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História O Conjurador de Marés - Vazante e fluxo


Escrita por: Shoreline

Notas do Autor


cheguei com os refrescos e com todo o necessário para confirmar teorias que vocês tem desde o comecinho porque chegou o dia de vocês fazerem a descoberta mais importante da fic! será que alguém conseguiu acertar tudo, hm? eu sei que teve quem já acertou, mas veremos né cof dçslakdj

muito obrigada por todos os favoritos! estamos chegando a quase 50 e isso aquece meu coração tanto aaa é importante demais pra mim receber as notificações de vocês, então espero que a notificação de capítulo novo tire sorrisos de vocês hoje!

boa leitura e cuidado com as correntezas! <3

Capítulo 7 - Vazante e fluxo


Olhei bem ao meu redor, tentando gravar na memória qualquer detalhe daquele quarto porque não sabia se o veria mais uma vez, e meu pai pareceu respeitar esse momento, já que ele se manteve quieto e paciente enquanto eu analisava cada cantinho do seu espaço tão especial e precioso a ponto de jamais ter contado sobre ele pra mim.

Uma das paredes era repleta de estantes, estas recheadas de livros antigos e novinhos, como se meu pai estivesse há muito tempo os comprando e deixando ali para que lesse, mesmo que eu não duvidasse que ele já tivesse lido todos. Os títulos que tinham ali, porém, não pareciam nada com romances ou suspenses que eu lia muito na adolescência, e acabei franzindo o cenho quando notei que algumas lombadas pareciam ter os títulos escritos numa língua diferente, onde as letras eram bem distantes de qualquer coreano ou japonês que eu já tivesse aprendido.

Alguns papéis pareciam presos entre os livros e prateleiras, mas não dei muita atenção pra eles porque, na parede da direita, onde havia uma grande janela tampada por cortinas blackout, estava uma escrivaninha com tantos papéis que por cinco segundos me peguei preocupado sobre quanto papel tinha sido gasto naquelas... Anotações em outra língua? Me permiti aproximar da mesa para que eu pudesse ver melhor aquelas letras, e foi uma surpresa notar que a grande maioria parecia ter sido escrita a punho.

Dentre os papéis, amarelados e novos, estavam desenhos, mapas e alguns pergaminhos, e tudo aquilo parecia tão antigo e precioso que não ousei tocar ou sequer respirar perto, era como se toda aquela informação fosse sumir se eu chegasse a alguns centímetros de distância e não ousei fazer isso, assim como não ousei chegar perto da parede que estava atrás de mim. Na parede próxima à porta pela qual eu tinha entrado e que agora tampava uma parte do que tinha ali, haviam quadros de cortiça pendurados com vários outros papéis em cima pregados por tachinhas que eram as responsáveis por segurar fios vermelhos que ligavam algumas fotos, mais mapas e anotações apressadas.

Eu sei que pode parecer loucura, que não é possível que eu nunca nem tenha visto um pedaço daquele lugar quando era criança, mas eu estava tão impressionado e assustado que só consegui engolir em seco, virar para o meu pai e rir de nervoso. Tudo aquilo parecia uma cena de filme, provavelmente a mais bizarra de todas, e ver todos os papéis numa bagunça organizada me fez perguntar o que diabos fazia meu pai esconder tanta informação de mim com tanto afinco.

— Terminou sua análise? — meu pai perguntou com um leve sorriso no rosto, como se toda aquela loucura de uma vez só fosse super tranquilo e eu não estivesse quase desmaiando de nervoso na sua frente. — Sabe, eu tentei esperar o momento certo pra te mostrar tudo isso e eu sei que foi muito de repente te pedir para me ouvir hoje, mas eu sabia que não poderia esperar ou te dar mais tempo.

— Pai, o que é tudo isso?

— Eu tentei te dar dicas antes. — ele começou, me ignorando completamente enquanto mantinha as mãos firmes em cima da caixa que estava em seu colo. — Achei que em algum momento se mostraria pronto, mas eu não queria te forçar a nada, entende? Então você veio querer saber mais sobre sereias e eu te contei a história, então imaginei que seria logo.

