O OUTRO LADO
Suas costas doíam e seu maxilar andava péssimo.
Comer e falar estava se tornando algo difícil, cada novo dia era um milagre em sua vida, e era ótimo estar aproveitando o tempo, mas o fardo tinha um peso, um preço... Mikoto acompanhou as duas moças conversando, estavam as três em um café, no centro da cidade, saíram para fazer compras e fofocar um pouco. Duas semanas tinham passado desde a confusão no restaurante.
Era um dia ensolarado, porém as três usavam blusas de manga comprida e cachecol. Bebericavam canecas grandes de chocolate quente.
- A senhora está muito calada.
Ela apenas meneou a cabeça, sorriu com certa letargia.
- Acho que é melhor encerrarmos o dia de hoje.
- Claro. - Karin concordou.
As três tinham passado em algumas lojas para bebês, compraram um enxoval completo, com direito a muitas roupinhas e sapatos. Mikoto desejava bordar tudo, esperar para saber o sexo do netinho, deixar para a posteridade coisas das quais a criança pudesse ver ou usar e se lembrar da avó... Mas não conseguiria ir tão além.
- Noite de filmes, então ?
- Noite de filmes parece uma ótima escolha.
- Mande uma mensagem para os meninos, avisando.
Mikoto concordou ainda calada, encarava os biscoitos açucarados que tinha pedido: não conseguia comê-los.
- Ah meu Deus eu estou louca por um pouco de pipoca com manteiga. - Sakura sorriu, saltou da cadeira e auxiliou Mikoto a se levantar. - E um pouco de leite quente com mel.
Colocar mel no leite era algo que Sakura tinha aprendido com a morena. Karin depositou algumas notas na mesa e também se levantou, aninhando-se ao lado vago da morena. Elas caminharam unidas pela calçada até o carro vermelho abarrotado de objetos para bebês.
Karin dirigiu o veiculo com calma, continuaram conversando por todo o trajeto que o veículo cursou até a casa dos Uchihas, as arvores estavam começando a perder as folhas e as poucas que restavam variavam entre tons de amarelo e vermelho, era uma época linda do ano, uma época de mudanças.
Ela estacionou diante da casa, o primeiro homem a vir recebê-las foi Naruto. O loiro tinha conseguido uma folga e decidiu vir visitar o amigo, de quebra, a mãe dele também. Mikoto era quase sua mãe agora... Pensar que em breve a perderia mexia com seu ânimo.
Ele veio cheio de gracejos para a mais velha, puxando-a com delicadeza de dentro do carro e desfilando com a morena pelo gramado da frente até a soleira da casa.
- A senhora está um gelo. – O loiro reclamou, ao sentir a temperatura das mãos dela. – Melhor ir colocar uma roupa mais quente.
Karin contornou o carro, parando ao lado da colega de trabalho que já havia saltado do banco de passageiro dianteiro.
- Amiga, cadê nossos machos para carregar esse monte de sacolas que estão no porta malas ?
Itachi apontou na porta, acenou para a namorada que devolveu o sorriso e fez um sinal para que se aproximasse.
- Itachi carrega, Itachi tem os braços fortes.
- Itachi tem os braços fortes. - Sakura a imitou e ambas riram.
O moreno veio até as duas amigas e Karin jogou as chaves do carro para ele. Itachi as pegou no ar.
- Tem bastante coisa no porta malas.
Ele fez uma carranca. Quando foi rebaixado de namorado para carregador de bagagens ?
- Vá fazer a pipoca, Sakura. Vou ajudar a levar as coisas para dentro.
Enxotada a mulher grávida saiu, deixando a sós o casal de namorados.
- Oi gracinha.
- Achei que ia me deixar levar tudo sozinho. - Ele completou com um bico. A ruiva ficou na ponta dos pés para tentar alcançar a altura do moreno, foi em vão, Itachi era muito mais esguio.
O moreno curvou-se alcançando os lábios dela para um beijo. Ela sorriu ao voltar os pés para a posição normal.
- Itachi ?
O Uchiha abriu a porta do porta malas, meu Deus ! Como coube tanta coisa ali ? Ele retirou algumas sacolas e uma banheirinha, fitou Karin com um sorriso travesso.
- Sua consumista...
Ela suprimiu um risinho.
- Itachi...
- Sim ?
- Eu recebi uma ligação hoje mais cedo.
Ele aguardou por mais informações.
- Eu consegui um emprego, um bom emprego, alias.
Karin era uma residente no hospital e seu tempo ali estava acabando, ela poderia conseguir uma vaga no hospital, se quisesse, mas era o tipo de assunto do qual eles não tiveram tempo para conversar.
- É uma clinica de fertilização e eles possuem outras instalações para gestantes de risco e...
- E ?
- E fica em Atlanta.
- Ah.
Isso significava o que ? Ela iria embora ?
De Denver para Atlanta eram quase dois mil quilômetros. Por Deus ! Quase vinte horas de carro. Como manteria um relacionamento daquele jeito ? Ele engoliu em seco, programava mentalmente quais estrada teria de tomar para visitar a ruiva, ela estalou a língua, buscou algumas sacolas de dentro do porta malas.
