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História O Herdeiro do Fogo - Cinquenta


Escrita por: bleedingrainbow e grouwundzero

Notas do Autor


Olá herdeirinhos, como vocês estão? Esperamos que estejam muito bem 💕 Finalmente chegamos ao capítulo 50!! conseguem acreditar nisso? E, se me permitem o "spoiler", essa história está só começando 💕 Amanhã iremos comemorar um ano desde que começamos a postar a fic aqui! 365 dias e de lá muita coisa aconteceu entre Sir Bakugo e príncipe Kirishima... pode parecer cliché, mas parece que foi ontem que lançamos o primeiro capitulo 💕 Nós gostaríamos que soubessem que nada disso seria possível se não fosse pelo apoio de vocês, já virou um ritual nosso aguardar ansiosamente pelos comentários e surtar junto com os leitores asuhasu amamos ouvir suas opiniões, seus pontos de vista, e estamos sempre aqui para oferecer um ombro amigo durante os períodos de drama 💕

Enfim... chega de enrolação asuhasu Boa leitura e até a próxima quarta 💕

Capítulo 50 - Cinquenta


[Katsuki Bakugo]

Dei risada quando ele se afastou abotoando a camisa até o final e com aquele narizinho empinado. Ele era ridículo. Muito bem, menos mal, aquele pescoço era mesmo beijável demais. Só eu para me entreter nesse tanto com alguém tão absurdo. Deixei que ele voltasse para a cama e se sentasse nela diante da bela bandeja de ouro e prata. 

A luz do dia já estava deixando o quarto, as sombras transversais agora marcadas na parede oposta à da janela enquanto todo o resto era de um brilho alaranjado. Sentei-me na cama do lado oposto a ele, um joelho dobrado e o outro pé ainda no chão. Daquele modo, ele ficava contra a luz, seu rosto era sombreado e havia um halo iluminado brilhando em torno da sua cabeça, o vívido, ígneo em seus cabelos. Quando baixei o olhar eu sorria, então só cliquei em um "tch" com a língua e bufei. Ajudei-o a botar a bandeja no colo e tirei a tampa.

— Coma de uma vez, já deve estar esfriando.

[Eijiro Kirishima] 

Sentei-me na cama e me acomodei bem confortável. Comer com certeza me faria esquecer boa parte da minha irritação e a prova disso foi a súbita melhora no meu humor quando, com a ajuda do Katsuki, puxei a bandeja para meu colo. Ele estava sentado do lado oposto ao meu e, por isso, tive uma visão privilegiada do seu sorriso doce, que sumiu no mesmo instante em que ele notou que sorria. Acho que eu também fiz a mesma coisa. 

Estava prendendo meu cabelo atrás da orelha, já pronto para comer na mesma hora que ele tirasse a tampa, mas não o fiz. Antes, precisei fazer uma pausa para me indignar. 

— Como se eu fosse comer sozinho e só te deixar olhando. Deve estar com fome, então vamos dividir. — Dei a primeira colherada na sopa e, com cuidado para não derrubar, estendi para ele. Isso não estava aberto a negociações, não iria deixá-lo com fome.

[Katsuki Bakugo]

Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, ele já estava estendendo a colher para mim. Dei uma rosnada, me abaixei um pouco, abri a boca de uma vez e me ajeitei para abocanhar a colher antes que ele derrubasse tudo ou começasse mais uma teimosia. Eu estava mesmo curioso quanto à comida então que seja; e também deve ser uma boa ideia testar a sopa antes que ele tome. Puxei minha cabeça de volta e prestei atenção nos gostos antes de engolir.

— Agora coma você. Foi você quem desmaiou e depois botou pra fora todo o conteúdo do seu estômago. Outra hora eu como.

[Eijiro Kirishima] 

Não é de hoje que reparo, mas às vezes a personalidade de Katsuki se assemelha muito a que acho ser de um goblin ranzinza, o que, aos meus olhos, é bem adorável. O jeito marrento com que ele aceitou a comida quase me fez rir, claro que ele não iria aceitar sem antes reclamar ou rosnar.

— Não é hora de me lembrar disso! — repreendi por impulso, mas não fiquei enojado de verdade. — E já disse que vamos dividir. — A segunda colherada foi minha e, não sei se é porque tudo parecia sem gosto ultimamente, ou porque eu estava realmente com fome, mas a comida parecia mais gostosa do que o habitual. A mãe de Denki caprichou de verdade, ou estava tentando me mimar mais do que já fazia.

[Katsuki Bakugo]

Ao que averiguava ingredientes, o sabor da sopa se espalhou pela minha boca e estava mesmo uma delícia. Aquela senhora cozinhava com talento, lembro-me dos chocolates no dia do aniversário e os nomes que ouvi batiam, mas foi quando estreitei os olhos. Eu cozinhava excepcionalmente bem. Sei disso. Contudo, não tenho tantos temperos nem tantos alimentos diferentes à disposição, então aquilo me despertou uma suspeita que já tive antes, da primeira vez que ele comeu em minha casa.

— Você estava mentindo para mim quando disse que minha comida é melhor do que a do palácio?

[Eijiro Kirishima]

— Mentindo? Claro que não… Gostei dos temperos que usou, são mais fortes e tem mais gosto. Sem contar que foi você quem cozinhou, então já deixa tudo melhor. — Ofereci mais uma colherada para ele, acho que estou gostando disso mais do que deveria.

[Katsuki Bakugo]

Que bobagem era aquela? De onde ele tirou- sim, eu cozinhar deixa tudo melhor realmente por causa de talento, mas não é só por ser eu e sim por minha técnica-... ah, que seja. Tonto.

— Você é um idiota. Duvido que pensasse nisso já àquela época, mas, hm, realmente meus temperos são os melhores. — Grunhi meio confuso e só aceitei de novo a colher que ele oferecia. Tomei a quantidade que me foi dada na boca, mas como sei que ele vai continuar com essa bobagem de uma colherada pra mim e outra para ele, e, ao que ele me perguntou como eu ousava duvidar, tomei a colher vazia da mão dele de súbito. Eu mesmo o alimentaria para ele parar de besteira, então enchi o talher de sopa mais uma vez e ofereci para ele - menos ofereci do que quase golpeei a colher para frente na direção da boca dele, para que ele não achasse que ele tem a opção de negar.

— Ande, abra essa boca logo.

[Eijiro Kirishima] 

— Como ousa duvidar de mim? — O provoquei enquanto ele comia, pois assim não poderia revidar. Pelo menos, achei que não poderia. Mais rápido do que meus reflexos, Katsuki tomou a colher vazia de minha mão e, com toda a delicadeza que não tem, ofereceu-a a mim cheia. Não tive muita opção além de aceitar, se negasse, não duvido que me forçaria a comer de qualquer jeito, mas tudo bem, sei que esse é o jeito dele de tentar cuidar de mim. 

Seguimos naquilo. A princípio ele negava tudo o que eu oferecia, do pão à coxa de galinha, e continuava me alimentando. Claro que estava adorando ser “mimado” por ele, mas não queria só ser cuidado, também queria cuidar, por isso continuei insistindo mais sutilmente até que ele começasse de fato a aceitar e nós pudéssemos finalmente dividir uma refeição. A mãe de Denki preparou até mesmo uma sobremesa simples e escondeu os bombons dentro de um dos copos, tentei brincar de estar um pouco possessivo com os caramelos e nós tivemos uma breve discussão que acabou comigo rindo quando, por birra, ele enfiava dois chocolates de uma vez na boca Só porque eu disse que se ele continuasse assim eu não iria dividir.

[Katsuki Bakugo]

Tive uma sensação esquisita quando enchi minha boca de chocolate: a de que eu tinha caído em alguma armadilha dele de me fazer querer provar-lhe o contrário, mas mesmo assim ainda estava entretido com aquilo. Ainda mais com o jeito que ele ria, jogando a cabeça para trás, gostosamente. A certa altura, não me incomodei mais com o fato de que ele tinha me conseguido fazer comer pelo menos metade da comida, mas só percebi isso quando eu já não estava mais faminto. Aqueles doces foram pura gula. Era mesmo comida suficiente para nós dois, não para nos empanturrarmos, mas nos vermos satisfeitos e alimentados.

Acho que a última refeição de fato que tive foi antes do aniversário de Eijiro.

