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História O Médico Louco - A perspectiva


Escrita por: Almafrenz

Notas do Autor


Boa leitura meus amores!

Capítulo 16 - A perspectiva


Fanfic / Fanfiction O Médico Louco - A perspectiva

            Um pesadelo. Era assim que Sherlock resumia a sua presente situação, o seu medo mais profundo havia se esgueirando para fora da fossa profunda e escura da sua mente e se apresentava medonho diante dele: ter e perder alguém com quem se importa mais do que com a própria autopreservação.  

Ele não percebeu os agentes especiais entrarem na sala, não se deu conta do corpo de Moriarty ser analisado por um dos agentes, não viu seu irmão se aproximar apressado e parar ao lado dele diante das amplas telas de monitoramento. O mundo concentrava-se no homem no meio de uma sala estranha prestes a ser envenenado por um agente químico de alta letalidade.

            Para o simples observador, Sherlock era apenas um homem congelado pela devastação da impotência diante da morte inevitável que rastejava diafanamente para os pulmões de um ente querido bem diante dos seus olhos. O observador ordinário diria que o homem moreno petrificado diante das telas estaria chafurdando em um doentio masoquismo ao encarar as imagens. O homem não movia um músculo e parecia esquecido de respirar.  

            O final era bem simples para o observador, a vítima cujas imagens estavam sendo transmitidas para aquela sala de monitoramento, iria morrer em poucos minutos e o homem assistindo, totalmente petrificado, a extinção do ente querido, certamente entraria em colapso. De fato, tudo seria bem simples e previsível se o homem encarando as imagens não fosse Sherlock Holmes.

            Não era uma inclinação mórbida pelo masoquismo que o fez parar alguns segundos em silêncio absoluto encarando as imagens. Mycroft sabia o que era. Sherlock estava fazendo uma observação fria dos detalhes, analisando freneticamente as possibilidades de localização que aquilo poderia lhe fornecer. Sherlock estava trabalhando.

O VX estava espalhando-se como uma garra opressora no ambiente. John, instintivamente espremeu-se de costas num canto da sala tentando fugir ao máximo da inalação do gás que descia mortal no cubículo.

Mycroft sabia que seria inútil descobrir onde John Watson estava, provavelmente, estava em um lugar a mais de trinta minutos de distância deles e ele conhecia os efeitos do VX. Nos próximos vinte segundos o médico iria inalar as primeiras porções do veneno, dependendo da sua resistência, nos próximos dois ou dez minutos ele iria perder a consciência, teria fortes convulsões, seguida de paralisia, insuficiência respiratória e por fim, morreria, tudo isso dentro de quinze, no máximo vinte minutos. Ele tinha que estar preparado para conter Sherlock, o irmão não reagiria bem a essa perda. Foi muito difícil lidar com os efeitos que a perda do Barba Ruiva causou ao irmão caçula, dessa vez o impacto seria maior, ele tinha certeza e isso o fez suspirar internamente.

– Sherlock, ele já está perdido, não assista isso... – Mycroft murmurou perto do irmão tocando seu ombro. Seria melhor afastá-lo dessa experiência que potencializaria um trauma que talvez colapsasse de uma vez por todas a mente do seu irmão.

– O excesso de confiança é como uma fissura em um cristal, pode tornar pó qualquer grande plano! – Sherlock murmurou ainda vidrado na tela de transmissão –  Estamos obviamente nas dependências da Universidade de Westminster, a venda que usei ao ser arrastado para cá não me impediu de deduzi isso e agora eu sei onde John está nesse momento. – concluiu o detetive disparando repentinamente da sala sendo seguido por Mycroft e meia dúzia de agentes para um dos quais Holmes mais velho gritou que buscasse sua maleta pessoal e chamasse paramédicos.

 – Aquela sala pode ser qualquer uma em qualquer lugar de Londres. Não vai chegar a tempo, irmão – Mycroft disse alcançando seu irmão.

– Eu vou sim! – Sherlock  insistiu correndo pelos corredores com Mycroft logo atrás dele.

– O que faz você ter tanta certeza!

– A cadeira quebrada ao lado do John, Mycroft. Ela tinha a frase “O Senhor é a nossa força” gravada no encosto.

– Esse é o lema da Universidade de Westminster.

