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História O que os olhos não veem - Dead Leaves


Escrita por: jimineutron

Notas do Autor


Leiam a história ao som de Dead Leaves, em todas as versões, music box, piano, original..
Espero que gostem <33

Capítulo 1 - Dead Leaves


Fanfic / Fanfiction O que os olhos não veem - Dead Leaves

“Amor, você garota, não posso te deixar ir

Amor, você garota, não posso desistir de você

Como essas folhas secas que caíram

Esse amor, como as folhas secas

Nunca, nunca caia

Ele está murchando”

 

Mais um dia sentado na pista de skate, admirando os outros dois loiros descendo as rampas. Nunca fui muito adepto a esportes radicais, o basquete sempre foi suficiente, apesar de que ultimamente tenho me rendido aos caprichos deles, é difícil ser preguiçoso e ter um coração tão grande, ao mesmo tempo, pois sua preguiça acaba sendo vencida pela necessidade de fazê-los sorrir.

 

Os garotos da escola nos chamam de Os meninos malvados, eu nunca tinha assistido o filme referência, até o Taehyung decidir que se fossemos fazer jus ao nome, deveríamos fazer direito. Todos acham que a Regina George é o Namjoon, quando na verdade sou eu mesmo.

Nos chamam assim pela combinação tripla dos nossos cabelos, meu cabelo e o de Namjoon são loiros, o de Taehyung é castanho. Acho que as pessoas tem um péssimo gosto para dar apelidos, mas até que gostamos desse e adotamos.

Eu como Regina George sou bem tranquilo, não faço maldades, uma vez ou outra pulamos o muro para jogar basquete na quadra do fundo, Taehyung é muito bom em basquete, o Namjoon está começando agora, com a ajuda do meu irmão que não vem para o grupo porque ainda é novo demais para isso, não estou preparado para lidar com 4 anos de responsabilidade em diferença de idade.

 

O que fazemos na realidade é apenas ficar na quadra, andando de skate e estudando ao ar livre; acho que as pessoas acabam julgando mal as pessoas que vivem fora de casa, mas a verdade é que passávamos horas estudando com Namjoon, o garoto com o maior QI de Ilsan, não ligamos realmente para o que dizem sobre nossas notas e nosso intelecto, no fim o que importa é seu conhecimento sobre si mesmo, eu tinha em mente meus esforços, se as pessoas os conheciam ou não, não era um problema meu, eu estava sempre com esse lema em mente, "Sem saber, sem julgar.", afinal de contas, eu poderia viver como quisesse e mesmo assim ter notas maiores do que a dos Aristogatos, garotos de classe média que viviam de aparência.

 

Acredito no que dizem que às vezes as pessoas são influenciadas pelo meio em que vivem, eu e os garotos acabamos por ser influenciados pelo que vemos, temos a plena consciência de que o mundo não tem espaço para todos, tem lugar para aqueles que se esforçam e se destacam, e mesmo que diferente dos outros nós sejamos mil vezes menos privilegiados, buscamos nos encaixar como podemos, estudamos, aprendemos coisas, forçamos nosso intelecto a evoluir, a crescer, diferente do que as pessoas esperam que pessoas como nós sejam. No entanto, os outros garotos vivem no meio de um mundo hipócrita, sujo, onde com certeza seus pais fazem de tudo para se destacarem de todos, um mundo de competições, não há espaço para a verdade, ou eles sucumbem ou se desfalcam, por isso eles parecem demasiado nariz em pé, diferente de todos os outros.

 

Diferente de nós, todos eles são diferentes, o mais velho, Kim Seokjin tem cabelos loiros como os nossos e os pais dele esperam que ele seja um médico incrível, o do meio, Jung Hoseok tem os cabelos laranja, um vermelho quase ruivo muito... Bonito. O menor, tanto em tamanho quanto em idade é o Park, Park é quase um tipo de irmão mais novo de Jung porque as famílias são muito próximas, mas eles não agem como se fossem próximos a esse ponto, talvez algumas relações são tão forçadas, quer dizer, tão forçadas a acontecer que os responsáveis não conseguem levar adiante, falta o ligamento, é como quando o lego se encaixa no lugar errado, entra, mas o lugar dele não é ali. Na sociedade atual as pessoas vivem cometendo esse erro, elas vivem sendo esse erro, são obrigadas a se encaixar em espaços que não pertencem, apenas porque é o certo a se fazer. Tudo ao nosso redor tem uma regra do que é certo, do que você deveria fazer para agir corretamente, mas desde quando há regras para se viver sua própria vida? A verdade é que cada vez temos vivido menos nossa própria vida, temos vivido a vida que outras pessoas nos obrigam a viver, e isso é desesperador.

 

Os pais de Jung esperam que ele seja professor de Literatura na faculdade de Seoul, ainda faltam 1 ano para o garoto se formar na escola e os pais já mandaram a carta de recomendação há meses, é uma manobra desesperada, do tipo de quem tem QI. Quem te indique. Os pais de Park esperam que ele seja advogado, ele até faz o tipo, quando está de terno enganaria a todos, menos a si e a nós, que estamos acostumados a tirar máscaras, a aceitar verdades e entre nós, os garotos perdidos e jogados ao léu, sabemos que ele gosta mesmo é de dançar. E como dança, o pequeno Jimin.

 

Eu e todos os outros sabíamos disso porque todos eles viviam repetindo aquilo aos quatro ventos, eu tinha uma teoria, a primeira era de que eles repetiam isso muitas vezes para tentar aceitar aquilo dentro de si mesmos, tem coisas que não concordamos e que sabemos que não tem saída, que precisamos engolir de qualquer jeito que nem remédio, então temos de achar a melhor forma de empurrar goela abaixo, a que eles acharam foi mostrar a todos, pois talvez se alguém se orgulhar, em algum momento eles podem se orgulhar também.

A segunda teoria é a de que, sabe quando pessoas que não tem nada de bom a oferecer, no caso, quando elas não sabem fazer nada bem, e ficam felizes em mostrar as partes ruins que tem? Para mim era isso, eles não têm nada de bom a oferecer, então ficam tentando levantar a bandeira de que serão boas pessoas e bons profissionais, diferente de nós que não seremos nada, quando na realidade o Taehyung faz faculdade de Física, para ser astrônomo, o Namjoon faz faculdade de psicologia e eu, Música. Pessoas interessantes são aquelas que você não espera determinada coisa quando as vê...

 

 

Eles são chamados de Aristogatos porque se parecem com os três gatinhos do filme da Disney, inclusive eu mesmo dei esse nome, acabou pegando entre nós e ocasionou de eles descobrirem esse nome hoje, inclusive, nesse exato momento os três estão caminhando em nossa direção e na mente deles vai haver uma briga, mas quando abrirem a boca vão descobrir que nesse trio, nem a Regina George é venenosa.

 

 

— E então. — O garoto de cabelos loiros cruzou os braços parando em nossa frente. Esqueci de comentar que os cabelos de Park são pretos.

 

Eu fui o primeiro a olhar para cima, estava quase na hora do pôr-do-sol e Taehyung e o Namjoon estavam esperando para ver se Vênus ou Sirius despontaria primeiro no céu.

 

— Oi, Seokjin. — Creio que eles não nos conheciam, mas nós os conhecíamos, o que talvez fosse um choque para eles, que soubéssemos os seus nomes.

 

 — Meio difícil não saber seu nome, quando vocês fazem questão que todos nós saibamos quem vocês são.

 

Bom, talvez eu fosse só um pouco venenoso. O caso não era ter ou não veneno, era permitir que eles temessem determinado tipo de coisa. Se eles nunca souberem o que pensam deles, continuarão a ser pessoas detestáveis na mesma. Apesar de que, ninguém é obrigado a ser aquilo que agrade os outros. Ah, a vida é um eterno looping de paradoxos.

 

— O que você está insinuando com isso?

 

 

— Não estou insinuando nada, apenas comentando o fato óbvio de que vocês saem falando de vocês mesmos por aí como se todo mundo se importasse. Seria meio impossível se não soubéssemos os seus nomes. — comentei, dando de ombros e me levantando para pegar a bola de basquete. Quando o sol caía era quando começávamos a treinar.

 

 

— Volta aqui, eu ainda não terminei. — O garoto loiro disse e eu dei uma risada baixa, dando as costas.

 

— Achei que o líder de vocês fosse o de cabelos ruivos. — comentei e eles pareceram um pouco abalados, na realidade só os olhos que permaneceram vidrados por um tempo.

 

— O que está acontecendo aqui? — Namjoon chegou perguntando.

 

 

A vida é clichê, estamos cercados de clichês, nós não odiávamos os Aristogatos, na realidade eles estarem ali ou não era nulo para nós, no entanto também não nos comunicávamos, era uma relação meio zero de interações, porém como também não nos falávamos, não tinha como sentirmos algo uns pelos outros, mas o Namjoon achava o Seokjin uma gracinha. Ah, se fosse para achar uma gracinha, eu e o Taehyung também achávamos o Park uma gracinha.

 

 

— Seu amigo não tendo um pingo de gentileza ao falar comigo. — O de cabelos loiros falou, cruzando os braços e virando o rosto de lado.

 

Namjoon trocou olhares comigo, quando eu me virei por ter ouvido ele comentar aquilo, ambos começamos a rir e o mais alto ficou mesmo furioso.

 

 

— Você não pareceu muito gentil ao se dirigir a ele. — Namjoon comentou, recebendo o olhar certeiro do loiro.

 

 

— Você não estava aqui, não viu.

 

— Mas eu não precisei ver, eu ouvi a forma como falou. Você veio aqui para perguntar como que descobrimos seu nome e sobre o quanto você será um médico excepcional?

 

Ele fez de propósito, falando a profissão de aspirante do garoto para que ele soubesse que sabíamos outras coisas, o rosto se virou em direção a Jimin e Hoseok e eu prendi o riso novamente.

 

— Eu vim saber de quem foi a ideia genial de nos dar o nome de Aristogatos. — saí de trás finalmente, com a bola encostada no lado direito do corpo e apoiada no braço, sorrindo falsamente.

 

 

— Obrigado, foi realmente uma ideia genial. Foi minha mesmo, tem alguma reclamação? Quer que eu abra um fórum?

 

— Eu só quero entender... De onde veio esse nome.

 

 

Nessa hora até Taehyung se virou para nós, deitado no chão da rampa de skate, apontou um por um, a ordem era Hoseok, Seokjin e Jimin, da direita para a esquerda.

