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História O monstro em mim (U.A.) - Capítulo 10


Escrita por: Ryuuaka e Kamyko

Notas do Autor


ATENÇÃO AQUI
Este capítulo é um tanto quanto pesado e pode se tornar gatilho sobre:
Assédio e abuso sexual;
Gordofobia
Suicídio

MAS nas partes onde isto é relatado, haverá a sinalização com (***) e o final se dará com (///).

Capítulo 11 - Capítulo 10


“Coma,” Wonka ordenou. Felicidade era algo que ele não demonstrava ou tinha, mesmo que houvesse rido horas antes. 

“Não parece seguro,” Mark gemeu, o quadril rebolando sobre o banquinho do balcão de sua casa a fim de fazer o banquinho girar de um lado ao outro. 

“Por mais que eu queira lhe matar, Richards, saiba que me controlo muito para não usar de agressividade,” o corpo curvado de Willy denunciou que ele revelaria um segredo, “veja, por exemplo, que mesmo sendo duas grandes lesmas comigo, nunca fiz nada de mal aos homens Buckets.”

Mark sorriu e então fincou o garfo na sobremesa que Willy havia feito. Ela era firme, uma base de bislacha¹ triturada, um creme branco e então ganache. O garfinho teve certa dificuldade em descer no doce que estivera no congelador, mas quando Mark colocou na boca, ele agradeceu a todas as entidades já conhecidas e desconhecidas por ter sequestrado Willy Wonka de Charlie Bucket. 

Se ele achava que nada no mundo superaria a cara do Bucket ao perder Willy Wonka de suas garrinhas malditas, havia descoberto que estava errado. A melhor coisa do mundo era comer aquela tortinha feita por Willy Wonka. O cara não era bom ou muito bom ou incrível, ele estava níveis acima disto! Ele seria capaz de construir um castelo de chocolate em pleno deserto do Saara em poucas horas! Este era o nível de Willy Wonka. 

“O que achou?” O olhar blasé de Willy era a prova de que ele só queria que massageassem seu ego.

“Sabe que está mais do que perfeito, não sabe?” Mark perguntou retoricamente. “Poxa Wonka, como faz isto?”

Willy riu brevemente, “meus dotes são um segredo que jamais compartilharei, Richards.”

Mark batucou as pontas do garfo nos lábios enquanto terminava de mastigar um novo pedaço da torta. “Por que você nunca come ou bebe nada com chocolate se gosta tanto?”

“Primeiro, porque não sei a qualidade quando não sou eu fazendo e, segundo, porque eu…” Willy parou, fez uma careta, fez outra e então respondeu “tenho meus segredos.”

Bom, Willy Wonka tinha um problema com chocolate. 

É que ele amava chocolates. Amava de verdade. Mas, quando mais novo, se comesse, não iria parar. Depois, quando mais velho, acabou comendo um brownie de chocolate junto de Charlie Bucket e… as coisas desandaram. Não de forma negativa, mas… Também de forma negativa e… Oh santo cacau! Agora Willy Wonka estava ficando vermelho!

“Willy, está me deixando mais curioso que o normal!” Mark resmungou ao ver o amado com as orelhas brilhando em escarlate.

A primeira coisa é gostar de si,

Violet Beauregard bateu a porta de seu apartamento e estourou uma bola de chiclete. Que ousadia!  Pensou antes de bufar, os olhos ainda na porta só esperando a partida do intruso. A campainha soou novamente e sua careta de desgosto aumentou. Não era este barulho que esperava. Muito pelo contrário! 

Violet abriu a porta com uma carranca digna de colocar crianças para correr, mas Mike Teavee não era uma criança e ele seguia com aquele olhar entediante que sempre tinha. “Posso ficar aqui o…” a loira não esperou o fim da frase, apenas bateu mais uma vez a porta. 

O estrondo fez as janelas tremerem e algum vizinho gritou “quebra!’ de algum canto. Aquilo só fez Violet sacudir os ombros sem importância e então girou no eixo para se jogar no sofá e apreciar o bom e velho seriado que vinha acompanhando. Só que, antes de dar o segundo passo, a campainha soou de novo. E de novo. E de novo. Na verdade, ela estava tocando sem parar e se fosse colocar isto em palavras seria denovoEdenovoEdenovoEdenovoEdenovoEdenovoEdenovoEdenovo...

Beauregarde rosnou e abriu a porta mais uma vez, recebendo um sorriso tedioso de Mike Teavee. “Dia todo,” ele concluiu a frase que antes ela tinha sido interrompida. Aquilo fez com que um por cento da raiva de Violet passasse e então ela finalmente puxou Mike para dentro de casa, o fazendo pelas orelhas, já que ele havia lhe perturbado antes. 

