História O Beijo de Narciso - Imagine Kim Taehyung - O Espelho Distorcido

Cheguei na cafeteria e me sentei no lugar, sorrindo ao notar o quão privativo era. Estava um tanto frio, o que também cooperava para a pouca movimentação pela região. Meus olhos rolaram pelo ambiente e logo notei que haviam apenas três funcionários trabalhando e dois clientes além de mim, sendo que um já parecia quase pronto para sair.

Logo me voltei para o relógio e não pude conter um riso tímido e bem baixo ao me dar conta de que minha ansiedade venceu e que eu estava bem adiantada.

Além da pressa em vê-lo, eu precisava urgentemente de caminhar um pouco após a noite um tanto quanto insone após o estranho fato que ocorreu com Aurora. Suas palavras se repetiram na minha cabeça e eu tentei ao máximo dar a cada sílaba o valor de apenas um boato tolo...

Mas o modo que ela desapareceu não era normal, muito menos tolo.

Assim que notei que estava pensando muito no assunto, me distraí pegando um guardanapo e o rasgando para tentar distrair minha mente com o som do papel macio. Também pedi um copo de água e esperei os minutos passarem.

Logo alguém abriu a porta e ergui meu olhar como num reflexo. Mas mesmo sendo claramente coreano, não se tratava do Kim Taehyung que eu tanto esperava, pois ainda era cedo.

O garoto parecia alguns anos mais novo que eu, e tinha vestes escuras com muitos casacos e botas chamativas. O rosto era de certo angelical por trás dos fios longos tão sombrios e lisos, o que logo me fazia aceitar a tese de que era bonito de modo excêntrico. Se sentou bem nos fundos, na mesa mais reclusa e ali ficou de modo preguiçoso até que os olhos vieram até mim de modo objetivo e firme. Não parecia admirado como quando se tem interesse romântico em alguém, mas com certeza queria algo.

Desviei o olhar no mesmo instante, notando que algo nele cheirava ao lado marginal. Mas ainda me sentia observada.

— O que gostaria de ter hoje, sieur? — o garçom perguntou se aproximando dele.

O lugar estava tão vazio que mesmo sua voz baixa e rouca era audível para mim e pude compreender palavra por palavra:

— Leite de banana e biscoitos de baunilha — falou de modo simples —, e pode adicionar chá gelado para viagem. Pouco gelo, por favor.

— Certo, em breve volto com seu pedido.

Era um pedido interessante levando em conta o modo ameaçador que ele me observava. Ainda com a sensação de orbes escuras me fitando, notei o tempo passando cada vez mais lento do que eu gostaria.

 No horário marcado, pontualmente, a porta se abriu revelando a beleza esplendorosa que chamou a atenção de todos os presentes. Suas vestes eram aparentemente simples, mas eu sempre suspeitava de sua conta bancária ao notar posteriormente suas roupas nos catálogos da Gucci.

— Olá Taehyung! — Falei após alguns segundos de luta para unir as letras em minha mente.

— Sallut querida! 

Quando me dei conta seus braços me envolviam e meu fôlego desapareceu por milésimos se segundos antes de abracá-lo também. Não era comum ser cumprimentada assim em Paris, mas eu havia adorado!

— Espero que não tenha esperado muito, acho que estava aqui há mais tempo que eu. — Brincou observando os guardanapos rasgados sobre a mesa.

Minha face corou e em minha defesa só pude soltar um riso tímido enquanto os recolhia e jogava numa lixeira próxima.

— Não faz muito tempo — fazia sim, mas eu nunca iria dizer —, apenas o suficiente para ter um cara estranho me encarando.

Taehyung de modo automático olhou para o garoto nos fundos, e este retornou seu olhar de modo tão natural e sereno que pareciam conhecidos conversando daquele modo excêntrico. Ficaram assim por alguns segundos e me distraí vendo as expressões faciais belíssimas que surgiam em Kim conforme peculiar diálogo de desenvolvida, fascinando-me com cada simetria e detalhe que havia dentro de si.

Meus olhos foram até seus lábios no formato de coração e rosados de modo atraente. Pareciam macios e bons, que mal haveria em beijá-los? Por que Aurora pareceu tão assustada quando me pediu para nunca pensar em beijar Taehyung?

Quando voltou a olhar para mim foi um ato tão ágil que me assustei e me contive para não soltar um gritinho:

— Não se preocupe, é um universitário iniciante metido a marginal. Ele não quer nada de ruim contigo, nem se meter em confusão. — Piscou levemente, quase me matando do coração.

— Uau, você parece conhecê-lo bem.

