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História O Pianista - Saint Seiya Fanfic - Carmen


Escrita por: Rosenrot9 e Hamal_

Notas do Autor


Bom finalmente , capítulo 25 já está na hora de conhecer os pais do Mu né não?

bora pro cap meu povo

Capítulo 25 - Carmen


Fanfic / Fanfiction O Pianista - Saint Seiya Fanfic - Carmen

O sol brilhante no meio do céu derramava seus raios em enxurradas luminosas que despejavam-se por sobre o gramado de um verde vívido. A luz dourada e quente enchia de ainda mais vigor e beleza o colorido fascinante dos arranjos de sempre-vivas, que com seu branco delicado contrastavam diretamente com o vermelho vibrante das amarílis e das rosas colombianas, dando ao palco improvisado sobre o tapete verde os tons exatos que a história contada ali pedia, uma fábula de paixão, poesia e tragédia. A história da cigana que com sua dança e espírito livre seduzia os homens, na bela Sevilha do século XIX.

Sentado na segunda fileira de cadeiras encapadas por tecido de linho branco, o pianista não podia ver as cores do espetáculo, mas podia ouvi-las, e as ouvindo podia cria-las. Suas próprias cores, seu espetáculo íntimo. E quão grande e avassaladora era a paixão com que ele as deixava entrar em si pelos ouvidos, conduzidas pelas notas harmônicas dos violinos e das flautas doces, e lhe tingissem a alma e o corpo até as raízes dos cabelos. O vermelho vinha com os graves, o turquesa com os agudos, o dourado com as notas altas, e então, como uma fiadeira fantástica a entrelaçar os fios coloridos no ar, a voz do violino tecia com suas notas o vestido longo de Carmen, a musa cigana dos sonhos mágicos de Bizet.

Enquanto a maioria dos expectadores que assistiam à apresentação do concerto o faziam de olhos fechados, bloqueando o mundo visual para poderem se concentrar no sentido da audição e, assim, apreciar melhor a música, o pianista tinha os seus bem abertos. Diante de suas íris incrivelmente azuis, e das pupilas congeladas, Carmen rodava seu vestido vermelho de frondosos babados na barra, batendo no ar as mãos e na areia da arena de touradas os saltos dos sapatos envernizados, numa dança flamenca conduzida pelo furor da paixão. Seu ritmo era forte e emocionado, tal qual as batidas do coração de Shaka, que de tão imerso naquele espetáculo tinha as costas afastadas do encosto da cadeira, pondo-se ligeiramente inclinado para a frente, enquanto com as mãos segurava forte os joelhos sob o grosso tecido do jeans, como se nessa posição pudesse, quem sabe, tocar a dançarina com seu pensamento, sua aura. Dos seus lábios rosados e entreabertos, vez ou outra um riso doce e jovial escapava. Estaria ele sorrindo para a cigana dançando na arena?

Sentado ao seu lado Mu tinha certeza que sim.

 

Duas semanas haviam corrido desde a festa e a união que consumara na carne o amor já estabelecido na alma do estudante de cinema pelo pianista. Desde então anseio de ambos em estarem unidos novamente crescia a cada segundo em seus corações jovens e apressados. Agora que viveram o amor que nutriam um pelo outro em sua plenitude, jantares, recitais gratuitos de piano às multidões apressadas da Grand Central, e os passeios no parque apenas não lhes bastava. Por isso, ao menos três vezes por semana eles se encontravam na estação de metrô, depois de encerrado o expediente de Mu na produtora de televisão, e iam direto para o apartamento do cineasta responder aos anseios do coração. Depois, pontualmente as 20:00h, Mu encostava seu Ford Mustang na calçada em frente à casa de tijolos vermelhos e portão pintado de branco, então jantavam juntos e encerravam o dia na sala assistindo à uma partida de futebol americano na companhia de senhor Nilo e algumas vezes de Asmita. Nos dias em que Shaka não ia à estação tocar o piano, Mu saia da produtora e o buscava em casa para um passeio, ou para encontrar com os amigos em alguma lanchonete agradável, quando também levavam Shijima, ou então para leva-lo até determinado endereço onde estavam oferecendo uma vaga de trabalho para portadores de deficiência. Era sempre frustrante quando ele não conseguia a vaga, porém jamais deixaria de tentar. Asmita não gostava nada daqueles passeios diários, pois que no fundo sabia que tinham um só objetivo, além dos que expunham para ele, mas também porque havia uma questão que o incomodava deveras, e mais e mais conforme passava o tempo: mesmo há meses juntos, e o namoro estando firme, Mu nunca levava Shaka para conhecer os pais.

