História O reino de sombras - O sonho

Edimburgo sempre foi uma cidade repleta de melancolia; por isso digo que era a cidade perfeita para mim.

Eu sempre fui a isolada. Enquanto as outras garotas riam, brincavam e falavam sobre garotos; eu me afundava em meus livros. Eu sentava em algum muro próximo, baixava a cabeça, e deixava que os livros me levassem a um mundo no qual eu não era odiada.

Mas não demorava muito até que algum garoto atirasse uma bola contra a minha cabeça; ou uma garota começasse a fazer piadinhas para que todos a minha volta soubessem que eu era Stella; a escória de Edimburgo.

Meus pais também não ajudavam muito. Pois quando eu chegava em casa, a primeira coisa que eu via eram coisas voando de um lado para o outro. Minha mãe estava sempre tentando agradar ao meu pai, mas não importava o que ela fizesse, ele continuava a fazer o que sempre fazia; agredi-la. O homem estava sempre bêbado!

Minha mãe era uma mulher religiosa; fanática para ser sincera; e por isso ela não o deixava, ela sempre me dizia que o matrimônio era algo mais sagrado do que a felicidade. Minha mãe era vítima nesta ocasião; só nesta ocasião!

Se eu esquessece de rezar antes de fazer qualquer coisa que ela considerasse sagrada - o que incluía praticamente tudo o que se faz no dia a dia de qualquer pessoa normal - ela me batia com a primeira coisa similar a uma arma que aparecesse em sua frente!

Eu não tinha nenhum amigo no mundo; todos me odiavam; meus pais, meus colegas de classe; até mesmo os professores ( de forma indireta é claro ).

Eu gostava de imaginar um mundo melhor. Eu o fazia todas as noites, quando os sons de brigas acabavam e eu podia tirar os travesseiros dos meus ouvidos. Eu imaginava algo belo; com campos e bosques encantadores, flores que ninguém jamais imaginária, criaturas fantásticas e belos jardins, nos quais as damas sentavam ao lado de seus amados e observavam os pássaros cantando sua amável melodia.

Era tudo apenas a minha imaginação infelizmente.

Eu estava indo para a escola, como fazia todas as manhãs. Não me lembro do dia, mas sei que o ano era 1938.

Eu estava como sempre; cabisbaixa, triste, e com medo. Eu estava na metade do caminho quando um grupo de garotos com bicicletas me avistou. Vieram até mim desde o outro lado da rua. Eu os conhecia, por isso comecei a correr. Eles vieram atrás de mim em suas bicicletas por alguns quarteirões até que eu pulei por cima de um muro que só acabava metros adiante. Os garotos largaram suas bicicletas e pularam o muro; me seguiram por alguns metros até que me deparei com um rio.

- Olá Stella; por que está correndo de nós, nunca te fizemos mal algum - disse o mais velho dos garotos ao se aproximar - não me diga que quer ficar sozinha para ler os seus livrinhos!

- Estou com vontade de ver o que ela lê - acrescentou outro garoto com um sorriso maldoso estampado no rosto - o que você acha Leo?

- Acho uma ótima idéia Yann - respondeu Leonard com o mesmo sorriso - afinal - continuou - devem ser livros incríveis, julgando pelo tempo que ela dedica a eles.

Ao dizer isso; Leonard agarrou minha bolsa e tentou arrancá-la de mim. Eu tentei impedi-lo, mas o garoto era mais forte que eu. Ele agarrou meu braço e me empurrou para dentro do rio.

Ao tirar a minha cabeça da água; enchuguei meus olhos e vi Leonard com um livrinho de capa marrom. Era o meu maior segredo. Um romance que eu estava escrevendo; sobre uma garota que era levada para dentro de seus sonhos todas as noites; para se esquecer das mágoas do mundo real.

Eu não podia deixar que ele o lesse! Então sai da água e corri em sua direção, soltando um grito de guerra.

Mas seus amigos me seguraram antes que eu conseguisse chegar perto.

Ele leu!

"Sinto-me pálida; sem a graça que a todos é concedida. Quando estou acordada; sou privada do doce sabor da vida. E a cada dia que passa; sofro em uma existência arrependida! "

Ele leu estas frases com um tom de deboche claro em sua voz!

E logo após terminar; jogou o livro no rio e disse com um sorriso diabólico.

- Belíssimo!

Ele e seus amigos foram embora rindo; e eu, pulei no rio para tentar recuperar meu livro!

Eu consegui recupera-lo; mas estava ilegível; pois suas páginas escorriam como mingau.

Não fui a escola naquele dia. Passei o resto do dia chorando debaixo de uma árvore perto dos limites da cidade.

Quando cheguei em casa; meu pai estava bêbado; tendo uma de suas crises. Minha mãe estava nua e machucada; largada no chão com a expressão de quem queria cometer suicídio. E meu pai; gritava coisas aleatórias e obscenas pela casa.

Corri para o meu quarto, com medo de que ele me machucasse; e deitei na minha cama. Imaginei um mundo melhor. Como eu fazia todas as noites, antes de dormir. Imaginei os campos, os bosques, as flores, as criaturas fantásticas, os pássaros cantando para os amantes nos Jardins. Mas dessa vez; era como se eu estivesse lá! Eu podia até sentir o cheiro das flores!