– Exato. Conclusão: ele está aqui em alguma sala desta universidade. Moriarty achou que nada atrapalharia seus planos então não se importou de colocar John longe de onde nós estaríamos. – Sherlock disse correndo como um louco pelos corredores, deslizando aqui e ali com o desespero roendo suas entranhas, cada minuto era decisivo para a sobrevivência do seu companheiro.

            Enquanto isso, John tossia sob o efeito e tremia sob os efeitos das primeiras inalações do veneno. Ele tentou inutilmente evitar contato com a fumaça que descia sobre ele como uma grade opressora querendo esmagá-lo em sua toxicidade mortal. Tentou prender a respiração, esforçou-se por libertar-se da camisa de força, jogou-se repetidas vezes contra a porta trancada na esperança de arrombá-la. Gritou por socorro, implorou atenção de quem quer que pudesse ouvi-lo, mas por fim, ao cabo de longos minutos lutando, ele deixou-se cair derrotado no meio do cubículo, totalmente esgotado e ciente de que estava vivendo os seus últimos instantes. Deus, como ele queria ver Sherlock uma última vez!

            Sentiu os olhos arderem com lágrimas de amargura e tristeza enquanto a serpente venenosa do VX viajava por suas narinas e penetrava seus pulmões. Ele engasgou e se contorceu sentindo dificuldade para respirar como se um saco de cimento estivesse oprimindo seu tórax. Sua cabeça rodava, sentia profunda náusea e a visão começou a falhar.

– Sherlock... – John gemeu dolorosamente como uma despedida antes de deixar o corpo ser fechado por tremores que ele não conseguia controlar e entregou-se ao abraço gelado da escuridão.

            Sherlock deslizou por mais duas esquinas antes de encontrar a porta de uma pequena sala em cuja parede superior podia-se notar um circuito de registro por câmera recém-instalado.

– É aqui! – O detetive disse lançando-se para a porta, sendo imediatamente impedido pelo irmão.

– Não, Sherlock!

            O moreno olhou espantado para o irmão como se repentinamente tivesse se transmutado em algo bizarro.

– Não me olhe assim. – disse fazendo sinal para um dos agentes que os havia acompanhado até ali e o homem lhe passou algo. – Ponha isso. – disse empurrando no peito do moreno uma máscara de proteção contra agentes químicos. – Se vai bancar o príncipe salvando a donzela em perigo, é bom sobreviver para receber sua eterna gratidão.

            Apesar da aparente zombaria que o comentário de Mycroft carregava, sua voz era séria e tensa. O homem fez outro gesto para o agente e o mesmo destravou a fechadura rapidamente. Sherlock não perdeu tempo, mergulhou na sala alcançando rapidamente o médico que se contorcia inconsciente no meio do quarto e o arrastou para fora onde Mycroft estava revirando algo dentro da sua maleta. O agente ao lado, prontamente fechou a porta para evitar alastramento da fumaça química pelo corredor e ajudou Sherlock a carregar John para longe daquele ponto do prédio.

– Ele está no segundo estágio de envenenamento! – Sherlock diagnosticou trêmulo ajoelhado ao lado do corpo convulso do médico.

– Eu sei. – Mycroft respondeu mantendo a calma enquanto enluvava as mãos. – ajude a segurar o Dr. Watson, irmão.

            Sherlock imediatamente fez o solicitado com ajuda do agente que destravara a porta do cubículo. Foi difícil, mas eles conseguiram produzir uma brecha entre as convulsões para que Mycroft espetasse rapidamente o pescoço do médico com um dispositivo com duplo injetores, segundos depois ele aplicou um outro fármaco em John.

            Passaram-se mais alguns minutos e as convulsões começaram a amenizar até se resumirem a um espasmo errático que agitava um músculo aqui e outro acolá. Mas John continuava inconsciente.

– O que você fez? – Sherlock perguntou apreensivo analisando o companheiro estirado no piso frio do lugar.

– Administrei o Mark I, um Kit projetado pelos americanos para auto administração militar no campo, para soldados alvo de contaminação por VX. Contém atropina e pralidoxima, o segundo elemento injetado foi um anticonvulsivo, estive com eles na minha maleta durante nossa missão na Base Aérea Real, não achou que eu iria para uma área ameaçada de contaminação por um agente químico sem me precaver para possíveis incidentes, não é?

