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História O Monótono Diário de Isaac - 31.08.18 Sexta


Escrita por: lyanklevian

Capítulo 74 - 31.08.18 Sexta


Fanfic / Fanfiction O Monótono Diário de Isaac - 31.08.18 Sexta

31.08.18 – Sexta


De: [email protected]
Para: [email protected]
Assunto: Perseguição, maldição do sangue e o pacto de nome.

 

Hey, amiga! Boa noite!

Estou desde o dia 26 sem mandar e-mail porque não tem acontecido quase nada essa semana… Mas no domingo, após voltarmos da arrumação do salão da festa, aconteceu algo interessante que eu gostaria de registrar.

Assim que voltamos com o que sobrou da festa, fiz o máximo para tirar o resquício de maquiagem que ainda estava em meu rosto (a parte perto dos olhos são as mais persistentes, cruzes!). Depois recebemos a repórter e o fotógrafo aqui em casa (ou melhor, lá no quintal, na parte da floricultura). Quando a moça entrou, ficou olhando para os lados e logo perguntou: “Aqui não era onde morava aquele senhor esquisito, que morreu e foi comido pelos cachorros?”. Ela falou com tanta naturalidade que chegou a soar quase engraçado. E, pela cara de horror do fotógrafo, ele não sabia da história.

É claro que o Nicolas aproveitou a oportunidade, hehe.

Vê-lo explicando aquilo para o cara fez eu lembrar da primeira vez que conversamos. Ele tem um jeito tão natural de falar com as pessoas, um carisma intrínseco… Nós caminhávamos pelo meu terreno enquanto o Nick contava a historinha macabra dele (acho que ele nos guiou pelo caminho onde tem mais árvores com aranhas de propósito). Deu para ver, pela expressão do fotógrafo, que ele estava com medo.

Foi meio cômico ver o Nick feliz em aterrorizar o cara. Na vez em que ele contou para mim, eu estava tão encantado com a beleza dele que não senti medo nenhum. Aliás, acho que histórias de terror não têm muito efeito em quem gosta de visitar o cemitério à noite só para espairecer, né…

É sério: eu nunca me assustei com aqueles filmes. Quando eu e a Hellen assistíamos, na época de escola, eu me divertia vendo ela abafar os gritos na almofada (eu era meio sádico na adolescência, ajudava a criar o clima para que ela assustasse).

Voltando à visita dos funcionários do jornal… Não muito tempo depois a Jack chegou também, e a história de terror acabou. Fomos fotografados diante da fachada da floricultura e junto com a plantação de morangos. A câmera que registrava tudo parecia uma metralhadora… Acho que tenho que aprender a ser assim também. Geralmente eu fico ajustando o ângulo e tiro somente uma foto. Já o profissional tirava umas vinte (para escolher, dentre elas, apenas uma boa).

Quando vejo pessoas fazendo coisas de maneiras tão diferentes de mim (tipo isso das fotos) faz eu pensar: “caramba, será que eu faço tão errado assim?”. É bizarro… Eu sempre penso que eu é que estou fazendo errado, e nunca a outra pessoa. Comentei isso com a Jack, e ela disse que isso é baixa auto-estima, e que preciso trabalhar esse aspecto…

Bem, tenho consciência disso. Mas daí a colocar em prática são outros quinhentos…

Mas, por que entrei neste assunto, mesmo? Às vezes começo a divagar nestes e-mails que te mando… Se tudo isso que eu escrevo fosse alguma espécie de livro, certamente deveria ter a palavra “monótono” no título, só para preparar os leitores desavisados.

Enfim, as perguntas sobre a floricultura nos animaram bastante. Foi inevitável eu ficar pensando “oba, publicidade gratuita!”. Afinal, o Semanário do Vale é bem conceituado aqui na região. Tanto o pessoal de Vale do Ocaso quanto os de Eloporto lêem. Espero que isso ajude nos negócios.

A visita deles terminou perto das 15h. Depois disso, fui almoçar na Casa das Flores (sim, um almoço bem tardio) e, quando voltamos para minha casa, eu e o Nicolas nos deitamos no colchão que ainda está na sala na intenção de assistir a um filme (que nem lembro o nome). Acontece que não passou nem cinco minutos, e já caí no sono (depois soube que o Nick assistiu até metade, depois dormiu também). Fomos acordar só quando já tinha escurecido. Eu despertei com o Nick se espreguiçando, sentado ao meu lado. Quando ele viu que eu havia aberto os olhos, comentou: “No fim das contas, acabei não curtindo o Isaácula, ontem…”.

Assim: do nada. Quase com cara de safado.

Aahhh, minha nossa. Na hora lembrei que fomos interrompidos quando estávamos na dispensa do salão de festas. Acho que esse meu pensamento deve ter transparecido, porque ele riu e mordeu os lábios. Perguntou se eu colocaria a fantasia novamente.

Mas eu não estou mais com a maquiagem”.

Não tem problema”, ele respondeu, colocando a mão quente em minha perna. “Espera um pouco”, e ele foi até a casa dele, demorou uns minutos, depois voltou com uma sacola. Na hora já desconfiei: era minha fantasia de vampiro.

É para eu me vestir?”, perguntei. Confesso: nessa hora me deu um certo gelo na barriga. Mas um gelinho agradável, como se meu corpo já se antecipasse. O Nick entregou minhas roupas e disse para nos encontrarmos, dali a uma hora, no poço inativo que fica na parte mais oculta do fundo de meu quintal. De início, fiquei pensando “Caramba, uma hora? Tudo isso apenas para nos vestirmos?”, mas depois veio uma luz: daria tempo de eu tomar banho e me limpar… Você sabe.

Antes do Nick sair de casa (pois ele iria se trocar na Casa das Flores), pedi: “Quando você voltar, não quero ver o Nicolas”. Ele ficou claramente confuso. Precisei respirar fundo para explicar (e virar pro outro lado para esconder a cara, porque eu estava muito sem jeito): “É que… É um encontro entre um vampiro e Van Helsing”.

Minhas bochechas arderam de vergonha. Subi as escadas sem olhar para ele, e fui para o banheiro. Não tenho a menor ideia do que o Nicolas pensou disso, e confesso que fiquei apreensivo. É que ainda tenho medo que, de alguma forma, ele desgoste desse meu lado que estou mostrando a ele aos poucos… Sei lá.

Mas então, sem enrolações: eu me limpei (por fora e por dentro… 9_9), me vesti, e quando me olhei no espelho encarei um vampiro mais humanizado do que o da noite anterior: não havia mais olheiras, nem sangue de esmalte escorrendo pelo canto de minha boca, nem delineador, e minha pele estava em seu tom normal de lagartixa (talvez um pouco mais corada do que de costume, é verdade). Mas havia ainda a cicatriz na minha bochecha esquerda e também os olhos de íris vermelha (recoloquei a lente que a Jack me deu).

Eu não sabia o que esperar… Então fui até o poço que fica na parte de trás do terreno e fiquei com meus olhos de vampiro fixos no portão principal, ao longe. De onde eu estava era possível ver a entrada, há umas dezenas de metros. Eu esperava ver o Nicolas entrando por ali, e recebê-lo de alguma forma teatral (sempre me acho bobo quando falo isso… mas na hora que a gente encena é até que divertido).

Acontece que não vi o Nicolas entrando. Em vez disso, ouvi um som que gelou minha espinha: um portão de ferro rangendo, distante. E o pior veio depois: passos na grama alta que cresce à direita de minha casa. Como eu estava ao lado do poço, que é à esquerda, não tinha como eu ver nada. A casa parecia um gigante adormecido, pois todas as luzes estavam apagadas, e tudo o que eu via era a luz da lua refletida nas paredes de madeira pintadas de branco.

Como o portão de entrada ainda estava fechado (e sem sinal de meu namorado), meu coração disparou.

Quem está aí?”, perguntei.

Precisou de apenas mais um som de grama se movendo, vindo em minha direção por trás da casa, para que eu o visse… Por um momento, quase xinguei o Nicolas pelo susto (eu nem imaginei que ele fosse usar o portãozinho lateral). Mas depois, percebi que essa surpresa era exatamente a intenção dele.

De fato, não era mais para o Nicolas que eu estava olhando. Aquele homem que se aproximava devagar era mais Van Helsing do que nunca. Pude ver nele um caçador de monstros, e não um namorado dócil e gentil (bom, eu tinha pedido isso quando disse que seria um encontro entre um vampiro e Van Helsing).

Ele queria brincar? Então eu iria brincar…

Foi então que também deixei de ser o “humano Isaac”, e me tornei o Isaac vampiro: um fugitivo me embrenhando pelas sombras…

 

~♥~

 

O caçador adentrou a porta lateral do cemitério para me encurralar. Parecia debochar de mim quando parou em minha frente, com as pistolas empunhadas.

Como sabia que eu estaria aqui? – perguntei, tentando desesperadamente encontrar uma brecha para correr dele.

Antes de responder, Van Helsing segurou a aba de seu chapéu, e olhou para a lua. Respirou fundo, e virou os olhos verdes gélidos para mim:

Só segui o rastro de um monstro. O ar aqui está fedendo a sangue amaldiçoado… Aliás, já tem dias que tenho notado seu cheiro, me observando pelas sombras. De início achei que fosse só minha imaginação, mas… Finalmente te achei.

