — meu peito retumbou aflito. — Como você vai embora!? Você mal ficou.

— Oito anos. Fiquei oito anos aqui — suspirou. — Já fiz dezoito. Seus pais vão me deixar ficar aqui.

Ele falava olhando para as ondas calmas, como se tentasse transmitir a mesma segurança que elas. Naquele instante, eu não percebia que, até o mar mais calmo, guardava uma infinidade de segredos em seu fundo. Por fora, ele parecia sério, por dentro, devia estar uma tempestade. Notei isso quando vi suas mãos inquietas acompanhas por sua boca trêmula.

Fiz como uma criança: agi pelo impulso e o abracei.

Jurei que sentiria muito sua falta. Ele também disse que não se esqueceria de mim.

Já estava sentindo saudade. Já ouviu falar de saudade no presente? Era tão ruim quanto quando se está distante. É saudade do que ainda nem aconteceu, ou do que ainda vai acontecer. É um sentimento ruim que dói a pior das dores. Dói na alma.

— Quando você vai?

— Pego o último trem de hoje.

— Como você vai se manter?

— Eu dou um jeito. Vou te ligar sempre que puder.

— Não vai ser a mesma coisa.

— É o que podemos fazer agora.

Nunca cheguei a perguntar as razões pelas quais ele só me contou que iria embora no dia da viagem. Acho que quis me poupar da dor o máximo possível. Devia doer muito nele se importar tanto comigo. Queria ter dividido esse sentimento com ele nos últimos dias em que ele ficou comigo.

Levamos-no até a estação. Ainda não sabia como reagir à iminência de sua partida, então me mantive silencioso. Sasuke estava inquieto. Meus pais pareciam pouco se importar. Todos estávamos muito diferentes com relação ao fato de que Shisui iria embora.

Me arrependi por não ter dito nada além de um "até" poucos segundos de ele embarcar. Deveria ter dito palavras carinhosas ou o abraçado. Teria valido mais do que tudo tê-lo um pouco de tempo a mais perto de mim. O trem foi embora sem mais chance de despedida, deixando-me estático para trás. Só tive a real realização de que ele se fora no dia seguinte, quando sua cadeira, ao meu lado, estava vazia. Eu desabei.

No início, meus pais entenderam a minha tristeza, mas, poucos dias depois, não passava de birra minha para eles. Não me importei em contestar nada do que diziam. Eu estava muito mal. Não sentia vontade nem de comer, nem de sair da cama. Eles não conseguiam entender que a cadeira na cozinha ou a cama no quarto de hóspedes não eram os únicos lugares vazios naquela casa. Dentro de mim crescia um buraco que dificilmente seria tapado. 

Depois de sua partida, tudo ficou ainda mais difícil. Cada passo no caminho tortuoso da adolescência estava mais para um tropeço com direito à plateia. Me sentia estranho entre as pessoas da minha idade. Era como ele. Estava presente em casa, mas nunca ali de verdade.

Eu via as garotas ao meu redor e não queria ser como elas. Eu preferia os garotos.

Sentia inveja das vozes grossas e dos seus corpos. Eu queria ser assim como eles.

Me sentia preso pelas correntes que estavam amarradas em mim. Elas queimavam todo mês quando eu tinha um pequeno lembrete que aquele não era eu de verdade. Pesavam toda vez que ouvia meu "nome" ou a forma como me tratavam.

Tudo isso sempre vinha junto àquela mágoa de saber que não tinha alguém para, não apenas me ouvir, mas também me escutar.

— Me ensina essa questão? — Sasuke sentou ao meu lado sobre a cama com seu livro de matemática em mãos.

Mesmo com todos aqueles problemas me afogando, não podia me esquecer de Sasuke. 

Eu amava meu irmão mais novo. Ainda amo. Mas tínhamos praticamente seis anos de diferença. Não podia cobrar maturidade nenhuma dele para lidar comigo. Não podia exigir nada de ninguém. Estava sozinho.

— Claro. Deixa eu ver— expliquei o cálculo com calma para ele, que esboçou um pequeno sorriso. — Entendeu?

— Sim! Obrigado, estrela— meu coração se apertou. — O que foi que você ficou triste?

Dizem que crianças têm um sexto sentido para as coisas. Podem enxergar assombrações ou outros seres sobrenaturais. Para mim, elas conseguiam ir além, Sasuke estava apalpando minha alma com seus pequenos dedos.

