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História O Herdeiro do Fogo - Setenta e cinco


Escrita por: bleedingrainbow e grouwundzero

Notas do Autor


Olá herdeirinhos, como vocês estão? Esperamos que estejam todos bem 💕

Bem na semana passada tivemos uma pequena mudança de cronograma, mas cá estamos nós mais uma vez na nossa amada quarta feira 💕 PORÉM, não é uma quarta feira qualquer, pois trouxemos um mimo a mais para vocês.... UMA ARTE NOVINHA COMMISSIONADA DA FIC!!!

Vocês podem conferir a arte nesse link aqui: https://twitter.com/sorethpid/status/1393305965752160263 e nós agradeceríamos DEMAIS se pudessem dar muito amor para a artista, um like, um rt, uma reply, qualquer coisinha, pois ela fez um trabalho LINDO 💕 Sem mais delongas, boa leitura.

Ps: Só para contextualizar vocês no andamento da história, esse arco da viagem vai ter mais ou menos, mais 10 a 15 capítulos, então já passamos da metade dele.

Capítulo 75 - Setenta e cinco


[Katsuki Bakugo]

A família de ursinhos se afastava de nós e eu não sei muito precisamente o que sentir. Acho que toda a fofura incutida naqueles malditinhos não faz bem pra cabeça. Senti a mão de Eijiro na minha e temo não saber muito lidar com fofura de todo modo, o que me deixa em um permanente estado de desvantagem. Ainda tentei captar mais um pouco daquilo tudo, da particularidade daquela tarde em alguns rabinhos felpudos sacudindo entre a grama, e era enternecedor como só o improvável e o adorável conseguem ser em combinação. Uma sensação de singularidade que eu podia compartilhar, e por isso tinha significado.

Assenti que precisávamos ir e andamos em silêncio até eu falar que a mãe do ursinho era ainda mais parecida com ele, que ele ficaria assim quando crescer. Até chegarmos à nossa carroça, eu já o tinha provocado com mais dez tipos de transformações que ele poderia ter, inclusive voltando ao assunto da sereia só para azucriná-lo.

Eu o atentava dizendo que era para ele cuidar, porque os dentinhos dele eram de tubarão, mas me lembrei de quando ele me disse, no festival de seu aniversário, que não gostava de seus dentes afiados.  Então de alguma porra de lugar da minha cabeça eu soltei um "se um tubarão tivesse um sorriso como o seu as presas iriam morrer felizes vendo" e eu acho que meu cérebro entrou em colapso. Era possivelmente a coisa mais idiota que eu já disse com um verniz poetico barato em volta, não tenho sombra de ideia de onde veio essa bosta.

Eu estou falando, eu não sei lidar com fofura, e não sei consertar merda nenhuma que eu falo. Ao que percebi que disse aquela coisa cafona eu só senti meu rosto queimar, limpei a garganta e balbuciei qualquer coisa sobre ir colocar as selas nos cavalos, dando as costas. Por Miruko, que palhaçada.

[Eijiro Kirishima] 

Nossa caminhada começou silenciosa, nada além dos sons da floresta… às vezes, um pouco de silêncio é bom, é o que nos permite aproveitar de verdade a companhia de alguém. Graças ao silêncio, consegui reparar claramente em como a mão dele é fria quando comparada a minha, mas seria insuportavelmente quente se estivesse tocando qualquer outro lugar do meu corpo; consegui reparar que mesmo com os ombros relaxados e postura tranquila, ele ainda pisa duro e marcha sobre as folhas secas; acima de tudo, também consegui reparar no quanto é confortável o silêncio ao lado dele. É a prova de que nossas conversas intermináveis não vem de uma fonte de agonia, da necessidade de tapar os buracos de nossos momentos juntos… conseguimos ficar quietos, só não queremos. A voz dele me faz falta, poderia ouvi-lo por horas a fio falando sobre como vou ficar parecido com aquela mamãe ursa porque sou “vermelho e fofo”; ou sobre todas as transformações pelas quais posso passar e todos os planos mirabolantes para contorná-las. Na boca dele, me transformei em todos os exemplares conhecidos da fauna local, e até mesmo alguns desconhecidos. Gosto quando me provoca, gosto mais ainda quando caio direitinho em sua provocação, perco toda a minha capacidade argumentativa, e não me resta nada além de uma vontade imensa de rir dos absurdos que é capaz de inventar. 