Se afaste! – gritei ao ver que ele deu um passo em minha direção, mas não adiantou. Van Helsing continuou vindo mais e mais perto. À medida em que eu me afastava, sem ver o terreno atrás de mim, o sorriso do caçador ia se alargando. Ele sabia que eu não tinha para onde fugir. Sem ver onde pisava, tropecei, caindo ao lado do poço inativo entre as lápides. — Não se aproxime mais, senão eu…

Senão o quê? Está definhando, monstro… O que acha que pode fazer comigo nesse estado?

Sim, eu estava fraco. Desde quando Van Helsing tinha notado? Pelo que ele dissera, tinha consciência de que passei as últimas semanas seguindo seus passos. Fui enviado até ele com a missão de exterminá-lo, pois tem dizimado minha raça um a um. Porém, ao testemunhar o modo como Van Helsing se importa com as pessoas e ver como ele enfrenta as criaturas trevosas sem piscar, meu ímpeto de matá-lo se esvaiu.

Por mais que soasse absurdo algo assim dito por uma criatura vil, passei a admirá-lo. Não apenas por sua gentileza e habilidades, mas também por sua beleza que transitava entre o angelical e o selvagem. Quase podia dizer que o amava… E isso era imperdoável. Os malditos como eu não amam. Apenas matam.

Em meu íntimo, tinha plena noção de que falhei em minha tarefa de acabar com ele. Estava há muito tempo sem tomar uma gota de sangue, o que me deixava sem forças. E para piorar, eu sabia que não era somente meu belo Van Helsing que estava me caçando. Sentia o fedor “deles” ficar mais forte a cada minuto… Talvez o caçador ainda não tivesse notado, mas estava em perigo, também.

Saia daqui, Helsing… Eu não sou o inimigo que procura. O que está para acontecer aqui não é da sua conta.

Ah, não? – O cinismo destilado nessas duas palavras chegaram até mim, fazendo minhas entranhas reclamarem em protesto pela fome. — Desde quando não é de minha conta o fato de pessoas serem mortas por escórias da sua laia? Você é um monstro, e estou aqui para te matar.

O cano de sua pistola se elevou, e senti o metal frio em minha testa. Eu não queria aquilo… Não estava certo… Tudo o que eu precisava era de algumas gotas do líquido rubro para recobrar parte da vitalidade, e então eu poderia acabar com os verdadeiros monstros que se aproximavam a cada precioso segundo. Com isso, eu poderia proteger a mim e ao meu caçador.

Aqueles demônios foram enviados para se vingar, por conta de minha traição, e tudo o que eu queria era dizimá-los. Depois disso iria embora para sempre e nunca mais daria a Van Helsing o desprazer de minha presença. Não me esgueiraria mais pelas sombras para observá-lo… Não o desejaria mais.

Sentindo a ardência na testa, por causa da proximidade da bala revestida de prata no cano da arma, temi por minha vida. Prostrado diante dele, com as mãos trêmulas sobre o gramado, minha voz quase falhou:

Não sou o que você pensa que sou…

Apertei as pálpebras, para não ver o momento em que Van Helsing puxaria o gatilho. Ele forçou a arma ainda mais contra mim.

Você é exatamente o monstro que penso que é! Aquela pessoas no vilarejo, a forma como as assassinou… Cada uma delas merecem vingança.

Espera… O quê? Eu não matei ning-…

Estavam com os olhos vidrados, como se houvesse arrancado suas almas. Depois as esquartejou, e deixou os restos para os abutres!

Não! Van, escute…

Senhor Van Helsing, para você!

Eu não fiz aquilo! Não me alimento faz dias, e você mesmo já percebeu isso! – Minha voz tremia, junto com todo o meu corpo. Ter uma arma apontada para minha cabeça e saber que ambos morreríamos ali, se continuássemos daquele jeito, não estava ajudando. Se Van Helsing me acusava de ter feito aquilo com os humanos da vila, significava que aqueles que me perseguiam já estavam em meu encalço há mais tempo do que eu supunha. O fedor podre era cada vez mais evidente. — Me escute… A carnificina que viu não é obra de um vampiro, e acho que sabe disso já que estuda… seres como eu. – Evitei a palavra “monstro” propositalmente. — Não é a mim que você procura, caçador.

Ele se agachou para ficar na mesma altura de meus olhos escarlate, e deslizou o cano da arma pelo meu rosto. Estava tão perto que pude sentir sua respiração sobre minha pele. Seus cabelos loiros caíam sobre seus olhos, debaixo da aba do chapéu. Parecia me analisar, farejando algum sinal de mentira em minhas palavras.

Essa proximidade com Van Helsing havia sido tudo o que eu mais desejara, mas não naquela situação. Não daquela forma, com ambos a poucos minutos da morte.

Meu caçador, Van – como eu passei a chamá-lo, mesmo sem permissão –, notou o pingente debaixo de minha roupa, e o segurou entre os dedos. Leu o que estava escrito ali.

— “Isaac”? Então até os monstros podem ter nome de gente?

Não acreditei quando ele fez aquilo. A mera pronúncia por seus lábios fizeram meus nervos estremecerem. Não sou um ser humano comum, e sim uma criatura amaldiçoada… Por isso, ter meu “nome mortal” pronunciado por um humano que olha diretamente em meus olhos é como um pacto sagrado. Este é o motivo de os vampiros se rebatizarem quando são transformados pela primeira vez.

E meu caçador havia pronunciado meu nome verdadeiro, em alto e bom som, enquanto olhava em meus olhos. Mesmo ele não sabendo disso, agora minha vida e existência lhe pertenciam. Mas não havia tempo para explicar a Van o que ele havia feito.

As nuvens escuras descortinaram a lua cheia, que jogou sobre nós toda sua luz pálida. Isso me deu um resquício extra de forças, e pude olhá-lo melhor. Ele não tinha mais o olhar tão frio, e deixara de oferecer um risco à minha vida. Talvez tivesse percebido o quão moribundo eu estava, e sentisse pena.

Você disse que não é você quem procuro. O que estava querendo dizer?

Fiquei de certa forma aliviado por ele estar considerando minhas palavras. Não é normal humanos terem conversas tão longas com vampiros – no máximo, imploram por sua vida inutilmente –, e sei que Van Helsing via em minha íris vermelha o retrato de algo monstruoso. Meus olhos eram a prova de que eu continha em mim a maldição do sangue. Aquilo que me tornava o que sou: um vampiro.

Foram os lobos.

Lobos? – estranhou ele, voltando a firmar a arma em minha testa.

Ai! Não são lobos comuns, Van! Aquilo que você descreveu, sobre os assassinatos na vila… Aquela forma de matar é deles.

Não brinque comigo, “Isaac” – rosnou Van Helsing, pronunciando novamente meu nome, com todo o desprezo que conseguiu imprimir na voz. Abaixou a pistola e apertou minha garganta. Tentei engolir a saliva que se formava em minha boca, mas suas mãos em volta de meu pescoço impediram. Com certo alívio, vi que ele guardou a arma no coldre enquanto afrouxava o aperto. — Por que eu acreditaria num monstro? E por que não devo acabar com você? Bastaria um tiro para que nunca mais mate ninguém…

Já disse, não sou seu inimigo, Van…

Não me chame assim de novo, monstro! E para onde está olhando? É de mim que precisa ter medo.

Em vez de responder, continuei tentando captar algo no ar do cemitério. Van Helsing não podia ouvir, mas minha audição era boa o suficiente para perceber: havia pelos menos três daqueles demônios de quatro patas correndo em nossa direção. Não demorou muito e um uivo horrível nos alcançou, nada parecido com o de um lobo comum. O homem que se dizia meu inimigo desviou a atenção de mim, levantando-se na direção do som.

Logo eles chegarão até nós, Van – murmurei, notando que ele ia reclamar mais uma vez por eu ter usado seu nome casualmente, mas outro uivo infernal o interrompeu, soando ainda mais próximo. Recolhi os cacos das últimas forças para que minhas pernas suportassem o simples ato de eu ficar em pé. — É atrás de mim que estão. Saia daqui.

Van Helsing estava alerta, voltado na direção do portal principal do cemitério, mas seus olhos pousavam em mim.

Foi para exterminar você que vim até aqui – sentenciou. Mas não foi para mim que apontou as pistolas. — Por enquanto, sua morte vai ter que esperar.

Fiquei surpreso quando ele não deu meia-volta para fugir. Em vez de salvar sua vida, continuou parado à espera das bestas.

Por acaso é louco? – ralhei.

Sou um caçador de monstros. É o que faço.

Vai morrer, Van Helsing!

Não, vampiro! Você é que vai! Assim que eu acabar com eles, é sua vez.

Eu não queria que nada daquilo acontecesse. Acompanhei aquele caçador por tempo o suficiente para admirá-lo, e não queria que morresse em minha frente – e por minha culpa. Já tive o desprazer de ver o que aqueles lobos demoníacos fazem… Primeiro, imobilizam suas vítimas e sugam delas a vitalidade espiritual, deixando-as como cascas vazias. Depois, rasgam suas peles e carne sem dificuldade, e se banham no sangue que jorra dos corpos desalmados.