 

— Toulouse, Marie e Berlioz. Os Aristogatos. — voltou a olhar para o céu e eu tive de rir verdadeiramente da cena.

 

Taehyung era literalmente a melhor pessoa que eu conhecia. Puro, verdadeiro e transparente, falava o que achava das coisas e tinha uma visão do mundo tão bela e simples quanto uma criança, o que eu mais admirava nele era sua capacidade de ser ele mesmo, quanto mais o tempo passa, mais as pessoas estão acostumadas a fingir coisas, a gostar de usar máscaras, é difícil, quase impossível, encontrar alguém que seja verdadeiro, que seja si mesmo, em sua melhor ou pior versão, que explore sua essência e ele é assim, gosta do que tiver que gostar e se felicita com o que lhe for suficiente, sem agradar e sem deixar que te imponham o que ele tem que ser, ele é o que ele quiser e isso me encanta.

 

Eu e Namjoon começamos a rir daquilo e os garotos ficaram com as bochechas vermelhas, era adorável, vista desse ângulo. Eles eram adoráveis, é importante admitir a beleza das pessoas quando a mesma existe.

 

 

— Já perceberam que vocês são uma versão nossa, só que um pouco mais ácida e venenosa, Regina George? — Park se dirigiu a mim e eu me abaixei em sua direção, segurando seu queixo.

 

— Sim, Berlioz. Já percebi.

 

O garoto ficou demasiado sem graça quando eu disse isso, abriu a boca para tentar falar algo diversas vezes, mas fechou em seguida, o que me rendeu algumas risadas.

Desistiram de tentar argumentar conosco e se afastaram, talvez porque Hoseok não parecia muito inteirado, realmente, como se não quisesse estar ali, talvez porque nossa presença lhe fosse tóxica.

 

 

Em seguida se afastaram juntos, pelo menos até a hora que Jung se afastou de todos e foi caminhando sozinho em direção a parte do parque que tinha enormes árvores frutíferas. Não era a primeira vez que eu via aquilo acontecer, durante a semana ele tinha se afastado dos garotos e ido até aquele lugar todos os dias, ficava lá até um pouco depois do sol se pôr e voltava, ninguém o acompanhava, ele também não parecia querer que o fizessem, eu não tinha tido um pingo de curiosidade, até aquele momento.

Esperei um tempo, até que todos se afastassem e disse aos garotos que em breve iria, quando me chamaram para a quadra e então fui lá, me embrenhando pelos arbustos e árvores baixas, até chegar a um amontoado de árvores frutíferas diversas com dois banquinhos, um de frente para o outro, no meio do local.

 

Admito que esperava encontrar o garoto beijando com alguém ou qualquer coisa parecida, esperava qualquer atrocidade dessas da qual ele precisaria se afastar para fazer, mas na verdade ele estava sentado no banco, de costas, com as mãos apoiadas onde suas costas deveriam estar, de joelhos, esperando que o sol se pusesse de uma vez. Fiquei ali, estancado na entrada, em partes porque não sabia que ia encontrar uma cena como essas, em partes porque não sabia se seria legal invadir seu espaço, não parecia correto, eu não gostava que invadissem o meu.

 

Continuei ali observando e ele parecia não se mover, pelo grupo ao qual ele estava inserido tinha de admitir que nunca esperaria que o garoto perdesse tempo admirando o sol se pôr, acho que às vezes levamos muito ao pé da letra a frase que diz “Quem se mistura com porcos, farelos come.”, às vezes a pessoa está em grupo da qual nem mesmo faz parte verdadeiramente. A parte isso, uma coisa que eu gostava de admirar nas pessoas é a capacidade que elas têm de nos surpreender, como eu tinha dito, nunca imaginei que ele gostasse de observar o pôr-do-sol, se eu não sabia isso, imagina a quantidade de outras coisas as quais ele gostava e que pelos meus próprios pré julgamentos eu podia vir a não tomar conhecimento? Talvez não seja inteligente julgar alguém, porque afinal, cada ser humano é uma caixinha de surpresas.

 

Ele finalmente se moveu, sua cabeça se inclinou um pouco e eu tinha certeza que ele tinha me visto.

 

— O que faz aqui? — perguntou, ainda de costas.

 

Eu tinha de admitir, era uma boa pergunta, o que eu estava fazendo ali? Num momento eu estava curioso e no outro eu já estava ali, quando você desliga a voz da razão esse tipo de coisa ridícula acontece, mas se nunca tivesse caminhado até ali, provavelmente teria ficado com aquela curiosidade engasgada e me incomodando, durante tempo demais.

 

—Queria saber o que estava fazendo aqui. —  falei, olhando para ele que sequer piscou ou fez questão de mover o rosto em minha direção.

 

—Saber meu nome não é pré-requisito para tentar mostrar que se importa. Não teria por que estar aqui aliás, se importar com algo que você não tem idéia, não faz sentido.

 

Era um bom ponto. Nós nos incomodamos, permitimos que algo nos tire a paz quando é algo com que nos importamos demasiado, acho que nossa saúde mental não vale todo o esforço de nos importamos com o desconhecido. Errado. Algumas coisas simplesmente nos roubam a atenção, muitas vezes ações sem explicação, num segundo estamos contando com algo, no segundo seguinte acontece uma surpresa. O mundo é das ações que não fazemos idéia que fazem alguma diferença. Não tinha o porquê de estar ali, no entanto ele estar ali era tão curioso quanto.

 

— Eu fiquei curioso em saber por que alguém se esconderia no meio das árvores frutíferas, sozinho, quando o resto de seu grupo está lá fora se divertindo, ou no caso, xingando o meu. — mudei o peso para a perna esquerda e cruzei meus braços.

 

— Não interessa.

 

Bom, aconteciam algumas surpresas como aquelas também. Nunca esperaria que ele fosse o tipo de pessoa que respondesse às outras dessa forma. Tive a respiração suspensa pela surpresa, por um segundo.

 

— Nunca pensei que você fosse o tipo de pessoa que respondesse dessa forma. Parabéns, me surpreendeu. —Comentei, mas incrivelmente permaneci no mesmo lugar.

 

Creio que cada pessoa é uma aventura, quer dizer, cada pessoa é um baú de segredos, nem todos são piratas, nem todos estão dispostos a mergulhar e descobrir coisa alguma, até porque às vezes é necessário muito mais coisa além de só se jogar no baú, tem coisas entranhadas que precisamos vasculhar. Estou dizendo isso porque assim como não esperava de Hoseok esse tipo de atitude, geralmente não esperamos de ninguém atitudes parecidas com essas, moldamos todos a uma determinada condição, e quando descobrimos que não se encaixa, ficamos surpresos. Por vezes, a surpresa é que traz a graça da situação.

 

O garoto respirou fundo e se virou em minha direção, pela primeira vez.

 

— Mil perdões, eu só... Não estou acostumado com esse interesse e pergunta. Eu realmente não costumo responder dessa forma.

 

 

Seu rosto parecia confuso por debaixo de todas aquelas desculpas e a formalidade, os olhos pareciam um pouco cansados e o corpo estava, mas era como se não quisesse estar ali. Me perguntava se ele estava passando por algum tipo de guerra interna naquele momento. Estamos sempre passando por alguma guerra invisível da qual ninguém faz ideia e por isso não há como se interessar por ela verdadeiramente.

 

Decidi que não iria deixar o clima daquela forma esquisita, mesmo que ele não gostasse de mim e dos outros —o que eu não tinha certeza— eu estava mesmo querendo saber por que ele estava ali, agora ainda mais com suas reações presentes, por isso eu iria ignorar os prováveis questionamentos que vinham com aquele tipo de reação e seguiria em frente simplesmente.

 

 

— Não precisa se desculpar por isso. Afinal de contas, é melhor quando descobrimos que uma pessoa não é nada daquilo que esperávamos, na maioria das vezes esperamos algo totalmente destoante da realidade. — comentei, pulando para o banco onde o maior estava sentado, com as pernas no espaço entre o local de se sentar e de encostar as costas, admirando o sol bem perto de se pôr totalmente.

 

 

— Você esperava algo? — perguntou e me olhou durante um tempo, até perceber que eu não olharia para seu rosto de volta e se virou para frente.

 

 

 

— Na verdade? Não. Acho que eu e todas as pessoas temos uma visão de você e dos outros Aristogatos já pronta, assim não temos muita curiosidade de saber a verdade ou não. — O garoto bufou e eu dei uma risadinha. Sabia o porquê.

 

 

— Esse é um nome patético.

 

 

— O nosso também. — comentei, dessa vez olhando para o outro.

 

 

— Mas não fomos nós quem apelidamos vocês.

 

 

— Mas usam da mesma forma.

 

Olhei para ele, que demorou um tempo até finalmente dar de ombros, admitindo que fazia sentido e se virando para frente novamente.

 

— Faz sentido. Mas qual a visão que se tem de nós?

 

 

O problema de se ser muito sincero, é que às vezes as pessoas nos perguntam algo, mas não é na intenção de ouvir a verdade, é mais pela curiosidade da pergunta em si, quando se é sincero não dá para diferenciar esse tipo de coisa, a gente só entende que a pessoa perguntou e que ela quer uma resposta.

 

 

— Que os pais de vocês são ricos e esperam que vocês sejam o brinquedo de fantoche deles, e vocês passam por uma eterna briga interna entre querer agradar seus progenitores e ter uma identidade própria, mostrando que querem muito mais do que eles esperam de vocês. Sem contar na parte que todo mundo acha que vocês são pequenos cordeiros que seguem tudo o que eles dizem e estão fadados a pagarem por seus pecados, como se vivessem sempre debaixo da linha imaginária que eles mesmos criaram. Quando não é verdade, vocês podem ser quem quiserem, mas a humanidade ainda não está preparada para compreender que às vezes nós somos muito mais do que reflexo dos nossos pais, ou simplesmente, que não temos nada a ver com eles.

 

Falei aquilo tudo de uma vez, como se estivesse dando uma palestra ou apresentando meu ponto de vista, defendendo minha tese e tivesse medo de que se não falasse aquilo tudo de uma vez, as coisas fossem sumir de minha mente.