De algum modo, voltamos ao tópico da sereia. Uma coisa levou a outra, e quando percebemos já especulávamos qual espécie de peixe eu seria. Katsuki apostou num tubarão, sua justificativa eram os meus “dentinhos de tubarão” e isso me causou uma sensação estranha.  Por onde posso começar a explicar? Bem, meus “dentes afiados” nunca foram um problema para mim, não é algo que penso diariamente, ou que me incomode quando me olho no espelho, não é uma característica que me impede de sorrir para todos, todos os dias… mas é algo que me incomoda muito quando outras pessoas apontam, e gera em mim uma resposta de defesa que basicamente é dizer que também não gosto deles. Quando era pequeno, e vez ou outra brincava com os filhos da alta nobreza, sempre apontavam isso, comentavam, faziam brincadeirinhas… crianças sendo crianças, certo? Mas e quanto aos adultos que também faziam isso? É complicado e muito chato de explicar. Mas o ponto é… a sensação que Katsuki me causou, foi estranha justamente por não ser a que estou acostumado a sentir. Quando ele comentou, eu não me senti mal, não fiquei envergonhado, e não repeti o que fiz no festival pois sabia que levaria outro sermão sobre como isso é “incrível” e me faz parecer “poderoso”. Vindo dele, não tem o ar de desdém que sempre vem junto de comentários desse tipo, me faz acreditar que é algo bom, algo que me difere e me destaca das outras pessoas, algo que faria minhas presas imaginárias morrerem sorrindo.

Isso tudo foi tão genuíno, e tão doce, que até o pegou desprevenido. O rosto adoravelmente corado que me fazia querer beijar cada centímetro dele. O jeitinho que só ele tem de limpar a garganta e caçar outro assunto para seguir em frente como se nada tivesse acontecido. Sim, eu vou te deixar me dar as costas e ir cuidar dos cavalos depois que fizer uma coisinha. 

— Até que ser um tubarão parece legal… — O abracei por trás e apoiei minha boca em seu ombro — Caso eu me transformasse, você seria a minha primeira presa.. — Dei um beijinho em sua pele, e em seguida uma bela mordida.

[Katsuki Bakugo]

Trinquei os dentes quando senti o abraço dele às minhas costas, os lábios dele no tecido da minha camisa. Ele então disse que eu seria sua primeira presa e os dentinhos cravaram em meu ombro, sei que ainda com cuidado, mas com podia sentir que foi com gosto. Eu gostei da sensação, não só pela dorzinha leve mas pelo enregelar em minhas entranhas que me fez sair daquela sensação desagradável de embaraço. 

— Aí nós entramos em um impasse. Não acho que você vá conseguir me caçar, mas com esse sorrisinho eu posso até realmente querer cair. — Virei-me nos braços dele ainda dentro do abraço e segurei suas bochechas, puxando-as para forçar um sorriso no rosto dele. Não precisava, porque ele já estava rindo, e isso era apenas delicioso. 

— Olha aí, perigosa mesmo essa armadilha.

Dei-lhe um beijo nos lábios sorridentes e tentei esquecer tudo da bobeira que eu falei. Na verdade, acho que tudo bem ser bobo com ele, já percebi isso o suficiente, só é difícil de evitar quando fica tão gritante. 

Nisso suspirei e antes que me rendesse nos braços dele, mandei o agora "tubarãozinho" ir terminar de arrumar as coisas dele. Ainda tínhamos estrada para pegar. Ia ainda lavar umas peças de roupa com sangue e recolher o que estava lavado, nossas botas e o que mais estivesse perto do rio. Encher cantis, lavar cumbucas, insistir que os cavalos já selados bebessem mais água, e mais uma história dramática envolvendo nos aliviarmos, hora de eu deixá-lo envergonhado de novo ao que ele pretende ir novamente até o reino vizinho só para achar uma moita decente e muitíssimo privada. Se ele acha que um dia vou deixá-lo em paz, está muito enganado.

Por fim, estávamos prontos, lavados e descansados, os cavalos estavam prontos na carroça sem muitos problemas - os antolhos fazem com que Riot esqueça de Lorde ao seu lado e, espero, de que o odeia com fervor. 