Os cabelos de minha nuca se arrepiaram quando vi um deles escalar o portão, algumas dezenas de metros distante de nós. A lua cheia dava força extra não só a mim, mas às bestas, também. Seus corpos estavam com o dobro do tamanho normal, e seus pelos cinzentos se eriçavam como milhares de agulhas crescendo de suas peles grossas.

Para aqueles lobos, as balas de prata de Van Helsing seriam tão eficazes quanto um projétil comum.

Estão em cinco – concluí, quando o terceiro estava pulando o portão de ferro. — Dois a mais do que pensei.

Consegue contá-los dessa distância? – surpreendeu-se Van Helsing, que mal podia enxergar os que já estavam do lado de dentro, driblando os túmulos para nos alcançar na calada da noite.

Caso já tenha se esquecido, não sou um humano comum…

Não me esqueci, monstro.

Por detrás de um mausoléu, o maior deles surgiu. Seu rosnado parecia vibrar através de nossos ossos. Em vez de produzir um som, a besta lupina criava uma vibração desconfortável no ar.

Van Helsing, que apontava ambas as pistolas para ele, deu alguns passos para trás. Senti o cheiro de medo emanando de meu caçador, e naquele momento tive a certeza de que o lobo também sentiu. Ele firmou as mãos que seguravam as armas, e sussurrou:

Por que essas coisas estão aqui?

Andei devagar até perto de Van, com meus olhos fixos no lobo líder. Se corrêssemos, eles atacariam imediatamente. Pouco a pouco, os outros quatro foram se aproximando, mantendo certa distância e nos analisando.

São maiores do que eu me lembrava… Muito maiores – observou Van Helsing.

Sua respiração estava acelerada, e eu era capaz de ouvir, bem baixo, seu coração martelando no peito. Se ele tentasse enfrentá-los sozinho, seria destroçado. E eu, que estava tendo dificuldades para me manter em pé, não acreditava que seria de muita utilidade ao enfrentar cinco criaturas daquele tamanho.

Van, se me deixar beber só um pouco… Algumas gotas já vão bastar…

Van Helsing olhou para mim somente por um segundo, e logo voltou a atenção para a ameaça real. Estava incrédulo, horrorizado com minha sugestão. Eu sabia que tinha sido direto demais, mas não tínhamos mais opções – nem tempo.

Prefiro morrer a ceder de bom grado o meu sangue a um vampiro. E já disse! Me chame de Van Helsing!

Nossa breve conversa havia confundido os lobos, já que normalmente as pessoas correm deles aos gritos – talvez nunca tivessem lidado com presas que os encarassem e batessem um papo. O líder fez um som parecido com um latido, mas tinha a força e efeito de um rugido: era uma ordem para o bando. Com isso, quatro deles pularam em nossa direção.

A mira de Van Helsing foi perfeita, atingindo-os na cabeça, um a um. Eu nunca havia visto alguém atirar tão bem usando ambas as mãos simultaneamente. Mas isso não foi mais do que um contratempo para as criaturas. Os pelos, que estavam mais espessos que o normal, agiam como uma carapaça protetora. Os quatro lobos caíram no chão, mas logo recuperaram o equilíbrio.

Tomando a dianteira, Van guardou uma das pistolas e empunhou uma adaga com a mão esquerda. Por um momento imaginei que ele finalmente cederia um pouco daquilo que eu precisava, mas em vez disso tomou posição de defesa.

Essa é uma adaga benta, não é? – observei, mantendo-me atrás dele. — É perigosa para mim, mas imagino que saiba que não vai funcionar contra eles. Para matar um lobo demoníaco, a lâmina precisaria estar…

Mas que droga! Não precisa me ensinar essas coisas – interrompeu ele, preparando-se para a próxima investida dos seres das trevas. — Passei uma vida estudando essa sua escória!

Antes que eu pudesse me indignar da forma como ele falou, como se eu fosse da mesma espécie daquela matilha, Van Helsing foi novamente atacado. E, mais uma vez, conseguiu defender.

Era evidente que aqueles bichos estavam brincando. Já os vi lutar antes e, se quisessem, já teriam dividido Van Helsing em dois.

Eu precisava de sangue vivo

O líder dos lobos estava apenas observando, com a cauda se agitando sempre que seus subordinados eram derrubados. O que ocorria era que eles tentavam, repetidamente, sugar a alma de Van. Mas meu caçador não permitia ser imobilizado tempo o suficiente para que o processo ocorresse.

Eu devia admitir, ele sabia o que fazia.

O problema era que, não importaria o que ele fizesse, não teria como dizimar cinco lobos demoníacos durante uma noite de lua cheia apenas com duas pistolas e uma adaga benta. Tudo o que Helsing fazia era se defender e, pela forma como respirava, já começava a demonstrar sinais de cansaço

Van, sabe que posso ajudar! Só preciso de uma coisa!

Ele não respondeu. Continuou se defendendo, até que uma das pistolas emitiu o temível “click” indicando que havia descarregado.

Merda! – rosnou ele, jogando-a no chão.

Rolou para desviar de uma mordida, e esticou a adaga para evitar que sua mão fosse arrancada. Nos breves segundos de brecha que teve, verificou que restava somente uma última bala de prata em sua segunda pistola. Guardou-a no coldre como reserva para lidar comigo depois. Mas, para Van Helsing, esses segundos cruciais de desatenção bastaram para que um dos ataques o acertasse.

Senti o peito congelar. Meu caçador rolou no chão e segurou o antebraço, cravando os dentes por causa da dor. Pela mancha vermelha na manga de seu sobretudo, o corte havia sido fundo.

Apesar do risco, aquilo era uma pequena chance.

Arrastei meus pés até ele, devagar o suficiente para não despertar desconfiança nos lobos que nos cercavam. Os demônios pareceram rir como hienas, divertindo-se com a cena. Acreditavam que eu estava lamentando a queda de um familiar – cena que eles provavelmente presenciavam aos montes em meio à suas caçadas.

Ao me aproximar de Van Helsing, segurei seu pulso e puxei a manga para ver a extensão do ferimento. O perfume ferroso de seu sangue adentrou minhas narinas como um sopro de vida.

O que vai fazer?

Salvar nossas vidas.

Nem em meus pesadelos que eu

Tem que confiar em mim, Van – ralhei, já zonzo pela inanição. — Só assim para acabar com eles. Se quer ver o sol nascer mais uma vez, tem que ser assim.

Por que acha que tem mais chances do que eu, monstro? – perguntou ele, olhando-me nos olhos.

Eles só podem ser derrotados por armas amaldiçoadas. E, você sabe: eu sou a maldição em pessoa… Agora, me deixe fazer isso logo enquanto eles ainda pensam que estão vendo algum tipo de despedida.

Dizendo isso, baixei meus lábios para seu ferimento. Não era tão extenso, mas estava profundo. Seria o bastante para que eu recuperasse parte de minhas forças. Van Helsing franziu o nariz, e virou o rosto para não me ver lambendo sua pele. Para um caçador experiente como ele, ter seu sangue consumido por um vampiro certamente era repugnante.

Os primeiros goles adentraram meu corpo. Comecei a respirar mais profundamente, como um louco mergulhado em seu próprio vício. O sangue de Van Helsing… Ahh! Eu estava sugando a seiva de vida do maior caçador de vampiros de todos os tempos. Esse mero pensamento era instigante.

Pare – sussurrou ele, tentando empurrar minha cabeça com a mão boa. — Já chega! Isaac, pare!

Meu nome. Novamente, Van Helsing havia pronunciado meu nome. Desta vez, com uma ordem explícita. O feitiço que recaía sobre aquele pacto era mais forte do que as histórias que ouvi, pois no segundo em que ele disse “Isaac, pare”, atendi à sua ordem como se cordas puxassem meu corpo.

Seria impossível ir contra suas vontades. Olhei-o com devoção.

Desculpe.

Eu estava com os olhos arregalados, tamanho era meu espanto. Não apenas pela vitalidade que voltava rapidamente a meu corpo, mas também pela força que havia me domado. Ele agora era meu mestre, e suas palavras eram como fios do destino. Van Helsing olhava de mim para as criaturas, que fechavam cada vez mais o cerco. Estavam crédulas de que nos tinham em suas garras.

Espero não me arrepender depois – murmurou Van, usando um lenço que estava em seu bolso para proteger o ferimento.

No canto de minha boca, uma gota morna escorreu. Era o sangue que eu havia bebido. O sangue dele, que estava me devolvendo boa parte das forças que precisava. Era como fogo correndo em minhas veias, queimando minha face. Encarando as criaturas malditas, curvei minha boca num riso sádico e fechei minhas unhas como garras no pescoço do lobo mais próximo. De sua garganta, um ganido de dor foi ouvido. É claro que também me feri em seu pelo rijo como farpas metálicas, mas não era nada perto do que eu faria com o próximo.

Retirei minha mão ensanguentada do demônio morto, sentindo a pele arder com a dor. Mas era suportável. Em seguida, o segundo lobo investiu com ódio sobre mim. Este foi mais difícil: por ter sido um ataque lateral, deixei minha dianteira aberta. Foi o suficiente para que outro viesse, testando sua chance de me matar.

Mas foi em vão. Eu não estava mais fraco, então seus movimentos, tão velozes e ritmados, pareciam quase preguiçosos. Não eram os lobos que estavam mais lentos, e sim minha percepção que se aguçara ao receber o sangue de meu caçador.