 

Ele parecia tão surpreso quanto eu, me olhou por um tempo e apenas suas pálpebras se moviam quando piscava lentamente em minha direção. Respirou fundo e de repente, estava rindo. Não era alto nem exagerado, por causa disso parecia ser contido e não ser oficialmente “A risada dele”, mas desde que eu estava curioso, aquilo era bastante coisa.

 

 

— Isso não parece o pensamento de uma quantidade enorme de pessoas.

 

Revirei meus olhos.

 

— Talvez seja uma mistura de pensamentos deles e pensamentos meus. — Por um segundo ficamos em silêncio, porque aqueles seriam os três minutos que rapidamente levariam o sol embora.

 

Acho que belezas como essas são feitas apenas para aprendermos a como nos despedir de belas coisas, belas ou não tão belas assim, todas as coisas tinham um tempo limite de existirem ou se fazerem presentes, após esse tempo, tudo que se segue são as despedidas e a aceitação da falta, da ausência e algumas vezes, da lacuna. O sol não parece deixar uma lacuna, já que depois que ele desaparece, a lua toma o seu lugar, mas para pessoas que são apaixonadas pelo sol, toda vez que ele se põe abre-se uma lacuna. É assim, questão de ponto de vista.

 

— Se bem que nada que você disse é mentira. É exatamente assim que acontece, e até pior...

 

Foi reticente e baixou a cabeça, tendo o último raio de sol a incidir em seus olhos e mostrarem que eles pareciam levemente enevoados.

 

— Bela cor. Os seus olhos. — disse a última parte, quando ele olhou para mim e pareceu não compreender a que eu me referia.

 

Quando completei ele pareceu pior do que quando eu não tinha dito coisa alguma, tentei me policiar mentalmente, repassando o que tinha dito para ver se achava algo errado, mas parecia tudo normal. Talvez não fosse o que eu disse, foi apenas o fato de ter dito algo. Não estava dando em cima dele, eu juro!

 

— Por pouco tempo, eu suponho.  — Melancólico.

 

 

Pessoas melancólicas tendem a ser bastante inteligentes. É preciso ser bastante inteligente para saber lidar com a dor. E a fonte são as minhas próprias palavras.

 

— Como assim?! — perguntei, acerca do que ele tinha dito e o garoto se virou de costas para mim, decidi não atrapalhar e continuei olhando para a mescla anterior de lilás e rosa do céu, agora se tornando azul escuro e um branco leitoso.

 

— Meus olhos estão dessa cor porque... Em breve eles não terão cor alguma. Meu mundo não terá cor, melhor dizendo.

 

 

Eu já tinha ouvido falar em pessoas que viam o mundo cinza, Namjoon já tinha me contado sobre elas, ele ficou abismado, mas eu consegui compreender muito facilmente o que as pessoas queriam dizer com a ausência de cores, afinal de contas, todo mundo já teve um dia cinza, em algum momento.

 

Cheguei um pouco mais perto dele e empurrei de leve seu ombro.

 

— Tudo bem, Hoseok. Todo mundo já teve pelo menos um dia cinza na vida.

 

Ele me olhou por cima do ombro e seus olhos focaram nos meus, por um momento ele não disse nada, pareceu apenas me analisar e procurar sinal de... Alguma coisa, mas em seguida abaixou sua cabeça e sorriu. Seu sorriso era bonito, apesar de naquele momento não parecer sincero.

 

— Você não entendeu o que eu quis dizer, Min, meu mundo não terá cor, para sempre. Dentro de um mês eu ficarei cego.

 

Após dizer aquilo o garoto deu mais um tempo me olhando e levantou-se, provavelmente esperou que eu dissesse alguma coisa, mas todas as vezes em que abri a boca, nada veio. O que se diz em momentos como esses? Não há nada a ser dito.

 

A noite já tinha caído há uns bons dez minutos quando ele disse aquilo, mas estávamos tão imersos ao momento que nem percebemos, quando Hoseok se distanciou de mim eu me dei conta da escuridão, pois seu corpo era apenas uma silhueta, uma sombra escura se movendo, admito que deveria ter ido atrás dele e perguntado um pouco mais sobre aquilo, já que eu estava anteriormente tão curioso para saber o porquê de ele ter entrado naquela parte do parque, no entanto agora eu sentia que não podia me mover, que não conseguiria mesmo que quisesse, estava estancado mesmo no lugar. Respirei fundo e continuei observando ele se afastar, não parecia o mesmo de antes. Não parecia o mesmo de sempre.

 

Admito que estava falando dele como se o conhecesse, mas aquilo era inevitável, eu sou bastante observador e do tempo que tenho visto os aristogatos andando por aí, observo a forma como se movem e até mesmo como falam, alguns detalhes ficam gravados na mente e um desses detalhes, quer dizer, uma das formas mais marcantes melhor dizendo, era a forma como Hoseok parecia ser o sol do grupo, sempre sorrindo e emanando felicidade, de todas as vezes que eu o tinha visto ele estava, ou agindo de forma estranha, fazendo movimentos corporais esquisitos, ou sorrindo a ponto de deixar transparecer as belas covinhas acima de seus lábios. Naquele momento que eu o vi, no entanto, ele parecia apagado, como um vagalume quando se perde do grupo, que sua luz começa a piscar fraca depois de um tempo, quando os outros já não o reconhecem mais, se eu tivesse que comparar ela com a minha estação favorita, certamente que ele seria uma folha de outono muito próxima de cair.

 

 

Eu não fazia ideia do que tinha acontecido, o porquê de ele perder a visão em breve, sequer sabia o que “em breve” significava, no entanto eu sabia que não era o correto, eu sabia que não era válido, me sentia incapaz de... Permitir que isso acontecesse, não a parte de ele perder a visão, porque obviamente eu não tinha como evitar isso, mas a parte de ele cair como uma folha, aquilo eu podia evitar.

Os dias ruins são mesmo horríveis, de olhos abertos ou fechados, aquele cinza se alastra, mescla de ausência e presença é tudo o que se conhece, ficamos naquele meio termo entre conhecer a luz e aceitar a ausência dela, assim nos perdemos no meio do caminho, sem a mínima vontade de nos achar, é uma guerra, e nem sempre estamos dispostos a ser guerreiros por nós mesmos ou por qualquer pessoa, nem sempre é assim tão fácil. Sendo assim desistir acaba sendo a melhor saída, mas eu sentia como se ele não pudesse desistir, sabe? Eu já tive aqueles dias, como eu disse, todo mundo tem esses dias às vezes, mas eu tentava me regenerar desses machucados, um passo de cada vez, por que ele não poderia fazer o mesmo? Às vezes nós precisamos de ajuda, precisamos de uma “mãozinha”, alguém que nos desvie daquele caminho.

Eu não o conhecia, não sei se ele queria me conhecer e nem se fazia alguma questão de que eu o ajudasse, mas eu sabia que Hoseok sempre tinha sido a luz, talvez não para mim até aquele momento, mas para alguém, e quando encontramos uma luz, nossa única missão, mesmo que não tenhamos o mínimo de controle e intimidade para com ela, é impedir que ela se apague. E eu iria impedir que Jung se apagasse.

 

 

 

Voltei para casa e decidi que iria fazer alguma coisa em relação àquilo, peguei o computador e comecei a procurar tudo sobre ele, claro que eu jamais faria a indecência de perguntar o número dele para algum dos outros dois, ligar para ele no meio da madrugada e perguntar qual o seu sabor de refrigerante favorito, além de não fazer nenhum sentido, nós não éramos adolescentes. Bom, ele era, eu nem tanto.

Pelo menos uma coisa boa das redes sociais era a possibilidade de você se infiltrar na vida de alguém sem pedir permissão, aliás, as pessoas mesmo se expõem na rede, não é como se elas não estivessem permitindo você de fazer o mesmo.

 

Descobri que o garoto está no terceiro ano do ensino médio, quer dizer, eu já sabia que eles estavam na escola e se preparando para os exames das universidades mais importantes da Coréia, mas aqui a pressão é tão insana sobre ser alguém de respeito, como se ser alguém que mereça respeito tivesse que ter a ver estritamente com a profissão que você exerce, que as pessoas começam a se preparar para sua vida profissional desde o primeiro ano, então eu não sabia exatamente em que série o garoto estava, mas sendo assim ele tinha idade o suficiente para entender determinado tipo de coisa, tinha idade até mesmo para entender o que estava sentindo, em vez de estar se desesperando por nada. Eu nunca agia por impulso, sempre pensava imensamente em todas as coisas que tinha de fazer, a pior sensação depois do ato é o arrependimento, coisa que eu não gosto de sentir, então eu simplesmente decidi, depois de pensar um milhão de vezes nas mesmas coisas que tinha repetido para mim mesmo no momento em que eu entendi que ele estava se apagando, que iria fazer, decidi que iria me aproximar do garoto e tentar salvá-lo.

 

Eu não estava me achando algum tipo de Robin-Hood é claro, obviamente eu não era perfeito e tinha minhas falhas e problemas, mas quando vemos uma situação a qual sabemos que podemos ajudar, por que não fazer? Por que eu não o ajudaria se pudesse? Duas palavras minhas poderiam ser capazes de mudar todo o dia dele, e nada melhor para a alma do que fazer alguém feliz.

 

Decidi que iria até a escola dele, buscar ele para um passeio, quer dizer, eu só tinha aula de noite, o que me custaria ir até lá? Não cogitando que eu fosse encontrar ele e simplesmente, como num passe de mágica ele fosse começar a se abrir e me contar sua vida inteira, mas o que eu perderia se tentasse?

 

 

Acordei na manhã seguinte decidido a ir até lá, o máximo que ele iria fazer era me expulsar assim que eu tentasse puxar assunto, e não era como se eu nunca tivesse passado por algo parecido. No caminho até a escola dele, fiquei pensando sobre como iria abordar o assunto sem parecer que estava com pena dele, acho que todas as pessoas em situações como a de Hoseok pensavam a mesma coisa, que qualquer pessoa que tenta se aproximar está tentando na verdade obter redenção para sua alma, por meio da pena que sente de alguém necessitado, mas a verdade é que às vezes as pessoas estão apenas querendo fazer as outras felizes, é muito bom fazer alguém sorrir, sabe? Melhora o seu dia, e mesmo que eu não vivesse sorrindo por aí, o que custa fazer com que alguém seja desse jeito, no seu lugar?