– Muito esperto. – Sherlock disse com sinceridade e alívio.

– Eu sempre sou. – Mycroft disse com um risinho torto, mas seus olhos mantinham grande preocupação.

– Paramédicos! – um agente gritou no meio do corredor sinalizando onde estava a vítima para a equipe que acabara de chegar.

            O médico da equipe agachou-se buscando sinais vitais e o rápido contrair desgostoso dos seus lábios causou aumento na preocupação de Sherlock.

– Foi intoxicação por VX, eu administrei atropina e pralidoxima combinadas a um anticonvulsivo. Ele estava no estágio das convulsões. – Mycroft resumiu para o médico.

– Fez muito bem, senhor. Isso deu tempo para encontrarmos a vítima ainda viva. A contaminação foi gasosa ou líquida?

– Gasosa. – Sherlock respondeu rápido.

– Ok. Temos que remover a roupa dele imediatamente, certamente há vapor de VX no tecido e isso pode estar continuando o envenenamento.

            Dito isso, o médico e os assistentes da equipe de socorro iniciaram os procedimentos. Removeram rapidamente os tecidos que estavam em contato com a pele do loiro, puseram na maca e cobriram com um lençol e estavam prontos para sair às pressas com ele quando um enfermeiro alertou sobre o estado de cianose nas pontas dos dedos do ex-militar.

– Droga! Parada cardiorrespiratória! Preparar desfibrilação a 200 joules! – o médico pediu.

            Puseram a maca com John no chão, aplicaram a primeira descarga e iniciaram as massagens para bombear sangue para o cérebro, tecendo uma dança mórbida de mãos sobre o corpo pálido e imóvel do ex-militar diante dos olhos apreensivos de Sherlock. Os momentos se passavam enquanto os socorristas buscavam restabelecer a pulsação cardíaca do loiro, mas sem sucesso.

– Dois minutos! – um enfermeiro alertou dando a saber que o tempo para obter sucesso estava terminando e que os danos cerebrais estavam bem próximos de começar.

– Desfibrilação a 260 joules! – pediu o médico socorrista.

            Outra descarga fora disparada sacudindo horrivelmente o tronco de John, mas o coração continuou sem oferecer resposta.

– Três minutos!

– 300 joules!

– Sem resposta!

– 360 joules!

– Quatro minutos, dano em curso. – o enfermeiro indicou olhando ansiosamente para o relógio.

– Não, John! – Sherlock rugiu ajoelhando-se próximo ao corpo frio do companheiro enquanto os socorristas continuavam suas tentativas. – Fique aqui comigo, você tem que ficar, eu tinha que ter feito você prometer isso para mim em algum dos nossos muitos momentos e eu quero remediar isso, droga! Assim que você abrir os olhos eu vou te obrigar a me prometer isso! Está me ouvindo? Você não pode me deixar, não depois de se instalar no meu palácio mental e se tornar a parte mais importante da minha vida, não é justo! Você não tem esse direito! Vamos, John! Vamos!

            Mycroft ficou rígido a meio metro da cena caótica de socorristas tentando ressuscitar John e Sherlock dando vazão ao seu desespero. O homem de gelo suspirou consternado e puxou seu caderninho de anotações passando lentamente as páginas até encontrar a folha com a inscrição “Barba Ruiva”, depois sacou uma caneta e acrescentou logo abaixo: “John Watson”. Ele realmente não sabia o que iria fazer com seu o irmão depois disso.

– Temos resposta! Fraca, mas temos. – o operador do desfibrilador comemorou.

– Rápido! Precisamos levá-lo ao hospital. Informem pelo rádio que estamos com uma vítima de envenenamento por VX que deve receber mais doses de atropina num intervalo de meia hora – o médico orientou e a mensagem foi passada pelo rádio ao hospital mais próximo do incidente. 

            Sherlock enfiou-se junto com os paramédicos na ambulância que partiu às pressas para o pronto socorro enquanto Mycroft permaneceu de pé na calçada do prédio da universidade olhando para sua anotação no caderninho refletindo se seria otimismo demais da sua parte riscar a sua recente anotação. 