“Desculpa mãe” Mike disse com um gemido de dor. 

“O que faz aqui?” A dona do micro apartamento questionou antes de soltar a orelha do garoto. 

“Vim conversar.” O não-convidado respondeu tranquilamente, mas massageando o pedaço de pele torturado. 

“Conversar?”

“Sobre o seu passado.”

A resposta pronta enganchou em sua garganta e o fôlego lhe faltou enquanto lembrava, de alguma forma, de seu próprio passado. Talvez fosse por saber que o cheiro estava lá, o nojo, a tristeza, a quebra e todo este pré-conhecimento a fazia esquecer-se dele. 

Nossa, Violet conseguia precisar o exato momento em que se quebrou por completo, só não sabia descrever como se sentiu de verdade. 

O ponteiro de um relógio analógico tiquetaqueou. Um segundo havia passado e Violet olhou furiosa para o desgraçado que forçou a visita. “Veio aqui mexer nesta merda, veio?”

Mike não se mexeu, mas algo mudou nele. Na postura dele. “Quando você buscou ajuda?”

“Está tirando uma com a minha cara? O que falta você me perguntar? Quer saber que roupa eu estava usando? Quer saber o que eu fiz pra pedir por aquilo?” Mike se aproximou, congelando a anfitriã e então, ele abraçou a colega de trabalho com carinho e de alguma forma, ela não sentiu medo, só sentiu-se chocada.

“Você chegou a pedir ajuda para si mesma?” Ninguém poderia julgar se Violet sentisse medo. Mike nem mesmo a julgaria se ela o jogasse pela janela ou atendesse a porta com uma carabina - ela tinha cara de quem tinha uma velha carabina.

Mas, não. 

Violet Beauregard relaxou no abraço da única pessoa que nunca mostrou nenhum sentimento, na única pessoa que ninguém, em todo o mundo, acharia possível que um dia fosse ser sensível. “Violet, eu quero saber o que você fez para se curar mentalmente. Eu já perdi uma pessoa que passou pelo mesmo que você, mas nunca se curou.”

“Eu sou forte.” Violet sussurrou. 

“Ser forte não é se manter em pé e nunca chorar, ser forte é aceitar que tem dias que caímos e não vamos nos levantar tão cedo.”

Pra não se tornar fantoche na mão dos outros por aí

Violet se pintava de forte e quando sentia que ia quebrar, ela fincava uma vareta no meio de sua alma e se mantinha em pé. Tinha dias que essa vareta era o trabalho, onde os alunos quase choravam de tão intensa que era a aula; outros dias, ela saia pronta para arrumar briga com algum homem babaca sendo machista; outras vezes ela ia visitar ele, mesmo que só servisse para sua mãe sentir repulsa pela filha.

É que quando o visitava, quando ia até aquele casebre nojento em que ele vivia, a tornozeleira berrando que ele não era uma boa pessoa, a ausência de um dos olhos, as cicatrizes, os remédios deixando ele lento, tudo isto gerava um calor bom no coração de Violet e ela finalmente se sentia inteira. Mais do que inteira, ela se sentia forte, uma vencedora.

Mas para tudo, a vida cobra muito caro, seja uma coisa simples, seja uma coisa complexa. Para Violet esquecer o que tinha vivido teria, como preço, a perda da consciência; para a justiça valer, seria a sua reputação; para se sentir forte, parte seria a saúde e parte a família.

A loira que era muito próxima da mãe, tão próxima que até o corte de cabelo se fazia igual, já não estava tão perto assim da mulher mais velha. O olhar apaixonado que sua mãe lhe dava minguou em algum momento, as duas não podiam passar uma hora juntas, pois alguma briga ocorreria. 

Não adiantava explicar que tudo o que Violet tinha feito fora por pensar em si mesma, pois havia algo que a senhora Beauregard não entendia. Tinha algo que deixava a mãe de Violet tão cega quanto o...

As duas brigaram. Mãe e filha brigaram muito, intensamente, ao ponto dos vizinhos pensarem seriamente em intervir, ao ponto de Violet ter que sair de casa aos dezesseis, com apenas a roupa do corpo, a fúria no olhar e o rosto estampado em jornais. 

A mãe nunca chamou ela de volta.

A filha nunca pensou em voltar.

Dezesseis anos. Uma cidade inteira conhecendo a garota que era para ser uma das ginastas mais promissoras do país e havia perdido tudo com falsos julgamentos sobre seu treinador, que também era seu pai.