Àquela altura, já estava quase escuro do lado de fora do palácio. As luzes das tochas, que nunca eram apagadas, tremeluziam sobre nós agora. Tirei a bandeja e deixei-a de lado, sobre a mesinha ao lado da cama; retornei para me sentar ao lado dele com apenas o copo cheio de doces até a metade. Eu não subiria de botas na cama dele, mas pelo tamanho daquele colchão, ele estava longe demais de mim agora que não havia uma bandeja entre nós; então o puxei pelo braço para que ele se aproximasse mais e pudéssemos nos aconchegar juntos sentados com as costas contra a cabeceira da cama.

[Eijiro Kirishima]

Aninhei-me confortavelmente na cama assim que ele se levantou para tirar a bandeja, me espreguicei como um gato, estava satisfeitos e me sentindo bem menos frustrado agora. A única coisa capaz de estragar meu humor de novo seria vê-lo ir embora, mas nem tive tempo de pensar a fundo nessa possibilidade, já que logo ele estava voltando para a cama. 

A noite começava a chegar, o céu escurecia e a brisa ficava mais fresca. Queria puxá-lo para debaixo dos cobertores e, finalmente, me aninhar nele. Mas se tem uma coisa que aprendi, é que o melhor jeito de conseguir o que quero com ele, é ir devagar e fazê-lo achar que foi uma escolha sua. Sentado ao meu lado, Katsuki ainda estava de botas e com a sua armadura, mas isso não importava muito agora, tudo o que importa é que ele me quer por perto e deixou isso bem claro quando me puxou, sem delicadeza nenhuma, pelo braço, para que me aproximasse. 

Abracei o braço dele e apoiei minha cabeça em seu ombro, estávamos praticamente grudados. 

— Muito obrigado, mais uma vez, por tudo hoje… Não sei o que teria acontecido se não fosse por você. — De olhos fechados, meu rosto estava na curva do seu pescoço e meu nariz tocava sutilmente a sua pele. Teria continuado, mas me afastei um pouco, tinha um desafio em mãos e não podia perder tão facilmente. Por isso, me contentei em um leve beijinho em sua bochecha e roubar mais um caramelo para me manter ocupado.

[Katsuki Bakugo]

Ele se aconchegar ao meu lado com um suspiro tão gentil me fez soltar meu corpo no colchão o quanto dava ainda usando uma armadura, imitando o profundo inspirar e o expirar que se seguia. Não reparei que estava ainda tenso até que ele se encaixou ao meu lado esquerdo. Ele me agradeceu e eu tornei a enrijecer meu corpo, trincando meus dentes. Ele me beijou na bochecha, mas essa não era a razão, e sim o significado do seu agradecimento. 

— Não me fale nisso, era óbvio que aconteceria algo e eu deveria ter percebido antes. Não há merda alguma pela qual me agradecer, mal fiz o mínimo. Dane-se, não quero falar disso. 

Puxei o braço que ele abraçava para trás, acabando por afastá-lo um pouco, mas não era meu intuito fazê-lo. Apenas abri mais espaço, para que, ao invés de apenas recostar a cabeça na extremidade de meu ombro, ele pudesse se aproximar mais. Passei meu braço atrás de suas costas e a envolvi, minha mão firmando à altura de suas costelas, firme. Eu o queria dentro de meu abraço, que ele soubesse e sentisse que estou aqui e não iria a lugar algum sem ele dessa vez.

— O que importa é que logo estaremos bem longe desse lugar maldito.

[Eijiro Kirishima]

Estava mais do que claro que ele não queria falar sobre os motivos que nos trouxeram até aqui e, sendo bem sincero, eu também não. Precisava agradecê-lo porque de um jeito ou de outro, Katsuki salvou minha vida e nunca poderia deixar isso passar em branco. De todo modo, os agradecimentos podem esperar.

Quando o senti puxar o braço, na mesma hora me indignei e estava pronto para reclamar, mas ainda bem que não o fiz. Engoli minha indignação no momento em que o senti me abraçar de novo e me puxar para ainda mais perto. Nem preciso dizer que retribuí o abraço do jeito que pude. Passei um dos meus braços no vão entre sua coluna e a cabeceira, o outro descansava em seu abdome, minhas duas mãos unidas na lateral do seu corpo, enquanto minha cabeça descansava em seu peito. 

Só de tocar no assunto da fuga, senti uma chama queimar dentro de mim. Uma animação sem tamanho, contida, mas nunca apagada, por um medo do desconhecido. Queria que pudéssemos fugir hoje, agora mesmo! Mas ele tem um plano, enquanto eu, só tenho a impulsividade.

— Não vejo a hora! Para onde vamos primeiro? Eu quero muito conhecer a terra daquela orc! Também quero ver os cogumelos gigantes! Quero ver neve com você, a gente definitivamente tem que ir para um lugar que neva! Será que no caminho pra esses lugares, nós vamos passar por muitas cidades? Quero conhecer o máximo de feiras possíveis! Sabia que nunca fiquei em uma pousada? — Levantei-me um pouco só para poder olhar sua expressão e nada mais — Nós vamos passar todos os dias juntos! Nós vamos conhecer o mundo, não está animado? Vai ser a nossa vida, não é incrível? Nada de Sir Bakugo ou Príncipe Kirishima, só Katsuki e Eijiro. — Dei um risadinha bem baixa.

[Katsuki Bakugo]

Acabei apertando ele mais perto. Vai ser nossa vida. Senti seu corpo pressionar contra o meu e ele deu mais umas risadinhas. Katsuki e Eijiro. Era perfeito e ridículo de simples. Nunca que eu imaginaria que estaria feliz em virar um fugitivo, um andarilho, mas o que era a felicidade que eu costumava sentir antes? Eu sempre me sentia tão angustiado e tão inquieto, agora estou, assim como ele, pronto para abandonar tudo o que já tive. Mais ainda; se ele vai dar as costas para seu passado, eu vou queimar as pontes atrás de mim. Eu sinto falta do meu orgulho e de quando eu me sentia de fato invencível, mas acho que se for para perder, que seja ao lado dele, porque não será uma perda. Eu só... eu só preciso que ele realmente vá comigo. Como no dia em que nos conhecemos, eu jantei aqui no palácio e me senti animado para contar todas aquelas histórias para ele. Agora queria mostrá-las e queria que ele experimentasse tudo, o bom e o ruim, o que significava viver por conta própria. Queria sentir isso também, só tenho uma porra de visão muito mais realista do que a dele.

O que não me impede de sorrir ouvindo aquela sua voz tão doce e animada. Sacudi o corpo dele um pouco, só de brincadeira.

— Uma coisa por vez, seu tonto. — Dei uma risadinha seca e inclinei minha cabeça para o lado, apoiando meu rosto em seus cabelos ainda úmidos e inspirando seu cheiro profundamente. Porque eu podia, e foda-se, beijei o topo de sua cabeça. — Eu pensei em irmos a Komori, para vermos os cogumelos, mas nós vamos precisar ficar bem escondidos por um tempo. Estou pensando em parar por uma ou duas semanas em um… abrigo seguro. Vamos passar por uma cidade em específico para comprar bens, mas não pense que vamos conseguir ver muitas cidades tão cedo nem ter noites de sono tranquilas, não com todos nos procurando. Espero que esteja pronto para dormir na grama por um bom tempo. Quando chegar o inverno, vamos poder andar com toucas e lenços para nos esconder, e já estaremos longe. Hellflame e o noroeste de Kamino são montanhosos e longe da jurisdição da cidadela. São os melhores lugares para irmos, e é onde há neve. Mas eu estava pensando... você já chegou a ver o mar?

[Eijiro Kirishima]

Katsuki me apertou com força em seus braços e me sacudiu de leve. Reclamei um pouquinho, nada além de um “ai” e um “para”, ainda que não estivesse doendo e eu quisesse que ele continuasse. Um sorriso bobo insistia em permanecer em meu rosto e eu não fazia o mínimo para expulsá-lo. A situação só se agravou quando o ouvi me chamar de “tonto” com todo o carinho estranho que essa palavra podia conter e beijou bem o topo da minha cabeça. Esse foi o meu fim, nunca mais pararia de sorrir na vida e só não derreti por completo porque ele ainda me segurava com firmeza.

— Posso dormir em qualquer lugar, desde que esteja com você, isso não vai ser um problema. Vamos seguir esse roteiro mesmo e, depois que finalmente nos esquecerem, nós podemos tentar cruzar fronteiras e conhecer outros reinos, lugares onde ninguém nos conhece e os poucos que sim, não se importam! Estou tão ansioso! — Acabei me agitando um pouco com a ideia de ser um completo estranho e apenas falei tudo o que estava na minha cabeça, ainda é cedo para pensar em outros reinos, nós sequer fugimos ainda, mas a questão é que todos esses sonhos absurdos agora são possíveis. — Ah! O mar? Nunca vi, mas já ouvi sobre em uma das aulas que tive, falam que a água é salgada e também a casa de muitos monstros… Podemos ir também?!

