1. Spirit Fanfics >
  2. O monstro em mim (U.A.) >
  3. Capítulo 8

História O monstro em mim (U.A.) - Capítulo 8


Escrita por: Ryuuaka e Kamyko

Notas do Autor


Olaaaar, demorou mas chegou.
Muita coisa anda acontecendo na minha cabeça nos últimos dias (semanas tbm) e eu meio que perdi o gosto por ler e escrever. Isto acontece, mas passa. Inclusive, esse capítulo é ENORME! Mas cheio de pontos a se pensar.
Então, vamos para o capítulo?


PS: Foto do Freddie meramente ilustrativa, mas que eu amo, pois ele está de cabelo cacheado s2

Capítulo 9 - Capítulo 8


Fanfic / Fanfiction O monstro em mim (U.A.) - Capítulo 8

Helena Bucket riu e então comeu um dos bolinhos que estava na mesa. “Dá para acreditar que em mais um ano eles terminarão a escola?”

Bianca Wonka tinha a mesma estranheza rondando-a nos últimos anos. “Às vezes eu penso em fazer outro filho, só para ficar sempre com alguém na escola, precisando de mim, sabe?” Revelou em tom de segredo. 

“Meu marido ficaria louco,” Helena ponderou sobre a possibilidade.

“Wilbur morreria no mesmo segundo que eu dissesse que estou grávida,” a amiga segurou o riso só de imaginar a cena do marido recebendo a notícia.

“E então voltaria dos mortos porque tem uma boca para alimentar,” Helena verbalizou o pensamento da amiga, sabendo que tanto o pai Wonka quanto o Pai Bucket fariam a mesma coisa. Primeiro, morreriam ao saber que seriam pai de novo, mas logo voltariam dos mortos para alimentar os filhos. 

Helena sentia falta disto, das conversas que tinha com Bianca, fosse por telefone, fosse pessoalmente. Sentia falta de ter uma amiga com um filho tendo os mesmos problemas e juntas acharem uma solução, sentia falta de ter alguém que sabe como é querer não ser mãe por um minuto e logo em seguida ficar encantada por ser mãe. Esta empatia materna era uma das coisas que ela mais sentia falta desde a grande briga entre Wonkas e Buckets.

Enquanto olhava para a casa da amiga, a nostalgia batendo no peito de forma dolorida, a porta de sua antiga casa se abriu. “Bianca deve estar em casa, por que não vai visitá-la?” 

Um arrepio desceu pela espinha da senhora Bucket e ela não soube se era algo ruim ou bom. “Talvez porque ainda sinto vergonha do que meu marido fez com o filho dela?”

O senhor Bucket gemeus às costas dela. “Não foi sua culpa.”

“Lógico que foi!” Helena explodiu. Ela sempre explodia com aquele homem, sempre saía do eixo, sempre se perdia. Explodia em mágoa, em saudade, fosse em tudo se maquiando de ira.

Os olhos claros do marido se comprimiram e a tristeza trespassou o rosto dele tão rapidamente quanto uma estrela cadente. 

“Eu não sei mais como te pedir desculpas.” Edward sussurrou. Helena era a única pessoa, no mundo, que ele não tinha medo de mostrar suas feridas. Bom, pelo menos era a única desde que Wilbur saiu de sua vida.

“Eu não saberia como aceitá-las.”

 

Se perguntam se estão juntos, é claro que não

 

Willy Wonka sabia onde aquela história iria parar.

Ele sabia bem que suas pernas estavam levando ao corpo dele, e um grupo de professores e curiosos, até o fim de sua carreira como professor; também sabia que seria odiado por Charlie Bucket quando estivesse cara a cara com o colega, já que ele seria exposto.

Mas não ia deixar aquela palavra tirar só a sua sanidade e deixar o outro partir em paz e tranquilidade! Se ia enlouquecer, então que fosse em dupla, a mesma dupla que nunca deveria ter terminado e, quiçá, começado.

Charlie não fugiria assim. Não mesmo. Ele era parte deste romance clichê barato que a vida Wonka tinha se tornado e lidaria com os preços cobrados!

Os dois se foderiam juntos, pensou rosnando, a porta que levava ao estacionamento ficando cada vez mais próxima. E que ótimo que esse maldito vai me odiar, pois quem sabe assim não ficasse em paz de uma vez por todas?

Paz.

Ele precisava disto. Precisava de um ponto final naquela história ou iria realmente ser internado como insano. Precisava parar de cair em ódio e depois delirar de paixão passando a ter sonhos muito vívidos com o Bucket.

Caramba, pensou enquanto abria a porta e ia na direção do carro de Charlie, há quanto tempo mantinha este sentimento? Esse amor esquisito, a esperança de que um dia ficariam juntos de verdade e nenhuma mágoa iria atrapalhá-los?

Quão trouxa sou?

"Bucket!" Rugiu. A voz ecoou pelo estacionamento, fazendo os alunos que restaram parar para ver o que estava para acontecer, os colegas de trabalho correram para não perder o espetáculo, esquecendo que, no final das contas, dois profissionais iriam perder o emprego.

Willy não precisou olhar para saber que tudo aquilo acontecia ao seu redor, pois as pessoas são fofoqueiras e vivem para saber um pouco mais sobre a vida alheia. São como telefones público antigos esperando uma ficha para funcionar e, neste caso, a ficha é a fofoca, o saber da vida alheia, saber que havia alguém mais ferrado que eles.

Charlie se virou para ver Willy, para atender ao chamado. O rosto curioso, os olhos em azul forte, uma beleza viciante que só inflamou ainda mais a ira de Willy Wonka.

"Você é o pária aqui!”

Charlie pareceu ver uma criança birrenta que não sabe brigar. "Não elimina você de ser um,” disse enquanto mergulhava no carro. 

Willy não ia perder tão fácil e muito menos ser ignorado daquele jeito! Ele puxou a porta do carona no instante em que o Bucket deu partida no carro e, para sua inteira frustração, a porta não cedeu ao puxão, não se abriu.

Mas Willy também não iria ceder. "Abre essa merda!” Bateu no vidro com fúria. 

O vidro desceu, mas a porta não abriu. "Você vai quebrar meu carro e vai pagar por isto!" Charlie gritou. Estava fulo. 

Mas, como dito, Charlie abaixou o vidro e isto foi o bastante para que Willy abrisse a porta por dentro e então mergulhasse no carro. "Saia!” Ordenou o dono do carro.

"Só quando resolvermos esta merda toda."

"Na frente de todo mundo?” o Bucket ironizou.

"Que seja," Wonka respondeu, “só quero resolver isto!”.

Pelo rosto de Charlie, surgiu a confusão. Em seguida a raiva, mas logo voltou para a confusão. Finalmente ele desligou o carro e saiu veículo com um sorriso macabro. "Então vamos resolver esta merda com a plateia que você tanto almeja!” Bradou. 

 

Eu nem vejo graça mais no seu sorriso, Meu peito não bate mais como era antes

 

Willy não era bom em fazer amigos. É que, quando ele percebia, estava falando demais sobre coisas que as pessoas não gostavam de falar e quando as pessoas começavam a falar demais sobre as coisas que gostam de falar, ele até prestava atenção, mas não sabia como manter aquela conversa por muito tempo porque, bom, em suma as pessoas são bem tediosas e ele ficava entediado.

Por exemplo: Como alguém pode achar tão incrível ver vinte e uma pessoas correndo atrás de uma bola através de longos metros de gramado verde? E daí que o cara que está parado em frente a uma estrutura de ferro conseguiu pegar a bola? O que tem de bonito e interessante nisto? 

Outra coisa que ele detestava, era basquete. Saltos de um lado, pulos de outro, gente se trombando e um barulho irritante de sapatos atritando contra o piso brilhoso. Um jogo que vence o mais ardiloso e que, não poderia deixar de constatar, as pessoas são altas e desengonçadas demais.

Só que as pessoas pareciam adorar estas coisas. E adorar fofocar sobre os outros, principalmente quando a vítima da fofoca dá todas as ferramentas para que o papo ocorra. Assim, quando Willy teve que mudar de escola, algo que ele gostou já que sua antiga era terrível, o garoto se viu sendo motivo de fofoca, de como era.

Tudo bem, ele não ligava para as fofocas.

Tinha um cabelo engraçado? Podia-se dizer que sim, já que raros homens usavam cabelo Chanel como ele, mas era o cabelo que ele gostava e não ia mudar porque diziam que era engraçado.