A condenação veio e o preço, sempre tão caro, que Violet teria que pagar, era a solidão e o abandono. Mas também queimou nela a paixão por um trabalho bem feito. Por justiça impregnada. Queimou em Violet a certeza de que ninguém mais teria segredos com ela, que nenhuma pessoa ruim ficaria sem ser exposta. 

Não mesmo!

Ainda assim, Violet tinha os próprios segredos. Lá no fundo. Guardados em um canto que às vezes ela se esquecia que existiam. Até que Mike Teavee os viu e agora estava dirigindo tranquilamente, as duas mãos no volante, os olhos migrando entre os espelhos e a estrada, a cabeça guardando para onde estavam indo. 

Violet estava com um moletom azul forte que sempre usava quando só queria ficar em casa, ver filmes bobos, comer coisas que grudariam em seu coração para matar ela lentamente. "Vai me dizer para onde vamos?"

Teavee não se mexeu, mas respondeu "vamos tirar daí de dentro, o que te afoga".

"Você sabe o meu segredo, não tem jeito melhor de usar isto contra mim?"

Um riso escapou dos lábios masculinos. "Depois de tanto mal passado, não acha que está na hora da vida te dar algo bom?"

"E você seria o algo bom?"

"Pense em mim como um príncipe encantado"

"Não sou uma princesa da Disney e nem quero ser".

"Nem a Moana?”

"Ela é líder e não princesa. Não sabe a diferença?" 

O carro virou em uma rua cheia de lojas pequenas, placas feitas a mão, preços um tanto mais elevados para mercadorias exclusivas. As pessoas por ali andavam com roupas diferentes, casais de todos os tipos caminhavam com leveza, tal qual estivessem cientes de que nada de mal iria lhe acontecer.

Violet gostou daquela rua.

"Sabe, a vida precisa de um equilíbrio. Não pode ser tudo ruim e nem tudo flores", Mike disse enquanto enfiava o carro em uma vaga entre dois carros.

"O seu erro, Teavee, é achar que a nossa visão de equilíbrio é a única que existe," a garota murmurou antes de descer.

Maloqueira doida né, Nomes que ouvi

"Veruca Salt," disse a garota sorrindo abertamente. Os dentes perfeitos e enormes aparecendo no sorriso gigante dela. Aí ela começou a soletrar o próprio nome como se fosse uma criança de dez anos que quer mostrar os dotes.

"Eu sei como se escreve Verruga", Violet cortou. 

"É Veruca. Com 'c'", a moça corrigiu ainda sorrindo. Não só o rosto dela era impecável, mas as roupas eram muito bonitas e diferente de tudo o que Violet já tinha visto, incluindo as pessoas que estavam na calçada.

"Já posso ir embora?” a loira choramingou para o amigo.

"Veruca, eu já lhe disse que não sou seu mordomo!” 

Violet reconheceu a voz que vinha das suas costas e em seguida Veruca Salt se tornou um objeto já conhecido. "Ah!” Gritou apontando o dedo para Veruca e em seguida olhou para trás. "Ah!” repetiu enquanto usava a outra mão para apontar para o Bucket.

"Eu acho que ela não está nada bem," Veruca comentou, com Mike, em tom de segredo.

"Boa tarde para vocês dois", disse o Bucket aos colegas de trabalho, "onde coloco isto, Salt?"

"Homens," Veruca rolou os olhos com cansaço, "naquela mesa ao fundo, meu pequeno balde²".

"Como?” A mente de Violet, sempre ágil e pronta para descobrir as piores coisas sobre as pessoas, não estava pronta para saber que Mike, Veruca-se-veste-bem-mas-não-se-chama-verruga Salt e o Bucket eram amigos. Mais do que isto, ela precisava saber "o que diabos estou fazendo aqui?"

Veruca deu um sorriso suave. "Você deve ter algum trauma, não?"

"Eu não tenho segredos," a loira rebateu.

"Eu disse trauma e não segredo".

A raiva borbulhou em Violet. "Veio me expor?" Perguntou ao Teavee.

"Não era você que não tinha segredos?" Mike rebateu.

A resposta para aquilo travou na garganta de Violet e ela tossiu agoniada por não rebater aquilo. Era a segunda vez no dia que Mike lhe deixava sem saber o que falar e isto estava sendo bem desagradável. 

Por outro lado, ela recebeu um olhar carinhoso de Veruca. Um carinho tão puro e acolhedor que lembrou a época em que a senhora Beauregarde lhe dava o mesmo tipo de olhar e a vontade de chamar pela mãe gritou alto na moça loira.

"Violet, aqui todo mundo tem um trauma. Alguns parecem leve, mas não são. As coisas pesam demais para as pessoas, mesmo que para você seja leve. O mais importante é que neste grupo de apoio, além de não nos julgarmos, estamos juntos. 