            O avançar da noite no hospital não foi muito calmo para Sherlock. John foi levado para um quarto e entubado por não conseguir respirar sozinho e teve o tronco apinhado de delicados, mas intimidadores fios de monitoramento. A madrugada deslizou com enfermeiras visitando o quarto do loiro a cada meia hora para reforçar a dose de atropina associada a outras drogas administradas por lento gotejamento, sempre atentas em verificar se os sinais vitais continuavam estáveis.

            Foi impossível demover o detetive da ideia de permanecer no quarto onde John permanecia inconsciente. O homem pairou por mais de uma hora em torno da cama do companheiro como se temesse que o loiro voltasse a ter outra parada cardiorrespiratória caso ele desviasse a vista. Era algo muito ilógico, mas ele conseguia consolo inexplicável ao assistir o lento subir e descer do tórax do médico. Cada respiração obtida mesmo que com ajuda mecânica externa, era uma possibilidade a mais de que em breve John fosse abrir os olhos e permiti-lo mergulhar naqueles poços de mel morno que eram os olhos de seu parceiro.

            No meio da madrugada, a exaustão do dia começou a cobrar seu tributo e Sherlock deixou-se deslizar no pequeno sofá de dois lugares disposto na parede do lado direito da cama do médico. Apoiou a cabeça no braço do móvel, encolheu as longas pernas para se encaixar como era possível e cobriu-se com o próprio casaco, adormecendo segundos depois muito pesadamente.

            Na manhã seguinte, o detetive acordou com Lestrade olhando-o com uma expressão indecisa enquanto segurava um saco de papel com algo morno dentro.

– Oh, você acordou, estava aqui me decidindo se cutucaria ou não você  para te dar o seu café da manhã. – o inspetor disse esticando para ele o pacote que tinha em mãos. – Você parece desconjuntado feito uma girafa que dormiu dentro de um caixote de feira. – concluiu enquanto assistia Sherlock desenrolar-se do sofá de dois lugares onde dormira por pura exaustão.

– Muito engraçado, Lestrade. – Disse espiando o conteúdo do pacote. – Tem muito leite nesse café, eu não gosto de muito leite.

– Cala a boca e come, Sherlock. Quando foi a última vez que comeu alguma coisa?

– Eu não me lembro ao certo. – o detetive murmurou mastigando apreciativamente um bolinho açucarado de gengibre com nozes que o fez sentir-se instantaneamente muito interessado por comida.

– O John não ia gostar de ouvir isso. Como ele está?

– Estável. É o que os médicos dizem. Esperam que ele consiga respirar sozinho nas próximas horas e talvez acorde ainda hoje. – Sherlock respondeu olhando ansiosamente para a cama onde o companheiro continuava inconsciente.   

– Entendo. Vim aqui também para avisar que a gravação que você fez do Moriarty confessando autoria dos assassinatos de Allen, Patel e Horace foi aceito como prova conclusiva, John está livre das acusações.

– Ótimo, John vai gostar de voltar para casa.

            Duas horas se passaram desde a visita de Lestrade e nada de John Watson acordar ou apresentar condições para a remoção do aparelho que o ajudava a respirar. O dia seguiu com visitas da Sra. Hudson e Molly. Ao anoitecer a Sra Hudson voltou ao hospital com o jantar e uma muda de roupa limpa para Sherlock que ficou muito feliz em poder usar o banheiro anexo ao quarto hospitalar para poder tomar um banho e trocar de roupa. Ele alimentou-se razoavelmente diante do olhar vigilante da senhoria, depois recebeu no quarto a visita noturna do médico responsável pelo caso do John. As notícias não mudaram, o loiro continuava incapaz de respirar sozinho e Sherlock tentou não se sentir pessimista com isso.  

            Quando o médico e a Sra. Hudson saíram do quarto, Sherlock sentou-se ao lado da cama do companheiro e pegou sua mão apertando-a entre as suas e sussurrou com fervor:

– John, eu preciso de você, lembra? Confessei isso para você.  Eu te amo. Por favor, se esforce para respirar sozinho, por favor. Prove que me ama também, eu vou estar aqui por você. Sempre. Esteja aqui por mim também, por favor.