Tinha o corpo magro e muito branco? Ele gostava de ser assim, era o mesmo tom de pele que sua mãe, além disso, qualquer pouquinho de sol que ele tomava o deixava queimado, vermelho e manchado. 

E, bom, ele era realmente bom em economia doméstica, então podiam fofocar qualquer coisa sobre isto que ele não se importaria. 

Mas, das coisas que afetavam Willy Wonka, só uma o deixava sem chão, curioso e tagarela: Charlie Bucket. O garoto parecia não se abalar com nada, sabia como cortar fofocas e explicava coisas que deveriam ser chatas de um jeito muito legal. Charlie tinha explicado ao professor de literatura, que era extremamente machista e homofóbico, como o machismo e a homofobia privaram a literatura e a medicina de grandes evoluções. 

“Quem poderia explicar melhor as sensações da gravidez do que uma mulher que passou por isto?” Ele perguntou um dia.

No exato dia em que Willy Wonka percebeu que sua paixonite, poderia ser algo mais forte. 

É que, Charlie não era o garoto mais forte, nem mais bonito da escola e tinha gente que tinha os olhos mais belos que o dele. Só que ele era um conjunto de pensamentos e de físico que fazia todas as pessoas perderem a cor e a graça. Não havia tom de dourado mais bonito que o do cabelo dele no sol da primavera, nem mesmo um tom de vermelho tão suave quanto o que tomava as bochechas dele ao correr. Ninguém tinha os olhos mais lindos quando Charlie sorria e nem o sorriso mais contagiante.

Ninguém olhava com tanta atenção para as coisas como Charlie e nem se interessava tanto pelo mundo como ele. 

Willy evitava olhar para o colega. Evitava escutar as coisas que ele falava e tentava não ficar muito tempo no mesmo caminho que Charlie. Mas era bem difícil achar motivos para ficar na escola até mais tarde ou um jeito de sair correndo para não fazer o mesmo caminho que o vizinho. 

Porque, como o destino era uma criança levada, os dois tinham que ser vizinhos!

Então Willy ficou doente. Na verdade, a mãe dele ficou resfriada e ele perdeu o final de semana inteiro cuidando da mãe. Com isto, ele acabou tomando o resfriado para si e na segunda-feira não saiu do lugar.

A cama estava quente, tão quente quanto sua pele febril, e absurdamente acolhedora perante sua garganta que pinicava irritantemente. 

A mãe fez chás, deixou comida pronta e chamou uma babá. Na verdade, a babá era Dóris, uma vizinha baixinha e fofinha que fazia contabilidade e dava aula de economia para mulheres. Ela ganhava dinheiro com isto, ensinando números para mulheres que nunca imaginaram como eles podiam ser interessantes. Mas Dóris também era apaixonada por cuidar de pessoas e ficou super feliz de tomar conta de Willy, mesmo que ela não falasse nada, só ficasse indo vê-lo e levando bala de gengibre caseira que era muito gostosa. 

Willy dormiu quase o dia todo e no final da tarde, Dóris surgiu medindo a febre dele. Já tinha baixado e a garganta parou de pinicar graças a quantidade absurda de gengibre que ele havia ingerido, mas ainda se sentia cansado.

“Você está melhor?” A voz baixa dela era bem grave. 

“Só cansado.” Respondeu com os olhos fechados. 

“Há um amigo seu querendo te ver. Ele disse que te trouxe a lição de hoje.”

“Amigo?” Os olhos castanhos surgiram sob as pálpebras com bastante interesse. 

“O que mora aqui na frente.” Mais uma coisa que era muito comum em Dóris: ela era péssima em lembrar nomes. Fosse de pessoas, frutas ou qualquer coisa que não fosse relacionado com contabilidade. Ela nem lembrava o nome do falecido marido. 

“Charlie?”

“Creio que sim.”

“Pode deixar ele entrar!” Willy disse urgente, o corpo se sentando na cama e passando a tossir quando se engasgou com a própria saliva. 

“Se for ficar agitado não vou deixar.”

“Desculpe.” Pediu parando de tossir e tentando mostrar-se relaxado. “Eu só não esperava que ele fosse querer entrar.” Ou vir até aqui me trazer a lição. Na verdade, nem sabia que o garoto tinha reparado nele.

Mas Charlie foi e ele subiu as escadas de forma tão suave e tranquila, que a única coisa que Willy escutou fora o barulho dos saltos baixos de Dóris, que depois de anunciar o garoto e avisar que estaria à disposição, ela partiu deixando os dois a sós.

Quando eles finalmente ficaram sozinhos, o Bucket pareceu tão leve e fresco quanto uma pluma sendo levada pelo vento de verão. 

“Você parece terrivelmente doente,” disse. Simples e direto, os olhos amenos como se os dois fossem mais do que colegas de sala. 

“É que você não me viu pela manhã.” Willy seguiu na mesma linha de tranquilidade, abraçando aquele fingimento que o outro havia demonstrado. 

Willy Wonka nunca teve um amigo íntimo. Fickelgruber fora a primeira pessoa a conversar com ele quando entrou na escola atual, mas ele tinha um jeito estranho de sempre estar por perto, de querer dominar as ideias dos outros, de dizer mentiras como se fossem verdades antigas e esquecidas. 

Assim, Willy se afastou e se afastando virou um dos alvos favoritos de Fickelgruber, mas isto não o afetava de verdade. Porque haviam coisas que Fickelgruber dizia que eram verdades e outras não eram ofensivas. 

Por exemplo, Willy era amante de bolinhos e de qualquer outro doce, parecia até uma formiga; ele também tinha alguns traços delicados e seu jeito de sentar poderia ser reconhecido como afeminado, mas ele só sentia-se mais confortável em sentar com a perna cruzada do que arreganhada e, bom, ele não se importava de ser uma formiga elegantemente afeminada, com Fickelgruber havia citado várias vezes.

E ele era gay. 

Quer dizer, naquela época ele não tinha certeza se era gay ou se só não se importava com o gênero da pessoa ao qual sentia atração, mas ele sabia que já tinha gostado de meninos e se via gostando de algumas meninas. Às vezes ele gostava de placas, principalmente placas de brechós que eram criativas e recicladas - claro que ele não gostava de placas de um jeito sexual, mas não podia deixar de gostar delas – então nas vezes que era chamado de gay – ou boiola, viadinho, afeminado, formiga afeminada -, não se sentia ofendido. Até porque ser gay não era ofensivo, era?

Só que Willy queria e ansiava por se aproximar de Charlie Bucket e aquela mente maravilhosa que detalhava coisas aparentemente tolas. 

“Tem uma foto?” Charlie sentou na beirada da cama, ignorando que o outro estava terrivelmente doente. 

“Por mais que eu seja um cara bonito, não sou de tirar fotos por aí. Esses 1.3 megapixels não fazem jus a minha beleza.” Disse enquanto apontava para o celular pacato que tinha em sua mesa de cabeceira. 

Charlie sorriu e depois riu. O sorriso amplo, os dentes enormes, os olhos quase fechando. “Concordo. Eles fariam seu lindo cabelo ficar engraçado”.

Tem amizades que nascem assim. Você olha a pessoa e sente que já a conhece. Depois, alguma coisa faz com que fiquem próximos um do outro, seja um amigo em comum ou a única marquise capaz de lhe proteger da chuva. Por fim, as coisas se ajeitam e vocês conversam sobre pequenas coisas que lhe são familiares ou compatíveis. Aí, quando se percebe, os dias passaram e eles se tornam meses e você já não se lembra direito como era viver sem aquela pessoa por perto. 

Charlie e Willy foi meio que assim. Eles fingiram que sempre foram amigos e até mesmo o passado se perdeu na realidade e imaginação. 

Era um garoto resfriado cujo os olhos brilhavam quando estava perto de seu colega de escola. E um garoto saudável, preocupado com o colega de escola, que decidiu levar as anotações do dia como desculpa para não perder mais um dia perto da única pessoa que não lhe parecia fútil e tediosa. 

Porque, para Charlie Bucket, Willy Wonka funcionava como o norte funciona para bússola. Willy nunca ria de piadas preconceituosas e se afastava de pessoas que as faziam ou achava graça nelas. Ele não perdia tempo com coisas vazias, gastava energia com o que amava e não se importava de deixar claro o que amava. 