Enquanto eu dizimava o segundo e o terceiro lobo, Van Helsing se levantou, ajeitou o chapéu em sua cabeça, e mais uma vez empunhou a pequena adaga.

Suas armas são inúteis, Van!

Porém, mais inútil que as armas dele, eram minhas palavras. A teimosia daquele homem beirava o absurdo, e ele encarava atentamente o líder dos lobos demoníacos enquanto o quarto membro da matilha tentava rasgar meu pescoço. O canino afiado da criatura arranhou meu rosto, e senti minha carne sendo cortada profundamente.

Levei a mão até onde a dor lancinava. Vendo isso, Helsing provocou:

Monstros não sangram!

Tsc, sei disso!

Achei que era novo deboche, mas quando o olhei havia um pequeno sorriso em seu rosto. Ele lançou a adaga, que girou algumas vezes no ar e caiu aos meus pés.

Use isso.

Não peguei a arma imediatamente. Um dos motivos era que eu estava ocupado demais segurando a boca do lobo que tentava me destroçar. Mas o segundo motivo era que a lâmina era benta. Se eu encostasse, a queimadura seria irremediável. Com um soco na criatura, consegui os segundos necessários para agarrar o cabo da adaga.

Você sabe que essa coisa é inútil contra eles, não sabe? – perguntei, sem olhá-lo, já que eu estava cara a cara com a penúltima criatura do inferno, rosnando e babando de ódio antes de me atacar.

Não se for empunhada por uma criatura amaldiçoada…

Franzi o cenho. Encarei os olhos verdes de Van, e depois me voltei para a lâmina benta em minha mão. Seria possível?

Não havia tempo para refletir. Se fosse para funcionar, teria que ser naquele segundo. Sem aviso, uma sombra cresceu para cima de mim, ocultando-me da luz lunar. O lobo que me atacava mudara seu alvo: desta vez, foi atrás de Van. Ele havia pulado sobre minha cabeça e, antes que eu pudesse correr para ajudar, senti um hálito quente e pútrido em meu pescoço. Era o líder da matilha. Ele havia aproveitado que o outro mudara de alvo, e se colocou à minha frente.

Estávamos a centímetros de distância, e ele olhava para os colegas mortos como se os desprezasse pelas fraquezas demonstradas. Atrás de mim, Van gritou. Sem a adaga, tinha apenas uma pistola com um único projétil para se defender. Consciente disso, meti minhas unhas no pescoço do líder como pude, jogando-o para o lado, e corri para ajudar meu caçador. O enorme lobo estava sobre ele, e já havia aberto sua bocarra para começar o processo de drenagem de alma. Antes que isso acontecesse, desferi um golpe em seu flanco com a lâmina.

Para minha surpresa, funcionou. A pele dele começou a borbulhar, e o ferimento se alastrou como se houvesse ácido corroendo-lhe a carne. Foi para mim um deleite descobrir que uma arma abençoada poderia ampliar os efeitos me meus ataques sobre os lobos-demônio. Golpeei-o uma segunda e terceira vez, vendo o sangue vermelho-escuro escorrer em gotas grossas e pegajosas até o gramado do cemitério, manchando a aba do chapéu de Van.

Era o fim. Dizimamos os cinco cães infernais que queriam se vingar de minha insolência, por eu ter falhado na missão de assassinar o caçador de vampiros – por quem me apaixonei, em toda a minha irresponsabilidade.

Van Helsing, que havia se desequilibrado no ataque do penúltimo membro da matilha, bateu seu chapéu na perna para retirar parte do sangue, e ficou em pé. Quando olhou em minha direção, empalideceu. Voltou a apontar aquela pistola para minha cabeça.

Sobrou um monstro.

Não, Van… – sussurrei, quase implorando por minha vida maldita e patética, mas Van Helsing me ignorou e moveu o dedo, puxando o gatilho.

O som do tiro ecoou pelo cemitério. A bala de prata fez sua trajetória em minha direção e passou raspando por minha orelha, fazendo-me sentir o ardor pelo toque do metal.

Atrás de mim, um ganido me trouxe de volta à realidade: o líder da matilha, que eu achava ter matado, ainda vivia. Se não fosse por Van, o desgraçado teria me atacado pelas costas. Graças ao tiro do caçador, pude me virar e cravar a adaga na garganta da criatura. Ouvi-a gorgolejar, engasgando com o próprio sangue à medida em que a vida deixava-lhe o corpo. Em seus olhos havia um brilho de ódio que prometia um reencontro no inferno.

Obrigado – murmurei, ainda segurando a adaga enterrada no monstro. Não olhei para Van de imediato.

Não se engane, Isaac. Te ajudei pra salvar minha pele.

Você disse de novo.

O quê?

Retirei a lâmina da carne fumegante, e limpei o sangue na barra de minha roupa. Mesmo assim, o metal continuou engordurado.

Meu nome – esclareci, finalmente voltando meu olhar para Van. — Como pesquisador das criaturas profanas, não sabe que nunca deve pronunciar o nome mortal de um vampiro enquanto olha em seus olhos?

É uma lenda conhecida, sim. Mas não é fácil descobrir o nome verdadeiro de um vampiro, então não tem como testar. – Van apontou para a corrente em meu pescoço. — Não é como se eles andassem por aí com os nomes gravados em pingentes. De todos os da sua laia que exterminei, você é o primeiro.

Passo a passo, me aproximei. Van estava de pé. A mão esquerda, que segurava sua pistola descarregada, pendia inofensiva ao lado do corpo.

— “Minha laia” – repeti, dando um riso desanimado ao constatar a fama terrível que recaía sobre minha condição maldita. — Pois saiba que o pacto de nomes não é só uma lenda. E você disse o meu quatro vezes, essa noite.

— “Isaac” é seu nome verdadeiro, então?

Sim

Então, se o pacto não é só lenda, e se eu pronunciei seu nome olhando em seus olhos, o que isso significa?

Por breves segundos, fiquei sem saber como responder. Dizer simplesmente “Agora sou seu” não era uma opção.

Significa que agora estou ligado a você. Da mesma forma que um súdito está ligado a um soberano.

Ele resmungou qualquer coisa. Não sabia o que responder, e vi isso em seu olhar espantado e confuso. Eu também não tinha ideia do que fazer com as mãos, nem para onde olhar, tamanha foi a estranheza daquele silêncio. Por isso, me prostrei diante dele, tocando o chão com meu joelho e punho esquerdos. Ao mesmo tempo, estendi a adaga que ele havia me emprestado, e a coloquei no gramado do cemitério, diante de seus pés.

Se quiser me matar agora, não vou oferecer resistência.

Van Helsing se abaixou e segurou o cabo. Engoliu em seco e apontou a lâmina para mim. Permaneci ajoelhado, aguardando o golpe de cabeça baixa.

Apurei a audição, e pude ouvir que seu coração ainda estava acelerado. A respiração parecia alterada, e pela sombra no chão notei que ele secou o suor da testa com a manga do sobretudo. Aquela espera era agonizante. Eu sabia que a lâmina benta iria arder em mim, causando uma dor cruciante que me levaria lentamente à morte. Foi somente por isso que pedi:

Por favor, seja rápido.

Mas era como se minhas palavras houvessem produzido o efeito contrário. Ele soltou o ar dos pulmões e jogou a adaga para o lado, indo desmontar no chão. Recostou-se numa das lápides que brotavam do gramado.

Olhei para ele, esperando uma explicação. Van movia a cabeça para os lados.

Isso é um absurdo – murmurou, esfregando os olhos com o indicador e o polegar.

Er… Não sei se entendi.

Não posso ter um vampiro ligado a mim.

Então por que não finalizou seu trabalho? – perguntei, olhando para a adaga descartada. — Ofereci meu pescoço de bom grado.

Sou um caçador, não um executor – esclareceu ele, retirando o chapéu para poder admirar melhor as estrelas. Fechou os olhos e respirou fundo. — É verdade, isso que me falou? Os amaldiçoados pelo sangue são mesmo suscetíveis à pronúncia dos nomes de nascença?

Como ele estava sentado, e eu ainda ajoelhado, nossos olhos estavam no mesmo nível. Van procurou em minha íris escarlate uma confirmação.

Meu destino é seu, agora – respondi, apoiando a mão em meu peito. — Pode ordenar o que quiser, e serei impelido a atender… Sou seu servo.

Van Helsing riu, ainda incrédulo. Retirou o sobretudo com certa dificuldade e abriu a camisa, revelando os profundos cortes que seu ultimo embate com o monstro havia causado.

Então, “servo” – começou ele, com certo desdém, duvidando de minhas últimas palavras. — Consegue dar um jeito nisso?

Era apenas um teste, pois logo o riso debochado voltou em seu rosto, e ele começou a se vestir novamente.

Parece que você não conhece os vampiros tão bem assim, professor Van Helsing.

Que quer dizer?

Com isso, me aproximei devagar. Ele manteve o olhar cauteloso, certo de que eu poderia atacá-lo a qualquer momento. A verdade era que, agora que estávamos ligados, mesmo que eu quisesse não seria possível fazer algum mal a ele. E é por isso que nós, vampiros, não permitimos que os mortais saibam nossos nomes verdadeiros, e por isso também que nas décadas passadas nos dedicamos a erradicar aqueles que detinham o segredo do pacto. É um conhecimento perigoso para se espalhar por aí.