— Tudo certo?  — Eu disse ao que terminava de ajeitar os últimos detalhes da carroça. — Podemos ir?

[Eijiro Kirishima] 

Assim como tudo, rir ao lado dele é fácil, natural, nada além do certo a se fazer o tempo todo. Katsuki me ganha nas bobeiras, quando se solta, quando me deixa ver seu lado metidinho brincalhão… claro que eu não conseguiria caçá-lo, na verdade, quem sabe até conseguisse, porém, sabe que se entregaria por livre e espontânea vontade, é ainda mais satisfatório. Puxando minhas bochechas, criou um sorriso que seria bizarro se eu já não estivesse sorrindo. A maior parte do tempo que estamos juntos, estou sorrindo, ainda mais quando estamos cara a cara. Vez ou outra me pego pensando que tudo isso é bom demais para ser verdade, e se não fosse pelo beijo desajeitado que me deu, teria acreditado facilmente que o dia de hoje foi um sonho. 

Com mais um apelido fofo na bagagem, voltamos para o nosso cantinho na floresta. Ainda precisávamos arrumar tudo para que pudéssemos partir, sem pressa, mas também sem espaço para enrolação. Dividimos as tarefas e tudo correu sem problemas, nem mesmo Riot causou uma cena, até porque levamos ela e Lorde em turnos separados para beber água. Nossos pertences estavam limpos, recolhidos e organizados na parte de trás da carroça. Acabamos discutindo um pouco sobre a ida ao banheiro, mas nada grave, só Katsuki me atazanando para “deixar de graça e ir logo”, e eu insistindo que não precisava e podia esperar até nossa próxima parada. No final, ele acabou vencendo quando disse que ainda temos dias de estrada pela frente, tive que dar o braço a torcer. Nossos cavalos já estavam presos a carroça, Riot aceitou bem o equipamento e parecia aliviada por vestir o antolhos e não ter mais que olhar para o seu novo amigo. Só faltavam os toques finais, Katsuki vestia sua armadura, e eu calçava minhas botas e deliberava comigo mesmo se deveria ou não vestir uma camisa… acabei optando por vestir, só para ter onde prender meu broche e não deixá-lo preso na capa. 

— Tudo certo… só falta uma coisa, ainda não marcamos esse lugar. — olhei em volta procurando uma boa árvore para marcar — O que acha de ser aquela ali? — Apontei pra mangueira por ser a árvore mais bonita daqui

[Katsuki Bakugo]

Fiquei olhando para ele, esperando que ele risse ou que denotasse ser uma brincadeira de algum modo, mas nada aconteceu. Ele só estava parado me esperando, daquele jeitinho que ele fica, como um cachorrinho esperando que eu bata o pé. Inacreditável. Ele ainda não entendeu o tamanho do perigo daquela mangueira infestada de taturanas capazes de matar alguém.

Abaixei-me para pegar minha adaga, entregando-a a ele. 

— Claro, claro, bem na casa das lagartas. — Quando ele a segurou, não o segui, só fiz que esperasse e ergui meu pescoço. — Oh, espere,  tenho uma ideia melhor. Já que estamos tentando me matar, pega a adaga e marca aqui no meu pescoço, vai ficar bem bonito. Só tenha certeza que vai pegar aqui nessa artéria bem grande que tá pulsando aqui. — Apontei com os dedos para ao lado da minha traquéia, em minha garganta.

[Eijiro Kirishima]

A mangueira era a maior e mais bonita árvore deste lugar. Também foi graças a ela que pudemos ter um banquete completo com sobremesa, e alimentar o ursinho que nos fez companhia durante a tarde. Não me esqueci do potencial perigo das lagartas coloridas que a habitam, mas elas ficam nos galhos mais altos, próximas às melhores folhas e frutas, e nós marcaríamos o caule, sem contar que durante o dia todo não vi sequer uma andando pelo chão. Na minha cabeça, seria como marcar o limoeiro no nosso primeiro dia, por isso demorei um pouquinho para entender sua reação a minha sugestão, minha intenção não era deixá-lo bravo, quem dirá matá-lo. 

— Por Nana, Katsuki. Que horror… — Falei mais por surpresa do que como uma censura ou repreensão. Voltei os dois passos que havia dado adiante, e me virei para devolver a adaga que estava em minha mão — Pode escolher então.