[Katsuki Bakugo]

Como ele podia ficar feliz assim só de estar ao meu lado? Meu polegar acariciava as costas dele e o provoquei um pouco mais. Tentei assustá-lo falando de monstros do mar, mas até surpreso erguendo os olhos para mim ele ainda estava curioso por tudo. Não tinha o que eu falasse que o deixasse menos entusiasmado. Ele tinha certeza que juntos nós poderíamos passar por tudo. Que ele aprenderia qualquer coisa. 

Eu já o subestimei quando o conheci a respeito de sua resistência. Quer saber, talvez esse imbecil seja tão masoquista quanto eu. Nunca fugi de sofrer na estrada, porque sempre estava buscando. Sabia que tinha uma razão pelo que eu estava fazendo, que era um aprendizado, que era meu esforço e minha própria maldita aventura. O tesouro no fim do mapa, sempre havia uma meta.

Quem sabe dessa vez eu possa ver algo no próprio caminho, ao invés. Bem agora, eu vou só aceitar que ele também vai fazê-lo. De que me adianta pensar que ele pode odiar? De que me adianta tentar fazê-lo desanimar antes de começar? Há mesmo muita coisa nesse mundo para se ver.

E foi quando realmente desisti de assustá-lo. Acho que com ele abraçado ali a mim já por tanto tempo, a ponto de eu ver a lua subir no céu, entrei no mesmo transe sonhador. Comecei a contar de várias coisas que eu sempre gostei na estrada e que queria que acontecessem com ele também. São as vistas, como a das praias desertas do leste, com fiordes e águas profundamente azuis. E são as coisas pequenas, como as frutas ácidas que crescem em pequenos arbustos com folhas alaranjadas e os gnomos que nos ajudam no caminho sem que precisemos pedir. 

— As montanhas depois das florestas de Kamino têm as vistas mais lindas desse reino, sem dúvida. — Eu acariciava o cabelo dele e nem sei como cheguei àquele ponto. Eu até falava baixo, uma bizarra sequência de pensamentos sem freio. — Tudo naquilo só me traz memórias péssimas, eu queria apagar essa merda. Queria ver mais adiante, algumas das vistas que eu enxerguei mas nem mesmo vi, tão focado naquela missão desgraçada. Queria olhar por horas aquele mar de picos de cordilheiras e se eu encontrar um maldito dragão, só assisti-lo voar entre elas. Então, se você quiser ir...

[Eijiro Kirishima]

Não sei o quê, como, e muito menos quando, nós entramos em nosso próprio mundo e nos fechamos dentro dele. Nada mais existia além da voz dele e do carinho que fazia, alternando entre minhas costas e meu cabelo. Com suas descrições, descontruía o reino que imaginava e que conheci apenas por mapas, e construía o nosso reino… Um reino em que a água do mar é cristalina e a areia bem branquinha, com florestas fechadas e mágicas com todo o tipo de criatura,  desde fadas irritantes que o tiravam do sério, até gnomos gentis que ajudavam àqueles que julgavam ter uma boa alma.

Quero conhecer esse lado sombrio também. Ver os monstros que eles já enfrentou e não foram páreo para sua espada, quem sabe um dia, não fossem páreo para a minha também. Nós lutaremos lado a lado contra tudo e todos. Quero passar o frio do inverno nas montanhas e sentir o calor da encosta do vulcão. Não me importo de ter que me acostumar com dor nas costas porque dormi no chão, ou os calafrios porque vou ter que me acostumar a me banhar em rios e lagoas sem ninguém para aquecer a água.

Com ele eu não precisava medir minhas ações. Podia atropelar minhas palavras, perder um pouco o controle do meu tom de voz, gesticular e tudo mais. Podia me expressar como eu mesmo e nada mais, sem teatrinhos.

Ouvia atentamente enquanto ele listava suas partes favoritas de sair em campanha. Ria e sorria junto quando ele contava sobre algum problema que enfrentou mas que ainda assim é uma boa memória. Katsuki já viveu tantas coisas incríveis e eu o invejava por isso de certa forma, tinha ciúmes por não ter participado desses momentos. Mas essas emoções negativas não têm espaço no meu coração, não agora. Não há motivo para focar no que ele já fez e viveu, quando o tenho à minha frente, falando com todas as letras o que quer fazer e viver comigo, ao meu lado, planejando o nosso futuro.

Então àquela altura eu ergui meu rosto para olhar para ele, entusiasmado, sorrindo aberto.

— Mas é claro que eu quero ir! Nós vamos andar por Kamino inteira e ressignificar todas as suas memórias ruins e... — Minha linha de raciocínio acabou morrendo antes que eu pudesse completá-la. A cada segundo que passava olhando para o rosto dele eu me via mais e mais encantado. Não sei o que fiz em outras vidas para ter tanta sorte. Maravilhado ao ver como a pose de cavaleiro se esfacelou, aos poucos, entre minhas mãos, até só restar Katsuki. Seu rosto parecia cansado, mas seus olhos brilhavam e me hipnotizavam, seu sorriso me cativava em todas as suas formas, desde o sorriso convencido ao falar de uma vitória, até o sorriso apenas por sorrir porque narrava uma boa lembrança. Não encontrei, nesse tempo todo, qualquer sinal de agressividade, ele estava confortável comigo, animado, feliz, ansioso, com a guarda baixa, simplesmente se deixando levar pelas emoções. A essa altura, apenas o olhava com um sorriso bobo nos lábios.

[Katsuki Bakugo]

Ele estava inquieto contra meu corpo, mesmo que não se afastasse um centímetro. Acho que nem percebia que se contorcia de leve e ele até me deu uma joelhadinha na coxa quando a perna dele teve um espasmo ou algo assim. Era uma covardia o quão adorável ele era. Eu me entreguei de vez ali de novo, e quando confessei sobre Kamino, eu deixei que o idílico daquilo tudo me levasse consigo. 

Então ele ergueu o olhar e me encarou, sua frase entusiasmada esmorecendo quando ele me olhava.

— O que é? — Perguntei franzindo o cenho, ajeitando-me melhor sentado, com as costas na cabeceira da cama.

[Eijiro Kirishima]

Suspirei, sentando-me na cama melhor ao seu lado mas virado para ele para contemplá-lo melhor.

— Não tem mesmo noção de como é bonito? É injusto você ser um herói incrível e ainda ser lindo assim. Até o Denki já falou da sua beleza, acredita nisso? A audácia dele! Só não o expulsei porque ele disse que preferia o Sir Todoroki…   Discordo totalmente, mas tudo bem porque esse guerreiro aqui já tem dono.

[Katsuki Bakugo]

Cheguei a rir, um pouco entretido e lisonjeado - não pelo que o plebeu possa ter dito ou não, mas pela admiração irrestrita que senti na voz de Eijiro. Nela eu podia me encontrar idolatrado e confortável o suficiente para quase - quase - nem sentir ciúme do que ele disse.

— Além de cego ainda vai ter que lidar com o namorado dois metros do Todoroki se quiser tentar a sorte. — Virei-me devagar e quando o fiz, meu rosto estava bem diante do dele. Meu nariz tocava a maçã do seu rosto e pisquei devagar. Meu

— E pra própria segurança dele, é bom que ele esteja mesmo olhando bem adiante. O seu namorado é muito mais perigoso do que um meio-orc. 

Deixei um pequeno, suave beijo ao pé do ouvido dele e subi com essa trilha ao longo da minha gentil de seu maxilar até dar uma mordidinha em seu queixo, até mesmo brincalhona.

[Eijiro Kirishima]

Depois da confissão do Hanta, do Denki e até mesmo a minha própria confissão, descobrir que Sir Todoroki tinha um namorado não me causou um choque tão grande quanto deveria. Contudo, admito que fiquei bem curioso sobre, será que o namorado dele também é um cavaleiro? Poderia perder um bom tempo teorizando a respeito do novo casal, mas Katsuki não permitiu... O que foi que ele disse!?

“ o seu namorado”

Meu namorado… Meu namorado… MEU NAMORADO! Ele é meu namorado! 