O estudante de cinema pouco falava sobre isso, e muitas vezes preferiu simplesmente ignorar os olhares de indagação que Asmita lhe direcionava, os quais em silêncio falavam claramente a ele que precisava tomar logo uma posição. E foi em um desses dias, enquanto sustentava com um nervoso estalar de dedos um desses olhares, que Mu decidiu que não podia mais protelar o encontro. Era chegada a hora de seus pais conhecerem Shaka.

O jovem cineasta era bom em muitas coisas; nas artes da dramaturgia, em contar histórias, era um excelente jogador de segunda linha, raramente uma bola aérea lhe escapava, fazia um sanduiche de queijo com picles como ninguém, dançava com a mesma vivacidade e alegria de Astaire¹, mas quando o assunto era bater de frente com o pai, uma inaptidão claustrofóbica e paralisante lhe tomava conta. Era medo. Foi assim quando decidiu largar a faculdade de administração para cursar cinema. Se não fosse a mãe interceder por ele junto ao pai, talvez hoje estivesse sentado atrás de uma mesa de vidro tomando decisões protocoladas ao em vez de capturar as belezas do mundo pelos olhos de vidro de sua câmera. E era assim agora, porém desta vez o medo era ainda maior, pois que não estava sozinho. Shaka certamente sofreria as consequências de suas escolhas junto de si, e que difícil era desejar poder dar o mundo a ele quando a única certeza que tinha era de que seria bem mais fácil que o pai tirasse de Shaka o mundo que ele acabara de conhecer, quando certamente os impediria de ficarem juntos. Sendo assim, pensando numa maneira de evitar tal tragédia, toda cautela era pouco. Foi dessa forma que viu em uma partida de polo equestre e um recital de violino e flauta uma oportunidade de apresentar o pianista a seus pais sem ainda lhes dizer que era seu namorado.

Mu amava Shaka, orgulhava-se dele e o admirava com a igual contemplação do montanhista que ao atingir o cume da montanha olha para o vale ensolarado e sente na alma a força da Natureza, por isso ele acreditava que se os pais o conhecessem antes de saberem que era seu namorado, antes de revelar a eles que era gay, eles sentiriam o mesmo, a mesma força vinda dele, e, quem sabe, até igual admiração. O pianista era um garoto gentil, inteligente, educado, culto... Tudo que os pais sempre prezaram. Certamente que se o apresentasse como seu namorado o preconceito os cegaria e os impediria de enxergar tudo isso, enxergar Shaka como ele merecia, e tudo iria por água abaixo.

Por isso ele estava lá. No New York Polo Club, vestido formalmente com as roupas claras e esportivas que a ocasião pedia, camisa polo, calça de linho, botas, ainda que tivesse aberto mão das de montaria, e boné branco. A opção do acessório fora mais para cobrir os cabelos tintos de lilás, hábito que punha o pai sempre irritado, e tudo que não precisava era criar um atrito desnecessário com ele justamente naquele dia. O clube de campo estava instalado em uma fazenda grande e arborizada que ficava a cerca de uma hora do centro de Manhattan. Contava com um haras bem equipado, arenas ao ar livre e também cobertas para a prática do esporte. De tempos em tempos a direção e seus colaboradores organizavam eventos culturais, como exposições de arte, que aconteciam na galeria erguida em uma luxuosa construção com vista para o vale do rio Hudson, e concertos de música clássica, como o que estava acontecendo aquele dia, cujo principal patrocinador eram as Empreiteiras Bharani.

Hakurei Bharani era sócio e principal colaborador do New York Polo Club, mas tinha sido sua esposa, Yuzuriha Bharani, uma elegante e bela mulher de madeixas platinadas sempre muito bem escovadas e doces olhos azuis, no alto de seus 53 anos, quem tomou a frente do evento e fez o convite aos músicos. Aquela era a maneira que ela havia encontrado de manter a arte viva dentro de si, já que o casamento lhe tinha privado da poesia. Há anos que ela olhava para o céu, para os lagos de água cristalina, para os colibris pairando sobre as amélias, e só via nuvem, água, pássaro e planta.