Quando via Willy Wonka não se importando que Fickelgruber o chamava de mocinha Wonka ou outras coisas que deveriam ser ofensivas, mas não era, Charlie sentia o coração bater animado e às vezes ele sentia uma vontade absurda de gritar sua animação e abraçar Wonka. 

Mas não podia, pois não passavam de colegas. 

Até aquela tarde, quando Willy ficou resfriado e Charlie usou, sabiamente, uma desculpa para ir vê-lo. Engolindo o nervosismo, fingindo que estava falando com um velho amigo, falando do mesmo jeito que falava com o próprio pai, Charlie plantou a semente da amizade. 

Deu certo, pensou aliviado enquanto os longos dedos ajeitavam a franja suada do amigo adoentado.

 

Então vai se fuder, Você e o seu rostinho lindo

 

Meu peito não bate mais como batia antes, Charlie pensou antes de bater a porta do carro e ir na direção do colega de trabalho. Claro que sabia onde aquela briga os levaria e o peito acelerado rugia em pânico a cada pulsar do coração. Vai acabar! A amizade vai acabar! O amor vai acabar! A paixão… 

Não. A paixão não acaba tão facilmente, percebeu quando seus olhos encontraram os olhos de Willy Wonka. Era impossível não amar e se apaixonar por Willy. Era quase como se tivesse caído em uma maldição...

Era apaixonado por aqueles olhos castanhos e não havia balde de água fria que pudesse acabar com aquela chama. “Diga, o que quer?” O que não queria dizer que o mesmo se valia para Willy. Provavelmente o amante se doces não havia percebido que só era viciado no Bucket, que nada o prendia ao amor de adolescência, ou melhor, ainda não havia percebido.

Era isto que iria acabar. Willy Wonka finalmente tiraria do peito tudo o que tinha para tirar e a paixão dele acabaria. Aí Charlie seria mais uma daquelas pessoas que precisam de anos, talvez vidas, para que a dor de amar e não ser reciproco fosse vencida.

“Eu quero é que você vá se foder!” O indicador de Willy pontuou a frase com batidas no peito duro do professor de literatura. Aquilo doía, mas Charlie não recuou. 

“Já vai se rebaixar?” Ousou. 

“Me rebaixar?” O gemido de Willy era como o de um animal ferido. Parecia um cachorro que alguém acabou de pisar na pata. “Me rebaixar?” Voltou a dizer. 

Isto era Willy Wonka, Charlie percebeu. Era um animal ferido que não quer demonstrar a dor. Era como um cachorro que perdeu uma pata e sai correndo como se fosse completo, se enganando ao pensar que três patas vão bastar. Ele se rendeu. Charlie entendeu finalmente.

Willy Wonka havia se rendido a dor. A tudo. Ele não iria fingir que estava tudo bem e deixaria isto claro para todo mundo que quisesse escutar. 

“Eu quero que você vá a merda, que você se foda, que morra!” Willy repetiu, a voz saltando de tom alto para rosnado, então para mágoa. “Você me largou sozinho! Você não sabe pedir desculpas e nem sabe me deixar em paz! Que porra Charlie!”

O peito do Bucket doeu e a respiração tremeu. 

“Eu…” Eu era uma criança, pensou em dizer. 

“Estava tudo bem você ter feito o que fez naquela idade, mas continuar sendo um covarde é desprezível!” Willy seguiu falando. Os remendos do peito vazando em cada palavra. As boas lembranças escorrendo manchadas por sentimentos repulsivos. “Custava ter assumido que você foi e é um covarde?!”

“Custava!” Charlie berrou. 

Custava.

Sempre custa e custa caro.

Porque, quando tudo aconteceu, sua vida se tornou um inferno. E se queimar no inferno todos os dias destrói coisas que nunca mais poderão ser reconstruídas. 

Então, custava. 

Custava caríssimo assumir que era uma criança covarde. Que era cheio de falhas, que tentava ser amigo de todo mundo para não se sentir sozinho. Custava acreditar no pai dizendo que tudo era feito pelo bem dele e custava sentir raiva da própria mãe quando ela o abandonou. 

Se ele um dia ficasse cara a cara com Willy Wonka e pedisse desculpas, se falasse tudo o que tinha pra falar com o objetivo de retirar aquela dor toda que amado sentia, então todo o resto teria que ser destruído.

Sua fonte de desculpas, seu pai, não poderia mais ser uma fonte. Sua fonte de apoio, sua mãe, não poderia continuar sendo apoio. E ele sabia que seria o único ferido naquela história. Willy poderia seguir com a vida tranquilamente e Charlie Bucket ficaria só no maldito inferno!

Mergulhar em sentimentos tão ruins e saber que não tem uma válvula de escape, algo que vai lhe acender alguma chama, seja de ódio ou de paixão, era perder uma guerra interna. 

Ou seja.

Se Charlie estava vivo até aquele dia, então era por ter se agarrado em Willy como um carrapato se agarra ao cocuruto de um cachorro e torce para que nenhum humano o arranque dali. Ele estava vivo por estar sugando Willy. 

“Fale algo,” Willy rosnou. O punho cerrado tencionava todo o braço. 

Charlie seguiu calado. O medo tampava sua garganta. 

“Fale algo!” O brado de Wonka ecoou pelo estacionamento da escola.

Charlie suspirou cansado. Ele não tinha o que dizer. 

“Charlie!” 

A dor veio primeiro, a consciência do ocorrido veio muito depois do golpe e a ira explodiu milésimos depois da ciência de que havia recebido um tapa de Willy. Aquilo doeu, mais do que na pele, no peito. Claro que ele sabia que tinha apanhado por ficar calado, mas havia certas coisas que não podiam ganhar forma, corpo, vida. Certos pensamentos deveriam bater em todas as paredes da mente até o momento em que morriam, mesmo que destruíssem tudo o que surgisse como barreira para sua verbalização.

Só que apanhar daquele jeito não estava em seus planos e nem na lista de coisas que são aceitáveis vinda de Willy Wonka.

Ah não!

“Oras seu!”

Bom, ele saltou sobre Willy e os dois caíram no chão. Socos, chutes e tapas eram desferidos aleatoriamente, puxões de cabelo, corpos rolando, xingamentos escapando como fogos de artifício. 

“Você é um covarde de merda!”

“Você é só um ranzinza egoísta e egocêntrico!”

“Seu pai me humilhou!”

“Você teve um lugar para fugir!”

“Eu quero quebrar esta sua cara!”

“Não vou ser o único deformado!”

“Eu odeio ter te amado!” Willy rosnou, o corpo montado em Charlie, as mãos apertando o pescoço do colega de trabalho, prendendo-o contra o chão.

Olhos castanhos feridos encontravam os olhos azuis maculados. Era possível sentir a amizade remendada tentando se manter em pé, as muletas não suportando todos os outros sentimentos que haviam ali, a verdade vindo como um tsunami.

“Odeio tanto!” Sussurrou o amante de doces.

Charlie segurava as mãos de Willy mesmo que não fosse necessário. Ele não estava lhe asfixiando, mas também não iria lhe soltar até que todas as lacunas tivessem sido preenchidas.

“Eu odeio que você tenha me amado.” Charlie sussurrou de volta. Os olhos ardendo a verdade, o peito derramando as coisas que guardou por décadas. “Odeio ter te colocado em minha vida.”

As mãos de Willy vacilaram e o corpo dele fora aparado a tempo pelos braços do Bucket em seus ombros. Os rostos estavam pertos, perto o bastante para Willy ver a primeira lágrima de Charlie sendo criada, ganhando corpo e escorregando pela lateral do rosto dele. 

Perto o bastante para que Charlie visse a primeira lágrima de Willy surgir e saltar em direção a sua bochecha, caindo como um beijo não dado. 

“Eu odeio, Willy,” a voz falhou, mas ele não iria parar naquele momento, “odeio que fui a causa de suas feridas. Se eu não tivesse sido egoísta…” 

Se o jovem Charlie não tivesse inventado uma desculpa, se ele não tivesse fingindo que era um velho de amigo do jovem Wonka, se não tivesse arrumado aquela franja, Willy Wonka seria feliz. “Então só eu teria que lidar com a dor.” Talvez os pais de Charlie também fossem feliz e assim só uma pessoa teria que carregar feridas bem mais leves do que as atuais. “Eu também me odeio, Willy.”