Não pude conter minha reação. Quando vi, já segurava os ombros dele para garantir que iria ver seu rosto, sua expressão confusa e qual seria sua próxima reação. Sorria como acho que nunca sorri na vida, espero que não cause câimbras nas minhas bochechas, mas se causar tudo bem. 

— Você é meu namorado! Katsuki, nós somos namorados! — Segurava agora o seu rosto com cuidado, a leveza de minhas mãos tentando compensar a vontade imensa que sentia de beijá-lo nesse exato momento. O namorado meio-orc de Sir Todoroki e o fato de que suspeito que Denki também seja apaixonado por Hanta, podem esperar.

[Katsuki Bakugo]

Eu queria responder um "sim, idiota, você é meu namorado." Suspeito, contudo, que não era caso de a essa altura não estar claro que estávamos enamorados e que estávamos juntos. Era mais o encanto da realização, algo que acho que estava na minha cara também ao que olhei o sorriso dele. Fui reduzido a alguma idiotice sem sentido quando o olhei daquela forma, como se eu fosse um animal atordoado por algum brilho forte demais que não conseguia deixar de se atrair, um mosquito indo até uma lamparina que cintilava. Ele segurava meu rosto e não sei o que eu era para dizer. Na verdade eu meio que esqueci o que ele disse. Que magia sórdida, que talento maldito que ele tem tem de me deixar entorpecido mesmo depois de tudo o que passei. Eu esquecia de tudo olhando para aquele rosto lindo emoldurando um sorriso que parecia emanar luz.

Eu me inclinei e beijei a ponta de seu nariz, porque era o que estava mais perto. Depois sua testa e entre suas sobrancelhas, e não consegui parar. Que ele fechasse os olhos para que eu beijasse em suas pálpebras e depois nas maçãs de seu rosto e suas bochechas. Até que eu me inflamasse tanto com aquela sensação de querer morder algo adorável demais e eu simplesmente o mordesse na bochecha e mordiscasse na orelha, o abraçasse forte como desse, hipnotizado pelas suas risadinhas e pela própria sensação completamente irracional e inexplicável que queimava dentro de mim.

[Eijiro Kirishima] 

Cheguei a um ponto em que creio não ser possível me apaixonar mais do que já estou apaixonado. Parece loucura pensar que todos os acontecimentos e marcos da minha vida me trouxeram até aqui, até ele, e me deram a chance única de vislumbrar o brilho inédito em seus olhos ao ouvir minhas palavras. Eu não precisava de uma confirmação verbal, não precisava ouvir de novo, porque eu sentia e, acima de tudo, eu já sabia

Seria incoerente aceitar esse emaranhado de sentimentos complexos, bons, novos e até mesmo alguns ruins, e não dar a eles significado. Namorados, amantes, paixão, amor. Sou apaixonado por ele, o amo e já disse isso em voz alta algumas vezes, sentimentos recíprocos e poderosos demais para não mudarem o status de nossas vidas. Amigos fazem sacrifícios, mas eu não trairia a coroa e o reino por um amigo e muito menos por um mentor, é natural que Katsuki seja mais do que isso. 

A cada beijo delicado eu sentia meu coração transbordar. Carinho e afeto em quantidades que não saberia lidar nem mesmo se tivesse lido um manual de instruções antes. As mordidas leves me faziam rir e não sei dizer o porquê. Um jeito tão próprio de demonstrar o que sente, como se as demonstrações clássicas de amor não fosse o suficiente. Mordidas podem significar “eu te amo” tanto quanto beijos apaixonados e por isso não reclamei quando ele deu uma um pouquinho mais forte em minha bochecha. 

Tentava afastá-lo mas sem tentar de verdade, mal colocava força em minhas mãos. Pedia para que parasse pois sentia cócegas, mas ai dele se realmente parasse! O aceitava por completo, do jeito que viesse, do jeito que quisesse. Minhas mãos foram parar no cabelo dele, macios como sempre, fios de ouro entre meus dedos. Fazia carinho enquanto ele continuava o seu “ataque”. 

— Se continuar assim, além de acordar com uma juba de leão, vou estar todo vermelho. — Katsuki relaxava contra mim, e nada seria capaz de me incomodar agora, nem mesmo sua armadura que ainda nos separava. A posição que seu abraço nos colocou era estranhamente confortável, mas qualquer um que olhasse de fora, com certeza discordaria de mim.

[Katsuki Bakugo]

Ele se contorcia contra meu corpo, me empurrando como se não quisesse de verdade que eu parasse - até porque me segurava logo em seguida a cada protesto, o que só me dava ainda mais vontade de enchê-lo de mais mordidinhas. Ele realmente ficou com uma pequena marca rosada por um único momento no rosto depois de uma delas, mas eu gostei daquilo, talvez mais do que devia. Não me importava naquele momento. Cutucava as costelas dele para torturá-lo com cócegas e me divertia de tê-lo tão à minha mão para o que fosse. Tê-lo comigo perfeitamente, sem nenhuma restrição, para o que fosse lascivo e o que fosse bobo, e eu queria aquele momento para sempre, sabendo que não teria. Que o queria para sempre, sabendo que não poderia garantir nada, nem com trunfo, com garantia ou com chantagem.

Foi dando beijos que acabei soltando meu corpo, em um suspiro, e puxei suas duas pernas para sobre as minhas. Ele seguia sentado ao meu lado, mas agora eu podia ter meu rosto encaixado em seu pescoço. Meus braços estavam um enlaçado em torno de sua sua cintura e outro segurando sob seu joelho, e eu acho que ele está um pouco torto, porque aquele não é o melhor modo de abraçar alguém desse modo; mas não deve estar terrível então ele vai ter que aguentar só um pouquinho. Eu não quero soltá-lo ou só deitar sobre seu corpo sem apertá-lo contra mim. Não quero deixá-lo nem sonhar em escapar. Apenas não quero.

[Eijiro Kirishima]

Tomado por uma completude sem tamanho, como se todas minhas dúvidas, medos, e até mesmo a saudade que sentia, tivessem se diluído nesse mar de emoções puras que experienciamos juntos pela primeira vez. Eu o amo, nós vamos fugir juntos, tudo vai ficar bem… Já está tudo bem. Minha paz só aumentava ao que ele me ajeitava contra seu corpo do jeito que dava. Abri meus olhos devagar com ele aninhado com o rosto em meu pescoço. Foi o suficiente para que um sorriso enorme tomasse conta dos meus lábios e meu coração voltasse a acelerar mais uma vez… Queria vê-lo.

Não sei dizer se ele realmente entendia meus desejos e os atendia sem que eu precisasse demandar, ou se simplesmente desejava o mesmo que eu e agia por impulso. De todo modo, no final das contas nós dois sairíamos ganhando. Momentos como esse, em que o via em toda sua perfeição, me tocando com uma paixão cheia de promessas, me davam a certeza de que nunca seria feliz se não desse as costas a tudo.

Ele soltou um pouco o abraço para me olhar de novo, e sorriu para mim.  Seria capaz de dar tudo o que tenho e até mesmo o que não tenho se pudesse olhar para esse sorriso pela eternidade, se pudesse ver essas bochechas coradas mais vezes. Faria qualquer coisa para tê-lo ao alcance de minhas mãos enquanto meu coração ainda batesse. Katsuki deu para mim o que eu mais queria, liberdade. Só percebi que ainda sorria quando ele me beijou mais uma vez e senti como se fosse a primeira.

— Eu te amo, sabe disso, não sabe? — Perguntei, mas não deixei que respondesse. Com minhas mãos em suas bochechas, puxei seu rosto em minha direção e comecei a enchê-lo de beijos, entre risadas, deixava escapar um infinidade de “eu te amo”, agradecimentos, ameaças sutis como “não ouse duvidar disso”, e mais “eu te amo”.

[Katsuki Bakugo]

Vítima do ataque mais adorável que já sofri, eu resmunguei e reclamei de como ele estava me virando e puxando como se para garantir que me daria pelo menos um beijo em cada centímetro de meu rosto, mas era inevitável rir junto. Só talvez menos do que faria porque ainda reverberava na minha percepção o que ele me dizia e o que cada beijo confirmava de um jeito lúdico, provocativo. Tirei as mãos dele de mim ainda na mesma brincadeira, mas foi como se eu esquecesse como é fácil pra mim imobilizar alguém. Vi-me apertando os pulsos dele, mas não foi minha intenção ser agressivo a esse respeito. Suspirei e coloquei as mãos dele de volta em mim, uma em meu rosto, outra em meu pescoço. Abaixei um pouco o olhar, como se ele brilhasse demais para eu olhar diretamente.