Estendi minha mão pálida para o braço enfaixado de Van Helsing – aquele que eu havia usado para recuperar minhas forças através de seu sangue.

Tire o lenço. Quero que veja uma coisa.

Ele permaneceu me encarando por alguns segundos, até que finalmente se decidiu por fazer o que sugeri: desatou o nó do lenço que ocultava-lhe a ferida no pulso. Van ficou surpreso.

Mas… como?

O corte profundo feito pelas garras do lobo-demônio havia se fechado por completo. A manga de seu sobretudo ainda estava rasgada e suja com seu sangue, mas sua pele estava intacta, bela e irresistível.

As pessoas não têm muitas oportunidades de presenciar isso, já que morrem antes de suas feridas fecharem – expliquei.

Ele permaneceu boquiaberto olhando para o próprio braço, e senti uma estranha emoção ao ver que não se importou de minha mão estar tocando-o. Deslizei meus dedos por sua pele, relutando contra o impulso de abraçá-lo e sentir seu cheiro. Para quebrar o silêncio, esclareci:

Quando não matamos, a saliva dos vampiros curam. As únicas feridas que não temos como remediar são as causadas por nossos próprios dentes. Por isso deixamos marcas em nossas presas.

Van levantou os olhos para mim.

Não chame de “presas” as pessoas que assassina, monstro.

Sua irritação era evidente. Apesar disso, ele não desvencilhou seu braço do toque de minha mão.

Desculpe. É força do hábito…

O hábito de um assassino – alfinetou ele. Apesar disso, demonstrou-se interessando, passando mais uma vez os dedos por sua pele intacta. — Eu não sabia sobre essa cura… Como é que eu poderia fazer ideia?

A reclamação era para si próprio. A frustração de um caçador por não saber algo tão crucial sobre as criaturas que pesquisava era grande.

Não tinha como você saber…

Uma respiração mais dificultosa de Van chamou minha atenção. Olhei de relance para sua pele e carne rasgados no flanco esquerdo, e constatei que, se continuasse daquele jeito, ele morreria em menos de um dia. Médico nenhum poderia lidar com um ferimento feito pelas garras e presas de um lobo-demônio. Mas eu, sim.

Me curvei para que minha boca pudesse alcançar sua pele machucada, e a reação de Van foi barrar meu avanço, espalmando a mão em meu rosto.

O que pensa que está fazendo?

Encarei-o sem ter uma resposta, já que minha intenção era clara depois de ter explicado sobre as propriedades de cura dos vampiros. O silêncio o constrangiu um pouco, e ele finalmente permitiu que eu fizesse o que precisava ser feito.

Inicialmente, colhi com a língua o sangue que escorria – seria um desperdício não fazê-lo. Depois, lambi as bordas de seu ferimento e, por causa do toque de minha saliva, seu corpo começou a se regenerar diante de nossos olhos. Pouco a pouco, cada um dos cortes foi se fechando, e a pele lacerada foi se unindo.

Enquanto o lambia, aproveitei para sentir seu cheiro. Apesar de minha intenção de curá-lo, eu estava realmente aproveitando aquele momento. O homem que espionei por tantos dias, aquele que passou a ser figura presente em meus sonhos mais insanos, estava diante de mim. E eu queria acreditar que ele estava entregue às minhas carícias – embora fosse apenas uma entrega, quase relutante, à minha cura.

Espiei-o de relance. Ele me encarava apreensivo e confuso, e com a proximidade era ainda mais fácil ouvir seu coração disparado.

Está com medo de mim? – perguntei, apenas para provocar e vê-lo franzindo o cenho em resposta. Eu conhecia o cheiro de medo de longe, e por isso podia dizer com certeza: não era medo o que Van Helsing estava sentindo.

Uma mecha de meus cabelos negros escorregaram por sobre meus olhos. De lambidas, fui secretamente passando a beijos em seu ferimento. Fiz questão que fossem bem molhados para que o grande corte se fechasse por completo mas, ao mesmo tempo, garanti que ele não notasse.

Por que me ajudou? – quis saber o caçador, quando a cura estava quase completa. — Achei que fosse fugir depois que recuperou as forças. Você teve a chance para fazer isso…

Era atrás de mim que eles estavam – respondi, afastando meus lábios de seu flanco. — Se eu fugisse, os lobos te matariam primeiro, e depois iriam me encontrar, de qualquer jeito.

E não seria vantagem para você atrasá-los um pouco, e ainda se ver livre de mim? Aquelas balas de prata eram para te matar. Ficaria com um perseguidor a menos.

Respirei fundo, quase com impaciência. Van Helsing estava me testando mais uma vez. Antes de explicar, continuei o que estava fazendo. Estava no terceiro e último corte, deslizando minha língua úmida enquanto Van desviava seu olhar de minha tarefa.

Mais uma lambida, seguida de um beijo secreto, e o flanco do caçador estava novamente intacto. Endireitei minhas costas, permanecendo ajoelhado diante dele.

Fiquei porque não queria que te matassem.

E por que não? – quis saber ele, admirando o lado milagrosamente curado de seu corpo, onde apenas restava uma trilha de minha saliva.

Posso ser um vampiro, mas não sou tão cruel quanto pensa.

Ainda assim, é um deles.

Não mato porque gosto, Van. Essa maldição… essa sede de sangue… dói de uma forma tão insuportável que tudo o que nos resta é caçar. É como um vício. A abstinência prolongada corrói por dentro, e a morte nunca vem.

Seu olhar sobre mim era intenso.

E não tem outro jeito?

Dei de ombros.

Acho que não…

Com a pouca distância, me permiti apreciar atentamente seu rosto. Estava sujo de terra e suor, tinha alguns respingos do sangue da besta no pescoço, e um corte no canto da boca. Uma boca linda, com uma gota rubra escorrendo… Van Helsing era, para mim, uma visão de puro deleite.

Você está sangrando aqui… – avisei, ao mesmo tempo em que aproximei meus lábios dos dele.

Espera, o que pensa que vai fazer?

Sou apenas um servo, terminando o que comecei

— “Servo”, tsc! Eu nunca disse que aceitava isso.

Não é uma questão de aceitar ou não. Você já pronunciou meu nome cinco vezes essa noite, olhando em meus olhos. Agora sou seu servo, quer goste disso ou não – enfatizei, levando minhas mãos para seu rosto. Isso fez mais uma vez o coração do caçador acelerar. — Me deixe cuidar desse corte, Van…

Ele engoliu em seco, paralisado, e não reclamou por eu estar usando casualmente seu nome – de novo. Me aproximei, e primeiro acariciei-lhe o rosto, sempre mantendo contato visual. Queria que ele visse sinceridade em meus olhos, apesar da íris incomum. Depois lambi levemente seu queixo, sentindo o sabor daquela única gota de sangue que escorria. Isso fez com que ele prendesse a respiração. Estendi minha língua para o corte em seu lábio inferior e, a partir disso, não consegui mais disfarçar meu desejo: fechei meus olhos e comecei a beijá-lo. Um suspiro contido de minha parte revelou parte da paixão que havia sentido em todos aqueles dias de observação.

Van Helsing se assustou e colocou as mãos em meu peito, tentando nos afastar. Ainda segurando-lhe a cabeça entre minhas mãos, interrompi meus beijos. Sua confusão era palpável.

O que deu em você?

Preferi responder com outra pergunta:

Tem alguma ideia do porquê eles estavam atrás de minha cabeça? – Esperei até que ele negasse, e continuei: — Há três semanas, recebi a ordem de matar o maior caçador de vampiros: você. Por diversas vezes tive a chance de te assassinar durante seu sono, mas…

Eu sei. Senti que estava sendo observado, mas só hoje tive certeza.

Sim, mas eu não o toquei, Van. Nesses dias, fui capaz de te conhecer melhor, e acabei ignorando minhas ordens de te matar. Eu acabei… me interessando por… seus métodos.

As últimas palavras saíram quase gaguejadas.

Meus métodos? – estranhou Van, ainda me afastando com as mãos em meu peito. — Por acaso planejou tudo isso? O colar com seu nome para que eu lesse… Sua debilidade… A perseguição…

Não! – Minha resposta foi urgente. Segurei-lhe os ombros. — Por favor, Van! Depois que vi como você se dedica àquelas pessoas, me recusei a matar de novo… por isso minha fraqueza! E realmente tive que fugir quando você percebeu minha presença. Não poderia simplesmente deixar que me matasse.

Van Helsing soltou o ar dos pulmões, impaciente com alguma coisa. Achei que ele fosse me empurrar de vez e sair dali, mas segurou o pingente que carrega meu nome verdadeiro.

Então por que anda por aí com isso?

Sentei sobre meus calcanhares e levei meus dedos até os dele, tocando-os de leve. Temi que me repelisse novamente.

Sempre carreguei este colar comigo. É uma lembrança de meus dias antes da maldição do sangue, quando eu ainda era uma pessoa comum. Já faz muito, muito tempo… – Eu estava atento à forma como ele tocava o pingente. — Nunca imaginei que fosse ser pego tão facilmente por um mortal, e ter meu nome lido.

Foi imprudente – rebateu ele, finalmente soltando o colar, e desvencilhando-se do toque de minha mão.