— Pai...

— Fico tão aliviado de enfim poder compartilhar isso com você.

— Pai! — o chamei um pouco mais alto, tendo sua atenção apenas quando me aproximei e coloquei minhas mãos sobre as suas. Enfim seu olhar encontrou o meu e então ele pareceu notar minha situação. — O que são todas essas coisas? Por que me chamou aqui?

— Ji... Nós precisamos falar sobre a sua mãe.

E acho que aquela era a segunda vez na semana em que eu parecia travar por completo, como se meu corpo não processasse a informação no mesmo ritmo que a minha mente, e foi por perceber isso que meu pai se apressou em pegar a cadeira de rodinhas perto da escrivaninha, tirando todos os papéis que estavam em cima dela com o máximo de cuidado possível antes de me guiar para que eu sentasse.

Não era como se eu não me animasse pra falar sobre a minha mãe, muito pelo contrário, acho que esse era um dos assuntos pelo qual eu mais implorava para que meu pai me contasse sobre, só que agora não era mais uma história antes de dormir ou algo que ele me contava quando eu fazia algo que o lembrava da mais velha. No contexto em que estávamos e dentro da sala em que nos encontrávamos, parecia que ia muito além de eu saber que minha progenitora gostava muito de comer um sabor específico de cup noodles ou que morria de medo de agulhas, e perceber isso me assustava.

Meu pai se sentou mais uma vez na sua poltrona, colocando a caixinha sobre o colo enquanto me observava com certa cautela, como se pra ver se eu ia ter algum outro tipo de reação extrema, e quando neguei com a cabeça dizendo que tava tudo bem, o sorriso leve voltou para os seus lábios cheinhos.

— Eu sei que nunca falei muito sobre ela pra você, Ji, mas foi necessário, os rumores correm muito rápido por essa cidade.

Assenti ao entender sua justificativa, porque não era como se aquilo fosse mentira. Apesar da cidade em que morávamos ser tão grande quanto a capital, todo mundo meio que se conhecia por ali, entende? Até porque a cidade tinha crescido muito nas últimas décadas, então muitas famílias mantinham contato e digamos que as redes sociais ajudaram muito na arte de fuçar na vida dos outros, então se acontecia alguma coisa qualquer um estaria sabendo em questão de dias.

Não era difícil de buscar na minha mente momentos da minha infância em que as pessoas preferiam não mencionar famílias ou mães em conversas, ou até mesmo quando me olhavam com pena quando eu saía pra comprar algo para a minha avó no dia das mães. Claro que isso acontecia com pessoas mais velhas em grande parte dos casos, mas continuava sendo algo que me marcava muito.

Percebendo minha calma, meu pai abriu a caixa em seu colo sem que me deixasse bisbilhotar ao menos um pouquinho o que tinha dentro, e fuçou um tanto do conteúdo antes de estender algo pra mim. Quando olhei para o que ele segurava e peguei, vi que era uma polaroid com uma data no verso, e quando a virei para ver a foto, percebi que conhecia aquele rosto muito bem.

Vestida com shorts largos de cintura alta, uma camisa branca fininha que parecia do meu pai e com os cabelos loiros soltos ao vento, estava a minha mãe. Ela era exatamente do jeito que eu me lembrava das fotos que eu via pela casa; os cabelos longos que passavam da sua cintura, os olhos puxadinhos e pequenos sempre com um brilho diferente, o rosto redondinho e, o mais importante de tudo pra mim, o seu sorriso alegre, sempre pareciam me aquecer o coração.

Na foto em questão ela estava na praia com a água do mar cobrindo os seus pés descalços pequeninos e uma das mãos segurando o chapéu de praia que a protegia do sol forte. Não consegui conter o sorriso.

— Ela é linda. — comentei baixinho enquanto acariciava a foto com o meu indicador, tentando traçar cada detalhezinho do rosto da minha mãe.

— Ela sempre foi linda... — meu pai girava a aliança em seu dedo. — Me surpreendia com a sua beleza desde o momento que a encontrei até a última vez que a vi.