- Eu ainda estou pensando, mas queria que soubesse.
Naruto se aproximou do casal, sozinho e disposto a carregar todo o restante do conteúdo do bagageiro, o que era ótimo. Atravessaram o gramado até a casa, onde encontraram Sakura sentada no colo do namorado, no sofá. Quem estava fazendo a pipoca ? A que horas o tal leite com mel estaria fervido e colocado em uma caneca ? Pelo olhar apaixonado dos dois no sofá, demoraria muito.
Eles deixaram os dois e subiram pela escada até o segundo andar, onde deixariam as coisas em um dos quartos.
Sasuke cutucou a namorada que se aninhou ainda mais a ele em uma atitude já bem conhecida pelo moreno, ela se encaixou na curva de seu pescoço, aspirando o perfume de suas roupas, enquanto brincava com as pontas de seus cabelos. Estavam muito compridos, diga-se de passagem, o moreno andava usando tudo jogado para um lado só, tentando tirar as franja da frente de seus olhos, mas sempre acabava com metade do rosto coberto pelos fios escuros.
Ela beijou seu pescoço e ele sentiu o corpo inteiro arrepiar por conta daquilo, Sakura subiu seus lábios, beijou uma das bochechas do rapaz, aninhando o rosto dele com ambas as mãos e admirando os traços do namorado.
Naruto passou porta adentro, carregando uma quaqntidade enorme de coisas, ele os fitou e passou bastante tempo fazendo aquilo, até o uchiha se sentir encomodado com a atitude do loiro e desviar os olhos de Sakura para ele.
- Que é ?
- Ah, nada... Estou esperando.
- Esperando o que ?
- O filme pornô que vocês dois vão fazer no sofá começar. Não vai ser essa a noite de filmes de hoje ?
Sakura desceu do colo de Sasuke, tinha até se esquecido de onde estava, ela partiu para a cozinha com o intuito de ir fazer uma boa quantidade de pipoca.
Sem o peso da moça em seu colo, Sasuke se sentiu solitário, encarou Naruto com desgosto.
- Você é um cretino.
O loiro riu.
- Eles estão levando as sacolas lá para cima.
Foi a deixa que Naruto esperava para subir as escadas. Ele desceu em seguida, reclamando.
- Está foda essa casa, é você tentando passar o rodo na Sakura aqui em baixo e seu irmão pasaando o rodo na namorada lá em cima.
Foi a vez de Sasuke rir, Sakura acompanhou o namorado, rindo da cozinha.
O loiro trouxe para dentro de casa o que faltava ainda no carro e ao subir as escadas deu de cara com Itachi e Karin, enxotados do andar de cima por Mikoto que tinha pego o filho mais velho aos amassos com a ruiva.
- Xô ! Xô ! Se vocês querem se atracar, façam isso longe de mim, eu não preciso saber da vida sexual de ninguém ! – Reclamou a morena, descendo as escadas atrás do recente casal que ria com a indignação dela. – Naruto !? Venha se sentar perto de mim no sofá.
Obediente ele foi, sentou-se ao lado da mulher e ela o aninhou em um abraço, com carinho, acariciando os cabelos loiros e suas orelhas, era um tipo de amor diferente o que sentia por Mikoto, era o amor que um filho sentia por uma mãe.
Enciumado, Sasuke escorregou para o chão, Mikoto deslizou os dedos pelos cabelos do filho, agora um nível mais abaixo, ela duas mãos, podia fazer carinho nos dois.
Minutos depois os seis já estavam acomodados, com um filme de comédia rodando e comendo pipoca, Karin e Itachi aninhados um ao outro no sofá menor, Sasuke e Sakura sentados ao chão, as mãos entrelaçadas, com o tronco apoiado no sofá e Mikoto e Naruto sentados lado a lado, gargalhando com cada palavra dita.
A dor ainda estava ali, o cansaço, talvez até um pouco de medo... Mas viu seus dois meninos bem acompanhados, viu o outro jovem amparado em seus braços, sentado ao seu lado, viu as moças que sustentariam seus filhos quando ela partisse.
Se ela queria mais tempo ? Claro que sim.
A vida nunca nos entrega o tempo que desejamos, sempre vamos querer mais e mais, entretanto, mais cedo ou mais tarde, a vida acaba.
E se fosse para acabar, ela estava feliz por ter tido tempo de viver tudo aquilo. Afinal ela pode ver os frutificar de tudo o que plantou com os filhos.
Era tempo de descanso, era tempo de reencontro, era seu tempo.
Quando tudo aquilo começou, ela tinha apenas dois meninos, um arrombo enorme em seu peito pelo marido que havia partido, mas sua doença fez com que ela ganhasse mais três filhos de coração.
Tinha alguém que a estava esperando do outro lado quando ela fosse pegar aquele caminho sem volta. Fugaku estaria lá, ela sabia. Estaria esperando por sua companheira.
E ela tinha muitas coisas para contar a ele, coisas maravilhosas.
Mikoto Uchiha morreu um dia depois, enquanto dormia. Perdeu-se no tempo de um sonho bom e nunca mais voltou.
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