 

A escola do garoto é imensa — particular, claramente — parecia ser do tipo onde os adolescentes se portam como se todos da escola estivessem aos seus pés e tivessem de se submeter aos seus caprichos, porque sinceramente era como adolescentes mimados e ricos se portavam, como se todos ao seu redor vivessem e estivessem prontos para morrer, apenas por causa da mensalidade que eles pagam. Crianças são mesmo bobas, achando que o mundo gira em torno delas. Revirei os olhos quando parei na portaria.

 

— Sim? — eu e meu casaco de moletom vermelho, uma calça apertada e um converse de cano alto, certamente que o segurança achou que era um malandrinho qualquer, e não que poderia apenas ser alguém rico que gosta de se vestir confortavelmente e não para impressionar os outros.

 

Mas bom, rico era algo que eu não era.

 

— Gostaria de falar com Jung Hoseok, por favor.

 

O segurança me mediu de cima a baixo e eu ri por um fato óbvio que sempre me deixava abismado, a capacidade que pessoas que são socialmente compatíveis, por exemplo eu e ele que provavelmente temos a mesma renda, julgando as outras, é como alguém da mesma cor que outra cometer racismo ou injúria racial. Às vezes eu me questionava como as pessoas passavam um enorme tempo falando sobre igualdade e direitos, mas na primeira oportunidade que tinham eram desrespeitosos e hipócritas, julgando aos seus semelhantes.

 

— A turma dele irá sair em breve. Mas, ele não tem ordens para ser liberado sozinho.

 

— Não te perguntei. — falei aquilo e dei as costas a ele, me encaminhando para sentar num banquinho próximo a saída.

 

 

Eu não costumava ser assim tão grosseiro com as pessoas, mas era melhor do que ser olhado daquela forma, eu não fiz nada, o mesmo que me olhava era o que reclamava no ônibus que o segurança da loja estava o seguindo. Engraçado.

O banquinho ficava próximo a saída da escola, dava para ver os alunos passando, olhei o relógio pois estava com fome, não tinha tomado café para aquela aventura e a intenção nem era realmente levar ele para comer ou qualquer coisa desse tipo.

 

 

 

 

Ouvi as vozes irritantes, provavelmente alguma adolescente assanhada querendo atenção, e justamente tinha uma delas pendurada no braço direito de Hoseok, o chamando de “Oppa” e essas coisas baratas que elas veem nos doramas e acham ótimo, tentam reproduzir, revirei os olhos e caminhei para perto dele. Não que Oppa fosse errado, até porque era questão de respeito e educação, eu só estava tentando implicar com algo mesmo.

 

— Bom dia, Hoseok. — Não tinha soado formal em minha mente, mas foi exatamente como soou quando falei. Ele me olhou de lado, pelo menos substituindo a expressão rabugenta que estava para uma de espanto.

 

— Yoongi... O que faz aqui?

 

 

— Quem é esse, oppa? — A garota perguntou e eu mantive os olhos arregalados em incredulidade.

 

 

— Garota, me erra. Eu vim te levar para dar um passeio. — falei a primeira coisa para a menor e depois me direcionei para ele, que se pudesse se materializar uma interrogação em sua testa... Teria.

 

 

— Me levar para dar um passeio? Onde? Por quê?

 

— Ah... Eu não sei! Eu apenas pensei que fosse gostar de algo assim. — comentei, uma mentira horrível. Eu não tinha pensado até aquela parte, tinha de admitir.

 

 

— Não tenho interesse. Passo. — falou, se desvencilhando do aperto da garota e andando em direção à algum lugar.

 

— Hoseok, espera! Aquela conversa que tivemos ontem, eu fiquei curioso sobre saber um pouco mais sobre você. Nós poderíamos ver as flores. — comentei e ele parou abruptamente no meio do caminho, o que fez com que meu rosto batesse em si.

 

 

— O que te faz pensar que eu gosto de flores?

 

— Porque você é uma flor.

 

 

Era a primeira vez que eu mandava uma cantada real, na mesma intensidade que era a primeira vez que me lançavam aquele tipo de olhar mortal e desacreditado com o qual ele estava me olhando naquele momento, provavelmente me julgando? Quem sabe. Eu nem sei por que disse aquilo, mas de todo, foi engraçado.

 

 

— A pergunta é, você é um dos Meninos malvados, por que eu iria querer ser visto com você.

 

 

— Esse nome é ridículo. — retruquei quase de imediato, do jeito que ele tinha falado soou mais patético impossível.

 

— No entanto, você não deixa de ser um deles. Passar bem.

 

 

Eu não esperava ser aceito de primeira, e não é como se aquilo fosse o fim do mundo, ele era só um garoto tentando lutar uma guerra interna que nem eu e nem muitos que estavam ao redor dele, faziam ideia da dor e da confusão que era, enquanto eu era só um quase adulto ranzinza que vivia por aí admirado com sorrisos, covinhas e estrelas. Eu no fundo sou bem simples, é só observar com cuidado.

 

Era apenas segunda-feira, não é como se a batalha fosse até o meio da semana, eu ainda tinha tempo.

 

 

Fiquei pensando nos dias que se seguiram sobre ele ter dito do “mês que faltava”, os meses podem passar incrivelmente rápidos, rápidos o suficiente para nos assustarmos com ele, por isso eu realmente tentei me dedicar a conseguir sua atenção. No segundo dia eu cheguei lá com uma roupa de corrida, chamando ele para correr comigo e ele não se interessou, na Quarta eu cheguei com um controle de videogame, ele simplesmente não se importou nem um pouco, na Quinta eu levei um livro e o cupom do café temático mais próximo, ele ignorou e eu me perguntei como um adolescente dispensaria um café com tema “animesco”. Ele era estranho.

Por fim, na Sexta eu cheguei com apenas o meu celular e fones de ouvido, incrivelmente ele saiu olhando em direção ao banco e revirando os olhos em frustração quando me viu, talvez a gente até se acostume com essa coisa de alguém tentando nos fazer companhia, mesmo quando não queremos.

 

 

— Você não cansa? — perguntou e eu retirei o fone do lado direito, dando uma risadinha.

 

— Vir te ver toma zero do meu tempo, sem falar que é bom tomar um sol.

 

Na realidade eu não suporto tomar sol, aliás, quem gosta? Mas dizemos muitas coisas para agradar alguém.

 

— Você não tem nada melhor para fazer não? E hoje, o que você trouxe para tentar me convencer de que eu deveria sair com você e me juntar ao clã? — ri do que ele disse. Bom, talvez ele assistisse Naruto, pelo menos.

 

— Eu não trouxe nada. A não ser... — puxei meu fone e empurrei com cuidado em seu ouvido esquerdo, antes que ele pudesse protestar.

 

 

Namjoon é fissurado por Epik High, de tanto que ele ouve você acaba gostando também em algum momento, nada é tão bom quanto ouvir um rap vindo do fundo do coração, aquela coisa de quando a pessoa expõe sua alma e simplesmente deixa a música fluir em forma de sentimentos e letras, entrelaçados, eu sou apaixonado por coisas assim, sou apaixonado por coisas intensas. Em vez de dizer algo, Hoseok ficou em silêncio, parecia concentrado, apesar de estarmos andando para, seja lá para onde estávamos indo.

 

— Então você gosta de rap?

 

— Que tipo de pessoa não gosta de rap? É uma das formas mais simples, diretas e imensamente emocionais de se expressar. — falei sendo extremamente sincero, olhando para meus pés e mexendo os dedos indicadores, ouvindo a batida da música.

 

— Você não parece estar dizendo isso para me impressionar apenas.

 

 

— Mas eu não estou. Eu realmente gosto muito de rap, só achei que se você ouvisse um pouco disso, ouvisse um pouco os sentimentos de alguém, pudesse tirar essa cara amarrada aí.

 

 

— Do que adianta entender os sentimentos alheios, se ninguém entende os meus? — disse depois de um tempo, parecia murmurar mais para si mesmo do que para mim. Suspirou em seguida e eu suspirei junto.

 

 

— Se você for viver esperando que as pessoas notem seus sentimentos, nunca viverá plenamente. As pessoas são mesquinhas, Hoseok, elas fazem de tudo para conseguir o que querem, ainda que isso signifique passar por cima de alguns no processo, eles trituram corpos, mente e corações, por que não triturariam sentimentos alheios? É preciso que você viva por você, pois viver pros outros é a certeza da impotência. Já se sentiu impotente? — perguntei aquilo e ele começou a rir, mas dava para sentir o amargo na risada.

 

 

— Eu me sinto assim todos os dias que acordo. Não é horrível? Você estar confinado a algo, um inimigo invisível, ao qual você não pode combater, só se render e juntar-se a ele, ou simplesmente se entregar e admitir que você é um idiota impotente. Se sentir impotente é acordar sabendo que vai ter de sucumbir, pois não há outra saída e mesmo assim querer que o mundo inteiro pare para assistir sua tragédia agridoce e dar-te tapinha nas costas, pois talvez tapinhas nas costas te ajudem a se sentir menos insuficiente. Eu estou cansado.

 

Aquele era um dos momentos no rap em que o rapper começa a despejar seus sentimentos em palavras rápidas, todas presas em sua garganta, começa a transbordar como um verdadeiro balde de sentimentos. Somos todos poços de sentimento prestes a transbordar, só a espera do gatilho correto.

 

— Eu imagino que você deve estar cansado.

 

— Não, você não faz ideia. — aumentou a velocidade de seus passos e eu o puxei de volta pelo braço.

 

 

— Hoseok, não é porque não vou perder a visão que também não sei a sensação de se estar cansado e de se sentir insuficiente, todos nós passamos por batalhas internas, sabia? Todos nós somos guerreiros aqui, então não pense que você é o único, assim como não pense que você pode resolver tudo isso sozinho, porque não pode, sem contar que quando se tem ajuda, as coisas parecem menos complicadas. As peças do quebra cabeça ficam mais fáceis de serem encontradas

 

Ele ficou me olhando por um tempo e sem perceber, estávamos na frente da casa do Namjoon. Apesar de fazer psicologia, ele fazia músicas, tinha um tipo de estúdio improvisado no quarto dos fundos, que tinha um espelho grande em uma das paredes e eu sabia exatamente algo que animaria o Jung.

 

— E como você supõe me ajudar? — fiz um sinal em direção ao prédio pequeno e aparentemente nada arrumado, ao qual estávamos parados na frente sem perceber.

 

 

— Que tal dançarmos um pouco?