            Sherlock olhou longamente para o homem imóvel, John parecia um boneco de cera e as horas se passaram sem que sua imobilidade traísse qualquer alteração benigna em seu estado. Derrotado, o detetive aconchegou-se em seu sofá de dois lugares e afundou em sono profundo.

            Quando ele acordou para um segundo dia de expectativa corrosiva naquele quarto de hospital, uma agitação de enfermeiros e um médico pairando em torno da cama do seu parceiro começou a destacar-se na névoa do seu despertar. Aquela movimentação colocou o seu cérebro em repentino alerta fazendo-o saltar do sofá e cambalear até a cama para inteirar-se do que estava acontecendo.

            “Não! John não podia ter morrido enquanto ele dormia!” – o detetive pensou em desespero.

–Sr. Holmes. Aguarde um minuto, por gentileza. – disse uma enfermeira morena que segurava na mão direita o tubo que estivera auxiliando John a respirar. Eles haviam removido.

– Por que vocês removeram o tubo? – Sherlock perguntou olhando para John que estava morbidamente imóvel e pálido sobre a cama como um boneco de cera. – Ele precisa disso para respirar!

 – Nesta situação ele não precisa mais, Sr. Holmes. – disse o médico pondo a mão no ombro do moreno.

– Do que estão falando? Que situação?

– Acalme-se, Sr. Holmes. Está tudo bem. – disse a enfermeira que havia removido o tubo. – Temos boas notícias, o Sr. Watson apresentou impressionante melhora no final da madrugada e já está respirando sozinho. Nas próximas horas o paciente deve recobrar um pouco de cor. Vai ficar tudo bem. – ela concluiu.

            Sherlock sentiu o corpo ficar tão leve que teve que se apoiar na parede com um medo irracional de que fosse flutuar de alívio e sorriu satisfeito assistindo os profissionais terminarem os procedimentos de reajuste dos aparelhos que ainda monitoravam os sinais vitais do seu companheiro.

            Passava das cinco da tarde quando Sherlock percebeu um movimento débil na cama diante do sofá onde ele estava sentando resolvendo casos por meio de bate-papo no celular.

– S-Sher...lock. – John murmurou forçando a garganta muito seca.

            Sherlock estava ao lado da cama quase que instantaneamente portando um copo com água em sua mão tentando ajudá-lo o melhor possível a sorver uma pequena quantidade do líquido.

– Obrigado. – o loiro murmurou ainda rouco tentando manter os olhos abertos.

– Como está se sentindo? – o detetive perguntou olhando-o atentamente.

            John parecia muito magro e abatido, o que certamente foi efeito dos dias na clínica psiquiátrica associado ao envenenamento e o tempo internado para desintoxicação.

– Me sinto como se tivesse rolando uma grande ladeira dentro de um barril fechado. – John comentou com a voz um pouco mais clara.

– Nada mal. – Sherlock disse sorrindo-lhe.

– Há quanto tempo estou aqui?

– Dois dias. – Sherlock respondeu.

– Nossa. Você esteve aqui esse tempo todo?

– Não arredei um só segundo de perto da sua cama. – Sherlock respondeu solene.

– Não precisava, Sherlock... aquele sofá parece horrível – o loiro disse depois de relancear a vista para o móvel.

– Horrível foi a perspectiva de perdê-lo. Você é minha prioridade, John.

            O loiro sentiu-se aquecer com aquela declaração, mas antes que pudesse dizer algo, Sherlock se afastou da cama olhando em torno como se precisasse encontrar alguma coisa, depois de muito analisar as coisas em volta, ele catou uma tira média de atadura, deu duas voltas com ela em seu dedo anelar realizando um nó nas pontas e o removeu cuidadosamente ajustando-o como um anel improvisado e voltou a sentar na beira da cama do loiro.

– John, espero que entenda que não tive com sair para fazer uma compra adequada, mas quero que reflita sobre o pedido que vou fazer agora. – Disse Sherlock um tanto atrapalhado, mas com ar imponente. – John Watson, você quer se casar comigo?

            John prendeu a respiração e encarou o anel improvisado que tremia levemente entre as pontas do indicador e polegar do detetive que o olhava em expectativa.

– Sabe, os últimos dias foram loucos e me fizeram refletir sobre nossa parceria. A Sargento Donovan tinha razão quando me disse que me associar com você era um perigo. – o loiro disse sério.