Engoli em seco, me permitindo olhar uma última vez para o rosto da minha mãe antes de erguer o olhar para o rosto do meu pai que, agora, passava uma certa preocupação, o que eu podia ver bem pelas suas rugas que ficaram mais aparentes. Meu pai ainda era um homem novo, estava no auge dos quarenta e dois anos, e muita gente já tinha me dito que ele tinha cara de novinho e que era muito passável, mas acho que é porque nunca ninguém o viu com aquela expressão cansada de quem carregava muito peso durante muito tempo.

— Você nunca me contou como a conheceu...

— Talvez eu deva começar por essa parte então. — ele suspirou e então sorriu levinho, como que para tentar me tranquilizar de alguma forma porque ele sabia o quanto eu ficava um tanto ansioso e inquieto demais quando recebia uma carga grande de novas informações.

Tudo tinha começado em um festival das marés em que meu pai estava participando para trabalhar pela primeira vez. Ele tinha dezenove anos na época e tinha acabado de começar a tomar conta de metade dos negócios do seu pai, que era a pescaria. Na época era algo pequeno, meu avô apenas fornecia para dois restaurantes da região e ajudava minha avó com os almoços que fazia na lanchonete que tinha aberto há pouco tempo, e por isso mesmo meu pai resolveu ajudar no festival daquele ano sem ser apenas quem vai participar da festa, entende? Ele queria um dinheirinho a mais pra poder comprar algumas coisas e talvez viajar ou enfim.

O festival acontecia em um dia específico como sempre, na primeira segunda-feira da segunda semana de junho, mas isso não impedia que ninguém começasse com as festividades e vendas antes, e meu pai, Park Dong-Min, fez parte disso. Dentre todos os estrangeiros que passavam pela cidade e moradores que aproveitavam a data para comprar desenfreadamente, foi apenas uma pessoa que chamou a atenção do mais velho.

Ela era diferente, parecia ter um brilho próprio, e mesmo a forma que andava fazia parecer que ela flutuava, porque era tão gracioso e leve que sequer parecia real. Park Dong-Min não perdeu tempo, claro, e passou a tentar conquistar a garota de alguma forma sempre que ela passava pela barraca onde ele estava ou até mesmo quando os dois se encontravam sem querer em algum lugar. Ela de primeira não deu muita atenção não, acho que é porque os Park não tem um jeitinho pra ser bom logo na primeira tentativa, mas quando ela realmente percebeu o meu pai, as coisas começaram a mudar pra melhor.

— Não que eu tenha insistido. — ele fez questão de frisar pra mim quando o olhei de um jeito estranho. — Na verdade eu tentava ser legal, oferecia descontos nas esculturas de madeira e até tentei puxar papo, mas ela me ignorava igual vendedor de loja de departamento oferecendo cartão.

— E como ela te percebeu então?

— Depois que eu a vi pela primeira vez, não tirava o rosto dela da minha cabeça. — confessou com certa vergonha. — Eu tinha muita mania de fazer esculturas de madeira sobre lendas na época, tipo krakens e alguns monstros que eu via em livros de piratas, mas eu nunca tinha feito uma escultura de sereia antes.

Ele passou a noite inteira fazendo aquela escultura de madeira. Esculpiu o rosto da moça que não sabia o nome junto de um belo corpo e uma longa cauda de sereia, e ele até achou o trabalho dele terrível porque não fazia jus a realidade, tanto que ele colocou bem no fundinho do estande onde ele tava vendendo suas esculturas, mas foi exatamente pra lá que a moça tão bonita olhou quando passou por ele no dia seguinte.

Meu pai tinha imaginado que o único interesse dela seria a escultura, e por isso não tentou puxar nenhum assunto com ela quando ela disse querer comprar, mas acho que minha mãe era bem melhor de lábia que o meu pai, porque logo ela disse que não tinha interesse só na escultura e, quando eles se deram por si, tinham passado o dia juntos conversando enquanto Dong-min vendia quase tudo o que tinha ali e no estoque que levara. Ele não soube dizer como que tudo foi vendido tão rápido, parecia que desde que a mulher bonita tinha chegado todo mundo tinha um interesse em ver mais daquelas figuras esculpidas em madeira, tanto que no fim do dia ele fechou o estande sem ter nada dentro dele e muito dinheiro no bolso. Então, os dois passaram o resto da noite juntos, jogando papo fora e tentando se conhecer aqui o máximo que conseguiam.