 

 

A verdade é que eu não danço nada, não por vontade própria, mas eu queria que ele dançasse ao invés de mim, eu queria apenas que ele tentasse se divertir um pouco, ele parecia tão tenso, tão focado, mesmo que fosse um destino... Fadado, ainda assim ele deveria tentar. Tentar por tudo.

 

 

— Eu não quero dançar, Yoongi! Do que adianta fazer todas essas coisas que você vem tentando fazer comigo, dançar, correr, fazer malabarismo, se em menos de um mês eu já não vou enxergar mais nada, e fazer todas essas coisas vão ser só passado?

 

 

— Hoseok, já pensou na possibilidade de ver o mundo com muito mais do que somente seus olhos? O mundo não fica cinza apenas porque você não pode mais ver as cores dele, você pode colorir o mundo em sua mente. Não se restrinja.

 

 

— É fácil para você falar, você não vai ficar cego para sempre. Você ainda vai conseguir ver a porra que você quiser! — gritou comigo na frente do elevador. Sinceramente, não esperava uma reação daquelas. Mais uma vez, ele me surpreendeu.

 

 

— Eu poderia ficar cego para o resto da vida, mas jamais seria capaz de esquecer seu rosto, com olhos abertos ou fechados, eu continuaria sendo capaz de me lembrar da sua beleza, só de tocar em você! — falei, impulsivamente e gritando consigo.

 

 

Mais um dos momentos que eu não fazia a mínima ideia do porquê de ter dito aquilo, eu queria apenas que ele abrisse seus olhos, não literalmente, mas queria mostrar a ele que o mundo não é apenas aquele que está bem debaixo dos nossos olhos, mas a verdade é que ele pode ser muito mais amplo, é necessário expandirmos os nossos horizontes em momentos como esses. Eu não estava na sua situação, mas eu sabia que as coisas sempre são mais do que parecem.

 

 

— O que foi isso? — Ele perguntou e minhas bochechas esquentaram, todo o moletom começou a fazer um calor dos diabos e eu tinha medo de hiperventilar, o elevador abriu a porta e eu só puxei ele quase que desesperadamente para dentro.

 

— Nada. Vamos!

 

Ficamos num silêncio um pouco estranho de começo quando entramos no elevador, talvez eu estivesse constrangido com o que disse, e ele tentando entender por que cargas d’água eu tinha dito algo parecido para alguém que eu nem conhecia direito. Ele estava de frente para o espelho e eu de costas, e mesmo com os olhos fixos no espelho, ele parecia não estar enxergando verdadeiramente o seu reflexo, era apenas como se estivesse vendo para não deixar de ver, digamos assim.

 

 

— O problema é só que... Eu não sei o que fazer. Quer dizer, eu não sei o que esperar com tudo isso, eu não sei como é a escuridão, eu sempre vivi tão rodeado de luz que não faço ideia de como é viver sem ver as cores do mundo. — Ele disse, daquela vez era para mim, encostou a cabeça no vidro e o elevador parecia estar subindo imensamente lento para quem estava indo para o quarto andar.

 

Fiquei em dúvida entre tocar nele ou não, e terminei por colocar a mão direita em suas costas, fazendo um carinho suave e tímido por cima de seu moletom de lã.

 

— A vida é como uma vela e nós sempre temos de ter uma caixa de fósforos em mãos, sempre que a chama se apagar, buscamos um novo palito e a acendemos. Eu sei que parece complicado agora, sei que é diferente de tudo que já te aconteceu, mas somos movidos por coisas diferentes. Eu sei que nada do que eu disser se encaixa a sua situação atual mas... É o que temos Hoseok. Tentar nos adaptar com o que o mundo nos oferece é o que temos.

 

Eu parecia cansado, não da conversa, não dele, e sim de vê-lo daquela forma. Eu podia não ter nenhuma intimidade com o mais novo, no entanto quando temos a sensibilidade de querer ajudar alguém é porque sabemos, estamos sendo guiados por uma vontade inerente de ajudar, ajudar a tirar todo aquele peso de seus ombros, como uma meta.

Alcancei sua mão esquerda que estava ao lado de seu corpo e ele se assustou, quando a toquei no espelho.

 

— Vê? É o seu reflexo, você está vendo ele, não só aqui como quando está dançando na sala de dança, no entanto você não o pode tocar e ele continua se movendo, pois ele segue os movimentos do seu corpo e não o contrário. Essa imagem é um reflexo de você, você se vê dançando bem através do espelho por que você está dançando bem, isso é só um reflexo do seu bom desempenho. Se você não puder mais ver o reflexo, não significa que parou de dançar bem, significa que precisou confiar na sua capacidade de ser incrível e tornou a imagem no reflexo, desnecessária.

 

 

Era baseado numa observação, nada muito profissional e coisa e tal, mas era algo em que eu acreditava e achava que ele deveria acreditar também, afinal de contas depender de um reflexo é como depender de uma instrução para poder andar, sendo que a dependência é apenas do movimento de suas pernas.

Me olhou durante um tempo, do meu rosto para minha mão e foi quando percebi que ainda estava segurando a sua e a soltei, minhas bochechas ficaram quentes e pelo canto de olho percebi que dessa vez ele sorriu. Bom, pelo menos eu tinha conseguido algo.

 

 

 

Saímos do elevador e eu bati na porta do Namjoon com o pé, o som estava meio alto, de certo que ele estava trabalhando em algo.

 

— Abre aqui, Freud. — gritei e continuei chutando a porta, o que fez Hoseok rir baixinho.

 

A porta foi aberta e estava lá o poste que eu chamava de melhor amigo, com aquele pijama ridículo do Ryan.

 

— Já disse para você não me chamar com esse nome. Oi, Hoseok! Entrem. — virou de costas e deu espaço para que entrássemos.

 

 

— Todo mundo sabe o meu nome? — O mais novo de todos perguntou, quando a porta se fechou.

 

— As maravilhas de ser um Aristogato. — Namjoon falou aquilo e Hoseok tentou rosnar, mas mais pareceu um ronronado realmente.

 

— Já disse para não me chamarem assim.

 

 

Fomos todos andando em direção ao estúdio de Namjoon e eu acertei que ele estava lá fazendo música, como sempre, ele era um tipo de rato de estúdio, como eu, mas conseguia ser bem pior. As coisas estavam organizadas, como sempre, geralmente se bagunçavam quando ele estava empolgado, já gostou tanto de algo que seu corpo começava a ter respostas para a coisa? Tipo agitar os braços e querer gritar, tamanho é o que você sente pela coisa? Ele acabava por bater a mão nas coisas. O espelho de sempre estava lá e eu não tinha certeza absoluta de para onde Hoseok estava olhando, mas parecia abismado do mesmo jeito.

 

 

— Uau! Onde estamos? — Ele parecia se referir ao estúdio como um tipo de Nárnia ou qualquer coisa. Achei adorável.

 

— Estamos aqui onde a mágica acontece. — Namjoon disse, sentando em sua poltrona escura e mostrando toda a aparelhagem, a mesa de mixagem, a tela na parede, a mesa de controle e ajuste de som, tudo comprado por nós dois, num trabalho de férias com um plus de trabalho do ano passado inteiro, eu sempre vinha para o Mon Studio quando tinha uma ideia muito incrível. A votação inicial era para o estúdio se chamar Genius Lab, mas meu melhor amigo é um sacripanta.

 

— Aqui onde a mágica vai acontecer com você. — falei, fazendo sinal da mão em direção a Namjoon, para que ele colocasse o que eu queria.

 

Hoseok não fazia ideia do que iria acontecer, no entanto aquela era minha intenção inicial desde sempre. Acho que por vezes as pessoas nos compreendem tanto com olhares e dois por cento de conversa que tentamos evitar, ignoramos dizendo que não, mas a verdade é que é sim, quanto menor a velocidade dos acontecimentos, mais perdido se tende a ficar, mais belo o caos tende a ser. Se a beleza não se vê com os olhos, o que estávamos esperando?

 

Namjoon deu play naquela música, era exatamente o tipo de vibe que ele exalava, a cor num mundo cinza, buscando motivos para não parecer sempre colorido, já que todo mundo tem dias cinzas, mas ele emanava esperança, Hoseok era uma luminária e eu tinha medo que ele se esquecesse disso. Segurei ambas as mãos dele e comecei a balançar seus braços.

 

— Hoseok, eu sei que as coisas parecem difíceis agora, eu sei que você está com medo do futuro, sei que você tem medo de não ser suficiente e de não saber como descobrir o mundo com outros olhos, mas se você não acreditar em si, se você não acreditar que pode ser bem mais que um arco-íris e que ter dias cinzas, não significa algo ruim, como vai se permitir ser você e alcançar as estrelas?

 

Eu disse aquilo e ele estava se olhando no espelho enquanto movia seu corpo, sorri para ele, segurando seu queixo e virando seu rosto para mim.

 

— Pare de procurar refúgio no seu reflexo, se refugie na sua mente. Hoseok, acredite na sua luz que emana de dentro. Você tem tudo o que precisa para remar contra a corrente, bem aqui. — fiz um “x” em seu coração e o soltei.

 

No começo ele só ficou parado olhando para mim e para o reflexo, procurando algo, talvez ele estivesse se sentindo andar na corda bamba, apesar de ainda enxergar, aquele era ele tentando confiar que em breve, mesmo que parecesse o fim, não seria, ele estava se convencendo que ser Jung Hoseok era muito mais do que os olhos podiam ver. E era.

Fechou os olhos e começou a sentir a música. Para falar a verdade eu já tinha visto ele dançando, ele ia a competições de dança usando uma máscara ridícula que lembrava uma focinheira com espinhos, mas não era como se uma pessoa como ele fosse impossível de saber diferenciar, ele não dançava sabe? Era movido pelo vento, toda a esperança e sorte que ele dava ao mundo, tudo o que ele brilhava para todos, estava brilhando bem ali, confiando em si mesmo. Ele estava dançando, o corpo sentia a música muito mais do que um dançarino contemporâneo utilizava os versos para expressar seus sentimentos, porque ele dependia daquilo, ele dependia da sua capacidade de se acostumar com a escuridão para impedir que está o consumisse por completo.

 

 

— Yoongi, eu estou... Dançando. De olhos fechados. — Ele gritou depois de um tempo e ria, era incrível como sua mente conseguia se lembrar de quais movimentos fazer novamente, como sabia para onde deveria ir. E ele girava e girava, o corpo ondulava e eu comecei a sorrir.