– John eu...

– E eu amo o perigo, você sabe disso, não é segredo para ninguém.

– Então isso quer dizer que...

– Sim, eu amo você e não me importa se quase morri novamente por causa de mais um dos seus casos, eu nunca vou me afastar de você e se eu tenho uma oportunidade de me amarrar a você pelo resto da minha vida, eu irei aproveitar. Então sim, eu quero me casar com você, Sr. Sherlock Holmes.

            A primavera é a estação do ano fortemente ansiada pelos casais que desejam matrimoniar-se. Londres recebe mais horas de sol dourado e as plantas explodem em vigor e beleza pelas praças, varandas domésticas e jardins botânicos tecendo a atmosfera perfeita para a realização de votos de mútuo respeito e companheirismo.

            O Goldney Hall, um importante e disputado salão-residência pertencente à universidade Bristol em Clifton, ambiente famoso por fornecer aconchegante espaço para matrimônios e dispor de acomodações para hospedagem de convidados, amanheceu repleto de luz filtrada pelas suas amplas janelas que forneciam um ar principesco e sonhador às mesas elegantemente decoradas com tulipas diante da mesa principal disposta na parede frontal para os noivos e padrinhos.

            No amplo e agradável jardim do Goldney Hall, foram dispostas algumas dezenas de cadeiras formando uma passagem revertida de pétalas de crisântemos brancos e amarelos ao estilo tapete primaveril, cujo perfume pungente pairava no ar misturando-se com o delicado perfume de flores de laranjeiras provenientes de um pequeno e próspero laranjal nas proximidades do salão. O delicado tapete de pétalas de flores conduzia a um pequeno tablado de 30 cm de altura sobre o qual foram colocados um delicado arranjo de flores, um livro e uma caneta prata de aspecto solene. O perfume na brisa morna dançava suave junto com a canção do curso d’água da fonte de pedra como sussurros de pássaros dentro de uma floresta densa.

            Sherlock parecia totalmente alheio a toda essa sinfonia de paz e tranquilidade que rodeava aquele ponto de Bristol, o homem atava e desatava gravata de forma irritadiça, praguejando uma vez ou outra sem atingir o laço desejado.  

– Venha, meu irmão, deixe-me ajudá-lo com essa gravata. – Mycroft chamou pacientemente ao entrar no quarto onde seu irmão estava a mais de meia hora tentando vestir-se para o seu grande dia.

– Eu sei colocar uma gravata, Mycroft! – Sherlock replicou irritado desfazendo o laço para refazê-lo com energia renovada.

– É claro que sabe. Mas não é tão hábil quando está nervoso. – o Holmes mais velho replicou rindo vitorioso parando ao lado do irmão diante do espelho de corpo inteiro.

– Quem está nervoso? – o detetive rebateu olhando-o de forma ofendida. 

– Ora, não seja ridículo... suas mãos estão atrapalhadas, sua respiração está irregular e sua postura está tensa como o arco de um violino. Quer que eu continue listando mais sinais de nervosismo, irmão? – Mycroft desafiou.

– Me ajude com a gravata. – Sherlock pediu cortando o assunto e assumindo a derrota.

            Holmes mais velho riu e ajustou rapidamente a gravata branco-pérola elegante que se moldou com perfeição ao entorno do pescoço do detetive. Em seguida ajudou-o a por a casaca por cima do colete, enfiou um ramo de rosa branca na lapela e entregou-lhe a cartola cinza.

– À batalha, irmão. – Mycroft convidou rindo e fazendo um gesto para que Sherlock saísse do quarto.

            Não muito longe dali, em um dos quartos de hóspedes do lugar, John vestia alegremente o seu traje de casamento, mas teve especial dificuldade com o punho da camisa branca.

– Precisando de ajuda, irmão? – Uma mulher perguntou sorridente junto à porta do quarto.

– Oh, Harry! Claro, por favor. Esses botões do punho são terrivelmente escorregadios, me ajude com eles. – John pediu.

– Claro, é tarefa da irmã do noivo vesti-lo.

– Na verdade seria de um irmão.

– Não seja retrógrado. – Ela repreendeu sem deixar de rir. – Além do mais, você não tem nenhum outro irmão além de mim e eu não sou necessariamente uma menina. Corpos trocados, lembra?