Mas o casamento também trouxera alegrias para Yuzuriha Bharani. Dois filhos, ascensão social, a trégua vitalícia com sua vaidade e o cumprimento da meta, por muitos estabelecida, de viver uma grande história de amor. A despeito da severidade e falta de romantismo do marido, ela lhe era grata por ter uma. Decerto que a sua história de amor não tinha a paixão, nem o calor, das grandes óperas. Estava bem longe de ser como a de Carmen, pois que também ela não tinha a personalidade forte da cigana, tampouco sua paixão, e nunca estivera à frente de seu tempo; pelo contrário, sempre mantivera-se obediente às convenções, cativa dos bons costumes. Não era libertária, sequer um dia fora livre sexualmente. Casou-se com 16 anos, tivera o primeiro filho aos 19, e nunca alcançou a coragem de lutar por seus sonhos. Era apenas mais uma dama da sociedade dentre tantas, tão somente uma mera peça no tabuleiro do patriarcado.

Don José matou Carmen na arena de Sevilha por ela lhe ter negado seu amor. Hakurei matou o sonho de Yuzuriha no altar no dia do casamento. Ela queria ser pianista. Contudo, fora essa a sua escolha, e ela vivia em paz com ela. Se vivia feliz... Realizava-se nos sonhos dos filhos, especialmente nos de Mu, com quem sempre tivera uma identificação além da filial. Ela sentia-se capaz de entender a alma do caçula, por essa razão que não viu estranheza alguma quando ele lhe disse que levaria um amigo ao recital de violino e flauta no clube de polo, sobretudo quando mencionou sobre ele ser pianista! Yuzuriha amava o piano, e entusiasmou-se junto do caçula quando ele lhe dissera que Shaka era o mais talentoso que já conhecera. Os olhos dela brilharam em expectativa, porém seu entusiasmo esvaeceu e transfigurou-se em desconforto no momento em que viu Mu chegar ali acompanhado de um garoto muito jovem, que apesar da boa aparência guiava-se por uma bengala de alumínio num vagar arrastado e necessário.

Logo nas primeiras apresentações ela se atrapalhou buscando as palavras corretas, e talvez por isso ignorou o nervosismo aparente do pianista, que sentia os músculos da face tremerem e o coração gritar em agonia, mas depois de duas ou três palavras trocadas, tanto o embaraço dela, quanto o pavor dele, evaporaram de seus poros e esvaíram-se no ar feito fumaça. Por certo que ela não esperava que Mu um dia fosse lhe apresentar um amigo deficiente, ela conhecia a maioria de seus amigos e nenhum estava fora dos padrões do que seu excludente julgamento elitista considerava aceitável. Por um momento sentiu-se mal por pensar daquele jeito, ainda que involuntariamente, mas não se condenou por tê-lo feito. Ora, porque existiam pessoas portadoras de deficiência no mundo deveria sentir-se culpada? Deveria sentir-se mal? Decerto que não. E por que seu filho não podia ser amigo de uma delas? Era um bem que ele fazia, aliás. Quase uma caridade. Mu desde criança se mostrou um menino tão bom, tão empático... Ela até suspirou mediante tal constatação. Logo Yuzuriha deixou as indagações de lado e procurou reorganizar-se, então pegou na mão de Mu e cedeu o braço esguio à Shaka, os chamando para o concerto que estava prestes a começar.

 

A fantasia de Carmen, op. 25, de Pablo de Sarasate, era uma fantasia de violino sobre temas da ópera Carmen, famosa por sua intensidade cruel e elasticidade, por seu tom fatalista e incrível beleza. Shaka conhecia a peça e sua história, ouvira falar dela uma ou duas vezes quando ainda estudava piano com a senhora Johnson na modesta escola do Bronx, a mesma na qual anos antes ele ouviu pela primeira vez a voz do piano. Sim, a voz. Até aquele momento o piano para ele era tal qual os dragões nas histórias de fantasia, ou as sereias nos contos folclóricos dos marinheiros; ele lhe era uma criatura encantada, porém ainda sem forma ou designação. Nunca tinha visto um piano antes de seus olhos se apagarem para o mundo, portanto a música não lhe chegou através de partituras, dos pontinhos pretos e risquinhos timbrados em papel. A música chegou a ele em sua forma pura. Tão somente música. O fartou de seus graves e agudos, e só então, depois de muito se nutrir dela, é que ele desejou descobrir como era feita.