— Naquele dia descobri que o nome dela era Lee Ah-ri e que ela não era daqui, o que achei muito estranho porque ela tinha nosso sotaque, mas não contestei.

— Vocês passaram o resto da semana juntos?

— Da semana? Nós passamos o mês juntos. — o mais velho riu alegre, como se lembrasse de cada um dos dias daquele mês de junho como se tivessem sido ontem.

— E então...?

— E então o que?

— Como vocês se apaixonaram?

— Pra mim, foi amor à primeira vista, pra ela acho que já foi lá pela décima terceira vista.

Dong-min e Ah-ri passavam todos os dias juntos, viviam aquela filosofia de “Você só vive uma vez” e por isso aproveitavam o máximo, o que obviamente quer dizer que eles devem ter transado por aí né, mas meu pai não quis dar muitos detalhes sobre isso até porque nem eu queria saber. De qualquer forma, quando a última semana do mês de junho tinha chegado, os dois não queriam se despedir de forma alguma, meu pai porque ele não teria mais tanto tempo livre assim por conta de faculdade e trabalho, e minha mãe porque ela supostamente não era dali e as férias já chegavam ao fim.

Por conta disso, meu pai pediu para que ela ficasse, disse que a ajudaria com um lugar para ficar e até mesmo com emprego, e ela pediu um tempo para que pudesse pensar sobre o assunto, o que foi respeitado de imediato.

— Ji... — meu pai me chamou para que eu o olhasse mais uma vez, já que eu tinha focado novamente em olhar para o sorriso da minha mãe na foto que ainda estava comigo. — Quando sua mãe voltou a me encontrar na mesma noite, ela me perguntou se eu sabia alguma coisa sobre as sereias.

E, por incrível que pareça, naquela época meu pai não era muito fã dessa coisa toda de sereias e tritões, na verdade ele nem gostava muito do assunto porque era algo que toda a cidade temia muito e ele tinha pra si que não valia a pena ter medo de algo sem de fato o conhecer. Bom, ao menos o que ele dizia não era ofensivo né, porque, naquela noite em que Ah-ri o chamou para conversar, ele descobriu que estava apaixonado por uma sereia.

Podia parecer loucura que ele não tivesse percebido isso desde o início, principalmente quando a beleza da mulher sempre parecia chamar atenção, ou já que até quando ela falava ou cantarolava enquanto faziam alguma coisa as pessoas acabavam se aproximando, mas ela tentou fazer que ele entendesse que não era algo intencional, era um tipo de magia que nascia com ela, e apesar do choque inicial ele tentou ao máximo compreender. Ela não tinha nada que indicasse o que ela era, não haviam escamas escondidas ou guelras, ela era uma humana completa, e isso virou um assunto sério naquela última semana do mês.

Ah-ri explicou ao meu pai que ela estava ali apenas para a sondagem que o oceano fazia todos os anos, tentando descobrir algum humano perfeito para poder trazer o equilíbrio que o oceano precisava, e quando ele perguntou se poderia ser o humano perfeito, ela não negou, mas também não disse nada. Como o mar ainda estava estável e faltavam vinte e cinco anos para completar o ciclo, ninguém seria afogado, e talvez fosse por isso que a sereia tivesse se entregado sem medo algum.

Naquela noite, minha mãe declarou o seu amor ao meu pai e ele, que não era bobo nem nada, sabia que estava tão caidinho quanto ela, e por isso ambos começaram a namorar. Ah-ri sabia que teria que voltar para o oceano quando junho acabasse, e por isso se apressou em se comunicar com ele para que conseguisse um acordo.

— Que tipo de acordo? — perguntei desconfiado, notando que meu pai olhava para a caixa em suas mãos com mais carinho.

— Ela queria continuar a ser uma humana, queria ficar comigo.

— Mas isso não ia dar certo sem algo em troca né? Tipo... Sei lá, pelo menos em A Pequena Sereia a Ariel teve que dar algo em troca.

