Sinto gotas de água caindo sobre meu corpo. Ah, chuva... é tudo o que eu menos preciso nesse momento.
Castiel segura meu colarinho e me olha fixamente, os olhos flamejando de raiva.
— Nathaniel, se eu descer nesse matagal para buscar esses dois, vai ser pra matar. — ele diz entre os dentes trincados. — Então, acho melhor eu vazar daqui antes que eu faça merda. Eu chamo alguém para buscar vocês, não sei. Mas vai ser pior se eu ficar. — seu tom é rouco e ele aperta fortemente minha camiseta, deixando-a um pouco amassada. Engulo um seco.
— Po-pode ir. — gaguejo. Ele solta meu colarinho, entra na caminhonete e acelera, deixando uma poeira enorme pairando sobre o ar.
A chuva aumenta em uma quantidade absurda, mudando para uma vasta tempestade rapidamente.
— Que porra de ceninha foi essa? — Emanadiel grita e eu reviro os olhos.
— Estou indo! — grito em resposta.
Desço o inclinado barranco escorregadio e, com a ajuda de Emanadiel, levo Mikael para a beira da estrada. Colocamos levemente seu corpo desmaiado no chão molhado.
Olho para Mikael e percebo que o pequeno riacho, formado pelas águas da chuva, leva um líquido vermelho consigo. Rapidamente, ponho minha mão embaixo de sua cabeça. Ela está sangrando.
— Precisamos de uma ambulância. — afirmo, com um tom alto e preocupante, enquanto bebo acidentalmente a água que escorre em meu rosto.
— É tão grave assim? — seu tom também é alto, para que eu consiga ouvi-lo durante a tempestade. Ele coloca a franja molhada para trás, os olhos piscantes pela chuva.
— Sim, a cabeca de Mikael está sangrando e você precisa fazer um check-up para ver se não sofreu nenhuma fratura interna. Talvez não esteja doendo agora, por conta do choque, mas doa depois.
— Não é melhor esperar até começar a doer? — eu viro a cabeça rapidamente para olhá-lo fixamente, torcendo ter ouvido outra coisa. Mas, vindo de Emanadiel, provavelmente foi isso mesmo.
— Preciso responder? — pergunto com a sobrancelha franzida. Ele balança a cabeça.
Minha camiseta branca está encharcada e transparente, deixando meu peito exposto, cobrido apenas por minha grande gravata azul preferida. O ambiente está escuro, iluminado apenas pela luz de um poste mais afastado.
Pego meu celular no bolso de minha calça, que também está encharcada, assim como o telefone. A raiva e o desespero percorrem minhas veias e acabo atirando-o no meio do mato.
— Ah, esquece! — grito. — Você tem seu celular aí? — pergunto a Emanadiel, que está calado até agora.
— Ah, sim, claro, eu sofri um *acidente de carro* — infatiza. — e estou com o meu celular bem inteirinho. Não se preocupe, Nathaniel. — ele diz, sarcasticamente.
— E o de Mikael? Foi assim que você ligou.
— Atirei no tronco de uma árvore aquela merda.
— Você não está ajudando. — murmuro baixo, mas parece que ele escuta.
— Eu estou desesperado. Meu irmão gêmeo está morrendo e nós dois estamos parados, feito dois bocos! — ele grita. — Faz ideia do que é isso?! — e logo sibila. Emanadiel com certeza está mais desesperado que eu.
Rapidamente, peço ajuda para levar Mikael até o hospital mais próximo, quando uma familiar Hilux 2019 se aproxima.
— Entrem! — Castiel ordena em um tom alto.
Colocamos Mikael no banco de trás, com a cabeça escorada no colo de Emanadiel. Me sento ao lado do ruivo no banco da frente.
— Decidiu voltar? — lanço-o um sorriso debochado.
— Ah, cala a boca, vai. — ele me dá um beijo rápido na bochecha e pisa fundo no acelerador, indo direto ao hospital.
Chegando no local, Mikael é posto em uma maca urgentemente e levado para uma sala de cirurgia. Eu e Castiel ficamos aguardando na recepção, enquanto Emanadiel faz seu check-up.
— Acha que vai ficar tudo bem? — bebo um gole da água de meu copo reciclável.
— Não se preocupe com isso. — ele segura em minha mão, logo acariciando minha bochecha.
— Como você está carinhoso. — coro.
— Não gosto de te ver mal. — ele responde, docemente.
O ambiente do hospital é assustador, com pessoas chorando e desesperadas. Funcionários tentam empurrar as águas da chuva para fora do local, mas falham drasticamente. É realmente muito triste.