– Ah, sim, eu me lembro dessa nossa conversa. No fundo você estava coberta de razão.

– Eu sei. Olha pra você hoje. Vai se casar.

– É, eu vou.

– E com um homem.

–  Ok, mas você se casou com uma mulher.

– E me divorciei algum tempo depois. – Harry respondeu torcendo os lábios. – Oh, Isso não quer dizer que o seu casamento não vai dar certo. Você e o Sherlock se completam de um jeito que eu não sei ao certo como explicar. Um é viciado em mistérios e o outro é viciado em perigo, mamãe diria que são a tampa e a panela. – a mulher riu-se e continuou – Eu tive a minha parcela de culpa no que aconteceu no meu relacionamento, não seja negligente como eu fui e nem permita que o Sherlock seja também, conversem sempre, cedam quando necessário, isso é muito importante num casamento.  

– Nossa, é sério que estou recebendo conselhos matrimoniais enquanto recebo ajuda para me vestir para meu casamento? Isso meio clichê!

– A vida é um eterno clichê, John. – Harry afirmou ajeitando a gravata do irmão.

– Essa frase é mais clichê ainda.

– Pare de bancar o escritor moderno comigo e abotoe o seu colete.

– Ok.

            Harry Watson passou a casaca para John e o ajudou a colocar o ramo de rosa branca em sua lapela para em seguida oferecer-lhe a cartola cinza.

– Está um verdadeiro príncipe, meu irmão. É bom o Sherlock merecer você! – a mulher disse dando um beijo rápido e animado na bochecha esquerda do médico ruborizado.

– Às vezes pode parecer que não, mas... ele sempre arranja um jeito de me merecer e eu a ele. – John respondeu rindo.

– Oh, isso é muito fofo, mas vamos logo para o jardim antes que o Sherlock desista desse casamento.

– Ele não é louco o suficiente para me deixar no altar. – John asseverou.

– Claro que não, ou eu iria caçá-lo por toda a Grã-Bretanha e o arrastaria pelos cabelos para prestar os votos matrimoniais com você. – a mulher disse engatando-se no baço esquerdo do loiro. 

– Bom saber que tenho uma irmã para defender minha honra. – John comentou rindo enquanto se deixava guiar para fora do quarto.

            Os noivos encontraram-se no início da passadeira de flores no jardim, por mútuo entendimento, nenhum iria entrar primeiro que o outro, ambos entrariam juntos de mãos dadas rumo ao tablado para prestar os votos solenes.

            Quando John entrelaçou seus dedos nos longos dígitos de Sherlock, sentiu-se imensamente orgulhoso. Sherlock estava lindo de meio fraque e o médico temeu estar apenas sonhando com esse momento.

– Não seja bobo, John. Isto está longe de ser apenas um sonho. – Sherlock murmurou para ele enquanto escondia um risinho muito divertido.

– Estou realmente feliz que isso seja real. – John respondeu iniciando a marcha com seu noivo rumo ao altar florido de frente a fonte de pedra.

– Eu também, John. – o detetive disse olhando de relance para ele antes de parar de frente ao juiz de paz que os aguardava com o livro ata aberto.

– Senhoras e senhores aqui presentes – disse o juiz de paz em alta e clara voz. – estamos todos hoje neste jardim para testemunhar a união de dois homens que viram na companhia um do outro o conforto e a plenitude que todo ser humano busca enquanto caminha sobre a terra. Sendo assim, passo as perguntas legais de praxe: William Sherlock Scott Holmes, é de livre e espontânea vontade que você está aqui hoje diante de todas essas testemunhas e deste juiz de paz para casar-se com John Hamish Watson?

– Sim. – o detetive respondeu de forma clara e audível.

– John Hamish Watson, é de livre e espontânea vontade que você está aqui hoje diante de todas essas testemunhas e deste juiz de paz para casar-se com William Sherlock Scott Holmes?

 – Sim, com toda certeza. – John respondeu sentindo o coração inflar de felicidade.

– Muito bem, as alianças, por favor. – Solicitou o juiz de paz.

            Sra Hudson e Mike Stamford como padrinhos, aproximaram-se com as alianças dos noivos. Sherlock.