— É um velho amigo. — Sorriu misterioso. — Vamos começar?

Oh céus, aquilo estava acontecendo mesmo! Eu ia ensaiar as falas com ele!

— Claro!

Ele se sentou na minha frente e retirou os papéis assim como eu. Com certeza ele tinha várias e várias cenas por ser o principal, e teria que ter muito talento e empenho para poder decorar tudo. Eu o admirava por ter tanta capacidade.

— Quais técnicas gosta de usar para atuar? 

Sua pergunta me pegou de surpresa. Tive que pensar por alguns segundos para juntar as técnicas que eu achava úteis, e também menos estúpidas.

— Bom, eu leio as cenas e gravo em áudio, escutando enquanto faço algumas coisas em casa ou caminhando. Me ajuda a decorar as falas com mais facilidade. — Ele sorriu com a ideia e peguei o espelho de minha bolsa. —  E também treino as expressões faciais no espel...

Assim que ergui o espelho, o maior desviou o olhar imediatamente, o que me surpreendeu e fez minha fala parar.

— Desculpe, eu não gosto muito de espelhos que não sejam os meus. Mas é uma ótima técnica. — Murmurou baixo, como se tivesse que me explicar sua situação mas ao mesmo tempo... Não deveria estar me explicando.

Mordi o lábio, pensando no que responder. Mesmo insegura preferi não deixar um silêncio estranho tomar o espaço:

— Eu que devo me desculpar. Eu não sabia desse detalhe...

— Geralmente não sabem mesmo. Mas não pense muito nisso, por favor.

Concordei e voltamos a revisar o texto, até mesmo as cenas em que eu não estava presente para poder compreender melhor Narciso. Por meio de suas sugestões decidimos era bom comentar sobre as cenas inicialmente antes de treinarmos, para termos mais ideias do que fazer no palco. Era realmente muito bom fazer isso bebendo chocolate quente e tendo sua presença próxima a mim. Com certeza aquela situação seria algo que eu acreditava que só aconteceria em meus sonhos mais impossíveis.

— Por que Eros sempre é tão injusto? — Murmurei por fim assim que terminamos de revisar metade das cenas.

Taehyung me olhou com as sombrancelhas arqueadas, claramente surpreso com meu comentário:

— Como assim?

— Bem, era simples. Eco estava angustiada e amargurada com sua maldição, e Eros fez com que ela se apaixonasse por Narciso, que tinha problemas por ver tudo em sua própria perspectiva, e era vaidoso. Eles poderiam se ajudar, mas Eros não quis que fosse recíproco.

— Está dizendo que o Cupido é horrível?

— Claro, ele é cruel! Eu nunca faria essa emboscada se estivesse no lugar dele.

Conforme o assunto fluía, mais o Kim parecia interessado e instigado a falar sobre comigo, e vi uma movimentação estranha do garoto que estava nos fundos mordendo um biscoito com seus dentes da frente que eram similares aos de um coelho.

— Acontece que Eros é um pestinha, e Narciso talvez seja ótimo para escapar de suas flechas. 

Foi impossível não gargalhar com sua suposição. Ele parecia realmente estar estudando o tema para entrar no personagem.

— Sua teoria é realmente interessante, Taehyung. — Falei, entrando em seu jogo. — Então o que acha que poderia fazer Eco e Narciso ficarem juntos?

— Talvez ele precise treinar mais sua mira! 

Ouvimos uma risada desdenhosa do fundo da cafeteria, e não tive coragem de confirmar a quem exatamente ela pertencia. Logo vi o vulto do garoto universitário saíndo do estabelecimento segurando um copo de chá gelado.

Taehyung viu a cena junto a mim e passou a língua sobre os lábios tentando conter um riso divertido.

— Aquele garoto... — Murmurei baixo. — Se ofendeu por que você fez uma piada com Eros? 

— Jungkook é um estudante de Mitologia Grega muito sério, provavelmente deve ter se estressado com nossas teorias. Depois me desculpo com ele. — Falou de um modo bem vago.

Bom, se ele não estava preocupado, eu não deveria estar. Revisamos as cenas com naturalidade até que estivesse tarde demais para  continuar. Taehyung se ofereceu para me acompanhar e não consegui recusar, seguindo o caminho sentindo minhas pernas fracas por parecer estranhamente romântico.

Quando olhei pelas janelas de minha casa, notei que Taehyung parecia entretido com um espelho, o observando de modo longo e com passos lentos. Por que parecia apavorado ao ver meu espelho e tão encantado com aquele?

O reflexo era distorcido. O espelho estava quebrado.