"Você vai acabar descobrindo que a vida tem sua forma de equilibrar as coisas. Mesmo que pareça torto e uma desta forma é mostrar que você não está sozinha nesta dor." Veruca explicou.

Violet queria correr. Ir para longe daquele lugar e não tocar na ferida. Mas a mão de Teavee estava em seus ombros e Veruca massageava suas mãos com aquele mesmo carinho que Violet havia perdido há tanto tempo, deixando uma sensação de que ela poderia criar raízes naquele lugar e até mesmo fazer bons amigos. 

A loira desviou para o lado, ganhando distância dos dois seres que acreditavam saber mais sobre o que ela precisava do que ela mesma. “Não, valeu.” Disse apenas. 

“Por que não assiste?” Veruca questionou. “Ir embora seria perda de tempo,” acrescentou enquanto sua atenção rodava o salão “Bucket! Não coloque Aí!” Saiu em seguida num trotar até o amigo que não parecia nem um pouco interessado na Salt. 

“Ela parece um furacão!” Mike gemeu. “Nunca para.”

“Como a conheceu?”

“Longa história,” o matemático respondeu.

Por não acatar, me rebelar

“Eu já lhe disse, Veruca, não foi nada.” 

Obviamente Charlie Bucket não diria nada sobre a própria vida. Era uma mistura de mania e forma de se proteger, alegando que ele era tedioso demais para alguém querer saber dele. A verdade é que ele tinha muito medo de ter que encarar quem ele era. Parte disto, ele estava vencendo aos poucos e a parte que faltava ele não conseguiria vencer até que estivesse com o passado resolvido. 

“‘Nada’ não te deixaria com hematomas, Bucket!”

O garoto finalmente parou de arrumar os bolinhos que tinha trazido e olhou para a amiga. “Por que você nunca me deixa em paz?” Apesar do jeito cansado e dos olhos carregando tristeza, Charlie já havia deixado claro que gostava do jeito com que Veruca se preocupava. 

“Porque você gosta de ser zelado, mas não de assumir isto,” ela respondeu, “Diga, o que houve?”

Charlie sorriu de forma suave e agradecida. “Briguei com Wonka.”

 

“Você o que?!” 

Violet estava bem abismada com a capacidade de Teavee ser tão invisível aos olhos dos outros, ainda mais dois seres que parecem estar sempre em alerta. Algumas pessoas pessoas olharam para ela com o grito abismado que soltara, mas quem ia se importar com aquilo se tinha uma história fantástica tão acessível?

“Foi uma pergunta retórica?” O garoto questionou antes de se sentar em uma cadeira afastada da roda que fora formada. Ele não participava da roda, mas era um ouvinte convidado e gostava de saber que as pessoas melhoravam com o tempo. 

“Muito me admira que esses dois não tenham te visto.” Violet comentou um pouco mais baixo. 

Mike Teavee quis se proteger dizendo que era muito bom em se fazer invisível para as outras pessoas, mas não falou nada. Que deixasse Violet achando que o feito dele tinha sido incrível, quando a verdade fora que Charlie Bucket e Willy Wonka viviam em um mundinho próprio, sendo muito fácil segui-los. 

Pois bem, desde o dia em que Violet colocou aquela pulguinha atrás da orelha, dizendo que havia algum grande segredo na vida de Wonka e do Bucket, Mike resolveu descobrir se ela não estava maluca. Primeiro, ele seguiu o Bucket e acabou descobrindo muito mais do que imaginava. 

O garoto não tinha muitos amigos. Sua rotina era bem traçada e imutável, participava de uma roda de apoio e era gay. Tudo bem, Mike não se assustou com o fato, na verdade, ele com toda certeza não ligou para o fato de Charlie Bucket ser gay. Só que o Bucket tinha um passado bem complicado e que foi descoberto pelo matemático quando apareceu na roda de apoio em que estavam. 

Mike surgiu na porta e acabou não conseguindo se mexer, porque Charlie estava falando e tinha alguma coisa tão intensa na forma que ele falava, que era impossível não sentir vontade de ficar. 

“Por mais que eu tente, todas as vezes que me olho no espelho, fico me corroendo com aquele dia. Ainda vejo meu pai o expulsando pela porta, me vejo encolhido como um covarde que prefere entregar a pessoa que ama do que ir sofrer com ela. Ainda escuto os gritos do meu pai,” o Bucket neste momento, ergueu os olhos para a porta e quando viu Teavee parado, os olhos castanhos pregados nos azuis, não parou com seu relato. “Mas tem uma coisa que me corrói mais do que me olhar no espelho, é ver um aluno passando pelo mesmo que eu e não poder fazer nada. 