Sei disso… Mas ao menos foi você quem leu – arrisquei, sem ter certeza de como isso seria interpretado. — Sobre os lobos, foram mandados pelos meus superiores, para se vingar de minha insolência.

Por eu ainda estar vivo – constatou Van Helsing.

Uhum… Agora sou a escória entre a escória: um vampiro renegado. Em alguns dias vão novamente mandar alguém com a missão de acabar com você… e comigo, também.

Van Helsing permaneceu sentado, recostado a uma lápide, me encarando. Tentava ler cada um de meus movimentos, analisava minhas palavras, e tinha uma expressão de quem desconfiaria da própria sombra.

Não vai ser problema para mim – garantiu Van. — Já vieram outros, antes de você, e arranquei a cabeça de cada um. Se vier uma horda atrás de meu pescoço, vou ter munição o suficiente para todos.

Parece bem confiante

Tenho que ser. É meu trabalho.

Mas agora estou do seu lado – assegurei, voltando a colocar uma de minhas mãos perto do pequeno corte que ainda estava aberto. Van não tirava os olhos dos meus.

Tem mais algum truque de vampiros que eu ainda desconheça? Por acaso está me hipnotizando agora, ou algo assim?

Isso havia me surpreendido. Então era assim que Van estava se sentindo?

Não estou fazendo nada. E saiba que não tenho como mentir ao meu mestre.

Ele balançou a cabeça para os lados. Estava novamente irritado com alguma coisa. Talvez fosse porque se encontrava numa situação improvável para um caçador de vampiros: no gramado de um cemitério, comigo ajoelhado em sua frente, tocando-lhe o rosto.

Aproveitei a deixa para me aproximar mais uma vez. Um centímetro antes de nossos lábios se tocarem, parei, olhando-o. Queria saber sua reação para essa nova aproximação. Ele não me afastou, nem virou o rosto. Confiante, voltei a beijá-lo, mas dessa vez da forma como eu vinha desejando há dias: transparecendo meu desejo, sem restrições. Inicialmente ele manteve a boca fechada, mas não demorou muito para que eu sentisse sua língua timidamente alcançando a minha.

Não apenas o sangue de Van Helsing era delicioso, mas o sabor de sua boca e o ar que ele exalava também eram um deleite para mim. Finalmente, uma de suas mãos se estenderam para mim, entrelaçando meus cabelos. Seus beijos logo deixaram de ser tímidos e passaram a me explorar com mais avidez.

Isso… é loucura – sussurrou ele.

Ele tinha razão. Apesar do pacto de nomes não ser mera lenda, eram raros os casos existentes. E, de todos os que eu conhecia, nunca um soberano tratava seu servo melhor do que se trataria um lixo servil. Já Van Helsing, não. Ele estava brincando com sua língua na minha, e chupando meus lábios como um homem experiente faria com seu amante.

Aquilo era a melhor coisa que já tinha acontecido comigo, em séculos.

Passei a beijá-lo no queixo, e então alcancei seu pescoço. Apesar da tentação de mordê-lo de leve, os fios invisíveis que me controlavam perante o pacto impediam. Van Helsing, sem saber disso, me afastou quase com brutalidade. Minhas costas bateram no chão. Ele procurou a adaga, caída no gramado do cemitério, e apontou para mim.

O que ia fazer?

Sua outra mão agarrava a gola de minhas roupas, e todo seu semblante estava endurecido pela desconfiança.

Será que dá para confiar em mim? Já disse: sou seu servo e não consigo fazer nada contra você, mesmo se eu quisesse.

Puxei Van Helsing para mim, sugerindo outro beijo. Tê-lo sobre meu corpo como um predador irritado era ao mesmo tempo perigoso e excitante. Aos poucos, ele voltou a ceder aos meus toques.

Seu corte no lábio já estava curado, e mesmo assim continuei beijando-o, e ele correspondeu, voltando a deixar a adaga de lado.

Ahh… O que está acontecendo comigo, vampiro? Isso é efeito do pacto, por acaso?

Definitivamente, não… – murmurei, ainda provando a maciez de seus lábios.

Puxei-o para mais perto e levei minhas mãos para seu peito, aproveitando que suas roupas ainda estavam abertas devido à cura anterior. Toquei sua pele quente, ávido por senti-lo cada vez mais. Poucos pelos loiros nasciam ali, e era agradável acariciá-los.

Não. Aquilo era muito mais do que somente “agradável”. Há tantos anos eu não sentia nada… Tanto tempo sem experienciar o que era estar realmente vivo, e justamente quem me trouxe isso foi aquele que me quisera morto. Em meu corpo, vertigens e um formigamento se alastravam.

Ahh, Van… – sussurrei quando seus beijos umedeceram o arco de minha orelha.

As mãos grandes do caçador, que antes me prendiam contra o gramado, agora deslizavam por minhas cintura. Fizeram um rápido passeio por minhas coxas e depois voltaram, descobrindo parte de minha barriga e expondo a grande marca que carrego ao lado do umbigo. Como Van sentiu o declive da cicatriz, cessou o beijo para checar.

É uma velha história de vampiro – expliquei. — Talvez um dia eu conte.

Desejei que ele voltasse a me cobrir com seu corpo, mas Van continuou me olhando, ajoelhado diante de mim. Eu nunca estive tão vulnerável perto de alguém, muito menos de um caçador de vampiros. Aquele homem simplesmente mexia com todo o meu ser. E seus dedos, deslizando por minha barriga pálida, faziam outras partes minhas acordarem… E meu caçador notou. Seu olhar, que já estava febril, se fixou em minha virilha.

Eu nunca imaginei que um vampiro pudesse ficar… assim.

Eu não demonstrei, mas estava igualmente surpreso.

Posso ser sua cobaia, se quiser – arrisquei. — Sabe, para descobrir mais coisas

Hesitante, ele me tocou por cima da calça… Inicialmente, de leve. Mas depois começou a friccionar os dedos, e a apertar minha ereção. Gemi involuntariamente. Ao entreabrir os olhos para vê-lo, ele se curvou até mim, voltando a me beijar. Sua mão continuou os movimentos.

Amando este atrevimento, abri minhas pernas e puxei-o para ainda mais perto. As únicas coisas que impediam que nos tocássemos por completo eram nossas roupas.

Essa não é uma posição apropriada para um caçador e um vampiro – observou Van Helsing, fazendo graça.

Talvez – concordei — Mas eu não ligo. Você não é um caçador comum. E eu, já fui renegado por minha raça…

Lambi meu dente canino, soltando um botão da calça dele. Quase como se este ato tivesse sido um convite, Van começou a se friccionar contra mim. Isso foi o bastante para que eu notasse: ele também estava excitado por baixo daquela roupa toda. E isso mexeu comigo.

Novamente o entorpecimento começou a tomar conta de mim. Minha respiração tornou-se ofegante, e isso era novo para mim. Vampiros não se cansam, mesmo após uma longa caçada. Se estamos fadigados por uma luta ou pela perseguição de nossas vítimas, apenas descansamos pacificamente, com nossas respirações contidas. Mas, naquele momento, meu peito subia e descia rapidamente, buscando um ar que não saciava.

Com cada milímetro de meu corpo eletrizado, sequer notei o momento em que as mãos de Van começaram a me despir. Quando percebi, eu já estava com a ponta de meu membro para fora, e todos os botões de minha camisa abertos. Soltei os fios loiros que estavam entre meus dedos, e segurei o cós de sua calça adentrando sem pedir licença. Toquei a pele macia de seu pênis, e com isso nosso beijo foi momentaneamente interrompido.

Ele me olhou longamente. Era difícil ler seus pensamentos no meio daquele frênesi, então eu não tinha certeza se meu toque ousado havia incomodado, ou não. Mas então ele perguntou:

Sabe o que está pedindo, vampiro?

Me chame de Isaac

Ele continuou pensativo. Depois passou o polegar em meus lábios, de onde sobressaíam meus dentes pontiagudos.

Quer mesmo isso?

Está preocupado com as vontades de um vampiro, Senhor Van Helsing?

Ah, Isaac… Não brinque comigo. – O desafio que lancei foi aceito. Voltando com sua expressão de caçador determinado, ele abaixou minha calça. — Não se arrependa depois, vampiro.

Não tem como eu me arrepend-aahh!

Naquele momento, entendi que não se deve provocar um caçador orgulhoso – ao menos, não quando se está à mercê dele. Ele forçou sua entrada sem aviso, e com isso senti agulhadas em meu ânus. Mesmo sem ter entrado completamente, aquilo doía.

Van Helsing moveu-se algumas vezes dentro de mim, mas parou quando viu que eu apertava os olhos, disfarçando algumas lágrimas.

Ei… – chamou ele, quase gentil.

Olhei-o, incerto sobre o que fazer, ou dizer. Mas Van tomou a dianteira: retirou-se de meu interior e levou a boca até minha semi-ereção. Assim que sua língua me tocou ali, gemi mais alto do que gostaria. Tapei a boca, pois não queria chamar a atenção de quem quer que estivesse andando pelo lado de fora dos muros do cemitério.

Os beijos quentes de Van desceram, cada vez mais entre minhas coxas. Então ele me virou de bruços, expondo minhas nádegas para a noite de estrelas… e para sua língua. Não acreditei quando senti aquela umidade em meu ânus. Van estava lambendo minha entrada sem pudores, e com isso me desarmando cada vez mais… De quantas formas meu caçador ainda iria me surpreender? Meu sangue de vampiro não podia ferver nas veias, mas parecia queimar em meu peito e fazer inchar ainda mais meu membro, agora preso contra o gramado.