— Ei, Sasuke, você guardaria um segredo? — me aproximei.

— Depende... É importante mesmo?

— Sim.

— Guardo.

— Não me chame mais por esse nome.

— Por quê?

— Não me agrada. É muito esquisito. 

— Como devo te chamar?

Corri os olhos por todo o quarto, buscando por alguma recordação de um nome que combinasse comigo.

— Itachi — me impressiono pelo fato que minha voz não falhou sequer um pouco. — Itachi Uchiha.

— Mas esse nome é de garoto.

As poucas palavras de Sasuke causaram uma ebulição de emoções dentro de mim. De certo era um nome de menino, mas combinava tanto comigo. Era tão mais eu.

— Eu sei. Me chame assim quando nossos pais não estiverem por perto, certo? — ele assentiu. Eu já não escondia o meu grande sorriso dele. — Sente falta do Shisui?

— Sinto — desviou o olhar.

— Vamos fazer assim então. Quando nossos pais estiverem por perto, me trate como sua irmã — falei com pesar na voz. — Mas, quando não, meu nome é Itachi e eu sou seu irmão mais velho.

— Certo, maninho — falou meio devagar, ainda compreendendo

Mesmo com aquela voz hesitante dele, uma onda elétrica percorreu meu corpo todo.

Pela primeira vez na vida, eu não era "ela", "a garota", "a irmã", "a filha", "a aluna", ou entre dezenas de outros substantivos. Eu era eu. 

— Diga de novo. Do que me chamou? — meu coração acelerado fazia com que eu misturasse milhares de emoções freneticamente. — Repita — segurei as mãos dele.

— Maninho?

— Sasuke... — minha voz saiu embargada. — Sasuke! Eu te amo tanto. Você não sabe o quanto.

Me permiti chorar de uma verdadeira felicidade.

Podia parecer pequeno, mas, assim como as minúsculas estrelas guiando os barcos, aquela mudança pequena mexeu com tudo dentro e fora de mim. 

Naquela noite, não dormi. Não como nos outros dias pela insônia, mas por estar repleto do mais verdadeiro sentimento que podia sentir. Me sentia aceito, mesmo que um pouco. Isso era como se algo em mim tivesse mudado. Era um "eu" diferente. Talvez fosse o "eu" que se manteve escondido por tanto tempo de todos que a poeira se acumulou em seu corpo, impossibilitando seu reconhecimento, mas que sempre morou aqui, por isso parecia tão habitual. 

Aproveitei as horas em claro para preparar um dos  dangos inventados por mim e Shisui. A massa não ficou tão boa quanto como parecia ficar quando ele me ajudava a prepará-la, mas trazia doces memórias dele. Estar feliz fazia com que não doesse tanto devorar aquelas bolinhas grudentas só. Trazia uma nostalgia boa e me fazia perguntar se ele ainda comia aquela sobremesa esquisita.

Logo pela manhã, meu dia continuou ótimo, porque Shisui me ligou:

— Nossa, mas você está radiante — disse após poucos segundos de conversa.

— Estou? Só pela voz dá para perceber assim? — brinquei um pouco. — Só estou de bem com a vida por agora. Estou me dando bem com umas pessoas, aprendendo a lidar, sabe? E você?

— Está tudo bem. Melhor ainda sabendo que está correndo tudo bem por aí. 

Ele me contou que passou no concurso para marinheiro e estava treinando bastante. Estava muito orgulhoso por ele. 

Ele sempre me ligava quando podia. Mesmo assim, não era a mesma coisa do que quando estávamos ao vivo, sempre acabávamos por ficar sem assunto ou nem chegávamos a nos aprofundar em nada durante as ligações.

— Penso em me mudar para aí... Viver com você — disse em uma outra tarde em que ele me ligou. A vida naqueles dias parecia mais chata do que o habitual. — Sinto muito a sua falta.

— Sabe que a vida aqui não é das melhores. Você já tem uma família aí. Tem seu irmão, seus pais... É no interior, mas tem tudo que você precisa para ser feliz.

— Você também é parte da minha família e também parte da minha felicidade. Por que não posso nem te visitar?

— Seus pais não gostam de mim.

— Por que você não pode me visitar?

— O dinheiro está curto. 

Eu fiquei em silêncio. Ele também.

Era bom ter Sasuke me tratando como eu era, mas eu vi que não era o suficiente. Quando se prova um pouco de liberdade, logo se quer possui-la toda de uma vez. Era um doce novo e viciante que eu não conseguia me segurar para ter mais um pouco.