O ar escapou dos lábios de Willy Wonka. Inacreditável, pensou agoniado, o rosto tão perto de Charlie que beijá-lo seria extremamente fácil. 

“Vai se foder, Bucket.” Mas ainda assim, não era possível se afastar. Não quando todo o seu sustento vinha daquele maldito Bucket, não quando o perfume dele lhe fazia respirar e sobreviver, não quando tinha tanto medo de saber como seria a vida sem aquele cara por perto. “Você e este teu rostinho lindo!”

Willy levantou o punho e Charlie fechou os olhos esperando o ataque. Ele veio, mas não doeu e quando o professor de literatura abriu os olhos, constatou que o golpe fora no chão e não em seu corpo como deveria ter sido. “Covarde,” o Bucket sussurrou, sabendo que Willy o olharia abobalhadamente com o que escutou. “Você também é covarde, Wonka.”

O amante de doces rosnou e finalmente socou o Bucket. “Desgraçado!” O soco veio nas costelas, com força, juntando toda a ira acumulada. Era um soco de verdade, dos que tiram o ar e dói em quem dá e em quem recebe. 

“Você poderia ter dito o que esperava de mim!” Charlie rebateu, as pernas abraçando a cintura de Willy e invertendo as posições. As mãos desviando um outro golpe e logo em seguida golpeando de volta. “Tem dez anos o ocorrido e você só me falar agora o que queria de mim!” Um golpe o acertou no canto da boca, cortando a pele. 

“O que mais eu ia querer de você?” Willy recebeu o troco na testa, a força lhe deixando um tanto zonzo. 

“Tudo!” A resposta de Charlie saiu engasgada, pois os dedos de Willy voltaram a agarrar o pescoço do colega de trabalho, a tentativa de roubar o ar sendo quase bem sucedida. “Você podia ter tudo!” Um chiado sôfrego levou a resposta até Willy e a espalhou por todo o estacionamento. “Cacete Willy,” suspirou derrotado quando o aperto em seu pescoço amenizou, “você sempre pode ter tudo de mim.”

Charlie sabia que o peito dele não batia, por Willy Wonka, do mesmo jeito que batia antes. Era pior. Quando se é novo, adolescente ou criança, se tem uma energia capaz de mudar todo o mundo, mas o tempo arranca isto. As lutas mudam, as expectativas mudam. Às vezes você percebe que mesmo lutando e lutando e lutando de novo, acabará perdendo a guerra. 

Charlie Bucket sabia que era uma guerra perdida. Ele amava Willy Wonka e o amaria eternamente. Longe, perto, vendo todos os dias ou nunca mais o vendo, sendo ou não amado de volta. 

Esse peito que bate mergulhado em amor, na fase adulta, bate pior do que em qualquer outra fase da vida, pois bate na consciência.

“Merda,” Wonka sussurrou derrotado. As mãos caindo no chão sem forças, a testa deixando um filete de sangue escorrer por conta dos golpes recebidos. 

O Bucket entendia perfeitamente o que Wonka quis dizer com aquilo. Eles tinham perdido o emprego para algo que poderia ser resolvido com uma simples conversa. Enquanto os olhos claros buscavam os espectadores e analisava o quão ruim estava a situação, uma ideia correu a sua frente e ele a agarrou antes que passasse despercebida. 

Ainda da tempo de colocar tudo nos eixos. 

“Vem comigo,” ordenou enquanto saltava do colo de seu rival. 

“O que?” O jeito atrapalhado que Willy Wonka o olhava era uma graça, mas não era um bom momento para apreciá-lo. “Bucket!” Willy grunhiu quando foi puxado com força.

“Você quer um pedido de desculpas?” Charlie estava radiante, mesmo com a boca inchando, com o rosto cheio de poeira, com o cabelo voando para todos os lados e o deixando com uma testa grande demais. “Vou te dar do jeito certo.”

 

Eu me esforcei bastante pra desapegar

 

Helena gemeu e por um segundo pensou ah, como senti falta disto! Em seguida, se repreendeu amargamente por ter pensado aquilo, mas seus olhos encontraram com o do pseudo ex marido e ele sorriu por entre suas pernas, a língua correndo em um ponto extremamente sensível que a fez lembrar-se de todos os bons motivos por ter se casado com ele. 

Edward Bucket era terrível em demonstrar sentimentos ou explicar o que pensava, mas sempre estava disposto a dar céus e terras por quem ele amava. Ele sabia como fazer Helena ir às alturas, enlouquecer, perder o juízo, para em seguida ser o porto seguro dela. Ele a escutava, afastava os medos, mostrava que ela tinha um lugar seguro. Aí ele dava aquele sorriso maldito, o sorriso que só surgia quando ele se deliciava com algo e, neste caso, com ela. 

“Ed!” Gemeu e soube o que viria a seguir. 

Amava o Bucket. Amava tudo nele, mas não conseguia viver vendo duas pessoas que ama brigando entre si como se precisassem eliminar o outro para ser feliz. Como mãe e esposa, ter que escolher entre eles ou ter que ser a parede entre eles, o que era impossível. 

Aí ela partiu. E ficou só com a parte boa.

Uma covarde? Sim, sabia. Eu sou uma merda de uma covarde! Ruminou, as unhas cravadas nas costas do homem que mais amou e que lhe deu a pessoa que mais ama, puxando-o para cima.

Sorrindo, o homem engatinhou sobre ela, permitindo-se ser abraçado pelas pernas da mulher que tanto invadia seus sonhos e que reinava em seu coração.

Os dentes dela marcando a curva do pescoço dele, abafando a vontade maluca de gritar o prazer que sentia por estar completamente nua, sendo devorada por Edward Bucket. 

“Hell”, o amado gemeu entre os próprios rosnados. “Merda, como eu te amo!”

Foi demais para ela, o corpo quase implodindo em um prazer que era inenarrável. 

“Pai!”

Retificando, inenarrável foi o pânico que sentiu quando escutou a voz do filho reverberando pela casa.

Sua mente gritou em pânico, os olhos tremendo em frente aos olhos do amante, que se mostrou pálido e tão ou mais apavorado que ela.

Oh porra! Edward pensou, o corpo não conseguindo se mexer, os ouvidos tentando ter a prova de que não escutou demais enquanto a paixão se enterrava sob toneladas de areia e pavor. 

“Pai!” O urro veio mais forte. Não é uma ilusão. 

Edward e Helena saltaram da cama, as roupas espalhadas demais para serem coletadas, o robe pendurado perto da cama sendo a única fonte de proteção rápida o bastante para um deles. “Põe o robe!” Ed grunhiu. 

Helena obedeceu prontamente, se enfiando na vestimenta sem perceber que, apesar da nudez estar salva, a situação ia ficar muito complicada. 

“Paaaaai” Charlie surgiu pela porta que só estava meio encostada, a palavra que seria dita se tornando um grito para dentro muito fino e esquisito, capaz de levar todo o sangue de Edward direto para os pés. “Que?”

Ninguém falou nada. Nem Edward, nem Helena, nem Charlie e muito menos Willy Wonka, que estava mudando de pálido defunto para vermelho escarlate. Willy sabia que era má ideia ir entrando na casa dos outros sem ser convidado, mesmo que fosse forçado ao ato, e agora sentia que estava na pior situação do mundo. 

Sua mente, então, trabalhou muito rapidamente em gerar centenas de pensamentos onde, alguns deles foram: 1. Caramba, por que a família Bucket adora demonstrações de nudismo? 2. Quem diria que a bunda do senhor Bucket era tão redondinha?  

Willy olhou para o corredor por onde havia caminhado segundos antes. 3. Te contenha! Brigou consigo mesmo. 

“Tá,” Charlie disse pausadamente, a respiração sendo controlada com toda a energia do corpo. “Isso não faz sentido.” Resmungou antes de virar para o corredor e partir.

Helena correu atrás do filho, não queria deixar as coisas se quebrarem deste jeito. “Charlie!” Chamou. O filho seguiu trotando na direção da porta e Helena também. “Hey, vamos conversar!” Pediu quando Charlie alcançou a porta. “Charlie Bucket!” Berrou, saindo da casa e sendo recebida pelo ar gelado que envolvia a rua. 

“Volta pra casa, mulher!” O filho parecia perturbado. 

“Não fale assim com sua mãe!” O senhor Bucket gritou da escada, um samba canção ao avesso protegendo a nudez dele, o cabelo tão bagunçado quanto o do filho. “E não deixe seus convidados para trás!” 

