História O avesso dos ponteiros - Eu que não sei mais quase nada de você

- Você não pode estar falando sério, Gerard?

A voz de Karma vacilou um pouco ao encarar o editor chefe da revista na qual trabalhava. A semana havia começado de forma tranquila, mas conforme o fim de semana se aproximava os problemas apareciam e ficavam cada vez piores. Há algum tempo a Austin Musical vinha sofrendo com os problemas de tiragem, a concorrência do conteúdo não-impresso se tornou o principal problema devido a forma como o conteúdo era veiculado ao público.

Transformar uma revista em algo tão interativo quando um site estava se tornando o calcanhar de Aquiles da AM. No mundo virtual era tudo mais vivo e brilhante em contrapartida tudo que era posto na revista parecia sem vida e apático. Karma havia ignorado o problema por alguns meses pensando que era só uma fase ruim, mas agora com Gerard falando abertamente sobre o assunto em uma das reuniões semanais a faziam repensar no por que ela havia feito isso.

- Eu não brincaria com um assunto desses Karma.

- Então o que vamos fazer? Nós temos contatos muito bons que nos ajudariam a resolver esse problema.

- Não precisamos só de contatos nesse caso, precisamos transformar nosso material impresso em algo que as pessoas gostariam de guarda em suas casas.

As horas que seguiram foram um tormento para toda e qualquer pessoa envolvida na produção da revista, desde os fotógrafos até o pessoal responsável pela impressão. Faltavam pouco menos de um mês para fecharem a edição do mês seguinte e ficou estabelecido que eles teriam uma semana e meia para apresentar qualquer solução.

Ao saírem da sala de reuniões Karma não conseguia pesar em outra coisa que não fosse um drink e uma quantidade generosa de comida. Talvez ela não fosse ao escritório na manhã seguinte, então ao terminar o expediente ela pegou um taxi e partiu em direção ao Malaga Tapas & Bar, a condução não demorou muito e logo ela estava de pé na entrada do local. O ambiente era tranquilo quando ela atravessou sua entrada, porém a presença de duas cabeleiras bastante conhecida a fez franzir o rosto em confusão.

Até onde Karma sabia Liam e Amy não compartilhavam a companhia do outro se não fosse ela o motivo, mas isso era coisa do passado, um passado onde ela e Amy eram inseparáveis. Passado o choque inicial ela foi ao bar e pediu um drink bêbedo ele ali mesmo enquanto observava ao longe os amigos. Os minutos pareciam se arrastar, o gelo da bebida que Karma pedirá já havia derretido por completo e aqueles dois ainda conversavam amigavelmente.

Deixando a curiosidade levar a melhor sobre si Karma foi em direção a mesa deles. Liam foi o primeiro a perceber sua presença e não passou despercebido a tensão que se instalou em sua postura junto com o sorriso simpático de sempre. Ainda a alguns passos da mesa ela viu Amy inclinar a cabeça como ela fazia quando estava confusa (algumas coisas nunca mudam) e em seguida lançar um olhar na mesma direção do homem a sua frente. A reação dela não foi muito diferente do que a de Liam, os ombros um pouco encolhidos e depois uma breve sacudida de cabeça.

- Olá Karma – Liam saudou.

- Boa noite – Karma cumprimentou – Que surpresa ver vocês dois aqui.

- É realmente uma surpresa – Amy falou com um sorriso pequeno – Como você está?

- Cansada.

- Sente-se com a gente e vamos comer alguma coisa – Liam sugeriu.

- Eu não quero atrapalhar a conversa de vocês.

- Você não atrapalha. Nós já enceramos o assunto, não é mesmo Amy?

- Completamente encerrado.

Ambos sorriram para a mulher recém-chegada e Karma não pode deixar de notar o olhar significativo que Liam deu a Amy. Jogando um pouco de conversa fora antes do garçom trazer seus pedidos, Karma descobriu que Amy tinha um contrato com o Skwerkel e esse era motivo dos dois estarem ali.

Apesar do clima descontraído que se instalou na mesa quando os pedidos chegaram, Karma ainda conseguia sentir a tensão emanando de Liam como se ele esperasse que alguma coisa pulasse em cima dele. Amy e Liam terminaram seus pratos quase ao mesmo tempo e trocaram um olhar estranho.

- Eu já vou indo – Liam falou ao levantar da mesa – Foi bom ver você Karma.

- Foi bom ver você também Liam.

- Você vem comigo ou vai fazer companhia a Karma? – ele perguntou a Amy.

- Seria indelicadeza da minha parte deixar Karma sozinha – Amy respondeu tranquilamente – Eu vou depois.

- Você tem certeza?

- Absoluta e obrigado pelo convite, da próxima vez deixo você escolher o local – Amy ofereceu um sorriso amigável.