— Não estaríamos fazendo nada disso se não soubéssemos o quão forte é o que sentimos.

Que patético, Katsuki. Não conseguia olhar de volta para ele, então segui o olhar pelo cordão que pendia em seu pescoço sob a camisa fina e o acariciei, sobre seu esterno. 

— Só que... você já me disse isso uma vez. E você mudou de ideia sobre fugir comigo mesmo assim. Não sei se a decisão foi sua, se desde o começo foi por magia, mas você sabe... eu sei que você sabe... o quanto aquela carta foi o monstro mais horrível que eu já tive que enfrentar. Eu não quero te ouvir dizer que você escolheu mandar aquela merda, mas não vou conseguir fugir sem saber o que te custou mudar de ideia, porque preciso saber que inimigo eu devo esperar. Foi magia, foi ameaça, ou foi simplesmente alguma coisa mais forte do que esse amor que você fala?

[Eijiro Kirishima]

Assim que ele afastou minhas mãos, percebi que algo estava diferente, alguma coisa havia mudado. Atento em seus movimentos, deixei as posicionasse de volta em seu corpo e não perdi tempo em começar a fazer um carinho sutil. Ele evitava meu olhar, posso contar nos dedos de uma única mão quantas vezes já fez isso desde que nos conhecemos… Não estou falando de desviar por um instante ou dois, mas sim de evitar.

As palavras dele carregavam um peso que eu não podia ignorar, não podia deixar para depois. Ele raramente se mostrava tão vulnerável assim e dava para ver que se esforçava para expressar o que se passava em sua cabeça… Do jeito que é, deve ter ficado inquieto com isso em sua cabeça durante dias.

— Katsuki eu não… É mais complicado do que parece. — Suspirei e tirei minhas mãos dele. Afastei-me o suficiente para sentar-se diante dele. Cruzei minhas pernas. — Vamos conversar. Acho que você mere- Não, você deve saber o que aconteceu. Mas antes de qualquer coisa, eu quero que saiba que nada disso tem a ver com o que sinto por você… —  Katsuki não disse nada e eu aproveitei os breves segundos de silêncio para reunir minha coragem. Meu tom era sério, acho que nunca falei com Katsuki dessa forma. Por mais que estivesse apreensivo e ansioso, mantive meus olhos nos dele. Não podia fugir, ele tem todo o direito de saber e eu tenho o dever de falar.

— No dia seguinte ao festival, pouco antes da hora de dormir, meu pai requisitou minha presença no salão de reuniões. Ele começou a me contar uma história, a história dele, como era um príncipe igual a mim, “rebelde”, um cavaleiro que vivia causando problemas para o meu avô… Mas acima de tudo, ele começou a falar da minha mãe, como a conheceu. Foi a primeira vez que ouvi qualquer coisa a respeito dela. Aquele colar que perdi foi um presente dela para o meu pai. Ele contou tudo isso… — Minha voz falhou e eu precisei respirar fundo para continuar — Tudo isso porque queria que eu tomasse uma decisão. Ele disse que sacrificou muitas coisas pelo trono, em nome da paz, ele já perdeu a mulher que ama e agora teve que abrir mão de mim… Ele quer que eu faça o mesmo. Disse que esse casamento seria para o bem de todos, para o bem dos dois reinos, em nome da paz eu teria que abrir mão de tudo também… Uma escolha me foi dada, segundo ele eu poderia cancelar o casamento, mas essa opção parecia completamente inviável, ele nunca aceitaria isso… E eu não conseguiria viver com ideia de que traí meu povo dessa forma, deixei todos na mão pois não sou nobre o suficiente para abdicar dos meus próprios desejos pelo bem maior.

Senti meu lábio tremer e meus olhos arderem, mas usei tudo o que tinha para engolir esse choro junto com a culpa que voltava a crescer dentro de mim agora que me lembrava da realidade. Não mudei de ideia, ainda quero fugir o mais rápido que puder, mas acho que nunca me livraria totalmente desse peso. Fiz mais uma pausa, abaixei a cabeça e me forcei a me recompor antes de voltar a olhá-lo.

— Ele me deu a noite para pensar, então voltei para o meu quarto. Foi quando encontrei Tokoyami e a sua primeira mensagem. Katsuki você não tem ideia de como foi horrível ler aquilo, ler que já estava tudo encaminhado, que você estava pronto… Não consigo nem descrever como me machucou pensar que eu não poderia ir com você, acho que até então nunca havia sentido uma dor tão grande. Eu chorei tanto e… Eu tentei muito responder, sinto que fiquei dias sentado naquela escrivaninha com a pena em minha mão, mas nada saía… Admito que fui covarde, não consegui aguentar o peso e fui pedir ajuda ao meu irmão.

A partir desse ponto a vergonha tomou conta, lembrei da minha infantilidade e da maneira que agi, minhas intenções, e foi demais. Não só desviei o olhar como cobri meu rosto com minhas mãos na intenção de me esconder.

— Sabia que teria que casar com a Mina de um jeito ou de outro, e não conseguiria ir embora sabendo que você corresponde meus sentimentos. Pedi para ele que escrevesse um bilhete que fizesse você me odiar, porque eu sabia que seria muito mais fácil pra você desse jeito... Se você me odiasse não sentiria minha falta. Mas Tamaki não aceitou, ele não sabe de você, acha que é uma garota que eu conheci, mas foi ele quem escreveu aquele bilhete que enviei como resposta… Escrevi o nosso código pois queria que soubesse que aquilo não era uma mensagem padrão, que passou pelas minhas mãos antes de chegar a você.

Não sei ao certo em que ponto as primeiras lágrimas caíram, mas isso não me parou, precisava seguir e tirar isso do nosso caminho de uma vez por todas. Lembrar da carta que Tokoyami trouxe, as palavras duras, o papel amassado, a caligrafia agressiva e as manchas de lágrimas, só não foi pior do que me lembrar de que eu mereci isso.

— Na manhã seguinte meu pai me chamou mais uma vez e eu disse a ele que me casaria com a princesa. Meu pai ficou tão orgulhoso, foi a primeira vez que o ouvi me elogiar de verdade, mas não fiquei feliz com isso, não fiquei feliz nem mesmo quando ele me deu o colar da minha mãe como presente. Desse momento em diante, eu não consigo me lembrar direito de nada que aconteceu… Nada mesmo! Me desculpa, me desculpa por tudo… Eu não- não sabia o que fazer e- e foi tudo tão difícil e tão rápido  — Sequei meu rosto de qualquer jeito e voltei a olhar para ele. — A todo momento eu pensava “o que ele faria no meu lugar?”, “que decisão ele tomaria?”, a única resposta que conseguia chegar era “ele faria o certo, tomaria a decisão certa”, e foi o que eu tentei fazer… Mas nesses dias, por mais que eu não tenha ideia do que aconteceu, sinto que não vivi, sinto que não estava aqui e sim preso dentro de um abismo vazio. Katsuki, se não fosse por você, eu poderia estar morto a essa altura, literal e figurativamente. Não posso ser rei, não posso casar, não conseguiria viver uma vida de mentiras pensando que te deixei para trás ou, pior ainda, te ter ao meu lado como meu general e não poder chegar perto… Não seria certo. Prefiro fugir e conviver com a culpa de ser um traidor do trono do que com a culpa de ter traído a nós dois…

[Katsuki Bakugo]

Várias hipóteses passaram pela minha cabeça antes, durante e depois da descrição dele. Todas as que passei todas as horas naqueles dias malditos desde o aniversário. Cogitei que ele tivesse sido pego no flagra quando fugiu e dopado com aquele colar desde que começou. Pensei até que ele pudesse querer me proteger de algo, como alguma ameaça de seu pai a mim ou mesmo que não me quisesse desonrado como cavaleiro. Supus que tivessem feito uma grande chantagem e, bem, me parece que era o mais próximo. Mas, no fim, era o que eu mais deveria imaginar; o peso da coroa sobre sua cabeça. A sua mãe mencionada, uma responsabilidade óbvia que ele sempre teve. Do momento em que eu saio de seu campo de vista, ele sai de seu transe denominado paixão. Ele vê o quanto representa e tudo que está perdendo e prejudicando.

Um sentimento resume, um venenoso que eu conhecia tão bem.

— Acho que foi a primeira vez que você teve que experimentar culpa de verdade. — Minha voz na primeira frase depois de todo seu desabafo estava apenas o mais alto que um sussurro atinge.