Charlie ficou lívido e olhou para a porta da casa, provavelmente havia se esquecido de que não tinha ido para lá sozinho. “Com licença, senhor Bucket.” Willy pediu enquanto passava se esgueirando entre a porta e o patriarca, que já estava na porta da casa, fazendo de tudo para que não tocasse no homem que anos antes o empurrou pela rua em uma situação muito parecida com a que ele estava naquele momento.

“Será que desta vez eu deveria empurrar o senhor pela rua só de cuecas, pai?” O herdeiro Bucket zombou. “Ou aproveitamos para que Willy faça isto?”

“Charlie!” Helena chamou em tom de alerta.

“Ainda sou seu pai, moleque!” Ed rosnou, descendo as escadas e esbarrando em Willy, mas não notando isto. Nem notando a careta que o herdeiro Wonka havia feito com o toque.

“Deve ser algum fetiche, não?” Charlie não se intimidou com a aproximação rápida do pai. “Sei lá, o desfile anual das cuecas Bucket?”

“Seu moleque maldito!” Edward rosnou, as mãos agarrando a gola do filho, puxando para perto. 

“Ed, não!” Helena tentou puxar o amado pelas costas. 

“Sempre ficando ao lado dele, não?” Charlie atacou a mãe. 

“Já não são adultos o bastante para resolver isto conversando?” Willy questionou se metendo entre pais e filho, ciente da mágoa que Helena e Edward haviam sentido quando o filho atacou a mulher. “Poxa vida, que…”

“Cai fora deste assunto Wonka!” Edward ladrou, o dedo estirado em sinal de alerta.

A confusão armada estava tão tensa que era possível tocá-la, moldá-la do jeito que bem entendesse, mas ninguém esperava quão abruptamente aquela briga esquisita terminaria. 

Contudo, terminou. Assim, num piscar de olhos.

“Nem ouse tocar no meu filho!” O quarteto escutou vindo da esquerda. Eles olharam para a direção do alerta e Helena puxou Willy para trás rápido o bastante para que ele não fosse atingido pelo golpe certeiro que Bianca Wonka deu em Edward Bucket. 

Bianca não era de brigar e muito menos de usar força física, mas ela sabia lutar e sabia bem como dar um belo soco. Então, enquanto voltava do mercado com dois potes de sorvete gordos o bastante para lidar com a cólica que sentira o dia todo, Bianca viu Edward Bucket ousando ameaçar seu filho - ou foi isto que ela achou viu. 

A matriarca largou os potes de sorvete e correu, dando um gancho de esquerda em Edward que o derrubou no chão, desnorteado, o maxilar quase deslocando, um dente ficando meio mole. “Hm”, o pai Bucket gemeu antes de fechar os olhos e apagar. 

“Bia, calma!” Helena pediu saltando em frente ao quase marido em uma tentativa de protegê-lo.

“Mamãe!” Willy agarrou a mulher para que ela não fosse transformar o vizinho em patê. 

“Eu ainda não terminei!” Bianca esperneava, dificultando o trabalho do filho. 

“Foi um belo gancho de direita,” Charlie sussurrou sorrindo.

“Eu sou canhota!” A Wonka berrou, as pernas se acalmando quando o Bucket mais novo ergueu os braços em rendição. 

“Céus, você quase matou meu marido!” Helena resmungou. 

“Marido?” Finalmente Bianca se acalmou, agora passando a prestar atenção na amiga que usava só um robe leve. O tecido delineava o corpo, deixando claro que por baixo daquela roupa não havia nada além do corpo de Helena. “Hum…” A malícia maquiou o rosto da Wonka mulher como se quisesse saber um segredo da melhor amiga. 

“Ex marido.” Charlie corrigiu. “Acho que agora são amantes.”

“Charlie, eu vou ter que te deixar de castigo?”

“Quero ver conseguir.” Charlie manteve o sorriso, mas mudou de animado para desafiador. 

Helena fechou a cara e estapeou a bunda do filho, que saiu saltitando enquanto reclamava de já não ter mais dez anos para apanhar daquele jeito. 

 

E fiquei muito tempo onde você tá

 

“Hey!” Charlie resmungou, a pele ardendo com o contato da solução de limpeza. “Pra que esta mão tão pesada?”

“Francamente, brigando?” Helena repreendeu e não parou de limpar a ferida no canto da boca do filho empregando um pouquinho mais de força em sua mão.

“Mamãe!” Agora, quem resmungava, era Willy. “Não se esfrega o machucado alheio!”

“Se esfrega quando o motivo do machucado é criancice!”

O senhor Bucket, por outro lado, seguia deitado no sofá, desacordado por conta do golpe que sofrera minutos antes. Com um pouco de dificuldade, Willy e Charlie levaram o homem desacordado para dentro e Bianca recolheu as compras que havia feito, enquanto Helena caçava o kit de primeiros socorros e resmungava como homens conseguiam ser machos idiotas mesmo gays. 

As matriarcas se colocaram a limpar as feridas dos filhos, questionando o que havia acontecido para terem se machucado. O susto inicial, causado pelos cortes, tornou-se raiva e os dois estavam sofrendo enquanto elas se colocavam a cuidar das feridas.

“Essa história toda está indo longe demais, não?” Bianca perguntou em um suspiro. 

Charlie gemeu de novo. Agora Helena estava colocando uma pomada cicatrizante que fazia a ferida latejar. “Por isto viemos aqui. Mas eu teria esperado se soubesse que meus pais são amantes que estavam se amando.”

“Enamorados é a melhor palavra.” Bianca argumentou enquanto pegava a pomada cicatrizante. “Eles nunca deixaram de se amar, meu querido.”

Os olhos claros de Charlie correram para o chão enquanto ele ficava com o rosto avermelhado. Havia conhecido a senhora Wonka e adorava passar um tempo com ela, sentir ela zelando ele como uma mãe, com seu jeito bondoso e sua animação como se fosse uma solteirona. Ela tinha, ou melhor, havia tentado ensinar Charlie a fazer bolos, mas estranhamente os bolos sempre desandavam ou, na pior das hipóteses, queimavam. 

Das coisas que havia perdido desde que seu pai tinha flagrado os dois pombinhos na cama, o contato com Bianca Wonka fora a mais cruel, já que além de ter perdido uma segunda mãe, fez com que duas amigas se separassem. 

“Oras, não é para tanto!” A senhora Bucket ralhou contra o comentário da amiga, enfiando um curativo no filho e tomando metade da boca dele por conta de sua distração. 

“Hum!” O Bucket mais novo resmungou, enquanto Willy Wonka ria incontrolavelmente, as mãos na barriga para tentar conter a dor que o riso tinha gerado nos pontos onde fora socado. 

“Esse curativo está no lugar exato!” Comentou entre o riso. “Hey!” Reclamou quando Bianca estapeou o machucado de sua testa com um curativo maior do que o necessário, tomando um pouco de seu cabelo no processo.

“Rir da desgraça alheia é algo que condenamos, minha estrelinha. Achei que você se lembrava da educação que lhe dei.”

“Desculpe mamãe,” gemeu se encolhendo. O que fez Charlie começar a rir, até que Helena erguesse brevemente o canto do lábio, um alerta claro de que ele não deveria ousar fazer aquilo. 

No sofá, o senhor Bucket resmungou algo e virou as costas para o quarteto que permanecia na sala de jantar. O grupo observou o homem se mexendo, então ele gemeu um tanto pesado e respirou tranquilamente enquanto permanecia abatido em um sono esquisito. 

“Ele não dorme direito há dias,” Helena sussurrou preocupada. 

“Está doente?” Charlie perguntou. Não era de manter contato com o pai e sempre que o fazia alguma briga saía; raramente mostrava interesse no homem que tinha lhe criado, já que ele tendia a escapar das perguntas e isto era mais motivo de brigas, então saber como pai estava era algo complicado. 

Mas o Bucket filho não ia perder seu tempo e sanidade pensando no pai. Às vezes ele perdia, tinha que revelar, mas no final, algum outro problema ia lhe tomar toda a energia, fosse no trabalho ou na vida pessoal. 

Já com sua mãe, ele não era muito de se preocupar. Diversas vezes ela surgia em sua casa gemendo as dores de um resfriado que pegara sabe-se-lá como e a estava matando. Sendo assim, se algo de ruim acontecesse com Helena Bucket e ela precisasse do filho, ela iria buscá-lo. 