Algumas horas depois, Castiel está com um capuz e a cabeça encostada na parede. Seus braços estão cruzados e ele dorme em um sono pesado, mesmo com todo caos e confusão.
Emanadiel chega com um papel na mão. Observa seu primo e resmunga:
— É muita ignorância...
Analiso sua afeição, parece preocupada.
— Você está bem? — me arrisco a perguntar.
— Não, mas, pelo o menos, os muitos exames que fiz mostraram que não quebrei nada e nem me matei. Apenas descobri que meu colesterol está alto. — ele faz uma careta. — Que se foda. Como vai Mikael?
— Não sei, não temos notícias à horas. — descanso os braços em meus joelhos. — Acha que ele vai ficar bem? — rou as unhas.
— Se não ficar, não sei o que será de mim. — ele baixa a cabeça, buscando achar forças para não desabar. — Enquanto isso, esse puto fica aí dormindo. — ele chuta a canela de Castiel com força.
Seu primo geme de dor.
— Filho da puta! — o ruivo grita.
— Senhor, por favor, tem crianças aqui. — avisa uma enfermeira, que está passando pela recepção.
— Você ouviu, senhor. — Emanadiel debocha.
— A sua sorte é que não vou te bater, mas apenas porque seu irmão está morrendo... — sussurra friamente. O loiro franze as sobrancelhas.
— O seu primo, o seu melhor amigo, está naquela sala de cirurgia — ele aponta para a mesma. — e ele *pode* — infatiza. — estar morrendo. Mas parece que você está cagando pra isso, não é mesmo?! — ele afirma, os olhos semicerrados e brilhantes, logo dando uma leve risada debochada.
— Emanadiel, eu não di...
— Cala a boca, Castiel. — interrompe. Pela primeira vez, vejo o ruivo encolher os ombros. — E você também, Nathaniel, você deve...
— Emanadiel — o ruivo levanta da cadeira, se posicionando em frente ao primo. — Você pode me xingar, me lembrar o quão babaca eu sou, pode me bater, pode gritar comigo até suas cordas vocais estourarem, pode criar mil paranóias de que não me importo com vocês — ele faz uma pausa. — , mas não mexa com Nathaniel. Ele não tem nada a ver com a situação e você sabe disso. Nenhum de nós tem responsabilidade pelos atos de Mikael. Ele já é bem grandinho pra entender o que faz.
O loiro suspira e logo desaba, chorando loucamente.
— Eu não quero perder meu irmão. — desabafa quando consegue forças.
Castiel abraça Emanadiel fortemente. Não gosto de vê-lo triste e preciso me segurar para não chorar junto.
— Você sabe o que aconteceu? — me arrisco a perguntar novamente.
— Não. — o loiro responde.
Vejo o ombro de Castiel um pouco molhado, imagino que seja pelas lágrimas de Emanadiel. Ele se desvencilha do abraço acolhedor do primo.
— Um tempo atrás — continua. — , Mikael disse que estava a procura dos planos de Ambre, mas eu nem dei muita bola. Vivia dizendo que desmascaria aquela piranha a qualquer custo e achava que ela poderia ter ligação com nossa mãe desaparecida. — ele revira os olhos. — É, loucura, eu sei, mas ele estava descontrolado, porém eu estava ocupado demais procurando um emprego para retornar a faculdade. Não sei muito sobre o que aconteceu, só sei que o encontrei atirado, drogado, machucado e provavelmente bêbado naquele posto perto de nossa antiga casa. No caminho para a casa de Castiel, nosso novo lar, Mikael mexeu no volante. Foi quando despencamos com tudo na tal curva. Parecia câmera lenta, mas aconteceu tudo tão rápido. — ele suspira. — Não sei por quanto tempo fiquei desmaiado, mas, assim que acordei, peguei o celular de Mikael e liguei. Esperando vocês, eu sacudi meu irmão inúmeras vezes, mas ele não acordava. Comecei a ficar desesperado e, com a pressão a mil, acabei atirando o telefone no tronco de uma árvore compulsivamente.
— A primeira coisa que precisamos perguntar para Mikael é sobre essa história toda. — afirmo.
— Se ele sobreviver. — Emanadiel murmura baixo.
— Deixe disso, ele irá sobreviver. — meu tom não é muito convincente, sei disso, mas o loiro apenas ignora.
Algumas horas depois, deito no ombro de Castiel. É confortável e me mantém seguro, pelo o menos para descansar os pensamentos por um tempo. Ele deita a cabeça sobre a minha e sussurra algumas vezes, antes de eu conseguir pegar no sono, a frase "tudo ficará bem". Repito-a em minha mente, tentando acreditar na mesma.