Ainda tinham os detalhes que me incomodavam, os quais não me deixavam sentir a liberdade verdadeira. Um desses eram os meus pequenos peitos. Eram tão minúsculos que mais pareciam duas azeitonas debaixo da minha blusa, mas ainda estavam ali. Eram um incômodo.

Eu não me odiava por completo. Por vezes, me sentia muito confortável comigo mesmo, mas havia também momentos em que habitar debaixo de minha pele era uma sensação horrível.

Poderia nomear facilmente as características que gostava em mim mesmo: meus cabelos eram uma delas. Amava as madeixas negras que adornavam minha face e contrastavam com a minha pele branca como mármore. Eram brilhantes e hidratadas, um exemplo perfeito que eu poderia me esforçar para manter algo em bom estado. Meus fios eram especiais para mim. Também havia as marquinhas em meu rosto, bem próximas aos meus olhos, que, durante a infância me incomodaram bastante, mas depois se tornaram especiais. 

Óbvio que as partes que eu não gostava não deixavam de existir, mas eu tentava olhá-las o menos possível. Como dizem: "o que os olhos não veem, o coração não sente". Comecei a usar roupas folgadas para cobrir minhas curvas e não olhava para o espelho completamente nu nem se me pedissem. Em alguns dias esse plano de evitar a mim mesmo funcionava, em outros não.

Meus pais chamavam isso de "aborrescência". Eu chamava de "procura por identidade".

Um fenômeno curioso que passei a notar é como na adolescência as pessoas buscam incessantemente pela aceitação. Procuram encontrar algum grupo capaz de defini-las por completo. Colorem e descolorem os cabelos. Compram novas roupas e depois as jogam fora. Colocam piercings e fazem tatuagens. Mudam tanto com o objetivo chegar a algo que as represente verdadeiramente. 

Eu também não era diferente e ainda não sou. Me sinto outro a cada dia. Mudo lentamente. Nunca sou o mesmo. A mudança nunca para dentro e fora de mim.

Quem me via pelas ruas, me definia como garota. Eu enxergo um garoto.

Quem olhava meu nome na chamada da escola dizia estrela. Eu troco. Prefiro ouvir "estrela".

Eu gostava do brilho dos brincos que minha mãe comprava para enfeitar minhas orelhas. Pensei, então, em usar essa palavra, em vez daquele nome que não me representava nem sequer um pouco. Era fácil. Apenas precisava substitui-lo secretamente em minha mente, quando alguém o dissesse. Era menos dolorido. Acabei por trocar "brinco" por "estrela". Não sei o que me deu. Achei que combinava mais comigo um dia aí troquei. 

Estrela, — Shisui falou comigo do outro lado da linha. — Hoje demorou para atender. Está tudo bem?

— Sim. Estava terminando de fazer uns doces por agorinha. 

 — Sério? Lembrou de mim?

— Nunca esqueço.

— Que bom. Tenho uma notícia para você.

— Qual é? — a voz animada dele me deixou curioso.

— Vou começar a navegar! — vibrei com a afirmação, mas, de repente, tudo se escureceu dentro de mim.

— Espere... Você não vai ficar na mesma cidade, não é?

— Não — pareceu relutante em deixar aquela informação sair.

Eu não havia o contado, mas planejava sair de casa assim que fizesse dezoito anos. Iria procurar por ele. Não viveria às suas custas. Arrumaria um trabalho. Nós iríamos viver juntos e felizes, assim como quando éramos mais novos.

 — Vá ao farol amanhã à noite. Estarei lá — não deixou que eu falasse, apenas desligou, deixando-me perplexo.

Na noite seguinte, andei lentamente pela areia, mas estava calçado. Assistia às ondas quebrando contra as grandes rochas que decoravam a praia, quando vi Shisui apoiado contra o branco envelhecido do farol. Um sorriso decorou de imediato o meu rosto e eu corri para abraçá-lo.

— Eu senti tanta saudade  — murmurei em seu pescoço.

— Também senti sua falta, pequena.

— Não, não me chame assim — me afastei.

— Acha que já é grande? — riu.

— Não sou mais o mesmo de quando você me conheceu.

Estrela? — murmurou sem graça.

— Não quero mais ouvir esse nome. Nunca mais. Não vindo de você  — minhas mãos tremiam. Tentei as esconder, mas ele as puxou e as segurou com força. — Por favor.