A dor dele era muito clara, eu sentia cada uma de suas lágrimas. Eu estava também em meu próprio transe, desesperado e querendo acolhê-lo em meus braços mesmo sendo ele quem me machucava, mas deixei que toda minha força se concentrasse em não deixar meu coração esfacelar. No fundo não era nada assim absurdo, era tão simples, era a decisão coerente. Se não tivessem tentando controlá-lo ou matá-lo, talvez ele seguisse na honradez da maldita decisão mais dolorosa e nem sequer o perderiam como vão perder. Ele seguiria seu dever.

E eu... eu não fiz um voto de morrer por esse reino? Que fosse morrer por dentro. Era justo que eu fosse o único a ser ferido além dele mesmo em seu sacrifício de príncipe. Para o destino de dois reinos inteiros, o que são dois corações partidos? Enterre logo a espada em meu peito e eu não sou mais uma ameaça.

Toda vez falar era como ter que fazer o golpe de misericórdia, mas já me custou o bastante conseguir enfim perguntar. Não me movi, como se eu pudesse explodir no menor movimento brusco.

— Deixe eu te dizer, Kirishima, essa porra dessa culpa não vai se desfazer nunca. Mas não se martirize quanto a isso porque culpa é só um veneno cruel. Você nunca vai deixar de ser o príncipe desse reino, sempre poderá voltar. Por enquanto, eu não confio no que quer que seja a merda que está acontecendo nessa corte e sua segurança me parece em risco. Pode se sentir menos culpado quanto a isso, porque sua fuga não é mais só um capricho nosso.

Ou talvez fosse e eu me convenceria de ameaça com ou sem magia. Talvez eu não resista e o roube por mim, não pelo reino ou sequer por ele. Não sei por quanto tempo posso seguir fingindo que ainda há nobreza nesse cavaleiro, que eu realmente abaixo a cabeça para que continuem pisando em mim. Eu só quero vencer, uma vez, por mim.

[Eijiro Kirishima]

Estava mais preparado para uma explosão do que para ouvir sua voz baixa, como se caso subisse apenas mais um tom, fosse romper uma barragem perigosa e muito frágil no momento. Queria abraçá-lo pois sabia que, o que eu disse, também doía nele… Doía de jeitos que não sou capaz de entender ou quantificar. A minha vontade era a de acolhê-lo, tentar levar nós dois de voltar para onde estávamos minutos atrás, hipnotizados, perdidos em nosso próprio êxtase, e sair desse mar de lembranças recentes que uma hora afogaria a nós dois… Mas não sinto que sou capaz disso, não quando senti meu coração apertar com algo tão “pequeno” quanto ser chamado de Kirishima.. Não era assim que ele me chamava. Tudo bem, esse é o mínimo que mereço.

Com o tempo aprenderia a lidar com a culpa. Uma hora eu a aceitaria. No futuro poderia pesar os prós e os contras da minha decisão de hoje. Era a primeira vez que sentia isso e não seria a última. Posso aceitar isso, conviver com isso… A culpa é um problema para o Eijiro do futuro, agora minha prioridade é tentar o que posso para acalmar o coração do homem que amo. Preciso deixar uma coisa bem clara para ele, não posso permitir que entre de cabeça comigo nessa loucura se ainda o deixo inseguro a respeito da minha decisão

— Não pretendo voltar. Já estou cansado disso tudo, estou disposto a dar as costas e não olhar para trás com ou sem ameaça. — Fiz menção de me aproximar dele e tentar tocá-lo, mas recolhi minha minha mão e permaneci onde estava sentado — A única coisa que pode fazer com que eu volte, é se um dia me pedir para voltar.

[Katsuki Bakugo]

Vi que ele quis me tocar e por um momento quis que o tivesse feito, queria seu toque, queria voltar ao paraíso auto-indulgente em que eu estive com ele momentos atrás. Ao mesmo tempo, não seria capaz de tolerá-lo. Provavelmente arderia.

Não há muito o que falar agora que não ricocheteie no meu peito. Não adianta. Nada mudou, para o bem e para o mal, mas... mesmo doer desse jeito era melhor do que a dúvida. Do que minhas tentativas desesperadas de contornar uma realidade e entender tudo pelas beiradas.

— Não vou pedir para que volte. Quero te levar para todos os lugares que disse que iria, não é como se eu tivesse outra merda de lugar pra ir depois daqui. Só também não quero que me prometa mais nada. Eu pensei em tudo pra te forçar a não mudar de ideia mas com os diabos que eu não posso te forçar a nada que você não queira. Então só mostre para mim, dia após dia, o que  você sente de verdade, que quer continuar, que não vai fraquejar. Que vai mesmo lutar por quem você é quando está comigo. Eu te digo, Eijiro, esse você é lindo, mas o outro Kirishima que parece se retrair quando eu viro o olhar é tolo, vulnerável e ingênuo. Esse Kirishima ainda é tão inconsequente quanto era despreparado aquele que me conheceu pela primeira vez. Nós não teremos tempos fáceis à nossa frente, então faça como fez quando disse que queria ser meu recruta, meu braço direito. Prove do mesmo jeito que me provou em nossos treinos. Mesmo se eu não for mais um cavaleiro, eu quero que mostre que quer lutar ao meu lado mesmo assim. Só mostre, eu estarei lá para ver.

[Eijiro Kirishima]

Ele acreditava em mim e isso era o suficiente para que meus olhos voltassem a brilhar, desta vez sem lágrimas. Estava ouvindo um desafio. Se ele queria que eu provasse, eu provaria. Demonstraria em cada respiração minha o motivo pelo qual sou digno de sua confiança. Cada batida do meu coração serviria para provar minha determinação. Como no dia em que peguei aquela bandeira na torre, eu seguiria em frente com tudo. Não me importo de enfrentar tempos difíceis, errar, e me machucar, que tipo de guerreiro teria medo de se sujar? Agora que meu sonho de ser um cavaleiro, ainda que não oficialmente, estava a apenas um dia de distância, eu mostraria para ele que sou digno de ser seu braço direito.

Crescer na realeza significa crescer entre palavras bonitas, porém vazias. Por mais que todas as minhas promessas que fiz fossem verdadeiras, depois do que aconteceu, não posso julgá-lo ou reclamar por ele querer me testar. Não fugiria dessa vez. Faria o necessário para merecer conhecer todos os lugares incríveis que planejamos. Katsuki não estava pedindo nada absurdo, e parando para pensar bem, eu me beneficiaria e muito dessa prova… Não sobreviveria lá fora como um príncipe, como um menino. E por mais que estivesse acompanhado do maior herói do nosso reino, no final do dia ele não é um regente, não faz magia, preciso aprender a me defender e a me virar sozinho.

Enquanto ele tivesse fé em mim, ainda existiria esperança de que posso recompensá-lo por tudo o que o fiz passar ao mantê-lo no escuro enquanto as peças de xadrez do meu pai se moviam no tabuleiro. Ele estaria me vendo e isso é o que importa.

— Sim, senhor, — Sem mais nenhuma promessa, peguei a mão dele e a levei até meus lábios. Beijei seus dedos e sorri logo em seguida, ainda sem soltá-lo — meu comandante!

[Katsuki Bakugo]

Eijiro era ridículo, não tinha como não rir. Ainda que eu só tivesse soltado o ar com força, mal e mal uma risada, eu ainda vi graça e não sei por que eu me espantei tanto com uma reação que era tão a cara dele. Era como se eu estivesse lhe dando um presente, ele tão animado que puxou minha mão e a beijou como se fosse honrado por um piedoso. Quando ele me chamava de comandante era fácil acreditar que ele iria continuar fazendo flexões mesmo comigo pisando em suas costas.

Ergui minha mão, tirando-a da dele, e botei-a na frente de seu rosto sorridente como se eu precisasse me defender daquele ataque forte demais. Com aquilo estiquei meu braço, botando minha mão em seu peito e empurrando-o para trás para que deitasse, murmurando um "idiota" ao que ele caía de novo sobre o colchão.

[Eijiro Kirishima] 

Não só deixei que ele me empurrasse, como me joguei na cama ao cair. Agora, não posso fazer mais nada além de esperar e ver aonde isso tudo vai dar. Katsuki com certeza deve precisar de um tempo para digerir tudo o que joguei nele de uma vez, e eu não dificultaria isso ainda mais. Fazer graça, para o bem ou para o mal, mudaria o clima em que nos encontrávamos… Me chame de idiota, eu até que gosto quando me chama desse jeito.