— É, ela me disse que tinha.

— E o que foi?

— Ela nunca me contou.

A sereia, agora humana, tinha voltado na última noite de junho com um sorriso de bochecha a bochecha, e algumas coisas aconteceram que acho que não precisamos especificar né? Quando ela disse que o acordo tinha sido feito, sem contar muito sobre ele, meu pai ficou com bastante medo sobre, perguntou se tudo ficaria bem entre eles, e, bem... É claro que ficaria, não é? Ela colocou toda a confiança naquele acordo, e então ambos passaram a viver suas vidas como pessoas normais.

Minha avó ficou encantada pela minha mãe assim que a conheceu, elas tinham uma química diferente de tudo o que meu pai já tinha visto, e não demorou muito até que eles passassem a morar juntos e ter as escovas de dentes juntinhas. Os negócios do meu avô cresceram, meus pais conseguiram dinheiro para se casarem e comprarem a sua casa perto da praia, e logo veio a boa notícia de que mamãe estava grávida. Sim! Lá estava eu, ainda um amontoadinho de células que não sabia bem o que acontecia, mas tava adorando porque não tinha que encarar o mundo.

Nossa, meu pai ficou muito feliz, a primeira coisa que ele fez foi começar logo a enfeitar todo o meu quarto, tudo em tons pastéis entre roxo e azul porque ele nem sabia se eu um dia teria alguma preferência, mas queria receber com todo o amor do mundo. Ele tinha vinte e um anos na época, era bem novo pra empresa que agora tinha com os meus avós e mais novo ainda pra ter um filho, mas ele encarava tudo aquilo muito bem, principalmente quando ele flagrava Ah-ri falando com a barriga que ainda nem estava tão grande assim.

Foram oito meses de puro amor, carinho e idas constantes ao médico porque queriam ter certeza de que eu nasceria saudável. Quando o nono mês chegou que as coisas se apertaram um pouco, porque minha mãe sempre parecia preocupada e vivia indo até a praia sem avisar o meu pai por dizer que precisava de um tempo comigo. Claro que eu não lembro de nada, nem teria como, mas só de saber que minha mãe tomava um momento do dia pra ficar comigo no oceano já me deixava feliz demais, era como sentir ela me abraçando enquanto meu pai falava sobre.

— E então...? — me inclinei um pouco para frente, curioso quando meu pai abriu de novo a caixinha para tirar algo de dentro dela. Agora que estava um pouco mais calmo, notei que a caixa mediana era repleta de desenhos que remetiam ao oceano e sereias, e que a tampa tinha uma grande concha branca colada, o que mais parecia uma trava do que um enfeite.

— Bom, quando chegou perto do dia de você nascer, sua mãe me disse que o parto teria que ser diferente. Ela não tinha sido humana durante toda a vida, então chamou uma parteira especial, que eu soube no dia que era uma sereia que tinha ganhado pernas apenas para aquele momento. — meu pai me estendeu uma foto onde estavam uma moça que eu jamais tinha visto, minha mãe deitada sobre uma cama enquanto meu pai estava ao seu lado de mãos dadas com a dela. Os três sorriam animados, felizes demais por aquele momento, e senti meus olhos lacrimejarem.

Minha mãe preparou tudo para o parto, desde o lugar até como tudo deveria ser. Ela decidiu que meu parto deveria ser feito o mais perto do mar possível, acredito que por conta do oceano e o som das ondas, então todos foram para uma cabana na praia, que bastava um passo para que pisassem na areia, onde dentro tinha apenas a grande cama simples e tudo o que a parteira precisaria para que eu nascesse sem problema nenhum.

Meus avós não puderam acompanhar meu nascimento, eles ficaram do lado de fora da cabana, apenas o meu pai viu o momento em que abri um berreiro porque não tem como um bebê não chorar já que é a primeira vez que o pulmão dilata. A questão mesmo é que naquele instante em que abri minha boca pela primeira vez, todo o oceano pareceu se silenciar, como se ouvir um choro estridente fosse mais interessante do que continuar a ouvir a quebra das ondas.