“Eu sei que você pensa que seu pai é o pior homem do mundo, mas ele não é, Charlie.”

“Eu sei que não, que existem pessoas piores,” o garoto rolou os olhos claros. “Mas ele não me parece o tipo de pessoa que ficaria sem dormir por besteira.”

“Perder filho e esposa não me parece algo besta,” Bianca comentou pensativa. 

“Mamãe, esse assunto não é nosso.” Willy tentou lembrá-la. “Na verdade, acho que agora é o momento perfeito para fugirmos, não?”

“Quem anda lhe ensinando isto, William Wonka?”

O Wonka filho se encolheu quando escutou o nome completo. Só haviam duas razões para ele escutar o nome completo: ou estava no médico - e isto quer dizer que ele está absurdamente doente já que odeia médicos - ou que sua mãe estava pronta para perder o controle e quase lhe dar uma surra. 

Porque, apesar dela ter dado um belo soco em Edward Bucket, a matriarca nunca havia batido no filho, nem quando ele fazia por merecer. 

“Desculpe, mamãe.”

“Já lhe disse que não deixamos os amigos sozinhos!” Bianca repreendeu com força. 

“Mas não foram os Buckets que começaram?”

O estalo do tapa que Willy Wonka levou de Bianca Wonka ecoou pelo cômodo. Os olhos de Bianca brilhavam com ira e o rosto dela estava vermelho, muito vermelho. Ela não estava irada, estava magoada, decepcionada com o filho que a olhou horrorizado. 

“Eu passei trinta anos sem lhe bater,” a voz da mulher tremia, “passei anos e mais anos acreditando que não havia um motivo no mundo para bater no próprio filho e agora você faz isto?”

“Mãe...” Willy sentiu a voz morrer em um fio, incrédulo com o que havia acontecido. 

“Você já foi abandonado pelos amigos e como se sentiu? Como se sentiria se tivesse sido abandonado por sua família também?”

“Mas eles não são nossa família!” Willy choramingou, a mão ainda no ponto atingido pela mãe. 

“São!” Bianca tinha as sobrancelhas unidas. “Pode não ser para você, mas amo Charlie como um filho e Helena como uma irmã! E tudo bem que Edward é um idiota, mas ele também é um bom homem, só não sabe como pedir desculpas.”

A mulher tremeu quando sentiu mãos nos ombros. “Bianca, está tudo bem,” a voz de Charlie vinha macia enquanto os dedos dele massageavam os ombros da mulher, “Willy tem razão em dizer aquelas coisas. Minha família é…”

Outro tapa ecoou pela sala, gerando um constrangido silêncio que seria quebrado pela mesma pessoa que estapeou o rosto de Charlie. “Você é burro!” 

“Que?” O Bucket ficou atordoado. 

“Seu pai está há anos se remoendo com a merda de que fez e tudo o que fala é que Willy tem razão?” Bianca estava fula. 

“Bia, meu amor, não está na hora de poupar sua força física?” Helena entrelaçou os dedos da mão com os da amiga, um ato íntimo das duas, mas também uma forma de manter a amiga livre de outra agressão física. 

“Mas, Hell!”

“Eu acho que preciso conversar a sós com meu filho, não?”

“Não!” Charlie chiou. “Agora que eu apanhei, quero saber o motivo!”

Bianca suspirou e se sentou em uma cadeira. Ela havia passado anos morando em frente aos Buckets e isto queria dizer que ela havia presenciado tudo. Da briga que levou Helena para longe, a tentativa frustrada de curar Charlie de algo que não é doença. Ela escutou todas as brigas que a família passou naquela casa, todas as batidas de porta, pneus que cantaram enquanto alguém saía furioso. 

Ela viu Edward Bucket acordar todos os dias e checar a caixa de correio, mesmo quando nevava e ele estava resfriado. Ela viu, diversas vezes, o Bucket checando a caixa de correio à tarde e antes de ir dormir; ela o viu parado vendo o carro do filho partir e voltar duas ou três vezes para a porta de casa para ter certeza de que não tinha escutado o filho voltar. 

No dia dos pais, Bianca viu a tristeza no olhar de Edward Bucket ao não receber notícias do filho. E, mais de uma vez, o escutou chorar. Alto. Tão alto que ela quase tocou a campainha para ofertar um ombro amigo. Mas, quando pensava em como seria a reação do senhor Bucket, sabia que seria tempo perdido.

“Charlie, meu querido, já pensou que seu pai pode estar tentando lhe pedir desculpas?”

Charlie Bucket riu. Alto e amarguradamente, deixando um olhar horrorizado em Willy e Helena, enquanto Bianca sentia dó do garoto que era corroído por rancor e amargura. 

“Nem todo mundo foi ensinado a isto, você sabe, não?” Willy perguntou. “Vamos lá Charlie, você trabalha com crianças e com os pais delas há anos, quantos alunos sabem pedir desculpas? E quantos, dos que sabem, são homens?”

O riso de Charlie engasgou na garganta. Por anos, viu os alunos como seres humanos passíveis de erros e várias vezes precisou chamar os pais deles para conversarem e mostrar que também tinham coisas para aprender com os filhos.

Mas com a pessoa que mais precisava de seus ensinamentos, Charlie não conseguia ver que, além de pai, também era uma pessoa, também fora filho. 

Ironicamente, Charlie nunca havia tido contato com os pais de seus pais, mas naquele dia em especial, quando Bianca e Willy lhe lembraram que seu pai também era filho,  foi que Charlie lembrou de todas as vezes que o pai disse que queria ser amigo do filho porque não tivera a amizade dos pais. 

Lembrou do pai lhe abraçando quando tirou sua primeira nota baixa, os dedos longos do patriarca acariciando seu cabelo, os olhos carinhosos analisando a prova de matemática. “Tudo bem, meu filho, é só uma nota.”

“Não está decepcionado comigo, papai?” O pequeno Bucket sentiu a tristeza diminuir e uma esperança de que tudo ficaria bem começava a ganhar seu peito. 

“Claro que não. Eu já tirei uma nota baixa também.”

“Mesmo?” 

“Sim.”

“E o que o senhor fez?”

“Estudei. Estudei e estudei até tirar uma nota alta.” O pai sorria de forma morna, o que queria dizer que ele estava mergulhado em alguma lembrança não muito boa. 

“Você não ficou triste?”

“Com a nota baixa? Não. Mas meu pai disse que eu deveria arrumar um trabalho e largar a escola.”

“Então ele ficou feliz quando você recuperou?”

O senhor Bucket mordeu a bochecha. “Não se recupera uma nota ruim. Ela sempre estará lá, meu querido.” Acariciou a bochecha do filho, os pensamentos mesclando entre o pai violento que tinha e o filho que queria ter como amigo. “E não, seu avô continuou dizendo que eu era uma grande perda de tempo.”

O restante da história Charlie não precisava saber.

O restante da história poderia ser só um conto não dito.

 

Mas agora eu já não sinto mais a dor

 

Se tinha uma coisa que Edward Bucket odiava, eram dentistas. Mas ele sentia MUITA dor naquele momento e se fosse escrever quanta dor estava sentindo, com toda certeza escreveria em caixa alta todas as letras. Só que ele fora nocauteado por Bianca Wonka que, apesar de baixinha, era muito boa socando e, capotando no chão, também adormeceu. 

Quer dizer, ele tinha tomado dois comprimidos para a maldita dor de dente que lhe manteve acordado quase toda a noite e aí quando Helena surgiu em sua porta, a dor fora jogada para escanteio enquanto a paixão que sentia todas as vezes que via a ex-não-tão-ex-esposa dominava todo o seu corpo. Os comprimidos talvez tivessem ajudado com a dor, mas sua necessidade de amar a esposa estava muito mais forte.

De algum jeito, depois de ser socado, a dor voltou. E voltou pesada. O dente latejava e a dor escalava até seu olho esquerdo, mas também afetava seu estômago. 

Edward gemeu e rolou para o lado, esperando que ao tirar o peso do corpo daquele lado pudesse amenizar a dor e dormir mais um pouco antes de ter que tomar mais dois analgésicos. Não deu muito certo, primeiro, porque ele caiu de onde estava e, em segundo lugar, uma dor de dente nunca se cura só com uma mudança de lado. 

“Ed!” A voz de Helena o fez abrir os olhos e só então percebeu que não estava na cama. 