“Quero que eles possam escolher quem são sem medo disto. Sem medo do que pode acontecer com eles, sem terem que se esconder em máscaras héteros e perder parte de sua vida com mentiras.”

Seguir Charlie Bucket fora bem interessante, mas seguir Willy Wonka… Bom, foi aterrorizante. 

Isto porque Mike passou um final de semana inteiro seguindo o colega e tudo o que Willy fazia era bem chato! Ele ia caminhando para o trabalho, ficava perdido no mundinho dele enquanto seguia uma rotina fechadíssima, mais fechada que a do Bucket. 

Até que no domingo, Willy Wonka foi visitar os pais. O que seria muito chato se, por ironia do destino, os pais do Bucket não morassem em frente aos pais de Wonka. Aí as coisas ficaram mais interessantes, pois Willy Wonka e Charlie Bucket começaram a conversar sobre algo que parecia muito intenso, mas que Mike não fazia ideia do que era. 

Veio, então, o beijo. 

E um beijo muito profundo que deixou Mike vidrado até o momento em que os dois entraram no carro e partiram. 

Neste dia, Mike foi pro bar e ele preferia que não tivesse ido.

“Os dois andam no mundinho deles, Violet. Eles não perceberiam nada até ser tarde demais.” Explicou à colega. 

 

“Tarde demais?” Veruca acariciou o rosto de Charlie com suavidade.

“Veruca, eu errei e sigo errando. Preciso aceitar que Willy e eu…” A palavra não saiu. Ela nunca saía. 

“Meu amigo, você já perguntou diretamente para ele o que ele acha de tudo isto?”

“Precisa?” O Bucket franziu os lábios. 

“Olha, sinceramente? Precisa. Vocês se beijam e quase transaram. Pra mim isso não quer dizer que seu tempo passou.” Veruca colocou as mãos na cintura. “Francamente! Os homens são tão tapados que dá até raiva.”

Charlie sorriu. “Você sabe que é incrível não?”

Veruca sabia e ela não tinha medo de dizer para as pessoas que ela é incrível. Porque para ela, ser incrível é ajudar outras pessoas mesmo sem motivo. É ajudar as pessoas a gritarem seus medos, seus anseios, o que viram de errado. 

“Eu só sou rebelde, Bucket.”

Mulheres são lindas e livres

(...)

Violet soltou o ar com bastante força e um soluço quase escapou junto. Naquele dia, a maioria das pessoas que estavam sentadas na roda eram mulheres e cada uma tinha um medo, uma história para contar. A primeira se chamava Rose e disse que quando mais nova, quando pesava quarenta quilos, todo mundo dizia que era linda como uma rosa desabrochando; mas bastou começar a engordar que seu valor foi jogado no lixo como uma rosa murcha. Por muito tempo ela se sentiu assim, a rosa murcha que ninguém mais queria. Ela até mesmo tentou se jogar fora. 

Depois, Rose começou com dietas malucas e então a perder cada segundo livre na academia. Foi parar no hospital e soube que suas dietas a colocaram em risco. Precisou de muito tempo para que Rose entendesse que o corpo magro imposto pela sociedade não é a representatividade de saúde e nem de beleza.

Rose não era a única que tinha que aprender mais sobre isto. 

As outras histórias começaram a se mesclar em peso e deixar Violet um tanto quanto abismada em como havia tanta gente em um mesmo barco, mas ninguém se vendo. Como Audrey, que havia sofrido por anos com um marido que forçava a ter relações sexuais. E quando ela contava para as pessoas que havia lutado por anos para relatar o estupro do marido, ninguém entendia. 

“Ninguém entende que o corpo é da mulher,” Violet se viu sussurrando, mas, quando o sussurro é uma chama que queima em silêncio há anos, ele sai forte como um grito. Foi assim que a loira se viu observada por todos, incluindo Mike, sentado ao seu lado. 

“Por que será que é tão difícil entender a liberdade feminina?” Violet perguntou para o nada, o silêncio retornando pesadamente, batendo de frente com todas as rachaduras que ela não queria assumir ter.

"Porque se deixar uma mulher livre, prova que a fragilidade não está nela." A resposta veio suave, polida, macia pelos lábios de Veruca Salt, cujo os olhos carregavam uma força de quem já tinha lutado. 

"Então usam nossos corpos contra nós," Rose adicionou.

"Se tememos nossos corpos, se perdermos energia buscando o inalcançável, eles ganham tempo para forjar provas de nossa fraqueza." Alguma outra moça adicionou.

"Mas não é só a luta por corpos perfeitos," a voz de Violet tremeu quando as cartas foram expostas à sua frente. "Só isto não daria certo."

