Luizy
A vida é uma caixinha de surpresas. Mas, algumas surpresas são do tipo que você podia ter evitado. Não estou dizendo que me arrependo ou que me sinto culpado. Eu podia ter evitado, porém eu agradeço que tenha acontecido.
Eu não queria fazer barulho, então entrei no quarto de Yibo sem bater. E o encontrei saindo do banho, só com uma toalha na cintura.
Seu cabelo agora castanho estava molhado e ele o secava com uma pequena toalha de rosto para evitar que as gotículas de água caíssem pelo carpete do quarto. Ele estava encostando a porta do banheiro e eu tinha uns cinco segundos para sair correndo sem que ele me visse, mas eu simplesmente travei no lugar em que estava.
E não sei quem estava mais surpreso com tudo isso no momento em que nossos olhos se encontraram pela primeira vez naquele cômodo. Talvez tenha sido eu, já que eu engoli em seco e me afoguei com minha própria saliva.
Estava olhando para o chão enquanto tentava me desafogar e não percebi. Não percebi a aproximação silenciosa do garoto seminu a alguns metros a minha frente, mas senti meu rosto aquecer quando meu campo de visão foi coberto por Yibo.
Ele pegou minhas mãos e ergueu meus braços e eu subi meu olhar para seu rosto, pois olhar para baixo nesse momento seria uma péssima opção. Seu olhar rapidamente ganhou a máscara inexpressiva de sempre. E eu já tinha parado de tossir e lá estávamos nós naquela situação embaraçosa. Então movi minimamente meus braços para baixo e ele os soltou percebendo a nossa posição estranha.
Olhei para o lado e respirei fundo.
- Desculpe – pedi sem lhe olhar nos olhos – eu devia ter batido antes de entrar...
- Tudo bem – Yibo disse pensativo – Eu vou me vestir, talvez secar um pouco meu cabelo, então você pode me esperar aqui?
- Não! Quer dizer não é isso... Aish – respirei soltando o ar num suspiro frustrado – Eu quis dizer que é melhor não ligar o secador, porque Wen pode acordar e...
- Você não precisa me explicar tudo, então só não vou ligar o secador ok? Apenas se sente e me espere, eu já volto.
E só talvez aquelas palavras tenham me ferido, porque a maneira ríspida com que ele as disse quase me fez mudar de ideia. Foi como uma navalha e me encheu de dúvidas. Ele tem me tratado assim ultimamente, dessa maneira dualista.
Primeiro ele vem, mas depois ele foge. Ele é legal e depois é grosseiro comigo. E eu vou enlouquecer se isso continuar assim.
Confuso eu praticamente me joguei contra a cama atrás de mim e me encolhi como se isso fizesse os fios soltos dentro de mim se juntarem.
Yibo
Eu encosto a porta atrás de mim e olho meu reflexo no espelho. Afasto os cabelos molhados em minha testa e tento me lembrar de quem eu sou. Tento não tencionar meu corpo, tento não apertar as laterais da pia com essa demasiada força. Encaro de volta meus olhos cansados.
Meu coração bate num ritmo frenético e descompassado. E minhas tentativas de não avançar pra cima de Seung estão fracassando a cada segundo.
Eu sou um idiota mesmo. Por que eu não consigo simplesmente ser gentil com ele? Por que eu sempre dou um jeito de estragar os nossos momentos bons?
Eu quero desesperadamente mudar isso.
Talvez eu saiba o motivo de ele ter vindo até aqui, e se eu estiver certo isso pode se tornar o nosso ponto crítico. E estou cansado de lutar contra meus sentimentos quando não há nada que eu deseje mais do que me entregar a eles.
Coloco meu pijama e seco um pouco meu cabelo com a toalha, depois abro a porta e é como se um balde de água gelada tivesse sido derramado sobre a minha cabeça.
Luizy está deitado na minha cama, encolhido, abraçando os próprios joelhos, numa tentativa de autodefesa. E é impossível pra mim não me sentar na beirada dessa mesma cama e levar minha mão aos seus cabelos, o acariciando ali.
Luizy
Eu sinto os dedos longos e finos sob meus fios castanhos e não sei se rio, choro ou amaldiçoo.
Sinto um suspiro sôfrego escapar entre meus lábios, eu estou tão farto de tudo isso.
-Desculpa – ele sussurra e eu não consigo evitar olhar para cima e tentar ler os seus olhos – eu sei que não tenho sido um bom amigo pra você...
Fico meio perdido, então resolvo me sentar de pernas cruzadas e encostar-me ao travesseiro.