Mesmo notando isso, meu pai ajudou a parteira a me limpar com um pouco de água salgada que ela tinha trago em uma bacia, e depois de me secar com a toalhinha e me enrolar na manta, fui entregue para os braços da minha mãe. Ah-ri chorava bastante e beijava todo o meu rosto mesmo que eu não calasse a boca, e meu pai disse que aquele era o sorriso mais lindo que ele já tinha visto, o que me tornava muito sortudo, porque ela jamais direcionou aquele sorriso para mais ninguém.

Como vovó estava muito ansiosa do lado de fora, meu pai me pegou em seus braços assim que a parteira disse que ajudaria minha mãe a se limpar e recuperar, e logo saiu da cabana pra comemorar o nascimento do filho saudável e de bochechas fofas. Estava tudo lindo, minha avó chorava e já me chamava de “Chuchuzinho” para todos os cantos, mas algo de muito estranho aconteceu e meu pai foi o único a notar aquele detalhe.

— Foi como o último suspiro. — seus olhos lacrimejavam e ele se apressou em engolir o choro apesar de estar muito próximo de não aguentar mais já que sua voz estava trêmula. — Eu olhei para o oceano e então vi um brilho diferente, algo que jamais tinha visto, então voltei correndo para dentro da cabana pra ver se estava tudo bem.

Quando ele entrou sem bater, a parteira não estava em lugar nenhum e a cama, antes ocupada pela minha mãe, estava repleta de espuma marinha. Ele tentou procurar qualquer sinal de que tiveram de sair, tentou entender o motivo de tudo aquilo acontecer, mas simplesmente não tinha um porquê ou qualquer pista do que poderia ter acontecido nos dez minutos em que ele estave fora. Minha avó ficou transtornada com o que tinha acontecido quando entrou na cabana, mas não comentou muito, já meu avô acabou sendo o responsável por cuidar do meu pai nos próximos longos meses.

Então, quando ele decidiu seguir em frente, acabou encontrando a caixinha que estava em seu colo agora. Ele estava tentando se livrar das dores ao dar embora algumas coisas antigas da minha mãe, doando poucas e deixando no porão outras, até que ele percebeu a caixa escondida atrás dos sapatos de salto e a pegou porque tinha um bilhete para ele colado na tampa.

— E o que mais tem dentro? — acabei revelando toda a minha curiosidade, o que fez meu pai rir levinho e virar a caixa em minha direção.

— Acho que você tem que descobrir sozinho, Ji.

Peguei a caixa assim que ela foi estendida para mim e foi apenas quando a tive em mãos que notei uma pequena anotação no canto da tampa. “Para o meu pequeno Jimin” era o que as belas letras diziam, e não contive a reação de abraçar a caixa quando notei que, antes de ir, minha mãe tinha feito algo para mim; porém, não ousei a abrir agora, não naquela sala e muito menos dentro daquela casa.

— Pai, e toda essa sala? — olhei ao redor mais uma vez, não tendo medo da minha rinite atacar mesmo com todo o papel e outras coisas acumuladas porque tudo parecia muito limpo.

— Desde que sua mãe se foi, tento de todas as formas descobrir o que aconteceu. — ele enfim respondeu, se levantando da sua poltrona que parecia bem confortável pra poder ir até a estante grande atrás de si. — Eu compro livros, pesquiso e faço anotações desde aquele dia, é como se minha mente fosse a mil e logo parasse porque Ah-ri nunca foi de contar muito, ela dizia que eram segredos que eu não deveria saber naquele momento. — meu pai suspirou, me olhando com um sorriso triste em seguida. — Talvez sejam segredos que eu nunca possa saber.

Toda aquela informação pareceu me bastar, sabe? E acho que já tinha tirado muito do meu pai também, por isso eu agradeci por ele ter me contado tudo o que guardava e fiz questão de deixar claro que não estava chateado por nunca ter tido noção desses segredos quando ele perguntou, até porque ele não tinha culpa né? Ele não queria que eu tivesse uma infância difícil e com um algo tão pesado pra carregar, e achei compreensível que ele esperou o tempo certo, mesmo que não tenha me dito os motivos para saber ser esse momento.