Engatinhei na cama até ficar ao lado dele, ainda sem tocá-lo. Esperei que a expressão dele aliviasse um pouquinho mais, e, com o cotovelo dobrado em um travesseiro, apoiava meu queixo em minha mão e o observava. 

— Posso me deitar em você de novo…? — Por um segundo hesitei no que queria falar, mas acabei decidindo que falaria de qualquer jeito. Olhava para o seu perfil, aguardando uma resposta.

[Katsuki Bakugo]

Eu estava realmente em  uma situação patética, esse meu mesmo coração que está doendo por causa dele sair saltitando no peito por qualquer coisa boba que ele faz. Isso tem que ser um feitiço e a coisa mais sórdida dele é fazer com que eu não queira sair. Por um lado porque é provavelmente uma das melhores coisas que eu já senti, e outra porque eu não sei o que vai ser de mim se só sentir a parte ruim disso tudo, a mesma violência que me tomou quando me atentei do meu futuro hipotético em que não traio o reino inteiro ou justamente o fato de que logo eu vou fazê-lo e ninguém realmente se importa com isso, nem eu, nem Eijiro.

Não sentia que tocá-lo seria indolor agora, mas tampouco queria sair de perto dele. Acho que é onde posso começar. 

— Fique à vontade, Alteza. Mas recomendo que aproveite bem os lençóis macios na sua pele sedosa enquanto pode, eu só vou te acordar antes do amanhecer porque vou ter que sair do quarto de todo modo. 

[Eijiro Kirishima]

— Odeio quando me chama de Alteza — Reclamei enquanto sorria e me aninhei perfeitamente ao seu lado. Minha cabeça repousava em seu peito, coberto pela intrincada placa de metal, a mesma na qual meus braços se envolviam ao abraçar sua cintura. Em um silêncio agradável, fechei os olhos e permiti que meus pensamentos fossem longe, imaginando nosso futuro, até que uma ideia brilhante surgiu e fiz um movimento brusco, na intenção de levantar minha cabeça para olhá-lo bem nos olhos enquanto contava, mas meu cabelo tinha uma opinião contrária. De tanto me mexer, alguns fios acabaram enroscando na armadura e só notei agora. — Katsuki! Não se mexe! — Espalmei minha mão no peito dele, para que não puxasse mais o meu cabelo. — Meu cabelo tá preso na sua armadura, e eu preciso de ajuda, mas com cuidado, por favor.

[Katsuki Bakugo]

Ele ficou calado por um bom tempo e acho que foi importante para que eu processasse as coisas que senti. Deixei-me mergulhar de volta em calma, aquela que sinto quando ele está em meus braços, e afastei quaisquer outras coisas perniciosas.

Até um protesto súbito de Eijiro, absolutamente do nada. Olhei para baixo e vi os cabelos vermelhos em fios ou pequenas mechas presos pelas pontas nos entremeios da armadura. Aliás, até o rosto dele estava um pouco marcado, mas ele não tinha reclamado. 

— Claro, fica se remexendo feito doido com a cara bem num negócio desses! Para quieto você primeiro, deixa que eu tiro! — Botei a mão na cabeça dele e segurei a mecha de cabelo rente à sua raiz, para evitar que puxassem e doesse. Então acabei rindo da situação em que ele estava.

[Eijiro Kirishima] 

Não posição em que estava, me faltava espaço para contestar quando ele me mandou ficar quieto, era isso ou sentir a dor aguda e pontual de fios específicos sendo puxados. Mas não significa que fiquei calado, teria reclamado mais caso ele não tivesse me obrigado a engolir um suspiro ao segurar a raiz do meu cabelo, sua mão firme me desconcentrava, então, tudo o que me restou, foi deixar um bico aparecer em meus lábios e reclamar baixinho. Como uma criança que quer responder seus pais mas ao mesmo tempo não quer que eles ouçam 

— Desculpa, mas eu queria ficar perto de você… Com um negócio desses nem dá pra te abraçar direito!

[Katsuki Bakugo]

Eu continuava rindo, agora de como ele estava resmungando. Não era mentira, nem dava mesmo pra senti-lo me abraçar. O malditinho choramingão até que tinha um ponto. Não queria dizer que eu não iria incomodá-lo de volta.

— Ah, mas pobre do meu Eijirozinho, enliou toda a jubinha linda dele na armadura malvada do cavaleiro que a estava usando pra não ser pego pela corte! — Eu disse enquanto tirava, o mais cuidadosamente possível, a peça na qual havia se enroscado todo — Ei, não puxe!

[Eijiro Kirishima]

Ele estava zombando de mim e sequer tentava esconder isso. Mas certos sacrifícios precisam ser feitos, por mais incomodado que estivesse, poderia muito bem relevar se isso significasse que poderia ouvir aquela risadinha mais vezes. Katsuki é terrível, claro que não perderia a chance de me ironizar, ainda que suas ações dissessem o contrário das suas provocações. Dava pra sentir o quão cuidadoso estava sendo para desfazer o nó, ele poderia muito bem ter simplesmente desatado com um único puxão ou, até mesmo, sugerido cortar.

— Você é péssimo. — Fui me virar na hora de falar e acabei puxando ainda mais meu cabelo, o que resultou em um “ai” bem alto seguido de uma chamada de atenção. — Humpf… Quando fugirmos acho bom isso não acontecer de novo. — Ele soltou a placa de seu peito, e com mesmo cuidado passou a desfazer os nós em meus fios.

[Katsuki Bakugo]

— Nos seus sonhos que eu vou dormir sem pelo menos a malha de aço, é bom aproveitar hoje que eu vou tirar. Lá fora é bom você se acostumar. E é bom botar um pano nesse seu cabelo, já ajuda a esconder e evita que eu tenha que ficar de frescura com esse cabelo em cada árvore que você passar. Espera que eu vou soltar logo essa porra dessa placa do meu ombro e livro seu cabelo. — Eu dei a puxadinha porque minha outra mão teve que segurar separadas as pecinhas da armadura. Ri de novo da reação dele, choramingando sem parar. — Pronto, acabei, pode parar de chorar já! Quer um beijinho pra sarar? 

Agarrei a cabeça dele como deu, com as duas mãos e o puxei pra mim de volta - dessa vez para a minha, de modo que minha boca tocasse seus cabelos onde ele deve ter perdido uns fios. Pressionam esse beijo e depois o deixei sentado de novo no colchão ao que ríamos juntos.

— Pronto, chorão!

[Eijiro Kirishima]

— Vou usar a capa que me deu, ela tem capuz, deve ser o suficiente se ele estiver preso… Katsuki, cuidado POR FAVOR! AI! — Ele puxou meu cabelo antes que eu terminasse de falar e por isso me exaltei um pouco no final. Claro que ele não tinha culpa, seria impossível sair ileso, mas ainda assim doeu sentir alguns fios sendo arrancados e ouvir outros quebrando. No instante em que me vi livre, me sentei na cama e comecei a fazer carinho no meu couro cabeludo, quase como se me desculpasse com ele.

O tom dele podia parecer de deboche, mas concordei de leve com a cabeça quando me perguntou se eu queria um beijinho para sarar. Como não estava realmente bravo com ele, foi fácil voltar a sorrir quando me puxou, sem nenhuma delicadeza, e de fato beijou minha cabeça.

— Tão gentil, um verdadeiro cavalheiro. — Falei ao que voltei a me sentar. Ele se virou de costas para mim e pude ver as fivelas soltas. — Precisa de ajuda para prender a armadura? — Sabia que não precisava, já o vi vestir uma armadura sozinho inúmeras vezes, mas queria retribuí-lo de alguma forma.

[Katsuki Bakugo]

— Não precisa-... — Eu respondi meio de automático quando ele me sugeriu ajuda. Mas dei uma risada e terminei de soltar as fivelas que estavam frutas. Soltei as três peças de armadura do meu braço direito e deixei-as sobre o colchão.

— Na verdade, quero. — Sentei-me na cama, meu lado direito virado pra ele. — Você se lembra de como deve montar sozinho em mim?

[Eijiro Kirishima]

Desviei o olhar brevemente, só não mais rápido do que o tempo que Katsuki levou para repensar sua resposta. A risada chamou minha atenção, assim como a movimentação na cama. Quando voltei a olhá-lo ele já estava sentado e jogando as peças no colchão. Na mesma hora meus olhos brilharam e minha postura mudou totalmente, me ajoelhei e fui até ele, estava sentado em meus calcanhares e já segurava a primeira peça a ser posicionada.