[Katsuki Bakugo]

Bufei, trincando os dentes, sentindo de repente aquilo tudo pesar. A voz dele, o olhar, eu tinha feito alguma coisa errada. Eu tinha exagerado de novo? Mas que merda, eu também estava brincando! Claro que eu queria que ele percebesse o que estava falando, que ele simplesmente tinha esquecido que eu falei que as taturanas eram perigosas e se alguma delas caísse em mim eu teria uma febre hemorrágica e delirante.

Bem. Ele não está acostumado a brincar com essas coisas e certamente a acusação de que ele queria me matar tinha sido pesada demais.

Ao que peguei de volta a adaga, puxando-o pela mão até uma das árvores onde apoiamos a carroça.

— Não é culpa sua. — Murmurei, entre dentes, cabeça baixa. — Sou eu que tenho que tomar cuidado, você não sabe o que é ameaça. Nunca saiu aqui fora, nunca se machucou e nem vai se machucar.  Eu sei que você não quer me matar, tudo aqui é bonito para você. É que eu nem sempre tenho lembranças boas em florestas.

Abaixei-me em frente a um dos troncos.

— Às vezes tanto eu quanto Deku tomávamos doses leves de veneno ou nos queimávamos com algumas coisas urticantes pra desenvolver tolerância, mas eu não sei se tenho tolerância com relação a isso. É provável que eu não morresse, mas não estou querendo arriscar por bobagem. Já foi mais um erro ter dormido com criaturas estranhas hoje, logo em um lugar com essas taturanas.

Virei-me para ele, engolindo em seco.

— O dia foi maravilhoso, mas não- não quero apostar o tempo todo na sorte como nós tivemos até agora. Pelo menos o mais importante já sabemos, que você não se fere nem contamina. Só que você precisa de mim consciente para chegar a salvo no Aizawa, e é por isso que eu tenho que começar a ficar mais alerta. Já estou prometendo isso faz horas e não consigo cumprir porque estou me divertindo com você.

[Eijiro Kirishima] 

Depois de uma breve pausa, tive o reflexo de me desculpar, mas não cheguei a realmente falar em voz alta. Me calei quando pegou a adaga e segurou minha mão, estava preocupado com o repentino silêncio enquanto dávamos a volta na carroça para ir até uma árvore que a apoiava… tentava ler nas entrelinhas daquela quietude, procurando qualquer sinal de que o ofendi de verdade, tentando achar rápido onde exatamente nossas brincadeiras se tornaram sérias, precisava saber em que ponto nos desentendemos para poder consertar. Sozinho, não chegaria a conclusão nenhuma, por isso fiquei feliz quando um murmúrio baixo interrompeu meus pensamentos. Para mim é sempre lindo ver Katsuki se expressando, sempre, por menor que seja o assunto ou a motivação, e creio que meu encanto não mudaria mesmo depois de anos e anos juntos.

O ouvia com atenção, acompanhava seus movimentos, e mais do que isso, o entendia. Viemos de mundos completamente diferentes, não que isso seja novidade, só é curioso quando essas realidades se encontram em coisas tão “banais” quanto escolher uma árvore. Tenho que aprender a ser menos inconsequente, a não me maravilhar e me perder em cada mínimo detalhe do mundo que agora é minha casa… porém, outra coisa me chamou mais atenção, e sinto que preciso tocar nesse assunto primeiro. 

— Katsuki… você precisa relaxar um pouco. O único objetivo dessa aventura é que a gente se divirta e aproveite nossa liberdade. Claro que é importante se manter alerta e atento aos arredores, mas que diferença faz estar aqui fora se passar os dias de prontidão como um guarda? Qual é a graça de ser livre se você não se permite tirar uma boa soneca em uma tarde gostosa como hoje… eu estava cuidando de você, acha que eu não teria notado se uma lagarta rosa brilhante chegasse perto? Estávamos rodeados de cervos, passarinhos, coelhinhos! Como pode ter sido um erro? — Falei normalmente, olhando em seus olhos, e acariciando sua mão que ainda segurava a minha. Quando terminei, percebi que estava com um sorrisinho sutil que não sei ao certo quando surgiu.