Poder contar essa história para a mãe de Mu momentos antes de começar o concerto e ouvi-la lhe dizer que estava fascinada por ela, encheu o coração do pianista de orgulho e esperança. Havia concordado de bom grado em ser apresentado aos pais do estudante de cinema como apenas um amigo, pois que ele mesmo sentia que precisava munir-se de uma segurança que ainda lhe faltava para tratar com eles. Yuzuriha lhe pareceu ser uma boa mulher, um tanto formal demais, mas ele também não tinha um conhecimento de mundo assim tão vasto para julgar tais coisas. Eram tão poucas as pessoas que conhecia, e definitivamente nenhuma delas pertencia à classe social da família de Mu. Na verdade, o seu mundo cabia em uma caixa de sapatos, e vai ver a formalidade excessiva fazia parte da realidade dos ricos.

Quando o concerto começou, porém, o pianista esqueceu-se de tudo aquilo, das indagações, dos medos, das inseguranças, e entregou-se totalmente à experiência da música. Com a fronte alta, os olhos azuis tão perfeitos quanto apenas alegóricos abertos, ligeiramente trêmulo de comoção ele vivia o momento, enquanto ao seu lado Mu vez ou outra olhava para ele disfarçadamente, encantado e satisfeito, ao mesmo tempo que tinha os dedos entrelaçados com os da mãe, que assistia ao concerto de olhos fechados e com a cabeça recostada em seu ombro. Ela sonhava. Com tantas coisas... Em dado momento ela também inclinou-se para o lado e olhou para Shaka. Se fez nítido para ela que aquele garoto era um artista, pois que ninguém ali sentia o espetáculo como ele, e que era a arte o alicerce daquela amizade, para ela, ainda inusitada.

Nas vezes em que Mu a pegava olhando para Shaka seu coração suspirava e ele então sorria, discreto. Em uma dessas vezes ela lhe sorriu de volta. “Ele é uma graça.” Ela sussurrou em seu ouvido, e ele lhe beijou ternamente a bochecha corada por blush rosado.

— Eu sabia que iria gostar dele. — ele sussurrou de volta com o coração em festa e a esperança renovada. Seu plano parecia ter dado certo e Shaka já conquistava sua mãe, mas ainda tinha o pai... Quando pensou nele seu sorriso se apagou e ele contraiu os lábios. O velho senhor Hakurei certamente não seria tão facilmente cativado.

 

A partida amistosa de polo estava próxima ao fim. No campo aberto, sob um agradável, e raro, sol luminoso de fim de inverno e início de primavera, os duas equipes rivais disputavam já o último tempo, ou chukka como eram chamados, de sete minutos. A beleza dos cavalos e a elegância disciplinada dos cavaleiros conferiam um garbo singular ao esporte, e este também estava presente no requinte dos expectadores, que sentados em uma arquibancada de madeira de lei, protegida do sol por uma vasta tenda de lona verde no mesmo tom do gramado, portavam elegantes trajes de alta costura e exibam, vaidosos, joias e acessórios de valores inestimáveis. Ali estava a orgulhosa família de Hakurei Bharani, e junto deles seu modesto convidado.

Sentado ao lado de Shaka, estabelecendo uma distância segura de dois palmos para não gerar desconfianças, por mais que fosse difícil conter o desejo de tocá-lo, Mu lhe narrava a partida com entusiasmo e atenção, aproveitando para colocá-lo a par de algumas regras que faziam parte do esporte. O pianista escutava concentrado, mas por mais que tivesse boa vontade não conseguia deixar que a voz troante do medo que reinava dentro de si asfixiasse a de Mu, quase a tornando inaudível. Ele queria se concentrar na partida, mas junto desse ruído interno, que de tão alto quase o ensurdecia, ainda tinham os outros sons, o dos cascos dos cavalos em atrito com o chão, o do tilintar das taças de champanhe servidas para a plateia, e uns tantos outros sons que ele simplesmente não conseguia desvendar a origem, como o dos leques das madames que se abanavam para amenizar o calor e o dos tacos de Manau ao se chocarem com a bola no campo. Os únicos momentos em que conseguia acalmar minimamente seu coração eram aqueles em que se dava a intervenção de Yuzuriha, que estava sentada do outro lado e vez ou outra interrompia Mu para acrescentar um ponto na narrativa.

