História O Monótono Diário de Isaac - 06 de Setembro, 2018 - Quinta

06 de Setembro, 2018 – Quinta

De: [email protected]
Para: [email protected]
Assunto: Não é mesquinharia. É doença.

Hey, boa noite. Estou no cemitério… De novo. Enquanto digito esse e-mail no celular, fico recebendo mensagens do Nicolas, me procurando. Merda, não queria falar com ele agora…

Fazia um tempinho que eu não vinha aqui. Tive que vir pra me colocar no meu lugar. Não o lugar de “morto”, mas sim de mortal. Não sou um vampiro, como naquela brincadeira minha com o Nick. Então eu sangro como qualquer humano. Meus novos arranhões provaram isso. E dessa vez juro que não é minha culpa. Não foi eu que me autoflagelei, mas sim daquela megera maluca!

Vou te explicar, amiga. E depois me fala se aquela piranha não tem um parafuso solto! Que ódio…

A coisa já começou estranha porque hoje à tarde, um pouco antes de o Nicolas voltar da faculdade, a Jaqueline recebeu uma mensagem. Era aquela doente da Sônia, ordenando (sim, ordenando) que a Jack pegasse o Lucas na escolinha. Detalhe: ele estuda de manhã, e já deveria ter voltado pra casa dele na hora do almoço, mas já passava das 17h! Você acredita nisso? A Jack saiu possessa junto com o Jonas pra buscar o Pinguinho.

Ficou só eu em casa, cuidando da floricultura. Foi aí que deu merda. Não passou nem um minuto da saída dela, e vi aquele Cross Fox amarelo odiável virando a esquina, lá longe. Me correu um arrepio na espinha, amiga… Tenho certeza que a piranha tirou a Jack de lá de propósito, só pra eu ficar sozinho. Mas enfim… Antes que ela chegasse, corri até o portão e tranquei o cadeado (porque não sou besta – ao menos, não o tempo todo). O carro da Sônia parou de qualquer jeito, quase acertando meu portão, e a doida saiu com as roupas elegantes de sempre, só que trançando as pernas, super chapada e com umas olheiras enormes.

Eu queria olhar bem pra cara dela quando o sermão viesse. Estava pronto para argumentar qualquer coisa, por isso fiquei esperando no portão (do lado de dentro, óbvio). O que eu não esperava era que a filha da puta duma figa iria enfiar as unhas por dentro e agarrar meu rosto. Aquilo foi tão inesperado que eu não tive reação. Senti um dor forte quando ela puxou minha cabeça contra o portão. A pancada doeu. Antes de ela me puxar uma segunda vez, me soltei. Ao me afastar senti meu rosto arder por causa das unhadas.

Eu simplesmente não sei outra palavra pra descrevê-la além dessa: doente. Essa mulher está pior do que eu imaginava. E pelo que o Claus falou, foi recentemente que ela começou a usar coisas “mais pesadas” (seja lá o que for).

Como ela não me alcançava mais, começou a urrar (sério mesmo! Parecia uma ursa desgovernada querendo arrancar minha cabeça com os dentes). Eu dei meia-volta, em direção à minha casa, e peguei a bicicleta. Acho que dava pra ouvir os berros dela do outro quarteirão. E só parou quando viu que eu tinha saído de bike pelo portãozinho lateral. Ela tentou entrar no carro pra me seguir, mas peguei um atalho pela reserva florestal. Não tem como um carro entrar lá sem ficar todo fodido… Então ela não me perseguiu.

Eu só fico imaginando que é com essa desgraçada que o Pinguinho mora… E o Claus contou que ela bate na própria mãe, puta que pariu! Imagina o Lucas vendo isso? Ele só tem quatro anos, caralho! Eu queria que essa mulher sofresse um acidente de carro e deixasse a gente em paz… Me desculpa, amiga, sei que é horrível desejar esse tipo de coisa até pra inimigos, mas… Porra, eu tô muito puto de raiva…

Se você tivesse ouvido os gritos dela, entenderia. Parecia que eu estava recebendo uma carga de ódio sólido, que agarrou meu peito e ainda está aqui, preso que nem a porra dum piche viscoso, junto com a pancada na cabeça, que deixou uma marca roxa.

O cemitério ajuda a expurgar parte disso, ao pensar que um dia tudo isso vai virar pó.

E, como eu comentei no início desse e-mail, o Nicolas já está me procurando. Respondi que estou bem, pedi pra não me procurar, mas ele fica mandando mensagens perguntando o que houve, garantindo que não vai ficar bravo e talz… Eu sei que, se eu falar com ele agora, posso acabar sendo cuzão sem querer.

Afinal, como ele sabe que aconteceu algo? Às vezes o Nick me dá medo… Essa “antena” que os Belson têm não é normal.

Ou, talvez algum vizinho tenha comentado sobre os berros da Sônia.

Ah, merda! Ouvi a voz dele me chamando de fora do cemitério. Tenho que ir antes que ele me encontre aqui! Não estou com cabeça para conversar com o Nick…