Eu que preciso tomar mais cuidado, você já toma cuidado demais… me desculpe, eu deveria ter pensado mais antes de sugerir aquela árvore. — Peguei a adaga se sua mão, e voltei a olhar para o tronco da árvore, procurando um bom lugar para começar a escrever — Temos que criar boas memórias em florestas… de preferência que não envolvam você queimado, envenenado, ou machucado. — Continuei, já entalhando a letra “E” na madeira — Ficou perfeito…  sua vez.

[Katsuki Bakugo]

Peguei a adaga e marquei o meu K ao lado do E que ele entalhou com cuidado. Tomei meu tempo, em silêncio, demorando mais do que o necessário para fazer três risquinhos à toa. 

Era muito difícil não me sentir culpado por me divertir, quando eu parava para pensar nisso. Algum lado meu deve mesmo querer me dizer que estava tudo bem, que não tinha mesmo problema, porque no fundo, não era para ter. Ainda mais sabendo o que o espera no Aizawa, era hora de aproveitar, não era?

Tirei a casquinha da madeira que lasquei com minha inicial. De que adianta me autoproclamar um grande guerreiro se não posso ficar tranquilo e andar pelo mundo como se fosse dono dele? Ainda estou acompanhado de um metamorfo que nem sangra. Que porra, e se eu fosse queimado por uma taturana? Era só usar o resto do nosso unguento élfico e depois caçar mais alguma coisa curativa por aí. Em menos de duas semanas estaremos no Aizawa para fazer mais, eu sou tão incompetente assim que não conseguia me garantir? E se fosse uma porra de um filhote de urso-coruja, eu não consigo lutar com um? 

Guardei minha adaga, mas segui agachado. Olhei para ele, sem conseguir dizer nada disso, minhas sobrancelhas em ângulo. Ele é tão precioso para mim, e realmente segurei seu rosto como se fosse de cristal. Estou tentando cobrir todas as possibilidades porque eu não posso perdê-lo. Não posso deixar que se machuque, que seja capturado, não quero que ele veja o que eu já vi, passe pelo que eu passei, ele é tão ingênuo e eu tirei um príncipe que nem sabia lavar o cabelo sozinho de dentro de um palácio, eu tenho que resolver isso tudo. Sou o traidor desse reino por isso e não posso ser pego de surpresa no caminho. 

Eu quero que ele tenha o melhor das aventuras, e assim realmente acho que ao seu lado eu posso vivê-la com ele. Só não consigo decidir se isso significa segurar firme ou deixar acontecer. Ainda mais quando cada dia do lado dele parece tão fascinante, fascinante a ponto de eu não saber o que é encanto e o que é verdade.

Pressionei um beijo em sua bochecha, soltando devagar o ar. Respondi, minutos mais tarde, na verdade, mas não importava. 

— Quando eu falei, queria mais te dar um susto. Não é pra ofender nem pra virar esse drama todo, você sabe que esse é meu jeito de brincar, pode ser escroto, mas eu não consigo evitar sempre... Além disso… não é a primeira vez que eu te puxo a orelha e eu tenho certeza que não vai ser a última. Eu já vi muita merda aqui fora, mas não são umas taturaninhas nem um ursinho desconhecido e nem você com uma adaga que seriam capazes de me matar. Então acho que eu aceito o desafio de a gente sair do plano e acabar por eu me divertir no meio do caminho. De vez em quando.

Sorri para ele então, beliscando sua orelha também na brincadeira.

[Eijiro Kirishima]

Sem resposta, eu não esperava uma resposta, na verdade, a ausência de uma resposta já me diz muito. Entre todos os poderes que recentemente descobri ter, infelizmente ler mentes não é um deles, então, só me resta supor o que aquela expressão concentrada e pensativa significa. Com certeza toda essa atenção não é direcionada a adaga que manuseia como se fosse uma extensão de sua mão, tampouco a árvore que cede à lâmina sem nem mesmo tentar resistir. Três riscos bem mais demorados do que deveriam ter sido, mas que de alguma forma me deixam satisfeito. Gosto de imaginar que ele estava levando em consideração tudo o que eu disse, tentando assimilar minhas palavras e encaixá-las entre suas experiências e vivências, ou até mesmo, tentando criar um novo espaço para essa ideia em seu coração. Próximo e distante, o observava de perto e ao mesmo tempo lhe dava o espaço que precisava, como um gatinho selvagem, lhe faria companhia e esperaria até que decidisse vir até mim… e ele veio. 