Resolvi o dar um tempo e acho que isso foi um acordo mútuo. Talvez eu precisasse de um tempo pra descobrir mais sobre a minha mãe sozinho, assim como meu pai precisava chorar a sós, já que eu notava que ele quebraria em pouco tempo e eu não seria o suficiente para o fazer se sentir melhor. Dei um beijo na bochecha do mais velho seguida de um abraço, e o agradeci várias vezes antes de sair de casa, o que pareceu deixar nossos corações muitíssimo mais calmos.

Então comecei a andar para longe de casa, não para a piscina natural entre as pedras e muito menos para a casa da minha avó, e sim para o lugar onde toda aquela confusão tinha começado. Eu levava a caixa de madeira bem segura meus braços, me segurando ao máximo para não abrir e vasculhar antes de chegar no lugar que eu queria, e eu poderia jurar ter visto um brilho diferente de canto de olhos enquanto caminhava, mas o ignorei porque talvez fosse algo da minha cabeça.

Não sei vocês, mas sempre que alguma coisa meio sobrenatural ou enfim é dita pra mim, eu juro poder vê-las de alguma forma, e eu sei que eu deveria tomar bastante cuidado já que agora eu estava ciente de coisas até demais, mas eu não conseguia focar em mais nada além do peso da caixa em minhas mãos e o caminho que eu tinha que seguir até o píer, o que felizmente não era muito.

Já era um tanto tarde, não havia muita gente por ali por já estar perto da hora do píer fechar, mas não me importei quando fui até o final do longo caminho de madeira e me sentei. A estrutura toda seguia em um caminho linear até dentro do mar, e quando chegava ao final de abria num espaço maior onde mais pessoas poderiam circular ou enfim, o que era muito bom porque pouca gente ia até o fim no mês de junho, e quem se aventurava não ficava muito, então eu poderia aproveitar um momento bem particular ali se eu ignorasse um ou outro que passava por mim.

Olhei para o oceano por um tempo, tentando de alguma forma entender o que todas aquelas ondas queriam dizer e imaginando que, em algum lugar dali minha mãe provavelmente estaria me esperando. Claro que eu nem tinha provas para isso, talvez eu só tivesse aquele resquício de amor dentro da caixa para poder lembrar dela, mas me confortava poder imaginar que ela me esperava, e me agarrei nesse pensamento quando enfim abri a caixa.

Não cabia muita coisa dentro dela já que as paredes da caixa eram bem grossas, mas fiquei feliz de notar que mesmo assim tinha até que bastante coisa ali dentro. Eu olhei as fotos mais uma vez, notando duas fotos novas que mostravam minha mãe e meu pai juntos na praia, e outra onde minha mãe estava só de biquíni, já exibindo seu grande barrigão enquanto tomava sol dentro do barco do meu pai. Notar as varinhas dele no canto do barco me fez rir baixinho, porque mesmo durante o trabalho, ele parecia completamente disposto a fazer de tudo pela minha mãe, mesmo que isso fosse tentar algum ângulo para que ela parecesse capa de revista.

Guardei as fotos em seu devido lugar e notei que, ao lado delas, estava uma folha de caderno dobrada algumas vezes com uma pequena figurinha, tipo aquelas de caderno, a fechando; percebi que, pelo adesivo estar inteiro, meu pai nunca tinha tocado naquela parte da caixa, e logo descobri que o recado escrito pra mim tivesse sido um bom aviso para ele não bisbilhotar.

— Jimin, abra esse envelope apenas no final do mês de junho quando já tiver vinte e um anos. Já você, não ouse ler, Dong-min, quero ter pelo menos um segredo com o meu filho. — li para mim, logo rindo por notar que meu pai tinha desenhado uma carinha triste com uma caneta de cor diferente logo abaixo do que minha mãe tinha escrito.