Van brincava com a boca e os dedos, até que conseguiu abrir caminho para uma penetração menos dolorosa. E, comigo de barriga para baixo, ele montou sobre mim e recomeçou suas estocadas, apoiando-se em meus ombros.

Era isso que queria? – perguntou Van.

Nnn… Mais…

Ele aumentou não só a velocidade com que me penetrava, mas também a força. Os sons do choque de seus quadris contra minhas nádegas ecoavam entre as lápides, junto de meus gemidos contidos.

Ahh… Desse jeito?

Não. Muito mais…

Para quem diz ser apenas um servo, está muito exigente, vampiro – cochichou ele em minha orelha, parando de se mover por alguns segundos. — O que quer de mim, afinal?

Eu quero… Estar sempre ao seu lado.

Na posição em que estava, eu não conseguia olhar bem para Van Helsing. Mas ouvi sua respiração mudar nesse momento, como se ele abrisse a boca para falar algo, mas desistisse no último segundo. Eu não sabia se tinha falado besteira, mas não senti culpa: afinal, era verdade. Se eu puder estar até o fim dos tempos ao seu lado, minha existência terá valido a pena. Mesmo que depois eu tenha que viver uma eternidade solitária, sem meu caçador, as lembranças serão o que vão me acalentar nos dias sem fim da imortalidade amaldiçoada que me consome a sanidade.

Retirando-se de dentro de mim, Van me virou no chão. Desta vez, fiquei de barriga para cima, expondo minha cicatriz e minha ereção. Ele se acomodou entre minhas pernas e voltou a me dominar, desta vez com os olhos fixos nos meus.

Poderia ser impressão minha, mas parecia que uma mudança havia tomado conta de Van Helsing. O homem que antes se mostrava como um exterminador de monstros agora parecia mais gentil. Eu só o vira olhar dessa maneira para as pessoas do vilarejo, com quem ele demonstrava verdadeira amizade. Por isso, quando ele se curvou para me alcançar em mais um beijo, soube que eu era um cara de sorte.

Senti o cheiro da terra e a maciez da grama enquanto ele me chacoalhava numa transa lenta, mas profunda. Eu não queria mais nada naquele momento, a não ser Van Helsing me explorando com sua língua e membro. Aos poucos, minhas forças voltavam mais e mais, num nível que ia além da saciedade que eu conhecia. Se viéssemos a fazer isso com frequência, eu nunca mais precisaria machucar alguém. Afinal, o que eu estava vivenciando era um preenchimento não apenas de meu corpo, mais de algo mais: se vampiros têm almas, a minha estava plena.

O quão drásticas podem ser as mudanças de rumo de nossa existência a partir dos acontecimentos de uma única noite? Minha decisão de não cumprir a missão de eliminá-lo; o pacto de nomes feito acidentalmente; a concessão de Van Helsing para que eu tomasse seu sangue; nossa parceria para acabar com os lobos-demônio e, finalmente, minha ousadia em beijá-lo.

Tudo isso passou por minha cabeça. Essa sequência improvável havia nos levado até aquele momento de júbilo. Van Helsing, como meu mestre e soberano, gemia baixinho enquanto movia os quadris. Eu, abaixo dele, abracei-o com as pernas, aproveitando nosso sexo proibido.

E foi assim, com Van Helsing encarando minhas íris vermelhas, que ele me preencheu. Uma força vital se apoderou de todas as minhas células, e tudo à minha volta pareceu ganhar mais cores. Seria possível que ter o sêmen dele dentro de mim fosse tão revigorante? Van Helsing havia me alimentado com seu sangue, mas a vitalidade que senti naquele momento estava num nível completamente novo.

Seus movimentos foram cessando, mas seus lábios logo me tomaram novamente. Sua boca desceu, lambendo e mordiscando minha pele, até alcançar mais uma vez meu pênis. Respirei fundo, deliciado, e agarrei os cabelos de Van para soltar apenas depois de gozar em sua boca.

Fiquei estava arfante, olhando para as estrelas. Van Helsing deu um pequeno sorriso e cochichou:

Você é um servo bem atrevido.

Ah, desc-

Mas fui calado com um beijo. Ele não estava bravo – era bem o contrário. Estendendo a mão, me ajudou a levantar. De volta com nossas roupas, sentamos no tampo do poço inativo do cemitério. Van tinha o olhar perdido para as estrelas e a lua cheia. Sem olhar para mim, perguntou:

Os outros também são assim, como você?

Er… O que você quer dizer?

Ele deu de ombros, e finalmente me espiou.

É que, depois disso tudo, vi que você não é como os vampiros que conheci. Não é um monstro.

Minha pequena risada foi inevitável.

Vindo de Van Helsing, acho que posso considerar isso como um elogio.

Talvez – concordou ele, acompanhando com uma risada mínima.

Bem, eu tento não ser tanto como os outros. Agora que isso tudo aconteceu sou um vampiro renegado, mas… mesmo antes, eles não me tinham em alta conta.

É um rebelde?

Mais ou menos. Não gosto nem um pouco da necessidade de matar, já te falei isso.

Ele anuiu, coçando a barba rala e voltando a admirar a lua cheia.

Toda maldição tem uma contra-maldição, foi o que aprendi. Talvez haja um jeito. Assim você não precisaria mais fazer… aquelas coisas.

De fato, eu não queria ter que me banhar em sangue inocente mais uma vez por causa de minha fome cruciante. Mas, durante nosso momento íntimo no gramado, eu havia notado algo. Com isso em mente, mordi os lábios. Senti as maçãs de meu rosto queimarem.

Quanto a isso, talvez você não precise se preocupar mais, Van.

Hum? Do que está falando?

Engoli em seco, e respondi olhando para meus joelhos:

Acho que descobri uma coisa enquanto nós… fazíamos. – Calei-me por alguns instantes. A curiosidade de Van foi crescente à medida em que me encarava. — Você me preencheu. Eu havia tomado um pouco de seu sangue antes, mas… Não foi aquilo que deu a energia que estou sentindo agora. Sinto como se eu tivesse acabado de sair do melhor banquete de minha vida, e… Bem, sei que é estranho dizer isso, mas estou mais pleno que nunca. E acho que isso vai durar um bom tempo.

O caçador estava com o cenho franzido, me encarando como se eu tivesse dito algo incompreensível.

E isso tem a ver com o que acabamos de fazer?

Dei de ombros, pois era a conclusão lógica.

Parece que não vou precisar ser um monstro novamente. Não sinto que preciso mais. Quero dizer… de sangue.

Respirei fundo, com um sorriso sereno. Admirei o rosto de Van, grato por ele estar sentado ao meu lado. Após alguns segundos de silencio ele se levantou, batendo a sujeira da roupa.

Isso é bom. Um a menos para causar problemas… Posso confiar que não vai machucar ninguém?

Pode confiar em mim com sua vida.

Ele torceu o nariz.

Não se engane, vampiro. Eu ainda não colocaria um dedo no fogo por você.

Aquela afirmação me incomodou. Me levantei também, cruzando os braços.

Com o tempo vou provar que pode confiar em mim.

Vestindo o chapéu e segurando sua aba, Van Helsing fez uma pequena mesura. Seu olhar dizia: “veremos”.

Quando estiver começando a sentir fome novamente, me procure – sentenciou ele, quase com safadeza. — Nos vemos por aí, vampiro renegado.

Por favor, fale meu nome mais uma vez

Adeus, Isaac.

Isso deu fim a nosso momento juntos. Van Helsing se virou e caminhou por entre as carcaças de lobos-demônio. Ao longe, vi-o pular habilmente o muro do cemitério, desaparecendo de minha vista.

Eu sempre estive sozinho. Sempre me vangloriei de não precisar viver entre os clãs vampíricos, onde apenas a disputa pelo poder impera. Me esgueirava pelas sombras, certo de que nada poderia me afetar.

Mas a partida de Van Helsing, a ausência de seu calor e do som agradável de sua voz, de seus olhos esmeralda, me derrotaram. Não havia como saber se era por conta de nosso pacto, ou apenas a dor de ver o homem por quem me apaixonei dando as costas. A única coisa evidente para mim era que eu não poderia mais ser o mesmo, nunca mais.

Nunca mais o vampiro solitário.

Nunca mais o perseguidor das sombras.

Depois que se prova uma vez o mel da boca de uma pessoa especial, não há como simplesmente deixar esse sentimento para trás e voltar a viver uma vidinha medíocre. Eu não queria esperar e, como ele dissera, procurá-lo apenas “quando estiver começando a sentir fome novamente”. Não era minha intenção me arrastar até ele apenas para uma noite de volúpias, para ouvir de novo aquele “Adeus, Isaac”.

Eu havia sido bem claro ao dizer que queria estar sempre ao lado dele.

Cravei os dentes e enchi meus pulmões de ar. Graças à vitalidade que Van havia me concedido, alcancei o muro em poucos segundos e o pulei. O caminho do lado de fora do cemitério era de ruas estreitas e escuras, com quase nenhum poste de luz. Perto dali havia uma reserva florestal que se estendia por muitos quilômetros. Pelo meu faro, notei que Van Helsing seguira por lá.