Adaga guardada, agora segurava meu rosto com o mesmo cuidado que eu costumava segurar as peças raras de porcelana que ganhava. Seu cenho estava franzido, em seus olhos via dúvida, um conflito, só eu sei o quanto gostaria de poder acalmar esse coração tão inquieto. Velhos hábitos não são mudados da noite para o dia. Minha mão estava sobre a sua, minha cabeça tombando levemente para o lado de encontro a sua palma. Também suspirei com o beijo gentil que deu em minha bochecha, um alívio estranho me tomando, e só agora que passou, percebi que estava com medo de tê-lo deixado bravo

— AI AI! Isso dói — Brinquei pois o vi sorrir, se nem mesmo uma adaga foi capaz de me machucar, que dirá um aperto bobo na bochecha. Piadinhas a parte, voltei a ficar mais sério, sem perder a leveza do meu tom — Eu não fiquei ofendido, um pouco assustado talvez, mas a única coisa capaz de me ofender de verdade é se um dia você parar de puxar minha orelha. Eu quero que saiba que, quando decidi fugir com você, aceitei tudo de bom e de ruim que esse mundo pode nos oferecer, tudo o que preciso é que fique ao meu lado, e que não mude… só isso…

[Katsuki Bakugo]

Não sei se entendi por completo o que ele quis dizer, mas sei que o gosto levemente amargo que tinha ficado na minha boca pareceu se dissipar. Preferiria tranquilamente que ele brigasse comigo e dissesse que eu era um maldito exagerado e dramático do que parecesse só desanimado consigo mesmo ou decepcionado com algo, qualquer coisa. Mas fazia parte e ele tinha um ponto, se o respeito como parceiro de aventura acima de tudo, não posso querer botá-lo em uma redoma de vidro para proteger até - principalmente - de mim mesmo. Era só um lembrete.

Levantei-me então, confirmando tê-lo entendido, e estendi a mão para ele. Com ele de pé curvei-me de novo só o suficiente para agarrá-lo pelas pernas e jogar sobre meu ombro. Dei risada de vê-lo rir e protestar sem muita convicção, ou até quando em um brado de protesto dele o vento ergueu sua saia e deve ter-lhe refrescado até as entranhas. Ainda bem que a carroça estava perto, porque com o quanto eu estava rindo, estava perdendo as forças. Deixei-o lá atrás, para vê-lo reclamar e se ajeitar com um bico, mas ele não falhava em deixar escapar sorrisos para mim. Enquanto estivesse assim estava tudo bem.

[Eijiro Kirishima] 

Sem a necessidade de dizer mais nada, nosso pequeno desentendimento se resolveu assim, fácil, entendendo e sendo entendido. Katsuki se levantou, o clima entre nós voltando a leveza de minutos atrás, e como o bom cavalheiro que é, me ofereceu sua mão para que eu fizesse o mesmo. Com um sorriso, aceitei sua ajuda e o agradeci, mas cometi o erro de parar para ajustar minhas roupas. Antes mesmo que eu pudesse reagir fisicamente, já estava sendo levantado e jogado sobre seu ombro como uma boneca de pano, mas com todo o cuidado que só se tem com o seu brinquedo favorito. Eu ria e protestava para que me deixasse andar, mas fazia sem muita convicção, talvez nunca admitisse isso em voz alta, todavia, acho que no fundo até que gosto um pouco de ser carregado para os lugares. 

Meus protestos só se tornaram reais quando um vento indecente decidiu levantar minha saia, um arrepio percorreu todo meu corpo, e não sei dizer se era por conta do frio, ou da vergonha, já que não usava nada por baixo daquela peça de roupa. Katsuki ria da minha humilhação, tanto que começou a perder as forças e se não estivéssemos próximos da carroça, nós dois acabaríamos no chão.

Sentado, protegido e devidamente coberto, aos poucos percebia a graça absurda no que acabou de acontecer, e ainda que continuasse reclamando, não conseguia conter os sorrisos que insistiam em escapar. Olhando por outro lado, o fato de eu não estar mortificado e em choque, já diz muito sobre o quanto me sinto confortável na presença dele.  