Não sei o que me parou de abrir a carta naquele momento, acho que, mesmo que eu estivesse quase explodindo de curiosidade, uma parte minha queria manter a única promessa que eu tinha com a minha mãe, e por isso guardei a carta mais uma vez, fazendo um leve carinho nela com o indicador antes de me voltar para o último item da caixa. Enrolado em uma concha que ocupava quase toda a caixa, estava um colar muito bonito; era de corrente simples, brilhava como ouro, e tinha um único pingente delicado e minimalista em forma do final da cauda de uma sereia. Notei, por conta de algumas marcas como arranhões e um enferrujado aqui e ali, que aquele pingente já tinha sido usado antes, e isso fez que meu coração batesse rápido em meu peito.

Se ele já tinha sido usado e estava dentro de uma caixa que minha mãe guardou pra mim, então quer dizer que ela tinha o usado, não? Ela não teria comprado algo daquela forma, ou ao menos eu acho, e notar o peso leve do colar em minhas mãos me fez sorrir grande.

Me apressei em colocar o colar em meu pescoço, fazendo um leve carinho nele quando senti como o pingente gelado tocava minha pele, e um alívio pareceu passar por todo o meu corpo quando notei que, céus, aquilo era real, não? Minha mãe era uma sereia e, mesmo que ela tivesse partido sabe-se lá porque, ela tentou continuar comigo do jeito que era possível, e acho que eu poderia sair pulando de felicidade porque nunca devo ter me sentido tão amado. É estranho, eu sei que é, eu nunca tinha tido oportunidade de sequer falar um “Oi” para a minha mãe, mas tudo aquilo tinha sido tão suficiente pra mim que eu simplesmente peguei a caixinha em meus braços, me aproximei da cerca de madeira do píer e sorri em direção ao oceano.

Imaginei que minha mãe estivesse ali, sentada sobre o horizonte para me observar com aquele sorriso tão lindo que eu sempre vi em fotos, e segurei o impulso de acenar quando abracei a caixa de madeira e sussurrei um obrigado em direção a ela. Em meus pensamentos, ela estava feliz, se sentia realizada, e isso foi o bastante para que eu me sentisse calmo.

Fiquei por um tempo ali, olhando para o oceano e ouvindo as ondas quebrarem, e foi só quando notei que não havia mais ninguém naquela parte do píer além de mim que eu ouvi os passos calmos atrás de mim, como quem se aproximava de um jeito que não me atrapalhasse. Não tive tempo de registrar o perfume que eu conhecia bem quando ouvi a voz grossa que eu tanto amava.

— Não me diga que está pensando em pular daí de novo.


Notas Finais


oh meu deus, quem será que tá no píer? açlskjd todo capítulo uma shoreline adorando deixar coisas soltas pra deixar todo mundo querendo o capítulo novo porque sou dessas

mas e aí, vocês puderam confirmar suas teorias? imaginavam que era essa a história da mãe do jimin? mas ainda tem pontinhas soltas né cof alguma ideia sobre qual a troca que ela fez ou o motivo de ter virado espuma? vou adorar ouvir! <3

não vou me estender muito çaslkdj então queria dar dois avisos que são o seguinte: 1) eu tô participando de um projeto onde sou ficwriter de vmin! então logo que minhas fanfics forem postadas lá, vou avisar aqui nas notas finais e pelos jornais e atividades, então fiquem de olho!!; 2) coooomo sempre estarei no twitter (@kaigansxn) e nas mps pra falar sobre a fanfic, surtar por vmin e espalhar amor, então vamos nos amar virtualmente!

muuuuito obrigada por chegarem até aqui, espero poder ver todos nos próximos capítulos! até o próximo! <3

link para a playlist da fanfic: https://spoti.fi/2JtNDdP
fanfic postada também no wattpad: https://www.wattpad.com/story/187187093-o-conjurador-de-mar%C3%A9s

QUER MAIS VMIN? ENTÃO SEGURA!
conto de príncipes: https://www.spiritfanfiction.com/historia/conto-de-principes-14019299/
suas videiras sob meu sol: https://www.spiritfanfiction.com/historia/suas-videiras-sob-meu-sol-14511672
chuvas de verão: https://www.spiritfanfiction.com/historia/chuvas-de-verao-11084350
entrelinhas: https://www.spiritfanfiction.com/historia/entrelinhas-11400251


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