 

— Você está incrível, Hoseok!

 

 

— É como um sonho! É o meu sonho!*

 

 

As melhores coisas acontecem quando não estamos esperando, poderiam dizer que tudo o que eu estava fazendo era guiar Hoseok em direção à luz, mas a verdade é que eu estava mostrando o que ele sempre teve dentro de si, e tinha medo de libertar. Ele era a luz. Ele era o tipo de luz que brilha por aí em direção ao infinito, nada o atinge, nada o restringe, porque ele é infinito. Quando Jung Hoseok dança e sorri dessa forma, quando ele se encontra, ele se torna infinito!

 

 

 

À partir do momento que ele me permitiu entrar, as coisas ficaram mais fáceis, tentar ajudar ele ficou mais fácil. Aquela foi a primeira coisa que eu ensinei ao mais novo, ensinar não porque eu não era professor, eu apenas tirei a venda de seus olhos, não é fácil, não é fácil se deparar com uma mudança tão drástica, mas nem sempre o mundo irá cooperar com as nossas expectativas, seremos surpreendidos e isso não deve ser o fim do mundo, o fim só chega quando você termina de fazer as 6 coisas impossíveis antes do café da manhã. Sabe quais são?

Eu fiz algo que eu nunca achei que fosse fazer, descobri que Seokjin um de seus amigos era apaixonado por botânica e eu queria ensinar outra coisa a ele, por isso conversei com ele e pedi para que pudéssemos ir ao parque hoje, para que ele levasse Hoseok lá e ele sequer protestou, acho que pessoas como o Kim percebem quando as outras pessoas tem a intenção de fazer o bem, afinal, até onde sei, ele é a pessoa mais bondosa com menos de trinta que já conheci em minha vida.

 

 

Eu e Namjoon estávamos sentados nas arquibancadas, vendo Taehyung treinar jogadas com Jungkook — meu irmão mais novo—, quando os Aristogatos chegaram.

 

 

— Está entregue. — Seokjin disse quando chegaram perto e Jung olhou confuso para ele e para mim.

— Não olha para mim, não tive nada a ver com isso.

 

 

— Fui eu quem pedi que ele te trouxesse aqui, Hoseok. Eu tenho algo para te mostrar.

 

— Mas...

 

 

Ignorei seja lá o que ele tivesse a protestar sobre o assunto, apenas saí andando em direção ao lugar que nos tínhamos encontrado aquela vez, na clareia, Jimin ficou para observar os mais novos jogando na quadra, Seokjin e Namjoon vieram conosco.

 

— Se lembra quando eu disse sobre enxergar o mundo com outros olhos? Possibilitar que as coisas sejam mais bonitas do que os seus olhos são capazes de captar? — perguntei enquanto andávamos e ele concordou com a cabeça, os ombros se moviam junto.

 

 

 

— Então. Eu acredito que colocam as flores num pedestal enorme demais, impossibilita que as pessoas possam às odiar ou amar caso queiram, você tem que sempre se surpreender com o quanto um jardim se parece belo, mas saber o segredo das flores não está na beleza, e sim na capacidade de tocar outras pessoas com sua existência, com seu abrir e fechar para respirar e receber um pouco de sol. A beleza das flores é o quanto ela consegue nos tocar, e se ela precisa nos tocar para nos encantar, então porque não podemos nos encantar com o toque e não com a visão?

 

Eu sempre fui muito ruim em analogias, não sabia se ele tinha captado o que queria dizer, no entanto eu esperava que tivesse. Sorriu para as flores por um tempo e eu pensei que talvez estivesse no caminho certo.

Nos sentamos na grama e Seokjin pegou uma bonita flor branca, mostrando a ele.

 

 

— Hoseok, isso é uma margarida. O engraçado das margaridas é que elas não são flores, são uma inflorescência, o que significa que elas são muito mais do que parecem. Já parou para reparar que as coisas mais bonitas são aquelas que são mais do que os olhos podem ver? Não é admirando uma flor que você conhece ela de verdade, a maioria dos apaixonados por flores se apaixonam por uma memória ou pelo...

 

 

— Cheiro. — Namjoon completou e eles se olharam por um tempo, Jin concordou com a cabeça e desviou o olhar.

 

 

— As flores têm cheiros únicos, uma textura única. Toque as pétalas. — Jung tocou por um tempo e sorriu ao deslizar o dedo, parecia estar em paz, nem que fosse por um momento muito breve.

— Se você fechar os olhos e cheirar ela, tocar, vai perceber que é capaz de fazê-la única no mundo, apenas pela capacidade de se recordar de sua unicidade dentre todas as outras. É preciso que você se ligue às coisas do mundo, para que elas se tornem únicas em seu peito e coração e só assim, poderá manter a beleza viva, a beleza além do que os olhos são capazes de captar.

 

 

Seokjin e Namjoon decidiram se afastar depois de um tempo e eu fiquei lá, estávamos muito próximos de onde o sol ia se pôr e eu estava admirando seu cair derradeiro, faltava agora muito pouco para Hoseok perder a visão de um vez, permiti que ele tivesse um momento a sós com seus pensamentos e as flores e o mesmo respirou fundo.

 

— Eu não sei se o pensamento positivo será suficiente. — disse, ainda acariciando as flores e do canto dos olhos eu vi que ele tentava fechar os olhos ao fazer isso.

 

 

— Não precisamos ser positivos o tempo inteiro, Hoseok. A vida é muito mais do que dias bons e ruins, em todo bem há o mal e vice-versa, podemos não viver todos os dias num conto de fadas, num sonho, mas podemos nos esforçar para tornar os dias incapazes de sucumbirem a ausência de esperança. Se você tiver esperança, em você e não nos outros, não na capacidade que no final tudo dê certo e o final seja perfeito como nos filmes, vai conseguir ver beleza, nem que seja na mínima coisa. O que é belo é invisível. — falei, apontando para o céu.

— Já reparou que as pessoas gastam seu tempo com outras coisas, mas nunca estão realmente disponíveis para admirar o sol se pôr? Mesmo que seja o momento em que damos adeus a uma coisa e boas-vindas a outra? O pôr-do-sol é como a vida, repleta de idas e vindas, mas o que importa é o processo e não o resultado final. Pare de tentar prever o que vai acontecer quando acontecer, apenas... Saiba que vai acontecer, aceite e se cure por dentro. Seja sua própria esperança.

 

Fechei os meus olhos quando o vento bateu em meu rosto e... Hoseok me abraçou por trás. Jogou seus braços por sobre meus ombros e começou a chorar, foi a pior sensação que já tive, ouvir ele chorando daquela forma, desesperado, soluçando, eu sentia-me incapaz e impotente, mas talvez ele não esperava que eu fizesse nada, os dias anteriores tudo o que eu via era ele tentando ser forte, em vez de aceitar que somos humanos e que humanos têm dias ruins e caem, eu já caí e ele também podia desabar, agia como se a parte que lhe fosse faltar fosse o suficiente para que ele deixasse de ser incrível, como era. Mas eu não podia dizer isso a ele, ele não me ouviria, mas queria que ele percebesse por si mesmo que independente disso ou daquilo, ele ainda seria uma luz brilhante no mundo. Na vida. Na minha inclusive.

 

Ficamos ali, sentados na grama, ele chorando em silêncio em meu ombro e eu admirando os últimos raios do sol, não havia nada a dizer depois de tudo, mas acho que eu fui suficiente, porque em seguida ele me beijou e bom... É.

 

 

No fundo eu achava que ele estava precisando de alguém que fizesse ele se sentir vivo, apesar de parecer que seu peito estava em ruínas, não que ele fosse se segurar em mim e eu fosse sustentar seu corpo, não era esse o ponto, mas ele precisava de alguém que o ouvisse e dissesse que apesar das cores se esvaírem, a luz não iria junto. E eu fui esse alguém. Tinha de admitir que minha intenção inicial não era ter nada com ele, afinal de contas nós nem nos falávamos e coisa e tal, o ponto era que eu quis fazer ele sorrir, saber que a felicidade é muito mais do que ter dias bons diariamente, e ocasionalmente ele me mostrou outras belezas particulares. As coisas foram e foram, e simplesmente aconteceram, não tive nem ideia de como surgiu, foi realmente como pegar no sono, me apaixonar por ele. Às vezes a gente se distrai, e isso basta.

 

 

Passamos bem o resto do mês, fazia questão de as coisas não parecerem o tempo inteiro como um sonho, sem problemas, éramos muito ligados a essa coisa da realidade e isso era bom, o fato de ele gostar da realidade era bom, o que mostrava que ele não queria que as coisas simplesmente desaparecessem, ele queria entender e aceitar que aquilo era o destino e que ele não podia lutar contra. Assim, passamos bons dias descobrindo um novo mundo, eu toquei piano apaixonadamente para que ele dormisse, ele cantou para mim e eu descobri que sua voz combinava imensamente com as notas do meu piano, incrível! Nunca acreditei nessa coisa de destino, mas nos encaixávamos, aquilo era bom.

 

Eu estava preparando duas surpresas para ele naquele fim de noite, faltava exatamente uma semana para que ele perdesse a visão completamente, sinceramente? Eu não perguntei se aquilo seria resultado de uma cirurgia ou de um processo aleatório, sinceramente eu não tinha a intenção de deixar ele triste ao contar, algumas coisas na vida não precisam ser lembradas do contexto, saber que elas existem ou existiram já é suficiente.

Eu estava no meio de uma aula de partituras quando recebi uma ligação da mãe do Hoseok, ela me disse que ouviu um barulho no quarto e chamou por ele na escada, em seguida ouviu barulho de coisas quebrando e de ele gritando, em seguida choro, choro e mais choro e então silêncio. Ela não sabia se ele tinha dormido, se estava chorando baixinho, mas não queria entrar no quarto, porque não sabia se ele queria vê-la.

 

Saí desesperado da aula, só fiz pedir licença para o professor e quase fui correndo com minhas próprias pernas, se não tivesse me lembrado que era muito longe, peguei o primeiro ônibus que passou, tendo que soltar muitos pontos antes porque ele seguia o roteiro errado, cheguei na casa dos Jung suado e com a mochila pendurava em um ombro, aberta. Dawon estava no telefone com alguém e me atendeu de pijama, com uma máscara no rosto e prendendo os cabelos.