Shion estava um pouco afastado deles, de pé, quase colado na cerca. Diferente dos esportes mais populares, o polo era acompanhado por um seleto grupo de amigos e pelos familiares dos jogadores, por isso, junto do executivo algumas pessoas torciam e incentivavam os desportistas. Entre eles estava um dos sócios mais ilustres do clube, Hakurei Bharani, um homem cujo porte robusto e semblante severo era de intimidar multidões.

O dono das Empreiteiras Bharani contava com 56 anos, a maioria deles dedicados incansavelmente ao trabalho. O físico forte era resultado de uma rotina diária de exercícios e da prática das artes marciais, atividades que ele mantinha desde a adolescência, e a despeito dos cabelos grisalhos e alguns vincos nos cantos dos olhos, ele facilmente se passaria por um homem de não mais de 40 e poucos. Tais atributos lhe mantinham firme no posto de cavaleiro defensor de sua equipe, a qual era composta por outros três cavaleiros, um meio de campo e mais dois atacantes, mas era sua figura elegante e altiva, que somada ao sofisticado galope de seu cavalo, capturava atenção de todos ali, especialmente da devota esposa.

— Poxa, Shaka, é mesmo uma pena que não possa ver, porque meu marido está dando um baile nos outros cavaleiros! — ela disse espalhafatosa, dando um tapa no joelho do pianista, que com o susto deu um leve sobressalto.

— Ah... é mesmo? — ele perguntou, sem saber bem o que dizer.

— Sim!

— O meu pai sempre foi bom no polo.  — disse Mu sem muito entusiasmo, como se apenas relatasse o fato.

Yuzuriha desgrudou os olhos do marido para coloca-los no caçula.

— Bom não, meu amor, o melhor! — corrigiu ela, e depois voltou os olhos para o campo, onde Hakurei galopava para um espaço onde os cavaleiros trocavam os cavalos. — Veja! Ele vai trocar de cavalo. — disse eufórica — Sempre ousado o danado. A chukka nem foi parada! Se o outro time aproveitar essa brecha podem marcar um gol e empatar antes do final do jogo.

— Por que ele vai trocar de cavalo? — Shaka perguntou curioso.

— Porque são usados vários durante a partida. — disse Mu.

— Ah, meu querido, quem dera fosse possível jogar polo com um só cavalo. Economizaríamos uma pequena fortuna. — Yuzuriha acrescentou bem animada enquanto dava um gole no champanhe que segurava elegantemente entre os dedos de unhas esmaltadas em rosa claro — Polo é um esporte para poucos. É necessário um investimento alto nos cavalos, porque é exigido um revezamento dos animais a cada chukka.

— É proibido usar mais de duas vezes o mesmo cavalo em cada partida. — disse Mu.

— Entendi. Imagino que seja para que não se cansem. Ou estou errado? — disse Shaka.

— Está certo. — disse Mu, e nessa hora um garçom lhe servia água e champanhe. Ele apanhou o copo com água, o serviu ao pianista lhe entregando na mão, e ficou com o de champanhe para, quem sabe, conseguir abrandar a tensão que sentia. — O polo exige muito esforço dos cavalos, já que eles usam uma explosão de força para galopar, correr em alta velocidade, parar bruscamente, virar, girar... O campo é grande, e se o cavaleiro não tiver domínio total de sua montaria ambos podem sair lesionados. Por isso não se exige que o animal faça mais que duas chukkas, porque aumenta o risco de alguma lesão. E olha que estamos falando de cavalos atletas.

— Atletas não, são cavalos de elite! O mais puro sangue inglês! — disse orgulhosa Yuzuriha, sem esconder a vaidade. — Esses animas são selecionados a dedo. Se um cavalo desses se machucar o prejuízo ficaria na casa dos seis dígitos.