— Qual o seu nome então? Fique calma.

— Itachi. Me chame de Itachi. Não é "calma". É "calmo".

Ele ficou em silêncio, analisando a mim e as minhas palavras.

Era bom dizer aquilo para alguém além de Sasuke. Ele já havia crescido um pouco desde aquele acontecimento, contanto provavelmente ainda continuava sem entender o que eu queria dizer de verdade. Ainda estava com medo para dizer como me sentia para ele. Com Shisui, eu tinha a sensação de que ele poderia ler todas as linhas confusas do texto que eu era e, mesmo se não entedesse, continuaria persistindo até encontrar uma explicação ou só a falta dela, a qual já dava sentido para muita coisa. 

— Tudo bem — me observou bem. — Por Deus, Itachi, você está tremendo tanto — agarrei mais uma vez meu corpo ao dele. — Vamos para dentro do farol. É mais quente para você.

Andamos para dentro da instalação e pude, então, separar nossos corpos.

— Obrigado por me aceitar — sussurrei pela milésima vez.

— Não precisa me agradecer, Tachi — gostei do apelido que me deu. Ele sorriu envergonhado. — É o mínimo que posso fazer por você. 

Fitei seus olhos negros chamativos por alguns segundos antes que o desejo de beijá-lo me impussionasse para frente. Nossos lábios colocaram-se um contra o outro com delicadeza. Retribuíamos um ao outro com a intenção de mostrar um profundo carinho.

Não sei dizer se ficamos nos beijando por uma hora ou um minuto, mas, quando minhas mãos correram para locais indesejados, ele me parou.

— Sinto muito, mas eu não me sinto confortável com isso.

— Também não estou pronto ainda — comento, ofegante.

— Acho que nunca vou ficar.

A revelação me deixou um pouco em choque. Sempre ouvi por aí que homens não são nada além de maníacos por sexo que não hesitariam em trair suas esposas. Bem, eu era um homem e não fazia isso. Shisui talvez fosse que nem eu. Éramos dois garotos bem estranhos.

 — Está tudo bem. Estou aqui para te mostrar que você consegue me amar sem precisar disso.

— Obrigado — ele me olhou aliviado. — Estou aqui para te mostrar que consegue ser amado independente da forma como se sinta.

Nos deitamos naquela cama a qual ficava disponível para o faroleiro, que, por sinal, não aparecia ali há séculos.

Foi mais um daqueles dias tão felizes que não consegui grudar as pálpebras nem por um segundo. Nunca me senti tão agradecido, porque senão não teria percebido que, na calada da noite, ele me abraçou por trás como se fôssemos um segredo.

Éramos seres complexos que, mesmo em meio a essa complexidade toda, conseguíamos chegar a mais simples e óbvias das conclusões: o amor era muito mais do que apenas os aspectos carnais. Ele conseguia me despir por completo sem mover um dedo, só de estar ao meu lado naquela pequena cama, respirando contra minha pele e acariciando minha nuca. Estar com ele ali era o suficiente para mim.

Suas palavras eram toques na alma. Sussurradas logo pela manhã, fizeram meu peito se envolver de um amor inebriante. Ele disse que estava ali por mim e garantiu que me aceitava por ser quem eu era.

Um tempo depois, o espaço ao meu lado estava vazio. Ele precisou voltar ao porto. Tinha pegado o último trem daquele dia, mais uma vez, só para estar comigo. Me prometeu voltar para me ver e aquilo me reconfortou como um abraço.

Decidi todos as noites caminhar pela orla com uma lanterna até o farol. 

Tinham vezes que eu comia dangos de morango e deixava a saudade me consumir por inteiro, tinham outras que só apreciava as estrelas, aqueles astros andantes. Se eu olhasse todo dia para o céu decorado por elas, estariam em um lugar diferente. Pode ser por isso que me identificava tanto com elas. Sempre mudavam, mas ainda podiam mostrar o rumo à casa a qualquer instante. 

Esperava que, algum dia, Shisui avistasse a minha pequena lamparina, indicando o caminho dele de volta.

Era um alívio ser eu mesmo.


Notas Finais


Eu quis dar um ar de continuidade da vida. Não sei se perceberam, mas o Itachi nunca disse exatamente o que ele era… É porque para algumas pessoas o processo de descoberta e aceitação leva uma vida inteira.

Espero que tenham gostado<3


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