Com um impulso de meus pés, alcancei o galho mais baixo de uma das árvores. Alguns impulsos e pulos depois, eu estava num ponto ainda mais alto, distando mais de trinta metros do chão. Segui correndo por entre os galhos da floresta, que eram próximos o bastante uns dos outros para que eu pudesse correr e saltar quase livremente.

Com a vista privilegiada que se estendia adiante, não demorou muito para que eu o avistasse. Van Helsing seguia cauteloso, desvencilhando-se dos arbustos com sua adaga empunhada à espera de qualquer ameaça. Assim que fiquei a poucos metros de distância Van parou, olhando para os lados.

Senti orgulho dos instintos afiados de meu caçador. Após checar os arredores, sentiu o cheiro do ar. Bufou e colocou a mão na cintura.

Sei que é você. Por que está me seguindo? – perguntou ele para o ar, pois não sabia minha localização exata.

Sabendo que não adiantaria fingir por um segundo mais, desci do galho onde eu estava. Apesar da queda de vários metros, meus pés pousaram no chão com certa leveza. Ele se virou para mim, guardando a adaga na bainha.

Não tenho para onde ir – confessei, evitando falar sobre a dor de tê-lo visto ir embora.

Van Helsing voltou a checar em volta, mesmo sabendo que era desnecessário – se houvesse qualquer pessoa num raio de cinquenta metros, eu notaria bem antes do caçador. Caminhou em minha direção e franziu o cenho.

Isaac, você é um vampiro.

Eu sei – respondi, quase me encolhendo.

E sabe também que ainda sou um caçador de vampiros, não? Vou continuar perseguindo e exterminando os outros, não importa o que diga.

Engoli em seco, ainda encarando-o, e lembrei de minha resolução no cemitério. Respirei fundo e fechei as mãos em punho para falar:

E você, sabe que sou seu servo, não sabe? Posso te ajudar mais do que imagina em suas caçadas, agora que é meu mestre, Van. – Ele me observava com a expressão endurecida. — E também tem aquilo que te falei quando estávamos… hãã, você sabe. Aquilo, sobre eu querer estar ao seu lado, sempre. Eu falava sério. Não ligo se vou ter que exterminar alguns monstros no caminho para isso…

Não posso voltar para a vila com um vampiro de estimação.

Sou discreto… Ninguém vai notar. E se não aceitar, vou te seguir mesmo assim.

Van Helsing soltou o ar dos pulmões, derrotado. Com seu polegar, delineou o corte do lado esquerdo de meu rosto. Em seguida, girou nos calcanhares e seguiu em frente, na trilha da floresta.

Vamos logo. Temos que andar a noite toda, se quisermos chegar antes do sol nascer.

Sem que ele notasse, dei um soquinho no ar em comemoração. Meu sorriso bobo não queria sair do rosto, fazendo com que minhas bochechas doessem.

Obrigado, Van! – respondi, animado, logo atrás dele.

E pare com isso de “Van”. Seja um servo obediente e me chame de “Senhor Van Helsing”.

Ok, Van!

Tsc… Isso vai ser complicado.

 

~♥~

 

Er… Ok, Isaac Rodrigues voltando para a Terra…

Voltei do devaneio, amiga. Confesso que acabei me empolgando mais do que achava possível neste e-mail. Acabei colocando aqui toda a minha fantasia absurda. Viajei na maionese por umas horas enquanto escrevia aquilo, mas estou de volta novamente. O Isaac-não-vampiro.

Bom, é claro que não aconteceu tudo o que eu escrevi, mas… É para isso que servem as histórias, né? Acho que se eu simplesmente contasse nossa fantasia da forma como realmente foi, não teria tanta graça. O que eu escrevi ali em cima são as coisas que eu ia imaginando durante nossa brincadeira. O Nicolas não se machucou de verdade, foi apenas um arranhão no lado do corpo porque ele tropeçou num galho e se estatelou no chão. E, sobre os lobos demoníacos, não tinha nada disso, claro… Mas ouvimos o uivo de uns cachorros, e foi isso que deu a nós dois a ideia de que estávamos sendo perseguidos (aquela história do antigo morador daqui, que foi comido pelos cães, também influenciou). Ah, claro: a parte de estarmos num cemitério foi um acréscimo de meu devaneio, porque não saímos de meu terreno em momento algum (se bem que tenho um pouco desse fetiche bizarro, de fazermos no cemitério… sei lá, sei que é estranho).

Bom, aquela foi sem dúvidas uma noite de domingo boa demais. Logo na segunda-feira tivemos que devolver as fantasias, mas posso dizer que aproveitamos muito bem.

Outro detalhe é que o Nick não foi tão bruto quanto eu descrevi em algumas partes. Mas, no meio da nossa brincadeira de “Van Helsing e o Vampiro”, houve um momento em que a penetração realmente doeu… Ele quase quis parar tudo para que eu não me machucasse, mas não permiti (ter um Van Helsing daqueles me comendo não é algo que acontece todos os dias). Como eu tinha perdido a virgindade na sexta (rá! Faz uma semana!), repetido a dose no sábado, e feito novamente no domingo, eu estava um pouco sensível ali atrás (por isso doeu).

Para dar um descanso ao meu corpo, ficamos uns dias dessa semana com as brincadeiras que você já conhece (com bocas e mãos), sem que rolasse penetração. Mas só de estar perto dele e poder conversar, beijá-lo, abraçá-lo, falar bobagens para que ele dê risada, é o que realmente importa. O sexo é só um extra periódico.

O restante dessa semana foi rotina: o Nicolas foi às aulas na faculdade (e parece que os colegas estão levando de boa o fato de ele estar namorando um cara – ainda bem), eu e a Jack cuidamos da floricultura como sempre (teve um aumento de clientes por causa dos comentários sobre a festa… quero ver quando sair o Semanário do Vale, nesse domingo!), e… o que mais?

Ah, sim! Já ia me esquecendo! Uma última coisa que aconteceu e me incomodou bastante: aquele estranho que me espiona de vez em quando apareceu ontem, quinta-feira. Como eu estava com minha Canon pendurada no pescoço (pois faço fotos para as redes sociais da floricultura) corri atrás dele, tentando filmar a cara do desgraçado pra mostrar pros gêmeos. Mas ele tapou o rosto com a jaqueta, montado numa bike, e deu no pé (ou, como ele estava de bicicleta “deu na roda” … aff, cala a boca, Isaac! Isso soou tão pornográfico!).

Desculpe. Minha cabeça ainda está calibrada pra falar besteira, acho. Eu solto umas piadas desse tipo pro Nicolas às vezes, e muitas vezes me arrependo no segundo seguinte (minha sorte é que ele sempre dá risada… menos mal).

Mas, enfim! Sobre o cara, lá… Estou pensando em fazer um boletim de ocorrência na semana que vem. O foda é que não tenho muito o que falar, além do fato de que “um estranho tem me observado de vez em quando”. E eu sei que a coisa é comigo porque quando os Belson estão por perto, não há sinal dele.

Que raiva… (e, que medo, também).

Não quero pensar mais nisso, por enquanto.

… Caramba, acho que esse foi meu maior e-mail até agora. Aliás, não “acho”: tenho certeza. E tudo por causa daquela viagem na maionese entre caçador e vampiro que resolvi colocar aqui. Fico me perguntando se um dia vou ter coragem de mostrar esse texto para o Nicolas. Quem sabe num futuro distante. Não é do meu gosto ficar mostrando o que escrevo para os outros (você é exceção, e às vezes acho que mesmo esses e-mails têm besteiras demais da conta – pobre de você, ficar lendo isso 9_9).

Neste momento estou com o notebook no colo, sentado em minha cama com um chá de capim cidreira ao lado (sem açúcar, senão fica enjoativo). O Nicolas ficou na Casa das Flores, em mais um “programa pai e filho” com o Lucas. O Pinguinho chegou emburrado mais uma vez, hoje. Sei que é algo com a Sônia, mas não tem como saber o que acontece lá durante a semana.

Paciência…

Vou logo mandar esse e-mail para você, porque já estou bocejando feito doido (e a bateria do notebook está no vermelho, já). Eu nunca imaginei que escrever histórias pudesse ser tão cansativo – apesar de super divertido.

Um beijo em seu coração, amiga-irmã!

 

PS: se eu fosse um vampiro de verdade, me transformaria em morcego e te visitaria em sua janela para dar um “oi” =D

 

… ok, melhor eu dormir. O nível das doideiras de meus escritos está piorando exponencialmente à medida que as horas avançam.


Notas Finais


💕

Hey, readers!

Este capítulo foi BEM diferente, e até fugiu do estilo “diário” (fiquei com tanto medo disso!). Acontece que eu queria MUITO trazer essa pequena cena para vocês com o Isaac e Nicolas, por isso aproveitei a oportunidade (as cenas ficavam pulando na minha mente, então eu falei “TA BOOOM, EU ESCREEEVO”… hehehe).

Quero muito publicar livros grandes de Dark Fantasy ainda. É um dos estilos que mais gosto de ler, e tenho diversos planos (um deles sendo escrito).

Me contem o que acharam. =)

AH! E aproveitem para colocar na lista de livros lidos de vocês o “Van Helsing e o Vampiro”. Está publicado em meu perfil. ;-)


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