 

— Oppa! Você chegou em... Uma ótima hora.

 

Acho que todos reconheciam o bem que eu fazia a ele, não querendo me gabar, mas eu realmente tirava um sorriso dele quando precisava, e quando você é responsável por observar o progresso de uma pessoa tentando se consertar por dentro como Hoseok, qualquer mínima chance de ele ser salvo, já te faz feliz. Baguncei os cabelos da irmã mais velha do meu garoto e subi correndo as escadas, parando em frente a porta e respirando fundo, eu tinha medo até do que iria encontrar, não podia negar.

 

— Hoseok. — bati em sua porta, esperando que ele abrisse ou dissesse qualquer coisa, mas nenhum sinal de permissão veio. Me senti mal, me senti nervoso, eu me sentia... Impotente.

 

Empurrei a porta mesmo assim e encontrei todas as coisas pelo chão, perfumes, porta-retratos, almofadas, celular... e ele, encolhido e chorando num canto.

 

— Mãe, vai embora! Eu não quero ver ninguém! — disse, chorando baixinho, ainda dava para ouvir seus resmungos. Sentia como se fosse me partir ao meio.

 

— Hoseok, sou eu...

 

Ouviu minha voz e ficou em silêncio, se não me expulsou era sinal de que eu podia me aproximar. Eu iria me aproximar de todo o jeito. Fui até ele e me abaixei, abraçando seu corpo, mesmo que ele não tivesse pedido, ficou quietinho lá, sem mover e apenas chorando baixo, o cabelo numa mistura de suor e o shampoo de frutas que ele usava, impossível de eu enjoar ou odiar aquele cheiro.

 

 

— Hobi, o que aconteceu? — perguntei, usando o apelido que eu tinha dado para ele alguns dias atrás.

 

O silêncio continuou e eu apenas respeitei seu espaço, não queria forçá-lo a nada, apesar de odiar vê-lo naquele estado. Achei que deveria usar aquele tempo para mudar de assunto, falar de algo que o desviasse de seja lá por que ele estivesse chorando.

 

— Hoseok, lembra quando eu disse que tinha uma surpresa para você e comentei que o festival de talentos de Daegu estava chegando? — permaneceu em silêncio, mas eu não esperava nada diferente disso, apenas assenti, sem que ele precisasse fazer o mesmo.

— Então, eu te inscrevi no festival para você dançar uma música que estou escrevendo para você.

 

Bom, no começo achei que era uma boa ideia dizer aquilo para ele, mas sua reação me mostrou o extremo oposto, o mais novo levantou a cabeça rapidamente e olhos encontraram os meus, a ponto de me deixar com medo do que ele pudesse fazer comigo.

 

 — Min Yoongi, você fez o quê? — deu um grito alto, daquele tipo que você tem certeza que fez uma besteira muito grande.

 

Me empurrou com a mão e eu quase me bati na cama, me segurando na madeira, justamente para não me bater.

 

— Yoongi, o festival vai acontecer quando eu já... Quando eu já estiver cego. Qual o seu problema? — olhava para si e tentava achar um problema, não vi nenhum e dei de ombros.

 

— E qual o problema?

 

Ele me olhou como se pedisse, desejasse, implorasse a todos os anjos para que eu amanhecesse morto.

 

— Qual o problema? Como você espera que eu dance, que eu participe de uma competição se eu nem mesmo vou enxergar a plateia, se eu não vou saber para qual lado olhar, a quem agradecer, se eu não vou saber simplesmente para quem eu deveria direcionar minha atenção, já que meus olhos não terão ninguém para focar e... — Ele levantou-se e começou a andar pelo quarto, seu braço estava se batendo nas costas e ele piscava muito, comecei a achar que aquela perda era gradativa e se estava assim agora, provavelmente ele vinha perdendo há algum tempo e eu não percebi.

 

Segurei o rosto alheio com ambas as mãos e olhei para ele, penetrante, para que prestasse atenção em mim.

 

— Hoseok, nós fomos para a casa do Namjoon aquele dia, depois fomos ver flores, nós conhecemos um novo mundo juntos, sem precisar dos olhos para nos guiar nessa aventura, e agora você está desperdiçando de fazer a coisa que mais ama por causa de algo que tentamos tratar todos os dias?

 

 

— Yoongi, a diferença é que estávamos fingindo... Eu vou estar cego de verdade, eu não vou enxergar nada, eu não vou... Eu não vou ver o sol, o público, meus passos, você. Eu vou ser apenas o pobre e cego Hoseok, e eu não quero ser só isso. — Se sentou no chão e voltou a chorar, dessa vez forte e pesado, daquele jeito que quase podemos tocar a dor que a pessoa está sentindo e tentando explanar.

 

Cheguei próximo do mais novo e o abracei, dessa vez ele deitou a cabeça em meu peito e eu coloquei minha mão entre os fios alaranjados daquele aristogato.

 

— Você não precisa ver a plateia para saber que ela está ali, admirando seus passos, não precisa se ver para saber que tem na cabeça os passos que você mesmo vai criar. Eu sei que parece impossível sem poder se ver dançando para gravar na mente o que você criou, mas nada é impossível para uma mente criativa, Hoseokie. Sem contar que você é inacreditável na dança, você é inacreditável em tudo o que faz. Eu sei que todo esse tempo estávamos apenas fingindo e que agora é pra valer e parece um pouco desesperador e nada confortável, mas eu estou aqui, eu vou estar todos os dias, para segurar sua mão e tentar mostrar que o mundo é muito mais do que seus olhos podem ver, do que os olhos são capazes de perceber. Eu sei que parece absurdo não poder ver as pessoas te aplaudindo e o modo como eu irei sorrir por saber o homem incrível que você é, sendo assim ou da forma que for, mas você vai confiar em você Hobi, você vai confiar no seu corpo e na sua dança, na sua capacidade de ser incrível. Você vai confiar no quão brilhante sua existência pode ser e vai rir, sem perceber, porque a felicidade não é ter algo, Hoseok, a felicidade é só questão de ser.

 

 

Todas aquelas palavras poéticas que eu gastava consigo não podiam amenizar sua dor e nem afastar o perigo iminente de ele querer cair de uma vez por causa disso, seu peito e mente deveriam estar uma confusão, num turbilhão de emoções, afinal, é complicado encarar coisas como essas, um baque tão forte, uma mudança tão brusca, no entanto elas serviam para que ele passasse um tempo significativo pensando, pensando em como ser ele e em como aquilo podia ser maravilhoso, se redescobrir, redescobrir o mundo. Nem toda dor é poética, mas podemos tentar ver o melhor de todas as situações, o pior o mundo já faz isso por todos nós. Eu não queria o consolar ou algo, eu só queria que ele... Ficasse bem.

 

Me olhou em seguida e eu tinha certeza que queria dizer algo, mas a verdade é que não tinha absolutamente nada a ser dito, era algo que realmente não precisava de palavras, me beijou em seguida e aquela foi uma das noites que eu vi Hoseok mais se esforçar para ser ele mesmo.

 

Me contou que estava dançando e de repente sua visão foi ficando cada vez mais turva e ele trombou na estante, quando se levantou a visão, ainda enevoada, não conseguia captar todas as coisas, ele se odiou, se odiou por estar perdendo a chance de fazer o que amava, se odiou por ser tão humano e sendo humano, ser tão frágil e quis acabar com tudo, quando ele disse isso, meu peito queimou como brasa, ele queria fazer justamente o que eu estava tentando tanto evitar, que caísse como folha de outono.

Naquela noite ele dançou até cansar, tentando lutar contra o enevoado de seus olhos, sendo guiado pelos sons de minha voz a dizer-lhe o que tinha para a esquerda e à direita, decidi que aquela seria a estratégia, eu o guiaria, até que minha voz fosse som o suficiente para que ele alcançasse as estrelas.

 

 

 

Acho que nós subestimamos os dias ruins, e no dia que Hoseok acordou e não enxergou mais nada, foi o dia em que a tristeza foi mais latente em toda minha vida. Foi como eu disse antes, vivemos uma eterna vida de faltas, quando conseguimos uma coisa, nos falta outra, e então conseguimos e aí falta, a vida é bem assim. Por causa disso, eu corri para a casa dele quando a sua mãe me ligou e eu já sabendo que ele não iria querer sair do quarto, fiz uma estratégia muito melhor do que simplesmente tentar convencer ele de que ficar em casa não era uma boa escolha.

 

— Hoseok, eu trouxe uma coisa pra você.

 

— Eu não quero nada, Yoongi. Vai embora.

 

 

O som do motor fez com que ele saltasse da cama, olhasse para todos os lados, mas eu sabia que ele não estava me vendo, por isso procurava, tive de admitir, foi a primeira vez que chorei mais por dentro do que estava chorando por fora, se eu pudesse, daria um de meus olhos para ele, assim veríamos um ao outro apenas com um olho, mas pelo menos ele não estaria sofrendo tanto.

 

— Que barulho é esse? — perguntou, esticando sua mão para frente e eu corri como um desesperado, ele sentiu meu corpo e abraçou minha cintura, encostando o queixo em minha barriga e olhando para cima, mais uma vez mesmo que não conseguisse enxergar de todo.

 

 

— Lembra que eu disse que tinha escrito uma música para você dançar no dia do concurso? Que tal se deixássemos gravado em nós uma parte dela que significa muito para nós dois? — ficou em silêncio durante um tempo e voltou para a cama, tateando a superfície e ao encontrar as almofadas, encostou a cabeça e encolheu o corpo.

 

— Do que adianta tatuar alguma coisa, se eu não vou poder ver e não saberei o que significa? Ver a tatuagem é essencial para entender seu significado, Yoongi! — ele bradou a última parte e eu me deitei na cama com ele, abracei sua cintura e ele retesou o corpo de começou, antes de tatear em busca da minha mão e relaxar em meus braços.

 

O essencial é invisível aos olhos, Hobi.

 

 

É complicado que alguém que não passa por determinado problema, queira descrever sobre ele, eu não fazia ideia das limitações que alguém com ausência da visão tinha, não sabia o que o Hoseok tinha sentido quando não pôde ver o mundo ao seu redor pela primeira vez, eu não sabia como eles se sentiam, eu só podia dizer como eu me sentia. Quando o Hoseok conseguiu finalmente levantar da cama eu estava lá, segurando sua mão para que ele se acostumasse com a ideia de tatear pelas coisas, eu estava lá dizendo que ele precisava agora ser o mestre da imaginação e se lembrar de todos os anos que viu aquela casa e dos detalhes, para que sempre soubesse onde ir. Eu posso dizer como me senti quando entrei na casa e ele estava sentado na mesa, lugar a qual ele chegou sozinho, como me senti quando ele me ligou pela primeira vez sem o auxílio de alguém e quando, nessa ligação ele disse que estava pronto para os ensaios.