“Ah, foi por isto que caí”, sussurrou atordoado. Então veio uma nova pontada e ele agarrou algum pedaço de roupa, mas de olhos fechado nunca soube o que era. “Tira…” gemeu agoniado. Uma lágrima surgindo em seu olho, a dor ficando exponencialmente pior do que ele poderia imaginar ser possível. 

“O que?” Helena parecia perdida. 

“O dente. O último. Dói.” Um soluço escapou da garganta de Edward. Ele nunca achou que um dente tão pequeno poderia fazer ele chorar, mas o fez. Naquela hora, sua cabeça inteira parecia latejar enquanto uma agulha muito grossa o alfinetava no meio de seu cérebro. 

Houve uma movimentação na casa, pessoas falaram coisas sem nexo. O Bucket pai já não sabia o que escutava, já não sabia o que estava acontecendo ao seu redor, mas sabia que seu dente doía e precisava ser retirado. 

“Alicate,” sussurrou. Ele só queria que alguém pegasse um alicate e arrancasse o dente maldito! Não importava que estivesse sem anestesia, só queria que a dor acabasse e que nunca mais voltasse!

Charlie saltou da cadeira e passou os braços por baixo dos braços do pai. Nunca o vira chorar na vida, nem quando escutou Helena berrando com ele, dizendo que se arrependia de amar um monstro como Edward. A briga dos dois havia acontecido há muito tempo e outra tantas discussões voltavam a surgir, mas mesmo que Edward Bucket sempre lembrasse que amava Helena - isto é, quando perguntavam qualquer coisa que tinha relação com amor ou paixão ou namoro - Edward nunca chorava por também se lembrar que era odiado pela mulher que amava. 

Nunca!

Por mais furioso que estivesse, por mais machucado que estivesse, nada o fazia chorar. 

Até um dente doer. 

Céus, ele estava murmurando coisas malucas e chorando por culpa de um dente, deitado em posição fetal, gemendo quando não murmurava. “Precisamos levá-lo ao dentista,” Charlie alertou enquanto erguia o pai e quase o derrubava ao perder o equilíbrio com todo o peso do homem. 

“Meu pai pode resolver isto,” Willy surgiu ao lado do senhor Bucket, ajudando a carregar o homem que tinha lhe jogado rua afora, que tinha lhe humilhado. 

Charlie ia perguntar o motivo dele fazer aquilo, de ajudar o homem que mais deveria odiar, mas desistiu quando ouviu outro gemido do pai. Não era momento para pensarem naquilo, era momento de ajudar alguém que sofria. 

“Wilbur está esperando. Disse que a sala estará pronta assim que chegarmos,” Bianca anunciou. Ela estava com o celular na orelha, provavelmente falando com o marido sobre a situação do vizinho. 

Buckets e Wonkas se enfiaram no carro de Charlie, o mais novo dirigindo enquanto ajeitava o cinto, o carro cantando pneu enquanto voava na tentativa de salvar uma pessoa que tinha um longo histórico de coisas terríveis que fez aos quatro integrantes de seu resgate. 

Olhando pelo retrovisor do carro, Charlie viu o pai aninhado no pescoço da mãe. Ele balbuciava coisas incompreensíveis, mas parecia um tanto calmo, talvez por sentir um perfume que gostava. Bianca parecia medir a temperatura do moribundo, a conversa com o marido seguia pelo celular, a voz baixa não chegava compreensível para o motorista. 

“Loucura,” Charlie sussurrou e entrou na rua em que o consultório de Wilbur ficava. Ele não poderia estacionar em frente ao consultório, mas deixaria o pai ali até achar um lugar para largar o carro.

“Eu também não entendo como as pessoas podem deixar os dentes ficarem deste jeito!” Willy parecia muito abismado. 

“Não, Wonka, não é esta a loucura. Além disso, meu pai não é o único que tem pavor de dentista, certo?” Charlie alfinetou.

Se tinha uma coisa que Willy tinha medo, além de médicos, era de dentistas. O que era bem esquisito, já que o pai dele era um. “É por isto que cuido muito bem dos meus dentes e a cada dois meses faço uma bela de uma limpeza com meu pai.” Comentou enquanto erguia um dedo para reforçar sua rotina e mordiscava o ar. 

Charlie suspirou. 

“O que é a loucura?” Willy estava com a cabeça levemente inclinada para o lado, o que lembrou Charlie de todas as vezes que o viu fazendo aquilo na tentativa de entender uma matéria quase incompreensível na época da escola. 

“A família Wonka tem todos os motivos do mundo para não querer ajudar um Bucket,” respondeu parando o carro.

Em frente ao consultório, Alfred, o auxiliar de Wilbur, esperava para ajudar com o que fosse preciso - no caso, a carregar Edward. 

“Você precisa aprender a ver o lado bom das coisas, Bucket.” Willy disse antes de abrir a porta do carro. “Acho que você está carregando uma dor que não precisa mais ser carregada,” adicionou e então saiu do carro para ajudar a carregar o homem que parecia pronto para desmaiar. 

“Diz o homem que me esmurrou por dores passadas.” Ironizou o Bucket filho.

Wilbur Wonka girou no eixo e olhou para a porta, ele já estava pronto para ver o estrago que Edward Bucket tinha na boca e imaginava que o mais sábio seria extrair o dente que deveria estar mais do que cariado. A não ser que…

“Aqui, só mais um pouco,” Alfred comentou com Willy. 

O vizinho estava meio desacordado, gemendo a cada passo, os pés mais se arrastando do que se movendo. Pelo que sabia, ele não estava com febre, o que era muito esquisito. “Obrigado Willy,” disse ao filho enquanto via Alfred expulsando-o junto com a senhora Bucket e com Bianca.

“Alguém tem que ficar com ele!” Helena gritou por cima do ombro de Alfred. 

“Eu estarei,” Wilbur respondeu antes de abrir a boca de Edward e começando a ver o que estava acontecendo. A porta do consultório se fechou, ficando só os dois funcionários e o paciente. “Oh, que interessante,” Wilbur comentou enquanto o auxiliar se aproximava. 

“O que seria tão interessante?”

“Ele ainda tem os sisos. E bem alinhados.”

“A dor vem dele, certo?”

“Exato, Alfred. Este dente é bem dificil de ser escovado, então fica com caries facilmente. O que é ótimo. Vamos extrair ele e resolver este problema de uma vez por todas.”

Edward sentiu o mundo sumir, a dor iria ganhar e ele morreria por conta dela. Era ótimo, já que não tinha muitos motivos para seguir vivendo. 

Ah, quem ele iria enganar? 

Anos antes, seu pai havia sido um monstro e então ele reproduziu a mesma coisa no próprio filho e, para piorar, no filho de outra pessoa - de uma pessoa que havia sido seu melhor amigo por anos.

Um riso esquisito escalou sua garganta e então ele sentiu algo esquisito na boca, mas não ligou muito, pois não tinha muita certeza se estava mais morto do que vivo ou só no meio de um pesadelo. 

Seguindo seu martírio mental, Edward começou a listar todos os motivos para não seguir vivendo. Ele havia perdido o contato com o filho e sua vergonha comia toda a sua paciência; sabia que tinha errado e sido um babaca por agir com Willy Wonka do jeito que havia agido e muito mais babaca por não ter conversado com o filho sobre a sexualidade dele ou, se quer, pedido perdão pelos atos violentos; para piorar, havia sido um maravilhoso e grandioso babaca com a única mulher que amou durante toda a sua vida - excluindo sua mãe, claro. 

E quando lembrava que fora babaca por conta de um medo e depois por culpa da vergonha que sentia, as coisas ficavam piores. 

Então, que a dor vencesse e ele morresse de forma bem cruel, pois era isto que um monstro merecia! Edward se sentia um belo de um monstro.

Assim como merecia ganhar um soco de Bianca. Assim como merecia perder as pessoas que mais amava no mundo. E merecia que as pessoas rissem dele no meio de seu funeral ao escutar que ele morreu por uma dor de dente. 

“Edward?” O Bucket abriu os olhos de supetão, não acreditando em quem o tinha chamado. Foi assim que encontrou os olhos castanhos que conhecia tão bem.

Desconfiado, fechou os olhos por longos segundos para em seguida abrí-los. 

“O ue? Se escutou tentando dizer o que, mas a boca não funcionou direito. 

“Sente alguma dor?” 

Edward negou. Ele não sentia dor, só uma sensação engraçada de que havia perdido a língua.