- Você não vai me desculpar? – ele pergunta
- E-eu apenas quero que as coisas entre a gente fiquem normais de novo, e por isso vou te contar o que aconteceu comigo e que me faz ter pesadelos quando as tempestades vêm.
- Você não precisa...
- Eu preciso. Então antes que eu mude de ideia se acomode ao meu lado e apenas me deixe falar, ok?
Ele se ajeitou ao meu lado e para evitar seus olhos eu deitei minha cabeça em seu ombro.
- Tudo bem mesmo Luizy?
- Hm... – digo afirmando e respiro fundo
- Quando quiser... – ele diz e sinto que é minha deixa
- Quando eu voltei do Brasil eu estava decidido a me tornar um cantor, então eu fiz muitas audições para várias empresas de entretenimento e consegui me tornar um trainee da YG. Você melhor do que ninguém sabe como a vida de um trainee pode ser cruel, como os ensaios são cansativos e desgastantes, já que começou muito mais jovem do que eu. Mas, todas aquelas coisas valem a pena quando se é seu sonho, e era assim que eu pensava. Eu havia largado tudo para seguir esse sonho e nada no mundo me faria mudar de ideia.
“Durante um desses treinos, estávamos ensaiando uma coreografia particularmente difícil. Eu tinha dificuldades com alguns passos e o nosso professor me repreendia constantemente na frente dos outros trainees. Era inverno e naquele dia estava difícil continuar a praticar, os vidros estavam embaçados e estava muito frio lá fora. Eu sabia que ia errar alguma coisa, quando eu não conseguia nem mesmo controlar direito os meus próprios pés. O nosso suor escorria pelo chão da sala e eu caí e machuquei o pulso, mas o professor me fez ficar até o fim da aula. Meu pulso estava inchado quando eu pude sair e fui até a enfermaria.
E ficaria tudo bem se esta história terminasse aqui. Meu professor apareceu na enfermaria e avisou que a enfermeira já podia ir embora, já estava no fim do expediente e a empresa estava para fechar. Eu precisava sair e ir até meu dormitório que não ficava no mesmo prédio. Mas, meu professor me levou até a sala de ensaio e me pediu para repetir a última parte antes de nós irmos embora. Eu me sentia exausto, mas ele soltou a música e não percebi que ele também havia nos trancado ali.
Claro que eu não veria quando todos os espelhos ao meu redor continuavam completamente embaçados. E eu não pude ouvir o som da fechadura por causa da música também...”
Fui interrompido pelo abraço de Yibo. Um abraço forte.
Eu não esperava por isso e não consegui reagir no primeiro momento, deixei meus olhos permanecerem surpresos e depois os fechei e levei uma das minhas mãos até suas costas.
Um nó se formou em minha garganta, mas eu decidi que não ia mais chorar na frente dele.
- Eu sempre desconfiei – ele disse de repente – Mas eu queria tanto estar errado
- Você nem ouviu a história toda ainda...
- Mas eu posso prever! – Yibo exclamou me segurando em seus braços como se deixar de fazer isso fizesse com que eu desaparecesse por entre seus dedos – Pelo que eu ouvi dos seus sonhos... E eu sinto tanto
- Não sinta, ah Yibo – eu queria afastar sua cabeça do meu peito, mas não pude.
Também queria que seus braços não estivessem ao redor do meu corpo enquanto as cenas voltavam na minha cabeça, mas eu não conseguia impedir porque não era a mesma coisa. Ele só estava tentando me proteger.
Ele não entendia que não podia me proteger de mim mesmo ou das minhas memórias.
O jeito como ele apertava o tecido da minha camisa me deixava mal, tinha até medo de que ele fosse a rasgar e então para minha surpresa ele afrouxou os braços. E eu me afastei um pouquinho para buscar os seus olhos.
Ele segurou o meu rosto de uma maneira tão pura. Meus olhos se encheram de lágrimas quando eu vi o brilho acusatório em seus olhos – ele também estava contendo as suas lágrimas.
- Seung – ele disse trazendo seus polegares para perto dos meus olhos e eu os fechei – Eu queria cobrir suas memórias como posso cobrir seus olhos
- Yibo, me deixa terminar... Eu preciso contar a alguém ou vou enlouquecer
Ele me puxou para seu lado e deixou minha cabeça repousando em seu peito, uma de suas mãos envolviam meus cabelos. E eu me permiti escutar seu coração batendo naquele momento.