Acordo com uma voz rouca.
— Senhores, por favor acordem. — é o médico encarregado da cirurgia de Mikael.
Eu e Castiel nos ajeitamos na cadeira rapidamente, enquanto Emanadiel continua deitado nos bancos.
— Como está Mikael? — o ruivo pergunta, atenciosamente.
— A cirurgia ocorreu bem. Conseguimos suturar o corte não tão profundo em sua cabeça, mas — ele olha sua prancheta. — ... O paciente precisará de repouso imediato e total compreensão da família. — franzo a sobrancelha.
— Compreensão? - pergunto.
— Não lhes contaram? — eu e Castiel negamos. — Mikael perdeu a memória e precisará de tempo para recuperá-la.
— Por causa de um corte leve na cabeça? — pergunto.
— Não é pelo corte, é pela overdose. O corte foi apenas uma consequência.
Viro a cabeça para olhar Castiel. Ele está imóvel e um pouco pálido.
— Castiel. — chamo-o, sacudindo seus ombros. — Obrigada, doutor, pelas notícias. Poderíamos vê-lo? — pergunto, ainda sacudindo o ruivo, que finalmente volta para a realidade.
— Claro, me acompanhem. E acordem seu amiguinho também. — ele aponta para Emanadiel, olhando-o com desprezo. O garoto estava cansado e deprimido, qual o problema?
Consigo acordá-lo e explicá-lo toda a situação de seu irmão. Depois, acompanhamos o doutor até a sala de repouso. Quando entramos, vemos Mikael com uma faixa na cabeça e com as veias conectadas a tubos com soros e alguns sedativos, pelo que me parece. Seu dedo indicador direito está preso por um oxímetro, os olhos estão inchados, os lábios um pouco pálidos e seu corpo um pouco machucado, assim como o de Emanadiel.
Uma tristeza percorre meu corpo ao vê-lo nesse estado. Não era muito próximo de Mikael, mas, agora que estava começando a não ter medo dele, acontece uma coisa dessas.
Emanadiel agarra a mão do irmão e pede desesperadamente para que ele fique bem, enquanto Castiel senta em uma poltrona e começa a ponderar olhando para o primo na cama.
— Você sabe a partir de quando Mikael esqueceu as lembranças? — murmuro baixo para o médico.
— Não saberemos até ele acordar. — faço que sim com a cabeça e agradeço a sua resposta.
Uma meia hora depois, o doutor pede para que fique apenas um acompanhante para passar a noite. Decidimos deixar Emanadiel, que não vai sossegar até ver o irmão bem.
Com uma angústia entalada na garganta, eu e Castiel saimos do quarto. Paramos ao lado da porta, mesmo sem entender muito bem o por que não seguimos para o carro. Talvez seja porque nenhum de nós dois queira deixá-los na mão novamente.
Eu olho para Castiel e desvio o olhar, mas logo o olho novamente. Ele não para de me encarar.
— O-o que você quer? — pergunto, gaguejando um pouco.
— Eu gostaria de pedir um abraço — ele faz uma pausa. — , mas não sei como. — seus olhos cinzas brilhantes e profundos me encaram com tanta carência, tanto sofrimento escondido.
Eu lhe envolvo em meus braços fortemente e sinto-o afundar a cabeça em meu pescoço.
— Nunca imaginei ver um dos meus primos, que considero irmãos, em uma cama de hospital. Eu sei que é tudo minha culpa, eu sou um merda. — seguro seus ombros e obrigo-o a me olhar nos olhos.
— Você não é um merda, entendeu? Castiel, como você mesmo disse, a culpa não é de ninguém!
— Eu prometi protegê-los, prometi proteger todos vocês. — pela primeira vez, olho lágrimas escorrendo de seus olhos. Vejo, pelo seu pomo de adão e seu soluço involuntário, que ele tenta impedí-las, mas não consegue. — Ultimamente, eu ando falhando em todas as minhas promessas. — limpo suas lágrimas, sem saber o que dizer para ajudar.
— Você tentou... — é tudo o que consigo pronunciar. Também estou muito abalado agora para pensar em algo melhor.
— Tentar não é o suficiente. — ele segura meu pulso, afastando-me de seu rosto. Depois, ele o solta levemente, para não me machucar, e sai andando apressadamente.
— Castiel! — chamo-o em tom alto, logo indo atrás do mesmo.
— Não me siga. — ele diz em resposta.
É claro que eu-o sigo.
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