Shaka arregalou os olhos inertes tentando assimilar aquela realidade tão distante da sua, mas tudo que conseguia pensar era no quão maior era a vaidade do homem do que seu bom senso. Por que fazer cavalos praticarem esportes inventados por humanos? Por que os fazer correr, girar, virar até a exaustão? Ele não entendia. Na verdade, ele descobria muitas coisas de lógica questionável nessa sua incursão pelo mundo além de seu quarto e da estação de metrô onde tocava o piano.

— Quantos cavalos desses tem o seu pai? — ele perguntou aos sussurros, inclinando-se ligeiramente para o lado de Mu.

— Aqui no clube ele mantém sete. Cinco para as partidas e dois que atuam como reservas. Nós temos um haras em nossa casa de campo, e lá ficam vários outros que ele comprou para minha mãe, Shion e para mim.

— Então você também joga polo? — perguntou.

Mu riu, um tanto constrangido, e quem respondeu à pergunta do pianista foi Yuzuriha.

— Ele joga, tão mal quanto eu. — ela deu uma sonora gargalhada, ajeitando o grande chapéu que lhe cobria a cabeça — Mas, veja bem, não somos de todo mal. Ao menos conseguimos fazer uma brincadeira ou outra de dois contra dois, quando vamos ao haras.

Embora animada e finalmente descontraída, a conversa se interrompeu quando um grito de gol dado por Shion chamou a atenção de todos, inclusive de Shaka, que levantou a fronte e se colocou em alerta.

— Esse é meu velho! — o empresário comemorou junto das pessoas que torciam para a mesma equipe. O pai havia feito uma defesa incrível pouco antes do fim da chukka, quando regressou ao campo, o que possibilitou um contra ataque e mais um gol de seu time.

Todos ali vibraram, especialmente Yuzuriha. Dentre as tantas vozes que Shaka ouvia no entorno, e também mais distantes, ele já reconhecia a dela, a de Shion e obviamente a de Mu. A do cineasta, embora o percebesse sorrindo como se alguém lhe tivesse contado uma anedota engraçada, tinha um certo aspecto aflito, um tom ansioso. Ele certamente estava nervoso, só não sabia dizer se tão ou mais nervoso que si.

Toda aquela conversa sobre um plantel inteiro de cavalos importados da Inglaterra apenas serviu para botar o pianista ainda mais inseguro. Tinha consciência do quão distante era a sua realidade da que Mu vivia, mas ali, naquele lugar, naquela circunstância, pela primeira vez pensou que talvez não devesse estar ali. Com as mãos segurando firme a bengala junto ao corpo, engoliu em seco e sentiu o peito congelar. Se pudesse ver, certamente cederia ao impulso de sair correndo, de volta ao Bronx, de volta à sua casa de cinco cômodos, de volta ao seu quarto e à vida que conhecia. O que ele tinha para oferecer a alguém que tinha de tudo, até cavalos ingleses puro sangue? Nem enxergar podia... Por mais que esse fosse seu desejo, como convenceria os pais de Mu que seu filho estaria fazendo a melhor escolha da vida dele juntando-se a um músico desempregado, pobre e cego? Sentiu uma leve vertigem seguida de um embrulho no estômago. Sabia que estava entrando em pânico, mas também tinham os fatores externos tão estranhos a si, a barulheira atordoante daquele lugar, o cheiro forte dos animais que se misturava ao dos perfumes doces das aristocratas.

Quando pensou em pedir a Mu que lhe mostrasse onde era o banheiro, eis que ouviu um galopar cadenciado se aproximar. Ficou hipnotizado pelo som até este se converter em trotes ritmados, que à medida que se tornavam mais altos mais forte faziam seu coração palpitar dentro do peito, e quando enfim se deu conta teve certeza de que havia um cavalo bem à sua frente.

Ao lado de Shaka o estudante de cinema também tinha acompanhado a aproximação do pai, que para ele havia se dado quase que em câmera lenta tamanha sua apreensão. Sem perceber ele prendia o ar dentro do peito enquanto ajeitava apressado o boné na cabeça, como se pudesse não apenas disfarçar os cabelos que irritavam o pai, mas esconde-los de suas vistas.

A figura do cavaleiro em seu elegante uniforme branco de botas marrons e capacete preto impunha rigor e respeito. Agora, parado diante dos quatro, do alto de seu cavalo Hakurei Bharani os encarava ofegante.