Eu não poderia ser responsável pelas descrições dos sentimentos dele, mas eu podia ser responsável por dizer como eu me senti e ainda me sinto, sempre que penso como tudo na vida é uma questão de dar um passo de cada vez, de aceitar as coisas e de compreender que não podemos fazer tudo, que estamos limitados a onde nossa mão pode alcançar e que às vezes a vida faz coisas que não entendemos no momento, que julgamos como rasteira ou algo parecido, mas que cabe a nós trilharmos agora um atalho para desviar daquilo. Acho que a vida é feita de perspectivas, era impossível dizer que ele não ia sofrer com isso e que teria que se adaptar, as coisas não são fáceis, mas como ele iria lidar com isso, era algo que teria de vir dele, ver o copo meio cheio ou meio vazio. E eu estaria ao seu lado para encher aquele copo, quantas vezes fosse necessário..

 

 

Jimin ensinou Hoseok dança contemporânea um pouco antes de ele perder a visão completamente, isso auxiliou os seus passos para dançar a música que eu tinha escrito para o concurso.

Era uma segunda-feira ensolarada, mas nada brilhava tanto quanto ele naquela roupa verde. Ah! Verde realmente combinava com Jung Hoseok.

 

 

— Hyung, eu não sei o que esperar.  — Ele disse, enquanto estávamos no camarim e eu segurava sua cintura, enquanto ele se alongava apoiando em meus ombros.

 

Era bom saber que ele tinha progredido e que estava tentando fazer coisas sozinho, na realidade, era bom todo o conjunto da obra. Eu estava feliz por Hoseok não ter caído numa depressão ou algo parecido, odiar a si mesmo por algo que não tinha sido, nem de longe, culpa sua, algumas pessoas diziam que aquilo era graças a mim, eu apenas negava, era tudo graças a ele, e sua incapacidade de sucumbir a dor que o mundo traz na bagagem, vez ou outra.

 

 

— Eu espero que você seja incrível. — beijei sua testa e ele sorriu para mim. Ah, a única coisa que não me perdoaria seria a incapacidade de um dia poder não admirar mais seu sorriso.

 

 

— Quando você vai me contar o que tem escrito em nossas tatuagens? — Ele me perguntou, no momento em que seu nome foi chamado bem alto no palco.

 

Segurei o rosto de Jung entre minhas mãos e o beijei calmo na testa, acariciando sua pele suave.

 

— Você vai subir lá e vai dançar, como se estivesse dançando apenas para mim e mais ninguém tivesse absolutamente nada a ver com a nossa felicidade e enquanto estiver dançando, você vai ouvir uma parte da música repetindo algumas vezes, algo que eu esse tempo inteiro, desde a primeira vez que nos vimos naquela parte florida e recheada de vida, não quis que acontecesse com você.

 

Ele tocou meu rosto com as mãos, a procura de meus lábios e deu-me um beijo, calmo, quente e equilibrado, o suficiente para aquecer todo o meu coração.

Ajudei-o a subir no palco e não sabia se as pessoas já tinham percebido que ele era deficiente visual, mas ele preferiu que eu omitisse isso na hora de fazer a ficha, às vezes mentimos um pouco quando tentamos agradar, ele estava tentando agradar a si mesmo no caso.

 

Deixei-o no meio do palco e me afastei, indo me sentar no piano, no começo não estava nas regras que podia tocar piano, e mesmo assim eles abriram uma exceção, eu não sei o que foi, Hoseok diz que foi pena, mas eu penso que nem todo ser humano é mesquinho assim, alguns podem realmente se sensibilizar com o tudo e o nada, porque eles não faziam ideia do quanto precisávamos do apoio um do outro.

 

As primeiras notas são sempre as mais carregadas, carregadas de sentimento, da necessidade de levar toda a apresentação nas costas, num resumo, as primeiras notas são sempre o necessário para manter todo o resto sob uma superfície plana, quando meus dedos deslizaram pelas teclas e eu vi ele se movendo pela primeira vez, quis chorar, quis chorar não de tristeza e sim por pensar em tudo o que aconteceu nesses curtos dois meses desde que tinha conhecido Hoseok, ele tinha me dado foras e foras e eu não desisti ainda assim, porque sabia que estar na vida dele, tirar um sorriso de seu rosto, seria mais do que importante para mim, significaria mais do que as palavras poderiam, um dia explanar. Quando toquei cada uma das teclas e ele começou a se mover daquele jeito fluido, como se não pesasse nada, como se todas as coisas ao seu redor fossem apenas pano de fundo e o foco real do meu universo fosse ele, queria olhá-lo para sempre, queria amá-lo para sempre.

 

Pensei sobre o fato de não ter pretendido me apaixonar por ele, pensando que minha intenção era pura e simplesmente ser capaz de fazer Jung enxergar para bem além da barreira ocular, e a vida é engraçada, pois esperamos uma coisa e ela nos surpreende de tamanha forma.

 

Acho que estar com alguém que tem limitações, é saber o momento certo de parar e seguir em frente, é ter empatia e paciência, saber o tempo certo de todas as coisas e principalmente não cobrar, não criar expectativas, não querer demais de quem não tem a possibilidade de dar, mesmo querendo muito, eu sabia que não poderia querer escalar uma montanha, pois ele não poderia estar ao meu lado, mas eu poderia subir as escadas de um prédio alto e admirar a vista lá de cima, pois poderia segurar sua mão e tê-lo ao meu lado. Não é sobre abrir mão, é entender as limitações e fazer de tudo para encaixar ela, a pessoa, em seus planos da melhor forma possível. Isso que o amor significa.

 

Quando a música finalmente chegou de verdade e o refrão começou, por um momento eu achei que ele fosse parar de dançar e eu fiz um “Psiu”, para que ele soubesse em que direção eu estava, olhou para o lado e continuou os movimentos.

 

Never, Never Fall”

 

Era o que dizia a música, era o que estava tatuado em nossos antebraços. Desde o primeiro momento em que tinha visto o garoto sentado entre as árvores admirando aquele pôr do sol, eu soube que ele era um amontoado de estações, colorido como a primavera e seu sorriso, brilhante como um sol quente no verão. No entanto, por detrás daqueles olhos enevoados se escondia um inverno frio e rigoroso, e o laranja dos seus fios eram como as folhas de Maple, no entanto, eu não podia permitir que ele se fosse dessa maneira, então eu prometi, prometi mesmo, promessa de escoteiro que ia salvar o Hoseok, pois quando encontramos uma flor que nasce no meio do deserto, devemos pegar e cuidar dela, pois uma flor no meio do nada indica que no meio do deserto, há um poço em algum lugar.

 

A música terminou e ele correu em direção a onde anteriormente tinha vindo o som do meu “Psiu”, todas as pessoas se levantaram para aplaudir, literalmente todas estavam de pé aplaudindo o meu garoto e uma lágrima escorreu porque ele não era capaz de ver isso, ele não podia ver o quanto as pessoas tinham amado a forma como ele se movia e como era único, mas às vezes não é necessário ver coisas para sentir outras.

 

Pulou em meus braços quando eu o chamei, indicando onde estava, corri ao seu encontro para que ele caísse exatamente sob mim, rodopiei ele no ar e ele riu, o sorriso aberto, iluminando tudo ao meu redor mais do que o sol.

 

 

— Hyung, isso foi...

 

— Foi o meu amor por você, Hoseokie. O meu amor por você fez isso, o nosso amor fez tudo isso. Está escutando? É para você. É o seu nome. Esse é o seu momento.

 

Com ele nos braços parei o rodopio para que ele ouvisse, todos gritavam seu nome, todos aplaudiam ele alto, todo o seu esforço estava sendo recompensado naquele exato momento, em que as pessoas estavam felizes por terem visto, provavelmente a performance mais bonita de toda a história do torneio. Acho que agora eles tinham noção de que ele não podia enxergar, e isso não diminuía nem um por cento da beleza da apresentação, da beleza que ele era.

 

Soltei-o e ele se virou de frente para a plateia, e mesmo que não conseguisse enxergar, curvou-se em agradecimento, segurando minha mão esquerda com a sua direita e sorrindo, tão absurdamente que eu desejei que o mundo parasse naquele momento.

 

Esse é o Hope World. — Ele disse, sorrindo largo enquanto apertava meus dedos entre os seus.

 

Sim, Hoseok. Esse é o seu mundo, e hoje você é infinito.

 

Não, ele jamais poderia voltar a enxergar, jamais poderia ver as cores de meu cabelo mudando e as nuances do pôr-do-sol, mas não ser capaz de distinguir cores não fazia do mundo dele menos colorido, afinal de contas, a esperança nunca teve a ver com nada visual, muitas vezes a esperança é espiritual ou até físico, minha esperança estava bem ali, naquele momento, segurando minha mão e mostrando que o que os olhos não veem, o coração sente.


Notas Finais


Essa história é muito importante para mim, porque esse é o meu álbum favorito (The most beautiful moment in life pt.2) e essa música em específico é muito significativa para mim, eu tenho uma tatuagem exatamente onde os garotos fizeram "Never, never fall" me impede de cair muitas vezes, ou de desejar estar em algum lugar que não aqui onde estou. Acho que essa história não é apenas sobre alguém que encontra o amor e esse amor o salva, e sim uma forma de se ver com outros olhos, ou nesse caso, de que não precisamos de olhos para enxergar a beleza do mundo e muito menos de nós mesmos.
Dead Leaves é significativa para mim e eu espero que essa história também signifique algo para vocês, eu fiz de coração, tem um pouquinho de mim, como tudo o que escrevo. Obrigado por lerem até aqui, obrigado por tudo o que fazem, todos os comentários que fazem nas minhas histórias, ainda que eu não os responda (às vezes não consigo mesmo fazer nada), mas os leio e saibam que cada coisinha que comentam, salvam o meu dia.
Obrigado por fazer um escritor feliz, vocês são tão importantes para as minhas histórias, quanto as próprias palavras que uso para fazê-las. <33


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