[Katsuki Bakugo]

Enfim seguimos viagem. Preciso planejar melhor nossas pausas, nem sempre ficar viajando de noite será uma boa pedida. Hoje havia mais nuvens e eu imagino que de noite terei que desacelerar consideravelmente para não correr o risco de me perder, agora que não somente árvores mas também nuvens escondem as estrelas que uso de guia. De todo modo, os cavalos precisavam desse descanso e foi mesmo uma experiência ótima, aquela tarde inacreditável repleta de bichinhos. Dormi com certeza por pelo menos quatro horas no colo de Eijiro, ele que perdeu a noção do tempo. Acho que conseguiremos seguir quase direto até o fim da tarde de amanhã, com as pausas para nós e para os cavalos comerem um pouco. 

Conjecturava tudo aquilo quando íamos em um ritmo muito satisfatório. Nossos cavalos eram muito fortes, era fácil de notar como era até necessário cuidar para não acelerar demais e desequilibrar tudo. Eu e Eijiro conversávamos sobre uma coisa ou outra, mas a trilha ficaria entediante rápido, porque era a mesma coisa e continuaria assim por milhas. Ainda levaria certo tempo para nós mudarmos de paisagem. 

Vi que Eijiro começou a ler o livro que compramos em Oji Harima. Não atrapalhei, deixei que lesse sem problemas. Era bonitinho vê-lo compenetrado, tão concentrado que levou um susto quando pedi que me passasse o cantil de água e se assustou de novo quando eu falei que iríamos fazer uma paradinha rápida para nos aliviarmos antes de anoitecer por completo. Ele estava quieto, faz parte. Logo uma viagem fica um pouco cansativa. Seguimos, a noite se aproximando rápido. Eu estava satisfeito com o ritmo que estávamos conseguindo manter, e pensava que, por mais monótona que fosse a trilha, eu gostava muito de qualquer estrada. Ainda mais se a dividisse com Eijiro.

[Eijiro Kirishima]

Retomamos a viagem, tudo seguia conforme o plano. Todos estavam descansados, a trilha era tranquila, e o clima agradável. Nada na paisagem chamava muita atenção, nós conversávamos vez ou outra sobre algum assunto aleatório que surgia em nossas mentes, mas que logo terminava e voltávamos ao silêncio. Nisso, como Katsuki estava distraído com a estrada, decidi por me distrair também. Fucei em nossas malas até encontrar o que procurava, um livro. Mais um daqueles romances de cavalaria que estou habituado a ler, só que com uma pequena diferença, pelo o que o vendedor me disse e estava escrito na contracapa, dessa vez não teria uma princesa ou qualquer donzela, o romance seria entre os cavaleiros. É o primeiro livro do tipo que encontro, nunca vi nada parecido, sequer imaginava a situação antes de conhecer Katsuki, e ouvir sobre o Sir Yoarashi com o Sir Todoroki. Minha curiosidade foi devidamente atiçada. 

As primeiras páginas estavam bem tediosas. Não estou interessado em saber como Sir Nelow, o grande herói estabelecido do seu reino, teria que ficar de olho no jovem e promissor cavaleiro, Sir Abalwen, que agora fazia parte de sua bandeira. Só que, aos poucos, as coisas começaram a mudar, e fiquei preso na narrativa. Aquela sensação gostosa de estar fazendo algo errado, o friozinho na barriga pensando em ser pego, e ter o segredinho que só compartilho com esse livro, exposto para o mundo. Na primeira vez que os dois tocaram, sem querer, suas mãos, Katsuki me chamou para pedir o cantil de água. Quando Abalwen pediu para que Nelow o levasse para conhecer as tavernas da cidade, Katsuki me chamou mais uma vez para avisar que faria uma parada. Não fiquei bravo por ser interrompido, na verdade, nas duas vezes acabei me assustando por pensar que ele me questionaria sobre a história, e eu não saberia o que responder. 