Era preciso mais. Que as mulheres se sentissem culpadas, que fossem perfeitamente treinadas para competirem entre si e fraquejar a outra. Era preciso ser agressiva com outras mulheres, não sentir-se apoiada e nem amada. Porque assim, qualquer um a ganha de forma fácil. 

Um apoio masculino perfeito de brother-para-brother, daqueles amigos que todos juram estar juntos, daqueles amigos que comemoram usar a mesma roupa que o outro por um reles acaso, contrastando com o feminino que não pode nem pensar em ter a mesma vestimenta que a amiga.

Era preciso deixar a inimizade feminina tão perigosa e agressiva, tão medonha, quanto a grande peste que acometeu a humanidade muito tempo antes.

"É preciso temer as ruas e a si mesma." Veruca sentenciou.

Uma sentença que ela mesma carregou nas costas até encontrar uma fada madrinha que lhe ajudou. Encontrou na costura o apoio que precisava para se reerguer depois que negou o casamento com um dos investidores do pai. 

A briga em casa fora grande e ela quase perdeu a força do nome 'Salt', mas como não tinha colocado a vida de nenhum parente em risco, a justiça ordenou que mantivesse o nome e, mais do que manter o nome, os pais seriam obrigados a manter a filha alimentada e com moradia até que ela completasse vinte e um anos.

Durante um bom tempo, Veruca não soube bem o que fazer. Morava em um casebre no fundo da mansão onde fora criada. Todos os dias a mãe dava um jeito de deixar bem claro como ela havia quebrado a família e afundado o nome Salt.  

Para evitar a matriarca, Veruca estudou. Estudou muito, todos os dias, enfiando conhecimento na mente e apagando a família para render mais espaço. 

Foi assim que entrou na faculdade um ano antes do planejado, cursando moda e com aulas extras de design gráfico. Obviamente que, sendo importunada pelos pais e sem segurança alguma de que teria emprego fácil, pagou todos os cursos à vista e o dinheiro foi plenamente pago pelo pai que, quando soube do feito, a visitou na república estudantil e saiu rouco de tanto que gritou.

Era desgastante ser a filha única de uma família que vivia pelo dinheiro e casamentos arranjados. Então, Veruca, a garota que o pai quase quebrou os vidros de tanto que berrou, foi beber. 

Encheu a cara. Passou mal, vomitou e voltou a beber com plena consciência de que algo muito ruim iria acontecer com ela, principalmente pela forma com que o barman loiro a olhava tão interessado. A parte boa era que ele era bonito, a ruim, que ela provavelmente se mataria após tudo.

Só que o destino tem o próprio jeito de equilibrar as coisas e Charlie Bucket surgiu na vida da garota no exato momento em que um cara esquisito a segurava pelo braço e falava coisas sem nexo sobre ela estar, sim, assentindo em fazer coisas mesmo que ela não tivesse falado nada. Charlie e o cara discutiram. Charlie o socou, desviou de um golpe e o barman brotou ao lado da mesa para expulsar o cara esquisitão. 

"Você precisa ir para casa, mocinha". O Bucket resmungou. 

"Não tenho casa."

Ele rolou os olhos que não dava para saber direito se era verde ou azul. "Sério mesmo?”

"Da onde te conheço?" Ela perguntou curiosa.

"Como vou saber?"

Veruca riu. Ele era divertido. "Por que não me leva para sua casa e me deflora?" Havia leveza em sua fala, mas peso em sua alma. O corpo se arrependendo de ter dito o que a mente planejou, o medo começando a se tornar uma chama grande.

Charlie se levantou, sério, os olhos ganhando um tom forte azul, belo e intenso, muito diferente dos olhos claros de Veruca que nunca mudavam de cor. "Primeiro, porque você não sabe o que está falando," ele estendeu a mão para ajudar ela a se levantar, "segundo, porque você está horrível". Veruca riu abertamente, talvez por sentir que realmente nada iria acontecer com ela, talvez por finalmente alguém estar cuidando dela sem se preocupar com gastos e ganhos.

"E terceiro?" Perguntou tropeçando, mas sendo mantida em pé pelo amigo.

"Eu sou gay".

(///)

A fada madrinha de Veruca Salt não foi Charlie Bucket. Por mais que ele fosse ótimo em fazer risoto, era péssimo em qualquer outra coisa que alguém pudesse pensar em classificar como artesanato ou arte. Mas foi Charlie que a acompanhou quando teve uma palestra sobre a costura nos tempos modernos como forma de luta e foi ele que a segurou pela mão e a arrastou até a palestrante, que era uma mulher trans.