“Mas deverá sentir e poderá sangrar também”, o alerta fez o coração de Edward parar. 

“Eu ão eou orruo?” Ele não tinha morrido, então?

“Oras, Bucket, não vou deixar um amigo morrer por uma dor de dente!” 

“Aioo?” Amigo? Wilbur tinha lhe chamado de amigo? As consoantes simplesmente não saíam direito, mas isto não parecia ser algo complicado de ser entendido por um dentista.

Um suspiro longo escapou de Wilbur Wonka, que olhou para a janela em busca de alguma coisa que era irreal. Por um lado, ele entendia Edward, por outro, sentia um desejo descontrolado de enfiar uma lima [1]no meio do olho do velho amigo. 

“Amigo, sim. Nos desencontramos em algum momento, mas... “ O que deveria dizer em seguida? Que sabia que Edward também faria de tudo pela família Wonka?

Isto não parecia ser verdade. 

Anos antes, os dois foram amigos. Então o tempo separou-os, ou melhor, os pais rígidos quebraram a amizade dos dois. Ironicamente ou não, voltaram a ser vizinhos e a amizade que Willy e Charlie tinham somada com a amizade de Bianca e Helena fizeram com as duas famílias voltassem a se unir de um jeito um tanto torto. 

Até onde aquela história iria se repetir? Até onde os dois seriam e não seriam amigos? Até onde aquelas duas famílias sobreviveriam? 

“Euua” Edward pediu. Os olhos claros em pânico. “eoo auo ee eeus, e eeulaa”. Implorou a desculpa, o peito desesperado para ser compreendido por alguém, alguém que fosse capaz de entender as palavras não ditas.

Wilbur se aproximou um pouco do amigo, o mocho [2]deslizando perfeitamente pelo piso liso. “Você fez aquilo por medo de perder seu filho?” 

Edward pareceu afundar na cadeira, mas daquela vez, não desviou os olhos do amigo porque sabia que, além de Helena, Wilbur era a única pessoa que conseguia lê-lo com perfeição. 

Sim! Ele sentiu-se apavorado! 

Todos os dias ele escutava sobre jovens gays que apanhavam terrivelmente. Mais do que apanhar, eles eram abusados, usados e jogados fora como um saco de lixo molhado. 

E só de imaginar que seu filho iria correr riscos a cada milésimo de segundo só por amar alguém que também carrega um pênis nas calças, era terrível!

Não existia uma palavra para dizer que perdeu o filho. Não existia um sentido em perder o filho e vê-lo se tornando uma estatística. E, caramba, ninguém com poder o bastante estava verdadeiramente fazendo algo para salvá-los! 

As coisas ainda pioravam. 

Porque ninguém iria poder garantir que um abraço não seria o último, que uma despedida não seria a última. O filho podia ir jogar o lixo fora e ser assassinado só por existir. 

Então… sim. Ele ficou apavorado! 

A-pa-vo-ra-do! 

Amava tanto aquele garoto, seu filho único, que preferia ser visto como um monstro do que correr o risco de perdê-lo. Perderia tudo, absolutamente tudo, mas não poderia, de jeito nenhum, enterrar seu filho!

“Eu sinto medo todo santo dia, também. Mas se o mundo quer matar nossos filhos, então que pelo menos em casa eles se sintam completamente seguros, não?” 

Wilbur Wonka tinha medo. Medo de que a próxima ligação que recebesse, fosse um aviso de que encontraram o corpo do filho, medo de que a próxima ligação do filho, fosse para avisar que ele estava machucado, ou pior.  Mas quando podia abraçar o filho e ver que ele estava bem e saudável, todo o medo e dor desapareciam. Quando via em quem Willy tinha se tornado, tudo parecia valer a pena. Willy era um cara incrível e sensível e por mais que sentisse rancor de alguém, ele não media esforços para ajudar. 

Então, quem não teria orgulho desse menino? 

Edward abraçou o vizinho com força e desespero, buscando no dentista o apoio que deveria buscar em uma figura paternal, implorando para não seguir sozinho por um caminho que não parecia ter saída.

Wilbur abraçou o amigo. Ciente de que nem todo mundo via saída nos caminhos que a vida entregava.

E o abraço se tornou mais e mais forte, como se aquela fosse a última gota de esperança que tinham, a última chance de se manterem vivos, de respirar. 

“Eles são garotos incríveis, não?”

“Hum run,” Edward concordou antes de cafungar. 

O dente não doía, mas o peito… Ah, ele tinha tanta coisa pra soltar… Tanta coisa que ficou guardada e ninguém quis escutar, ninguém quis ver. Mas, como sempre, Wilbur estava por perto, o salvando, o entendendo. 

Deixando a dor suportável.

 

Então vai se fuder

 

Charlie mudou o peso de uma perna para a outra, o corpo debruçado no parapeito da janela que nunca abria, já que a sala era climatizada. Helena e Bianca conversavam amenidades e Willy batucava os dedos enquanto cantarolava alguma coisa esquisita sobre pessoas mascando chicletes e ficando violetas.

Como eles podiam ficar tranquilos em ajudar um cara tão ruim quando o pai de Charlie? O.K. Ele poderia relevar a si mesmo e a Helena, já que era filho e Helena era possivelmente-uma-ex-esposa então era normal que ainda tentassem ajudar o homem idiota que Edward era, mas e os Wonka? Charlie mudou o peso das pernas mais uma vez, estava muito incomodado com a tranquilidade daquelas pessoas. 

“Charlie, por que não se senta um pouco?” Helena perguntou, provavelmente notando o desconforto do filho. 

Porque se eu sentar, vou ficar mais incomodado ainda. Charlie pensou agoniado. “Vou tomar um ar,” anunciou antes de sair pela porta de entrada. 

Mas não tinha para onde ir, então só parou à porta e ficou olhando a vida acontecendo. As pessoas passavam absortas em seus mundos, cada uma com seus problemas particulares, ignorando que lá perto duas famílias passavam por cima de seus conflitos em prol de alguém que não merecia ajuda. 

“Você vai ter gastrite até o final do ano, Bucket.”

Charlie gemeu, em parte por ter se assustado e em parte por não querer ficar perto de Willy naquele momento. 

“Que bom pra mim,” resmungou. 

Willy parou ao seu lado, o corpo do mesmo jeito que o seu, ombros na parede, uma perna segurando todo o peso. “Se você vai ficar se remoendo aqui, poderia fazer isto lá dentro.”

“Por quê?” 

“Porque lá, pelo menos, eu tinha uma visão bem interessante de você rebolando.”

“Eu não estava rebolando!” Charlie ralhou abismado, os olhos claros captando a animação no rosto de Wonka. “Espera! Você estava reparando na minha bunda?”

Willy virou de frente para Charlie. O sorriso morrendo para que o rosto ficasse muito sério, tão sério quanto nunca havia ficado. “Eu reparo em tudo, Bucket. Infelizmente, eu reparo em tudo.”

“Você é um tarado?” Charlie seguia embasbacado e passou o sentimento para Willy Wonka que, de tudo, não esperava aquela pergunta, afinal, quem responderia positivamente? 

Charlie Bucket sorriu. Sorriu daquele jeito maravilhoso que sorria, sorriu com os lábios, sorriu com os olhos. Fora este sorriso um dos motivos por Willy ter se apaixonado por Charlie e este sorriso continuava fazendo-o se apaixonar mais e mais. Que droga! Pensou enquanto se controlava para não beijar aquele Bucket infeliz. 

“Sabe, Charlie,” a malícia escapou ao dizer o nome do amado, “vai se fuder”, meu grande amor, adicionou em pensamentos, enquanto apreciava a risada suave de Charlie Bucket. 

Você, meu grande amor 

[VSF - Jão]



 

 


Notas Finais


Notas:
Notas:

[1] Lima é um instrumento utilizado pelos dentistas para realizar um canal (basicamente mata-se a raiz do dente). Elas são variadas e podem ser usadas em alguns instrumento (sabe aquele motorzinho que faz um barulho danado e nos deixa em pânico? Esse treco aí) ou manuais.

[2] A cadeirinha que o dentista fica sentado

------
Eu demorei dois dias para revisar as 26 páginas deste capítulo. Espero que tenham gostado :) Tive que matar um pouco da formatação porque este site não mantém e eu não tenho mais idade de revisar este capítulo de novo...

Beijos e carinhos :*


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...