Fizemos a parada necessária, e voltei correndo para a carroça. Por mais que estivesse escuro já, conseguia ler tranquilamente, então continuei. Os dois heróis do romance estavam a sós no quarto de uma pousada, teriam que dividir o espaço pois não havia cômodos para todos. Nelow voltava do seu banho, e Abalwen se preparava para tomar o seu… meu coração palpitava com a antecipação, é óbvio que os dois vão se encontrar, os passos rápidos de Nelow não permitiriam que Abalwen saísse do quarto compartilhado antes que ele entrasse e… ó céus.

“Pois que Nelow encheu os pulmões em uma súbita inspiração, exaltado com o teor lascivo de seus pensamentos ao que o olhar se regozijava da suculência das formas de Abalwen que lhe virava as costas. Seu traseiro era duas frutas carnudas divinas que lhe deixavam sôfrego de desejo de provar porque jamais viu em qualquer banquete coisa mais deliciosa, cujo suco o deixasse sedento para ter sobre a língua. Se seu olhar temerário profaná-lo-ia o corpo, esteve certo de que docemente pagaria, querendo expiá-lo em toques tórridos. Havia mais nele do que em quaisquer das mulheres com quem se deitara, e perguntou-se se seu corpo o aceitaria assim, qual a sensação quente daqueles lábios rosados e túmidos que não via mais diretamente. Mal sabia ele que Abalwen justamente lhe dava as costas porque fora acometido da mesma luxúria como chamas bruxuleantes em seu pescoço e rosto ”

 

Minhas bochechas ardiam de tão coradas, não posso acreditar no que estou lendo. Tive que fazer uma pausa para respirar pois o desejo que escorria daquelas palavras estava começando a mexer com a minha cabeça. Isso é tão errado, preciso saber o desfecho. Com o livro colado em meu peito, respirei fundo uma vez, mordi o lábio com força para conter meu sorrisinho, e então voltei meus olhos para as páginas. Nelow, andou calmamente até uma das camas e se sentou sobre o colchão, sem tirar os olhos do seu novo melhor amigo…

“Nelow sentado de joelhos afastados daquela forma fazia a abundância de suas coxas como os dois lados de um portão pesado para a perdição. Sua boca seca pedia por água que o rio não seria suficiente, e a ponta tépida de sua língua lambuzou os lábios de saliva abundante. De todos os cavaleiros que já vira, por que Nelow, desenhado forte, rijo e protuberante como uma nogueira? Sua hombridade era desenhada por veias como sulcos e lhe pendia sobre a coxa como um repouso de um titã. Representava o que há de mais másculo e perene, de fazer querer que os dedos sejam as raízes que lhe manterão sob seu corpo para sempre. Cicatrizes marcavam-lhe como lenho em sua pele, do bosque de pelos em sua púbis brotava o tronco grosso e farto. Cogitou o que aconteceria se aquele mastro se enrijecesse e se erguesse intumescido, se se derramaria seiva por ele, se ela seria saborosa e farta, e horrorizado por causar em si mesmo tal reação, Abalwen vestiu-se depressa e deixou o cômodo a passos largos... ”

O capítulo terminou com Abalwen fugindo e Nelow usando de alguma desculpa besta para trancá-lo para fora do quarto. Minha boca estava seca, minhas mãos suadas, e de repente a noite fresca de outono, parecia ser aquecida pelo sol do meio dia de um verão intenso. O livro, apesar de ser narrado em terceira pessoa, seguia a jornada de Abalwen, e por isso seus pensamentos e emoções são mais acessíveis. Ele idolatrava Nelow desde o princípio, e o descrevia como um regente na terra, cabelos loiros, olhos azuis — que por algum motivo na minha imaginação se tornaram vermelhos — alto, forte, impetuoso, corajoso, todos os atributos de um verdadeiro herói… misterioso e reservado, impossível de se ler. 

Nelow, por sua vez, não sabia se expressar nem para si mesmo, sua eloquência só servia para reparar nos imensos olhos verdes e traços finos do Abalwen, ele seria capaz de escrever uma epopeia sobre o rapaz, mas não conseguiria expressar a razão de ter ficado tão irritado só por ver seu amigo trocando meia dúzia de palavras com a recepcionista.  

Tenho que saber o que vai acontecer! Será que eles vão finalmente admitir que se desejam? Qual seria o resultado caso fizesse? Será que vão conseguir derrotar o Lorde Gardferd, recuperar o pergaminho mágico e salvar o reino? São tantas perguntas que precisam de respostas!

 



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