Veruca passou horas conversando com Rita Vonomuk³, a palestrante. E mais dois meses estudando com a mulher, usando a arte como arma e leito, como ajuda e como ferramenta de luta. Ela trabalhou com materiais e pessoas de formas diferentes. Com roupas que se mostravam várias em uma, com bem estar sob o mal estar. E assim, usando o nome de seu pai, deu força àquele tipo de pessoa que pai mais temia. 

Pois, se havia algo que o senhor Salt odiava, era imaginar uma mulher forte à sua frente.

“Meu pai sempre odiou mulheres fortes. Para ele, a mulher é só um ponto de luz e uma moeda de troca.” Explicou para Violet Beauregarde.

As duas estavam conversando enquanto tomavam uma caneca de chá. A sala estava com as luzes apagadas, as pessoas já tinham partido, menos Charlie e Mike que conversavam sobre outros assuntos, sem se preocupar se seriam escutados ou não ou com quanto tempo as meninas precisariam para elas.

“Deve ser terrível para ele ter o nome sendo usado por uma.”

Veruca riu baixinho. “Edgar Alan Poe usou desta estratégia também. Um protesto claro e eterno contra quem o odeia.” A rica sussurrou. “Mas eu tenho pena deste tipo de homem, do que foi criado achando que o universo tem uma regra clara e que as mulheres são frágeis por gerar uma cria. Sério, eu tenho pena.”

“Não sinto pena dos homens.” Violet trincou o maxilar e sua voz saiu entre dentes. “Não tenho como sentir.”

Veruca contornou a borda da caneca com o indicador, os olhos caídos no líquido claro. “Sabe que eu não vou perguntar, não sabe?”

“E eu não vou dizer.” 

Veruca se acomodou melhor na cadeira e olhou para a moça. “É uma escolha sua. Mas se lembre que uma ferida que não é  bem tratada, inflama e mata.”

Deixa pra garota a direção, Elas conduzem

Violet se remexeu no banco do carro pela enésima vez e aquilo, definitivamente, irritou Mike. "Meu carro não é tão desconfortável assim!" Resmungou.

Morava relativamente longe do trabalho e se deu o direito de comprar um bom e confortável carro, com ar condicionado que funcionasse do jeito certo e não só no motorista; o banco era confortável, de tecido e não de couro que gruda na pele quando está quente. Aquele carro, de fato, não era descon…

"Minha mente é desconfortável", Violet disse. O corpo ficando estático. "Às vezes não sei o que fazer para esquecer isto, esta porcaria  que sempre volta."

Mike parou o carro. A rua calma, a noite sem lua, o silêncio sendo amigo de uns e nêmesis de outros. "Fale sobre isto."

"Não consigo".

"Você se culpa."

"Claro que não!” Ela explodiu, “mas nem tudo foi culpa dele. Eu era igual a minha mãe! Igualzinha! Usava as mesmas roupas e o mesmo cabelo e o mesmo perfume…”

“E você se culpa,” Mike disse com suavidade, a voz quebrando a explosão de Violet com simplicidade. “Você se culpa.”

Sim. No final, o que ela nunca quis admitir é que se sentia culpada. Culpada por ter se vestido igual a mãe, dos pés a cabeça; culpada por ter jogado o nome da família nos jornais de forma muito pesada, culpada por ter feito o pai quase ser morto ao ser preso, caindo nas garras de uma justiça carcerária que não aceita o crime que ele cometeu... “O nome da minha família foi para a lama por minha causa,” ela sussurrou.

Mike se acomodou no banco, virando o corpo para a colega de trabalho. “Quem fez isto foi ele. E você tinha dezesseis anos, era uma criança!” 

Violet ainda queria dizer mais, queria defender o homem que lhe deu a vida e cobrou metade dela como preço. O corpo dela ainda queria dizer mais, defender o nome da família como se isto fosse uma forma de tentar reparar o ocorrido. “Eu…”

“Violet, seu pai é um doente e você não tem culpa nenhuma disto.”

Tem um fenômeno muito interessante que acomete algumas pessoas, em especial, as que precisam se mostrar forte o tempo todo. Violet, sendo uma destas pessoas, destas que precisam se fazer de forte para aguentar o dia a dia, foi acometida por este fenômeno com muita força e, assim sendo, ela chorou.  Começa com um soluço que sai sem aviso prévio. Junto dele, os olhos queimam, o coração dói e os pulmões se esvaziam em um gemido sofrido, tão sofrido quanto os soltos por quem perdeu algo insubstituível e muito amado. 

Violet Beauregard chorou. Forte, alto, tão intensamente que as lágrimas não saíam direito, tornando a dor em fôlego perdido. O ar não era capaz de ficar preso nos pulmões, a mente doía com exaustão, o peito latejava enquanto a cabeça parecia ser espremida por algo que, bom, ninguém saberia dizer o que era. 