Karma observava a conversa a sua frente e nada poderia ser mais estranho. Tudo bem que eles haviam explicado que tinham uma relação profissional, mas o pequeno dialogo que se desenrolava a sua frente era de pessoas que conviviam além do profissional.

- Tentando me agradar Raudenfeld?

- Nos seus sonhos Booker – Amy responde arrancando um sorriso divertido do homem.

- Acho que essa é minha deixa. Boa noite meninas.

Liam se despediu com um beijo no rosto de Amy e outro no de Karma. As mulheres ficaram observando ele sair do restaurante em silencio, que se prolongou tanto quanto o tempo que Karma levou para terminar sua comida.

- O que? Eu tenho alguma coisa no meu rosto? – Karma perguntou sentindo o olhar curioso de Amy sobre si.

- Não.

- Então por que você está me encarando dessa forma?

- Desculpa, eu não sabia que estava incomodando – Amy falou sem jeito.

- Você não está – Karma tranquilizou – Mas parece que você quer perguntar alguma coisa.

Era incrível o fato que mesmo depois de tanto tempo Karma ainda conseguia ler Amy, pelo menos em suas expressões básicas. Amy sorriu saudosa com as palavras da ruiva.

- Na realidade a pergunta não é diretamente para você – Amy disse pausadamente – É e não é. Eu só estava me perguntando quando você questionaria sobre o que acabou de acontecer?

- Meio confusa essa sua linha de raciocínio.

- Um pouco, eu acho – Amy deu um pequeno sorriso.

- Eu não ia tocar no assunto, acho que não tenho mais o direito de questionar sobre sua vida a um bom tempo – Karma falou num tom cansado – Mas como foi você que tocou no assunto, vocês pareciam bem íntimos para simples colegas de trabalho.

- Nós somos bons amigos.

- Quando isso aconteceu? – Karma tentou não parecer surpresa com a informação.

- Algum tempo depois da formatura – Amy parecia não se importar em compartilhar a história – No nosso último ano eu já tinha uma quantidade considerável de boas imagens e pequenos documentários, Liam me ajudou indiretamente com essa parte.

- E-eu não sabia...

- E nem tinha como, na época só Lauren tinha uma vaga noção do que eu estava fazendo. Não se culpe pelas coisas do passado Karma.

- É complicado, depois de ver o quando eu perdi da sua vida – Karma disse pesarosa.

- Tudo acontece por um motivo, acho que se não tivéssemos nos afastado naquela época hoje não estaríamos conversando – Amy disse compreensiva – Eu não conseguiria.

- Dez anos é muito tempo, Aimes.

- Eu sei, mas era necessário – Amy em tom neutro – Vamos falar sobre outra coisa? Voltar para o assunto do Liam talvez?

- Claro...claro, continua por favor.

- O Skwerkel começou a comprar minhas imagens, meus curtas e acabou que fui convidada para um evento onde eles premiavam os contribuintes – Amy narrava a história num tom mais confortável – Ganhei um prêmio e Liam ficou surpreso em me ver ali, ele ajudou bastante no início da minha carreira, mesmo sem saber e depois disso acabamos nos aproximando.

- Eu não sabia que o Skwerkel trabalhava com isso? – Karma ficou surpresa.

- Acho que ninguém desconfia disso, mas de onde você acha que vem as imagens que eles usam nas campanhas da empresa? – Amy sorriu divertida – Depois que você vê como a coisa toda funciona tudo faz mais sentido.

- Deve fazer, mas ainda estou processando a informação.

- Sério?! Você acha que aqueles engravatados que trabalham naquela empresa sabem alguma coisa sobre fotografias? – Amy perguntou retórica.

- É eu acho que não – Karma riu um pouco.

- Existe um setor responsável por pesquisar e coletar imagens para serem utilizadas nos eventos de promoção da companhia. Liam é o responsável.

- Isso é tão estranho, apesar de falar com Liam sempre nunca perguntei sobre o cargo dele na empresa – Karma disse perdendo riso – Acho que foi mais fácil assumir que ele ocupava alguma coisa mais administrativa.

- Não deixa de ser uma coisa administrativa, só que ele faz isso no ramo que gosta. Nunca vi alguém gastar tanto dinheiro em arte como ele – Amy comentou divertida.

E ali estava mais uma prova do quando Karma havia perdido da vida da outra mulher, Amy fazendo piadas sobre Liam e isso estava começando a magoa-la um pouco. A conversa durou mais algumas horas, fluindo de forma tão natural mesmo depois de tanto tempo que Karma se perguntava o que levou elas a passarem todo esse tempo sem tentar recuperar a relação que existia entre elas. O jantar foi tão agradável que durante o tempo que esteve na presença de Amy, Karma esqueceu dos problemas na revista. A loira tinha esse poder desde que elas se conheceram na piscina de bolinhas aos cinco anos e durante metade de suas vidas, quando ela ocupava o posto de pessoa mais importante.