— Onde estavam? Perderam o começo da partida!

A voz muito grave e potente veio de cima, como um trovão, e aos ouvidos do pianista tinha o mesmo tom autoritário dos generais de infantaria dos filmes de guerra que se recordava ter assistido com o pai. Ela fez seu coração disparar e seu rosto queimar. Logo percebeu Yuzuriha se levantar e junto dela Mu, então rapidamente os acompanhou também se pondo de pé.

— Oh, Hakurei, não seja tão rabugento. — disse ela caminhando até a cerca, que ficava a poucos passos da arquibancada. Mu seguiu a seu lado, porém em ritmo bem mais lento, com os ombros encolhidos e o olhar vacilante. Era incrível o efeito dominante que o pai exercia sobre ele. — O concerto se alongou um pouco além do horário proposto, mas chegamos a tempo de vê-lo brilhar no campo, meu querido. Você estava ótimo, como nos tempos em que era atacante!

— Parabéns, meu velho! Mostrou a eles a fibra dos Bharani! — Shion saudou o pai, bem mais animado, apertando forte sua mão enluvada.

— Parabéns, pai. Foi uma ótima partida. — Mu o parabenizou em tom mais formal e com um olhar tímido, mas ao em vez de lhe apertar a mão tocou no pescoço suado da égua de pelo castanho. Tentava controlar o nervosismo acariciando o animal. — Não sabia que tinha adestrado a Cristal para o polo. Ela mandou bem!... O senhor também.

— Se você frequentasse o Jockey Club como deveria, Mu, saberia que eu a estava treinando há muito tempo, além de ser você a monta-la para a partida, não eu. — disse ríspido Hakurei, que imediatamente em seguida desviou o olhar para Shion, ignorando completamente a tímida presença do jovem loiro um pouco mais atrás, nas arquibancadas. — Alias, você e também o Shion. Vou acabar vendendo os cavalos de vocês por falta de uso.

Bem mais descontraído o executivo riu e também foi acariciar o animal.

— Vai nada. Se essa fosse sua intenção já os teria vendido. O senhor é apegado a esses bichos. Gosta mais deles do que da gente. — brincou Shion, e em seguida deu um soquinho no joelho do pai. — Vai lá levar a Cristal para o estábulo e volte logo. Nós temos um convidado para o almoço. Vamos comemorar juntos sua vitória. — acenou com os olhos para Shaka, empenhado em cumprir a promessa que fizera a Mu de ajuda-los a cativar Hakurei.

Nesse momento o jovem cineasta parou de acariciar o animal e quase com o coração a sair pela boca acompanhou o pai direcionar os olhos firmes ao namorado. Ele havia ignorado a presença do pianista, mas por puro capricho, porque a tinha notado na hora em que ele chegou ali, junto da esposa e dos dois filhos. De longe, e no calor da partida, notou alguma estranheza em seu andar, mas logo a ânsia pela vitória em cima da equipe adversária sufocou qualquer indagação imediata. Ele seguiu no jogo, e só agora, alternando o olhar entre a bengala nas mãos de Shaka e seus olhos fechados é que matava aquela charada.

— E esse, quem é? — perguntou, rapidamente desviando o olhar para algumas das pessoas próximas a eles, constatando o indigesto óbvio: quase todas elas olhavam para sua família e cochichavam algo entre si cobrindo as bocas com as mãos ou nem tão preocupadas em disfarçar a curiosidade.

Ele respirou fundo, pensando irritado que só mesmo Mu para chamar a atenção de todos por algo totalmente descabido.

 

(1) – Fred Astaire foi um dançarino, cantor, ator e coreógrafo estadunidense considerado o dançarino mais influente na história do cinema, famoso por sua participação em renomados musicais como O Céu é o Limite.

 


Notas Finais


Yuzuriha e Hakurei... no próximo cap mostraremos bem a interação familiar do Mu e o que ele precisa enfrentar.

Tumblr da Rosenrot com suas artes:
https://rosenrotstuff.tumblr.com/

Nosso grupo no face " Fics trio ternura" com informação extra, curiosidades e muito mais :
https://www.facebook.com/groups/1522231508090735/

Grupo do Mushakismo, espaço reservado apenas para Mu x Shaka:
https://www.facebook.com/groups/554678934699718/


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