Mas, é algo curto e intenso, como uma tempestade de verão. Um tanto destrutiva, assustadora, mas breve. E quando termina, o peso inteiro partiu.

(...)

“Você já sentiu nojo de si mesmo?” Perguntou ao motorista. “Um nojo tão intenso que lhe faz sentir indigno de se tocar? Você não pode ir ao banheiro porque não vai conseguir se limpar, não quer tomar banho porque não vai conseguir se ensaboar. 

“Eu tinha nojo de tocar no meu cabelo, de que meus dedos se tocassem.” Um soluço alto e contínuo a fez parar por um momento. “Mike, se você não pode se tocar, quem pode? Se você não se conhece, quem conhece? Se você mesmo não sabe o que lhe dá prazer, quem vai saber?”

(///)

O matemático, secou o caminho deixado pelas lágrimas dela. O dedo passando lentamente, um carinho desprendido sem cobrança alguma. “Você passou pelo inferno e ainda sorri. Nada é mais lindo e forte  do que isto, Violet.”

“Não é assim que a banda toca,” ela murmurou antes de virar o rosto. 

“Então vamos ter que trocar de banda.” Um sorriso bobo surgiu no rosto da loira quando escutou a simplicidade de algo que não era simples ao ser posto em prática. “Primeiro, vou te levar para casa. Amanhã, você vai começar a terapia e…”

“Wou! Pode parando aí!” A loira quase gritou. “Está decidindo a minha vida?”

Mike voltou a ligar o carro. “Estou cuidando de você.”

“Ao preço do que?”

“Nenhum. E por mais que isto não faça sentido, há pessoas  no mundo que só querem ajudar, independente do preço. Isto nos faz dormir em paz.” Violet gemeu incomodada, mas não rebateu o assunto, o que não era muito do feitio dela. 

O carro seguiu viagem mergulhado em um silêncio tranquilo.

 

Não é à toa que liberdade é no feminino 
[Liberdade - Drik Barbosa]

 


Notas Finais


1. Ooooi, olha uma notinha importante aqui: bislacha é um termo que eu (a escritora) e a co-autora (acho que é tipo uma produtora?) usamos para não entrar em brigas (apesar de vivermos esquecendo isto). O motivo? A gente nunca entra em um acordo de bolacha e biscoito e então, bislacha, junta os dois e resolve o problema.

2. Bucket é traduzido como Balde. Nesse caso, Veruca brinca de chamar o Charlie de “my little Bucket”, mas como a fanfic é em português e por algum motivo meu cérebro pensou na frase em inglês, fiz a tradução

3. Uma homenagem a Rita Von Hunty, que possui canal no youtube e, apesar de não ser Trans, é Drag Queen.


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Nossa, eu já tinha me esquecido de algumas coisas sobre este capítulo:
1. Que ele tem nota a andar com pau
2. Que ele era pesado assim

Grande parte do relatado neste capítulo é derivado de coisas que já passei e senti ou ruminei.
Primeiro, hiper concordo com o Charlie: a gente precisa proteger a comunidade LGBTQI+, deixar que as crianças e os adolescentes sigam com suas vidas sem precisar usar uma máscara durante uma das fases mais importantes de suas vidas. Precisamos quebrar a "saída do armário" e deixar que todo mundo siga como quer, sem ser um choque fulano ou fulana ser LGBTQI+ (E o "agente" digo, principalmente, para os heteros - como eu).
Uma das coisas que venho matutando durante os últimos anos, foi como a Sororidade (o ato de uma mulher ajudar a outra sem olhar a quem) é um grito necessário contra a "Brotheragem". Não que a parceria entre homens é algo feio ou maculado, mas é uma clara demonstração de machismo.
Um homem ajudar um homem é algo tão natural quanto uma mulher maldizer a outra.
O que, na verdade, é uma falácia. Nós, humanos, somos treinados desde pequenos que o homem ajuda o homem e a mulher sempre busca ser a única, a mulher acima das mulheres. Nossas roupas foram desenvolvidas para a beleza e não conforto. Nossa rotina de cuidados é demorada para que não sobre tempo de nos conhecermos de verdade. A saúde fica abaixo da beleza.
Por sorte, isto está mudando.

Esta fanfic era para ser só um romance clichê de tapas e beijos, mas acabou se tornando maior e mais séria. Gosto disto e agradeço por seguirem na leitura :)

INCLUSIVE
Esta música da Drik Barbosa é incrível e não tinha OUTRA música POSSÍVEL para se encaixar neste capítulo.


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