— Sei, sim, pode deixar comigo! — Por mais que fossem só três peças, a montei com todo o cuidado. Aquela armadura era grandiosa, elegante, não gastei qualquer tipo de gracinha ou toque desnecessário. Assegurei-me de que as fivelas estivessem justas o suficiente para que as placas ficassem firmes, sem machucá-lo ou restrigirem ainda mais seus movimentos. — Acho que está tudo no lugar… Fiquei um pouco em dúvida entre a segunda e a terceira peça, já que são diferentes das armaduras que o vi montar e desmontar, mas lembrei de quando o vi tirá-las e acho que fiz certo… — Falei um pouco pensativo, olhando para o meu trabalho feito.

[Katsuki Bakugo]

Assisti Eijiro montar a peça de meu braço atentamente e chegava a ser uma caricatura como ele era feito para derreter qualquer um que olhe. Eu estou dizendo, é como um feitiço. Os dentes dele poderiam muito bem ser presas, mas ali, quando ele mordia a pontinha da língua ao que se concentrava, parecia apenas o que a palavra "fofo" poderia descrever. Era enfurecedor, dava vontade de apertá-lo até quebrar-lhe as costelas ou coisa do tipo.

Contudo, certo, ainda não estou completamente imbecilizado, e pude prestar atenção em como ele fez tudo certinho. Ele realmente tinha prestado atenção, não só em mim quando tirei, mas nas instruções que ele recebeu antes de mim sobre armaduras. Era simbólico, eu acho. Era a prova de que ele não estava de brincadeira com nada disso de guerrear. Não, não prova. A prova eu já tive antes. Era... um lembrete.

Mexi meu braço, ficando de pé ao lado da cama. Estava ótimo, eu poderia lutar com aquilo.

— Ah, acho que está bom. Vamos testar se está bem preso. — Eu me apoiei com o outro joelho na cama e não deixei nenhuma brecha para que ele interpretasse o que eu iria fazer em seguida. No mesmo movimento, me virei e me inclinei para frente, meu braço com armadura fazendo um curto arco no ar para a lateral de meu punho pendular exatamente na direção de seu rosto. Claro que eu não o acertaria, mas eu estava assistindo sua reação nos mínimos detalhes. O olhar dele inclusive encontrou meu movimento. Ele viu e daria tempo de ele reagir; só que ele não o fez. Minha mão parou a dois centímetros de seu rosto. Franzi as sobrancelhas, ainda meu punho do lado do rosto dele. — O que deu em você? Você sempre reage rápido.

[Eijiro Kirishima]

Quando disse que iria testar meu trabalho, imaginei que fosse fazer alguns movimentos simples, semelhantes a alongamentos ou algo do tipo. Definitivamente não pensei que fosse armar seu punho e direcionar um soco a mim. Minha reação não foi de me esquivar, ou recuar, também não tentei impedi-lo, muito menos restringi-lo, apenas continuei parado como estava. Na mesma posição, com a mesma expressão, com as juntas dos dedos dele a centímetros do meu rosto, aguardando que desse o veredito do que fiz.

— Sabia que você não iria me acertar. E mesmo se acertasse, teria um motivo pra isso. — Tombei um pouco a cabeça para o lado, sem me afastar mais, apenas para que seu punho saísse da minha frente e eu pudesse olhá-lo enquanto o respondia. — Você não me machucaria sem razão. — Suspirei e bocejei antes de voltar a me jogar deitado na cama. — Sei que não vai dormir, mas vem… — O chamei com um sorrisinho preguiçoso, puxando o cobertor para acomodar nós dois — Pelo menos descanse um pouco, teremos um dia ocupado amanhã…

[Katsuki Bakugo]

Sem precisar ter erguido um único dedo, e justamente por isso, Eijiro me deixou derrotado de um jeito inacreditável. Era como se eu fosse um grande idiota de quem ele riria pelos esforços pífios, mas, ao mesmo tempo, acho que nunca me senti tão regente sobre a existência de alguém. Derrubei o punho ao longo do torso quando ele desviou para me olhar diretamente e ali fiquei quando ele bocejou e se jogou de volta na cama, me chamando como se eu não tivesse feito nada. Não fiz nada, é verdade, mas como ele poderia não ter reflexo de se defender? Eu sei que ele tem, por que não o fez? Ele conseguiu pensar tudo isso que disse, ele internalizou que eu não lhe seria uma ameaça, ele estava esperando que eu o agredisse, o que era aquilo, o que significava? 

Não tive palavras. Só o obedeci. Não seria a primeira vez que ele me intrigaria nem naquela maldita noite. Não consigo nem apostar que vai ser a última ainda hoje, e olha que ele está indo dormir. 

Estou exausto de pensar nisso, de tentar decifrar esse enigma absurdo, resolver esse cálculo estelar. As coisas não eram para ser tão difíceis, quantas vezes vou ter que repensar uma mesma coisa? Sentei-me na cama, pernas esticadas ao longo do colchão, mas as botas para fora, enquanto ele se aninhava quase literalmente ao meu lado. Afofava seus travesseiros em torno de si mesmo como um ninho e colocou a parte direita do cobertor sobre minhas pernas antes de se aconchegar enrodilhado debaixo de sua metade, como um gatinho que só faltava ronronar.

A simplicidade de Eijiro era meu desafio mais incompreensível. 

— Durma bem, Eijiro. Vamos mesmo ter um dia bem longo amanhã, e antes de amanhecer estarei no quartel me preparando com os cavaleiros. — Eu olhei para fora, para a lua cheia que iluminaria nossa fuga no dia seguinte. 

Ele até me perguntou se eu não queria mesmo dormir, falou pra eu fechar os olhos um pouco pelo menos, mas aí ele já estava só me provocando. Nem era sua teimosia habitual de criança birrenta. Se eu fiz cara feia, ele só me deu mais um sorriso de quem estava muito, muito grato de que eu iria levá-lo embora dali, e seu boa noite era genuíno. Mesmo sendo sua última noite no palácio, no fundo eu sabia que ele nem perderia o sono. Logo ouvi sua respiração pesar e pesar e olhei para ele, de olhos fechados, mergulhado em cabelos vermelhos, provavelmente já longe dali, o corpo exausto de tudo o que passou, ruim e bom. Deixei que minha mão pousasse nas mechas dele, suaves em meus dedos, pensando em como uma coisa tão singela poderia me machucar tanto, e como algo tão poderoso poderia querer ser meu acima de qualquer coisa. Acho que por esse único momento temi minha decisão do dia seguinte, quando pensei que, de repente, o mundo lá fora poderia torná-lo complicado como eu.  

Complicado como eu me sinto, acho que me repreendi sozinho pela milésima vez, rindo em silêncio da minha própria estupidez. Eu não devia ter medo de nada, senão de ser covarde. Seria um crime não permitir que esse diamante se lápide. Custe o que custar, e vai custar, vamos à nossa liberdade. Por nós dois, e mais ninguém, finalmente.

[Eijiro Kirishima]

Arrumei os travesseiros como sempre costumava fazer, a única diferença é que emprestei alguns para que Katsuki pudesse se encostar confortavelmente na cabeceira. Aninhei-me entre os travesseiros, abraçado a um deles, e devagar o cansaço do dia começava a me tomar.

Insisti mais algumas vezes, perguntei se ele não queria mesmo ir dormir e falei que ao menos deveria tentar. A preocupação era genuína, eu realmente queria que ele descansasse e tivesse uma boa noite de sono antes da nossa fuga, mas não o conheci ontem, sei que é incorrigível e nem mesmo se fosse obrigado pelos próprios regentes fecharia os olhos, então admito que também tinha uma vontade, igualmente genuína, de perturbá-lo um pouco antes que eu adormecesse. Com um sorriso, me despedi, apenas “boa noite”, e por mais inquieto e ansioso que estivesse pelo dia de amanhã, caí no sono.

Sem sonhos ou pesadelos, apenas o sono pacífico e pesado de quem precisa se revigorar e se sente seguro. Katsuki está do meu lado, ou pelo menos estava… Pela madrugada, senti um beijo delicado em minha testa e o colchão mexendo. No tempo que demorei para abrir os olhos, Katsuki já estava na porta.

— Até logo… — Falei baixo, mal estava acordado, tanto que nem notei quando foi que me virei para o lado e voltei a dormir. 

“Até logo” e não “Adeus”. Em breve estaremos juntos de novo e, dessa vez, ele não precisaria ir embora.



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