- Você pode me chamar só de Bo hyung
- Hm Bo? Ok – disse me acalmando ao sentir sua respiração através daquele contato e descansei uma das mãos em seu peito achando que podia me esconder ali – Eu fui dopado naquele dia, mas eu ainda estava semiconsciente enquanto tudo começava a acontecer. Mesmo que ele tenha chegado por trás de mim e colocado o lenço no meu nariz eu tentei lutar, tentei de todas as maneiras. Mas, quando percebi eu estava deitado e ele sentado sobre mim segurando meus pulsos. Eu podia escutar a chuva lá fora quando a música acabou e devia estar muito forte, os raios coloriam momentaneamente o cômodo, tornando o pesadelo visível. E eu o implorei que parasse, eu gritei, mas ele me deu um tapa e as lágrimas já inundavam todo o meu rosto. A droga começou a fazer efeito e não conseguia afastá-lo enquanto ele me beijava. Eu o observei me despir enquanto os barulhos do meu choro diminuíam por falta de força. O chão estava muito frio e eu me sentia gelado por dentro. Já nu ele me segurou em seus braços, meu corpo já não me respondia e eu não pude lutar. Ele me tocou em todos os lugares, encheu meu pescoço e meu torso com coroas de dentes. E as lágrimas apenas escorriam de meus olhos vítreos. Ele não se importou em me preparar, já que ele apenas queria se satisfazer.
Os dedos de Yibo se enroscaram mais no meu cabelo e seu peito subia e descia depressa.
- Aquela foi a pior dor que eu já senti. Eu sei que em algum momento daquele show de horrores eu finalmente fechei os olhos. E no dia seguinte eu acordei no meu quarto, na minha cama. Meu colega de quarto não estava, mas ele havia deixado um bilhete dizendo que por conta do inchaço em meu pulso eu poderia descansar o quanto precisasse, e que o professor havia me dispensado das aulas daquele dia. Meu pulso estava enfaixado e dolorido, mas nada se comparava a dor que eu senti quando tentei me sentar. Fiquei horas embaixo do chuveiro chorando e tentando me limpar de tudo aquilo. Eu não teria aguentado mais tempo, mas então eu e Sungjoo fomos escolhidos para debutar e eu resolvi ser forte e consegui enfrentar mais alguns dias antes de nos mandarem para Yuehua.
- Você nunca contou a ninguém? – perguntou Yibo com a voz fraca
- Não consegui – respondi num sussurro rouco
Depois de um tempo em silêncio, ele perguntou:
- Por que você tinha medo?
- Hm... Tinha medo de que as pessoas tivessem nojo de mim. Tinha medo de vir à tona e aquele homem contar sua própria versão falsa da história. O escândalo acabaria com tudo. Tinha medo de contar até pra você.
Yibo
E as palavras que antes ficaram na minha garganta, eu as emiti soltas no ar naquele momento, sem me importar com o efeito que elas causariam.
- Nada disso tem valor, ou muda alguma coisa porque eu seria capaz de te amar acima de qualquer coisa. Eu ainda carrego comigo essa confusão que eu descobri ser o amor... Por você Seung.
Eu não sabia que entre duas linhas havia uma infinidade de coisas e nós, e não me importaria se soubesse. Seung era a ponta do meu fio vermelho do destino.
Quando ele se afastou para olhar minha expressão eu vi que ele estava buscando a verdade nas minhas palavras e eu soube que ele podia a encontrar ali. Tudo em mim o queria e palavras não eram exatamente necessárias, mas ajudavam a dissipar todas as dúvidas que restavam.
- O que você disse Yibo?
- Eu disse que te amo no sentido mais amplo da palavra
Senti que havia atingido um ponto cego dentro de Luizy. Senti que havia desarmado suas defesas e ultrapassado todas as barreiras que o mantinham distante e então eu fiz.
Aproximei meus lábios dos dele apenas para um selar. Mas, depois veio o segundo. E eu segurei seu rosto em minhas mãos e soube.
Soube de olhos fechados que ele sorria e que havia me concedido passagem com a língua naquele beijo que era tão doce e ao mesmo tempo tão profundo. E descobri o melhor gosto de todos naquela boca macia e aveludada, algo que eu não conseguia descrever, só sentir. Mas que tinha um quê de inocência inexplicável e ao mesmo tempo uma sensualidade latente, algo que apenas Luizy podia conceder.
E que era bom, inexplicavelmente bom. Eu nunca havia beijado um garoto antes, mas nenhuma garota que eu beijei me trouxe as sensações daquele momento.
Então, eu desejei muitas coisas gananciosas naquele momento e não me importei realmente com os empecilhos que existiam para nós. Porque ali eu tinha criado um universo particular e mágico onde só havia nós dois.
E todos os problemas estavam do lado de fora e não podiam mais nos tocar.
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