– Sr. Holmes, pegue a aliança do Sr. Watson e preste os votos.

            Sherlock pegou a aliança dourada que a Sra Hudson estendeu a ele e com a mão um pouco suada, buscou a do noivo descansando-a sobre a sua.

– John, eu prometo ser fiel a você, honrá-lo e respeitá-lo, protegê-lo com a minha própria vida e estar sempre ao seu lado até os meus últimos dias de vida.

            John estava quase reduzido às lágrimas diante dos votos de Sherlock e assistiu a grossa aliança dourada ser deslizada no seu dedo anelar esquerdo para em seguida receber um breve e caloroso aperto.

– Sr. Watson, pegue a aliança do Sr. Holmes e preste os votos.

            Mike se aproximou e entregou a aliança para John e o médico respirou fundo tentando restabelecer um pouco de compostura para que sua voz não falhasse. Pegou a longa mão calorosa de Sherlock e disse:

– Sherlock, eu prometo ser fiel a você, honrá-lo e respeitá-lo, protegê-lo e cuidar do seu bem estar com tudo que sou e tenho, estando sempre ao seu lado até o meu último suspiro.

            Sherlock sorriu para John, era um sorriso leve como um amanhecer de primavera, e o médico sentiu-se aquecer por dentro enquanto deslizava a aliança no dedo do noivo para em seguida depositar um beijo devotado sobre o símbolo da união de ambos.

– Pelos votos que acabamos de presenciar e pelos poderes que a Lei britânica me conferiu, eu os declaro casados. Por favor, assinem o livro. – o juiz de paz indicou o ponto onde deveriam assinar.

            Depois deles, Greg, Molly, Sra Hudson e Mike Stamford assinaram como padrinhos e testemunhas do ato.

– Bem, agora que todas as formalidades foram cumpridas, os recém casados já podem se beijar. – o juiz de paz concluiu.

            Nesse momento, Mycroft fingiu digitar algo muito importante em seu celular enquanto a Sra Hudson não perdia um único ângulo para fotos, deixando o fotógrafo oficial totalmente para trás no quesito velocidade de registro e os demais convidados assistiam o momento entre admirados e divertidos enquanto John e Sherlock se colocavam um de frente para o outro um tanto constrangidos de trocar um beijo em público.

            Sherlock moveu-se primeiro e depositou um casto beijo na testa do esposo fazendo-o fechar os olhos rindo com muita diversão lembrando que entre quatro paredes, Sherlock não é nenhum santo.

            Depois dos cumprimentos aos casados, todos seguiram para o salão de festa onde houve os tradicionais discursos seguidos do almoço e por fim a esperada valsa dos noivos.

John e Sherlock foram para a pista de dança enquanto uma agradável valsa encheu o ambiente penetrando na alma dos presentes, inspirando sentimentos de bem-aventurança, pertença e aconchego.

– Foi você quem escolheu essa valsa? – John perguntou ajustando-se a Sherlock para iniciar os passos da dança.

– Não, eu a compus para nós dois. – Sherlock respondeu conduzindo-o.

            John sorriu tão abertamente que o seu sorriso ameaçou tocar as orelhas e isso fez Sherlock sorrir junto. Ambos deslizaram pelo espaço aberto para eles, mergulhados numa harmonia vibrante e completa que os tornava um só. 


Notas Finais


Notas:
Estou redimida! Não estou? Se ajuda vocês se sentirem melhor sobre todo o sofrimento que eu despertei com alguns capítulos desta fic, podem se sentir vingadas através do que Moffat e Mark fizeram comigo com o segundo episódio... já vai completar uma semana que eu assisti “o detetive mentiroso” e decididamente ainda não superei aquela cena triste do John espancando o Sherlock... o coitado tava frágil e virou um saco de pancada passivo e indefeso! Isso não se faz, Moffat! (#liga para o Deadpool e a linha dá ocupada#), nem aquela cena do abraço agridoce dos dois (dor e consolo) mais para o final teve capacidade redentora (se tivesse rolado pelo menos um beijo na testa, tava valendo). Vamos ver o que eles nos reservam como tiro de misericórdia neste domingo...
Bem... este é o penúltimo capítulo, é! Tem mais um! Já estou sentindo falta dos comentários de vocês T_T


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